segunda-feira, 22 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22027: In Memoriam (387): José Augusto Miranda Ribeiro (1939-2020) - Parte II: Foi professor primário e autarca em Condeixa-A-Nova... Em Cabo Verde, apaixonou-se pela fotografia



José Augusto Miranda Ribeiro (Lousã, 1939 - Condeixa, 2020): até sempre, camarada!


Cabo Verde > Ilha do Sal > CART 566 > c.out 1963 / julho 1964 > A paixão pela fotografia


1. Continuação do In Memoriam  respeitante ao nosso camarada José Augusto Miranda Ribeiro,  que nos deixou há três meses, a  20 de dezembro de 2020 (*)
 
Nasceu na Lousã em 1939. Lembra-se de quando a guerra acabou, em 1945, tinha seis anos, e o pai, que era professor e tinha seis filhos,  foi fazer exames à Figueira da Foz. Foi a primeira vez que a criançada viu o mar. (**)

Estudou em Coimbra, no liceu e depois no Magistério Primário.  Depois da tropa e da comissão de serviço em Cabo Verde e na Guiné, passou também dez anos da sua vida em  Angola (1965/1975, em Sá da Bandeira  e em Luanda. Fixou-se em Condeixa-A-Nova, depois do regresso da família (**), onde exerceu a profissão de professor do ensino básico. Foi também autarca, Reformou-sem como professor, em 1999.


2. No sítio da Câmara Municipal de Condeixa pode ler-se, com data de 21/12/2020, a seguinte  "Nota de pesar pelal morte do antigo vereador José Ribeiro
 
(...) A Câmara Municipal de Condeixa-a-Nova expressa as mais sentidas condolências pelo falecimento do antigo vereador e vice-presidente desta autarquia, José Augusto Miranda Ribeiro.

José Ribeiro exerceu funções de vereador da Câmara Municipal de Condeixa entre março e outubro de 1984, em substituição de outro vereador, para em 1986 assumir dois mandatos consecutivos na vereação municipal, até final de 1993.

José Augusto Miranda Ribeiro era reconhecido como um ser humano excecional, homem de causas e um lutador pela liberdade e que muito contribuiu para o desenvolvimento de Condeixa, enquanto vereador e vice-presidente da Câmara Municipal nos anos 80 e 90 do século passado. (...)

 
3. Foi fur mil, CART 566 (Ilha do Sal, Cabo Verde, outubro de 1963 a julho de 1964 / Olossato, Guiné, julho de 1964 a outubro de 1965) 

Entrou para a Tabanca Grande em 2013, tendo mais de 3 de dezenas de referências no nosso blogue.  E foi a dois nossos encontros nacionais, em 2013 e 2015.

Em Cabo Verde,  apaixonou-se pela fotografia (***).

(...) Em Cabo Verde comprei uma Yashyica Electro 35, a um primeiro sargento que se dedicava ao contrabando. Paguei 1750 escudos, equivalente ao meu ordenado mensal, como professor, no ano anterior em Portugal. Entrei na Guiné com a máquina (em punho) numa mão e a G3 na outra.

Na Ilha do Sal um soldado tinha encontrado à beira mar uma boía de vidro. Fiz-lhe um pequeno orifício, no local onde terá partido uma espécie de argola.Enchi-a de água para fazer de condensador. Claro, sem ferramenta nem material adequado foi difícil fazer um ampliador. Mas fiz. Com as tábuas de um caixote de sabão e o serrote e o martelo que fui pedir emprestado ao nosso pescador, lá ajeitei o dito ampliador. 

Pedi à minha irmã mais nova para comprar, em Coimbra, e me mandar um dispositivo para revelar as películas e o pó que misturei com água para fazer o líquido revelador de películas. Pedi também duas tinas uma para revelar o papel que teria de mergulhar por breves segundos no líquido revelados de fotografias e logo em seguida, na outra tina, teria de mergulhar por mais tempo as fotografias no líquido fixador. Dentro do ampliador tinha um espelho e uma luz branca que projectava raios difusos, um condensador (feito com a boia já referida) que transformava os raios difusos em raios paralelos. Em seguida ficava a película (negativo do filme).

Mais à frente um tubo que tinha a objectiva da velha máquina de fotografar e por fim o papel de fotografia que segurava na parede.A focagem era feita andando com o tubo para dentro ou para fora do caixote, só com a luz vermelha. Quanto mais longe estivesse da parede maior era a fotografia, mas mais imperfeita ficava. Depois apagava a luz vermelha e acendia a branca, por breves segundos, que iria marcar o preto da fotografia.

Fiz centenas que vendi barato, porque também não eram muito perfeitas. (...)


4. Deixou-nos, nomeadamente,  oito postes com memórias fotográficas de Bissorã e do Olossato (***). Fomos recuperar e reeditar algumas das suas fotos de Cabo Verde e da Guiné, publicadas quer no nosso blogue quer na sua página do  Facebook.




Cabo Verde > Ilha do Sal > CART 566 (1963/64>  Um dia de serviço




Cabo Verde  > Ilha do Sal > CART 566 (1963/64) > Uma brincadeira própria dos 20 anos



 Cabo Verde > CART 566 (1963/65) > Viagem de Cabo Verde para Bissau num velho navio, o NPR   Lima, que logo a seguir foi para a sucata.




Guiné > Região do Oio > Bissorã > CART 566 (1963/65) >  O José Augusto Ribeiro. com a mascote Tróia, falecida em combate.


Gyuiné > Região do Oio > CART 566 (1963/65> Olossato > Furriel Ribeiro e 1ºs Cabos de uma Secção do 1.º Gr Comb




Foto (e legenda): © José Augusto Miranda Ribeiro  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

(Continua)
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Notas do editor:
 


(***) Vd. poste de 9 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13995: A minha máquina fotográfica(4): (i) Comprei em Cabo Verde uma Yashica Electro 35 a um primeiro srgt que se dedicava ao contrabando; e (ii) improvisei um estúdio de fotografia (José Augusto Ribeiro, ex-fur mil da CART 566, Cabo Verde, Ilha do Sal, outubro de 1963 a julho de 1964, e Guiné, Olossato, julho de 1964 a outubro de 1965)

(****) Vd. postes de:

14 de janeiro de  2013 > Guiné 63/74 - P10939: Memória dos lugares (205): Olossato, anos 60, no princípio era assim (1) (José Augusto Ribeiro)

19 de janeiro de  2013 > Guiné 63/74 - P10964: Memória dos lugares (206): Olossato, anos 60, no princípio era assim (2) (José Augusto Ribeiro)

24 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11147: Memória dos lugares (218): Olossato, anos 60, no princípio era assim (4) (José Augusto Ribeiro)

26 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11157: Memória dos lugares (219): Olossato, anos 60, no princípio era assim (5) (José Augusto Ribeiro)

28 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11171: Memória dos lugares (219): Olossato, anos 60, no princípio era assim (6) (José Augusto Ribeiro)

Guiné 61/74 - P22026: In Memoriam (386): José Augusto Miranda Ribeiro (1939-2020) - Parte I: Era professor primário aposentado, natural da Lousã, viveu dez anos em Angola (1965-75), antes de se fixar em Condeixa... Conhecemo-nos em Monte Real, em 2013.


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Três "velhinhos" da guerra da Guiné: José Augusto Ribeiro (Condeixa), Rui Silva ( Santa Maria da Feira) e Carlos Paulo (Coimbra). (*)

O Paulo e o Ribeiro eram, naquele sítio e momento, se não me engano, os "velhinhos" dos mais "velhinhos", em termos de antiguidade na tropa... Pertenceram à CART 566 (que veio de Cabo Verde, 1963/64. para reforçar o TO da Guiné, no início da guerra, 1964/65)... Por seu turno, o Rui Silva pertenceu à CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67). Conversa puxa conversa. andaram nos mesmos sítios e na mesma guerra. Daí esta "foto histórica"...

Foto (e legenda): © José Augusto Ribeiro (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > X Encontro Nacional da Tabanca Grande > 18 de abril de 2015 > Do lado esquerdo, dois dos homens que "abriram" a guerra: o José Augusto Miranda Ribeiro (Condeixa) e o Joaquim Luís Mendes Gomes (Mafra / Berlim), o nosso poeta das "Baladas de Berlim"... Ambos são do tempo do caqui amarelo... Recorde-se que o José Augusto [Miranda] Ribeiro foi fur mil da CART 566, Cabo Verde (Ilha do Sal, Outubro de 1963 a Julho de 1964) e Guiné (Olossato, Julho de 1964 a Outubro de 1965)... O nosso poeta, J. L. Mendes Gomes, esse, foi alf mil da CCAÇ 728 (Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), O Ribeiro estava a falar com o Jorge Rosales,  infelizmente também já falecido, o primeiro régulo da Magnífica Tabanca da Linha (, à sua direita, o  Zé Manuel Dinis). (ªª)


Foto (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
  


José Augusto Ribeiro 
(Lousã, 1939 - Condeixa, 2020)
 
1. Quando o Carlos Vinhal preparava o poste de aniversário do nosso camarada José Augusto Miranda Ribeiro, nascido a 8 de abril de 1939, foi à procura de elementos para a sua "prova de vida" e, ao consultar a sua página do Facebook foi surpreendido pela notícia da sua morte, ocorrida já há 3 meses, em 20 de dezembro de 2020.

Foram várias as manifestações de pesar dos seus familiares, amigos e antigos alunos, de que selecionamos três excertos:

JJ FalcãoRibeiro > 20 de dezembro de 2020 ·

(...) O meu Pai faleceu hoje, José Augusto Miranda Ribeiro,  parte o meu herói, o melhor Pai, o melhor marido, o melhor avó e o melhor sogro...

Tantas guerras enfrentaste, a ditadura, a perseguição política, a guerra colonial, a guerra civil em Angola, sempre te levantaste, só mesmo o Inimigo invisível te podia fazer tombar.

Para sempre meu Pai! Um beijo para ti ! (...)

Elisabete Silva > 20 de dezembro de 2020 ·

(...) Ainda tinha tanto para ensinar. É com muita pena mesmo que recebi a notícia. Grande professor que foi, para mim, na escola primária de Alcabideque, e sempre me acompanhou no meu percurso escolar depois. Grande Homem em todo o seu ser. Muita força à família. Um abraço sincero. (...)

Carolina Ribeiro > 22 de dezembro de 2020 ·

(...) Sobre um avô que sempre foi mais que um avô! Sobre um avô que nos ensinou o verdadeiro significado de bondade, amor, felicidade e justiça. Sobre um avô que vivia para as netas e nunca hesitou em fazê-las felizes. Sobre um avô que partiu mas que deixa a maior saudade, mas também as melhores memórias por tudo o que fez por nós. Sobre ti e para ti, meu avô Zé. (...)

2. O José Augusto Miranda Ribeiro foi fur mil, CART 566 (Ilha do Sal, Cabo Verde, outubro de 1963 a julho de 1964 / Olossato, Guiné, julho de 1964 a outubro de 1965), estava aposentado como professor do ensino básico; era natural da Lousã e vivia em Condeixa, depois de 10 anos em Angola (1965/1975, em Benguela e em Luanda).(***)

Entrou para a Tabanca Grande, em 9 de janeiro de 2013 (****). Conhecemo-nos nesse ano, em Monte Real. O José Augusto Ribeiro era um pessoa amável, sociável, bem humorada,  e compareceu ainda no nosso X Encontro Nacional, em 2015.

Vamos recordá-lo aqui em dois postes, começando pela sua história de vida (***)

(i) regressei da Guiné no dia 1 de novembro de 1965;

(ii) foi colocado como professor na Escola do Magistério de Coimbra. 

(iii) casou-se  nove meses depois, do regresso da Guiné, no dia 31 de Julho de 1966;

(iv) o casal partiu  para Angola 15 dias depois do casamento, no paquete Império...


Angola > Lunda > c. 1973 >
Uma família feliz: José Augusto,
a esposa Adriana. o filho João
e a filha Helga


Mas vejamos o que deixou escrito em 2015 (***):

(...) "Fui trabalhar como professor em Sá da Bandeira, onde nasceu o filho João, que tem agora 48 anos, casado há já 20 anos, mas não tem descendentes.

"Em 1968, saí de Sá da Bandeira e fui para Luanda, a 1100 Km,  trabalhar no Banco de Angola, para dar oportunidade à minha mulher de tirar o curso do Magistério. Teve a nota de 17 valores, que nunca ninguém ultrapassou. 

"Regressei de Angola em 1975 e voltei a trabalhar como professor em Condeixa, até à aposentação em 1999. 

"Em Luanda nasceu a filha Helga que tem agora 43 anos e 3 filhas. A Carolina tem 17 anos e está no 12.º ano e pretende ser arquiteta, a Matilde tem 13 anos e frequenta o 8.º ano e, por fim a Filipa faz dois anos no próximo domingo. Sou um "avô babado"  e, com muito gosto, sou também o taxista delas todas, e da avó Adriana, que nunca teve nenhum acidente, mas deixou de conduzir desde que lhe foi aplicada, há 4 anos, uma prótese, na anca direita". (...) 

Para a esposa Adriana, os filhos João e Helga e para as netas, Carolina, Matilde e Filipa, e demais família e amigos íntimos, vão as nossas sentidas manifestações de pesar e de solidariedade na dor pela perda do seu querido esposo, pai e avô e nosso amigo e camarada José Augusto Miranda Ribeiro. (****)
 
(***) Vd. poste de 2 de outubro de  2015 > Guiné 63/74 - P15190: História de vida (40): Casei-me, em 31/7/1966, nove meses depois do regresso da guerra; quinze dias depois, embarquei no paquete Império, a caminho de Angola onde trabalhei como professor primário e quadro bancário (José Augusto Miranda Ribeiro, ex-fur mil, CART 566, 1963/65)

Guiné 61/74 - P22025: Notas de leitura (1348): "A Batalha do Quitafine", por José Francisco Nico; edição de autor, 2020 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Março de 2021:

Queridos amigos,

O contributo do General José Francisco Nico dá descrição do que foram as operações que conduziram à completa neutralização da artilharia antiaérea do PAIGC no Quitafine tem grande significado, tanto quanto se sabe é o primeiro relato que vem a público com tal minúcia, acompanhado de inúmeros elementos visuais correspondentes das sucessivas operações. 

Sabia-se pelos relatos do general Diogo Neto da resiliência quanto à resposta aérea no período conturbado de 1973, mas aqui também o autor traz importantes aportes. Do princípio ao fim no seu relato o autor não ilude a fragilidade da posição portuguesa no espectro das oposições ao colonialismo e deplora não se ter encontrado uma matriz de identidade multirracial, que foi muito apoiada pelas teses federalistas que chegaram tarde e a más horas. Não se pode pôr a História em tribunal, mas tivesse havido uma entidade política dialogante com os movimentos de libertação, a tempo e horas, é bem provável que se tivessem evitado os excessos que hoje é muito fácil criticar, sobretudo quando não se pôs as mãos na poda de uma solução.

Um abraço do
Mário



Memórias da destruição da artilharia antiaérea do PAIGC, na península do Quitafine (2)

Mário Beja Santos

Trata-se de uma edição de autor, a segunda, com data de novembro de 2020. Esta obra do Tenente-General Piloto-Aviador José Francisco Fernandes Nico encerra abundantes e por vezes considerações sobre estratégia político-militar de guerrilha e contraguerrilha, tece considerações altamente críticas sobre os acontecimentos do 25 de Abril e o processo da descolonização e dá-nos um quadro das diferentes operações que decorreram entre outubro de 1967 e janeiro de 1970 que levaram à eliminação sistemática da artilharia antiaérea do PAIGC pela Esquadra 121 do Grupo Operacional 1201. 

Chegou agora o momento de acompanhar o seu relato das operações que se iniciaram em 7 de março de 1968. Era patente que o PAIGC se convencera que a disseminação de metralhadoras antiaéreas na península do Quitafine seria suficiente para garantir o estatuto de zona libertada. Tinham chegado recentemente os G-91, bem capazes de enfrentar a ameaça dessas armas. A máxima era a de, logo que detetadas estas posições antiaéreas, atacá-las de imediato. Permanece o mistério de como a cúspide do PAIGC sonhou com a possibilidade de garantir um território inexpugnável face à Força Aérea Portuguesa.

O autor dá-nos conta das particularidades operativas do avião Fiat G-91 que é tida como uma máquina excecional, era um recém-chegado ao teatro de operações da Guiné. E o autor discreteia sobre o erro catastrófico de o PAIGC acreditar no estabelecimento de posições fixas, construindo mesmo linhas de defesa com trincheiras, a Força Aérea Portuguesa conhecia as posições e dispunha de meios para as volatizar, como se comprovou. 

Inicia-se, pois, um combate que se prolongou até janeiro de 1970. É uma narrativa cheia de peripécias, há aviões atingidos e pilotos milagrosamente não atingidos. Num ponto do Quitafine, Cassebeche, dentro de uma área conhecida pelos pilotos-aviadores como o Bacalhau, o PAIGC começou a construir espaldões para esta artilharia, a reação foi a operação Regar o Prestígio, teve resultados favoráveis. Logo a seguir ao primeiro ataque houve a repetição com quatro aviões à carga máxima, foram largadas no local 24 bombas, os pilotos tinham aprendido a lição que não deviam cair na armadilha de tiro ao alvo. Seguiu-se um período de acalmia até que em março voltaram a detetar movimentações do PAIGC com novos espaldões e detetou-se uma ZPU-4, seria a primeira destas armas na Guiné. 

Seguiu-se a Operação Martelada III, logo no dia 7 desse mês, teve resultados importantes, os aviões tinham sido rearmados com bombas de fragmentação, foram lançadas nas matas circundantes, no reconhecimento detetou-se que havia uma ZPU e cinco posições periféricas que podiam ter metralhadoras. Nasceu depois a ideia de nova operação, veio a ser denominada Tempestade Betelgueuse, consistiu num heliassalto que colocou no terreno 190 homens, paraquedistas e fuzileiros. A operação não foi particularmente feliz, houve erros de sincronização. 

Na sequência de uma operação durante os trabalhos do asfaltamento da estrada Buba-Aldeia Formosa encontrou-se uma pequena pasta preta transportada por guerrilheiros, que se revelou de grande importância, o PAIGC insistia em manter a sua artilharia antiaérea, o General Spínola decretou que iria haver um heliassalto, e assim ocorreu a Operação Vulcano, o inimigo resistia bem e mantinha a capacidade antiaérea. É nesse contexto que se lança um ataque à posição após a Operação Vulcano, as coisas correm mal ao PAIGC.

Logo a seguir o autor dá-nos pormenores sobre as derradeiras ações de contraguerrilha antiaérea, o seu pico foi a Operação Cravo Azul, 20 de janeiro de 1970, acabou-se a artilharia antiaérea do PAIGC no Quitafine. 

A caminhar para o termo da sua narrativa, o General José Francisco Nico disserta sobre outras ações antiaéreas do PAIGC e há para ali trechos emocionantes como o avião atingido pelo Tenente-Coronel Costa Gomes que se ejetou a centenas de metros do aquartelamento de Gandembel, teve a sorte do seu lado, ao fim da tarde pôde reunir como normalmente fazia com o Governador e Comandante-Chefe, na Amura. 

Há igualmente a descrição do abate por míssil Strela na área de Madina do Boé do Tenente-Coronel Almeida Brito, em 28 de março de 1973. 

Depois de uma reflexão acerca da ajuda humanitária sueca seguem-se os estranhos acontecimentos da presença de um farto dispositivo antiaéreo perto do antigo quartel abandonado de Sangonhá, algo de incompreensível, mas veio-se a apurar que se trataria de uma filmagem para simular a tomada de um quartel, foi um revés completo. O último suspiro desta artilharia antiaérea do PAIGC ocorreu no corredor de Guilege durante a Operação Pérola Azul.

Nas conclusões, o autor reflete sobre os conceitos de defesa antiaérea e antiaérea ofensiva.

“Inicialmente, o armamento antiaéreo do PAIGC procurava limitar a capacidade de intervenção da aviação quer isoladamente em acções autónomas, quer no apoio às forças de superfície. Tratou-se de um requisito objectivo para eliminar o único factor de assimetria favorável às nossas forças, a componente aérea. O emprego desse armamento teve uma função visivelmente ofensiva e destinava-se a provocar atrição. Foram os tempos das emboscadas antiaéreas, em que as armas eram colocadas em posições dissimuladas na orla das matas ou mesmo razoavelmente encobertas pela vegetação”

Houve episódios de alvejamento, as emboscadas antiaéreas foram retomadas a partir de março de 1973 com os mísseis Strela-2. E o autor insiste no erro crasso que se praticou de teimar numa guerrilha com posições fixas. Fica-se igualmente a saber que a partir de junho de 1970 a artilharia antiaérea do PAIGC nunca mais foi utilizada para tentar interditar qualquer área.

Num apontamento à parte o autor fala sobre os apoios intermédios do PAIGC tanto no Senegal como na Guiné Conacri, dissertando depois sobre os acontecimentos das ofensivas do PAIGC a partir de março de 1973 e a resposta da Força Aérea para conter o adversário, efetuando ataques na área fronteiriça.

Chegou a hora de contabilizar os resultados do conjunto de operações levadas a efeito na península do Quitafine e termina o seu trabalho deplorando a falta de benefícios advindos da chamada guerra de libertação, falhou o objetivo da constituição de uma comunidade multirracial e pluricontinental: 

“A história dos últimos 46 anos da Guiné-Bissau permite concluir que, em vez de o desastre incentivado pelo Sistema adversário que nos atacou, sob a direcção da ONU, podíamos ter continuado a ser a mesma entidade política, certamente com características compagináveis e até mesmo impostas pelos avanços sociais inerentes à cultura ocidental onde estamos inseridos, - à época era essa a vocação da grande maioria do povo português como era da maioria dos guineenses, e hoje estaríamos certamente muito melhor. Especialmente o povo guineense. É esta a minha convicção”.

Como se teria parturejado tal entidade política, depois de tão sangrentos anos de luta, o autor não nos dá explicação ou oportunidade de ajuizar como se teria processado tal via de reconciliação.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22009: Notas de leitura (1347): "A Batalha do Quitafine", por José Francisco Nico; edição de autor, 2020 (1) (Mário Beja Santos)

domingo, 21 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22024: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (25): Curso, gratuito, "online", sobre "Iniciação à Prova de Vinhos": promovido pelo Turismo de Portugal, com a duração de 2,5 horas ... mas tem de ser feito até ao fim deste mês


Guiné-Bissau > Região de Gabu  > Ponte Caium > Ao lado de um memorial aos mortos do 3º Gr Comb da CCAÇ 3546 (1972/74) ,  ainda existia em 2010, no tabuleiro da ponte, esta base de um nicho com a inscrição "Nem só de pão vive o homem. [Guiné] 72-74".

Foto (e legenda): © Eduardo Campos (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > Novembro de 1968 > O alf mil SAM Virgílio Teixeira (o segundo a contar da esquerda), a ajudar a descarregar garrafões de vinho, alguns dos quais têm o rótulo do Cartaxo (presumivelmente, da Adega Cooperativa do Cartaxo).

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Nem só de pão vive o homem... Também precisa de poesia para viver (e hoje, 21 de março, até é o Dia Mundial da Poesia, um dia que   foi criado, em 1999, na 30.ª Conferência Geral da UNESCO; também é Dia Internacional das Florestas...). 

Mas não vamos falar de poesia, mas de vinho, se bem que um bom vinho seja "poesia engarrafada":  "wine is bottled poetry" [a autoria da metáfora é a tribuída a um poeta, que não era francês nem português, mas  da terra do "Scotch", Robert Louis Stevenson (1850-1894), o  conhecido autor de "A Ilha do Tesouro":  quem não o leu na adolescência ? É uma obra da literatura universal que faz parte do plano nacional de leitura, 7º ano].

Hoje o que vos "oferecenos" não é nenhum prato "especial, anti-covid", é a oportunidade de fazer, de borla, um curso de "Iniciação à prova de vinhos", disponível aqui na  plataforma Nau.


2. O que é a NAU? ...

“NAU – Ensino e Formação Online para Grandes Audiências” é um projeto online, pioneiro a nível nacional, de suporte ao ensino e formação, dirigido a grandes audiências.

(...) "É um serviço desenvolvido e gerido pela Unidade FCCN da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) que permite a criação de cursos em formato MOOC (Massive Open Online Course), ou seja, cursos abertos e acessíveis a todos, produzidos por entidades reconhecidas e relevantes na sociedade, que contam com a participação de milhares de pessoas."

Integra-se na missão (nacional) de promover: (i) o desenvolvimento digital, (ii) a inclusão e a literacia digitais, (iii) a educação e (iv) qualificação da população ativa.


3. Mas vamos ao curso, que o tempo escasseia:

(i) promovido pelo Turismo de Portugal; 
(ii) é gratuito; 
(iii) tem uma carga horária de duas horas e meia; 
(iv) termina no fim deste mês; 
(v) tem avaliação e certificado de aproveitamento (respostas certas a mais de 50% do teste final); e
 (vi) é um dos cursos da plataforma NAU com maior número de matriculados (já cerca de seis mil).

Público-Alvo

Iniciação à Prova dos Vinhos é um curso promovido pelo Turismo de Portugal direcionado para profissionais do setor, estudantes e o público em geral que tenham interesse em conhecer mais sobre esta área.

Objetivos de Aprendizagem

Após a realização deste curso o formando deve ser capaz de:

1 - Descrever as etapas metodológicas do exercício de degustação;
2 - Selecionar o copo ideal e organizar a sala de prova;
3 - Explicar os principais fatores que contribuem para a correta avaliação da cor do vinho;
4 - Descrever o que são vinhos cristalinos, límpidos e turvos, estabilidade biológica;
5 - Executar os principais métodos no exame olfativo e gustativo;
6 - Descrever Potencial de persistência aromática, adstringência, causticidade e efervescência;
7 - Descrever e explicar a consistência do vinho;
8 - Aplicar a correta adequação do vinho à iguaria.

Atividades

Neste curso, o promotor pretende ir muito mais além do "gosto ou não gosto", ou do
“sou como o Jacinto, tanto faz branco como tinto”, 
conseguindo dar resposta a perguntas como:

  • Que estilo de vinho?
  • Apresenta a tipicidade do seu terroir e da sua casta?
  • Estará no momento ótimo para ser servido?
  • Como devo servi-lo?
  • A que temperatura?
  • Decantar?
  • Com que copo?
  • Será adequado ao gosto das pessoas a quem se destina?
  • Será adequado à iguaria ou ao momento?
 Fonte: Excertos de: Nau - Sempre a Aprender > Curso de Iniciação à Prova de Vinhos (com  a devida vénia...)

Para saber tudo sobre o curso, clicar aqui:

Guiné 61/74 - P22023: Blogues da nossa blogosfera (155): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (64): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


REFLEXÃO SOBRE A LIBERDADE

ADÃO CRUZ

(Auguste Rodin, O pensador)

A Liberdade é um conceito que não é fácil de entender. A Liberdade é um conceito multifacetado que nos obriga a uma reflexão profunda mas clara, uma reflexão que possa constituir uma espécie de calibração para todos nós.

Na minha maneira de ver, a Liberdade, nas suas inúmeras vertentes, não pode existir fora de nós se não existir dentro de nós. E para que ela exista dentro de nós tem de ser racional, tem de assentar em três grandes pilares, o Pensamento, a Razão e o Amor à Verdade, as grandes riquezas do ser humano. O Pensamento como coração e cérebro do discernimento filosófico, a Razão como validação desse pensamento, tendo por base o conhecimento científico, único caminho da Verdade, ainda que muitas vezes difícil e sinuoso. E o Amor à Verdade, como sangue ou seiva que o percorre e alimenta.

Só tendo consciência plena dessa Liberdade individual, da nossa Liberdade interior, só tendo consciência de que não nos enganamos a nós mesmos, seremos livres para poder entender e ser capazes de defender a Liberdade ou as liberdades fora de nós, sejam elas de que natureza forem, existenciais, laborais, sociais e políticas. Não falo, propositadamente, em liberdade religiosa ou em liberdade de crenças. Qualquer pessoa tem o pleno direito de acreditar no que quer que seja, no entanto, na minha maneira de ver, não podemos compreender que o faça livremente, dado que qualquer crença ou religião assenta em premissas não racionais, isto é, premissas que tornam impossível a conquista da Liberdade Interior.

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Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22005: Blogues da nossa blogosfera (154): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (63): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P22022: Blogpoesia (725): "Cacho de uvas"; Quando não há pão..."; "Chove nas vielas" e "Suavemente", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


Cacho de uvas

Família numerosa de filhos.
Cada um o mais saboroso.
Brilham ao sol e chuva.
Sabem a mel no calor de Agosto.
Cada ramada é um altar de prendas.
Enchem o lagar numa noite de canseira.
A fermentação do mosto, um milagre ali mesmo à vista.
Sua transformação em vinho.
Algum dele tem mesmo honra de ir ao altar,
Para ser o sangue do Criador.
Fruta abundante entre todas abençoada.


Berlim, 15 de Março de 2021
8h53m
Jlmg


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Quando não há pão...

O pão é escasso para a fome geral.
Sua mãe é a injustiça.
Há quem se aproveite com o que é de todos.
A lei que tudo rege quem a ditou
Foi o Criador.
Sem discriminar.
A ganância gera este clima de guerras geral
Que avassala o mundo.
Depois não se queixem das pandemias
Que arrasa tudo.
Não há fortes nem fracos.
Ficam todos esmagados e humilhados.


Berlim, 16 de Março de 2021
1051m
Jlmg


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Chove nas vielas

Estão molhadas as vielas dos bairros de Lisboa.
Chovem sonhos enamorados.
Uma fonte inesgotável.
Os tempos que passaram.
As saudades nunca secam.
São estrelas nas noites negras.
São vida da alma dorida.
Se foram e não voltam.
Quem nos dera.
É a lei que Deus ditou...


Berlim, 17 de Março de 2021
21h9m
Jlmg


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Suavemente

Melodia suave deleita e consola.
Fruto saboroso dum talento do som.
Partilhado e oferecido gratuito.
Fonte de sonho.
Fica feliz quem a ouve e saboreia.
O talento é dado.
Retê-lo para si, seria ingratidão.
Cada um tem seus talentos e dotes,
Para servir à mesa da amizade.
É assim que foi escrito na lei,
O seu Autor final.


Berlim, 19 de Março de 2021
18h00m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22004: Blogpoesia (724): "Pelas esquinas das vielas"; "Sacadas de flores"; "Mar das imperfeições" e "Os lampiões das vielas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

sábado, 20 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22021: Recordações do meu avô Fernando Brito (1932-2014) (Cláudio Brito) - Parte I: Angola, Teixeira de Sousa, 20 de janeiro de 1964: "A Pátria são os seus filhos e eu também os tenho"





Angola >  Leste > Província do Moxico > Vila Teixeira de Sousa [, hoje Luau]  > 20 de Janeiro, 1964 > O então 2º Sargento Fernando Brito convivendo com população considerada "terrorista"


Fotos (e legenda): © Cláudio Brito (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso amigo e membro da Tabanca Grande, nº 697, Cláudio Brito, neto do falecido major SGE, Fernando Brito (1932-2014), que fez duas comissões na Guiné, como 1º srgt, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e 1ª C / BART 6523 (Madina Mandinga, 1972/74) (*):



[Foto à esquerda: O Fernando Brito, com o neto, pouco antes de morrer]



Data - domingo, 7 mar 2021, 14:36

Assunto - Fotos do meu avô Fernando Brito  



Olá, Luís Graça, Espero que esteja bem.

Prometi-lhe há uns anos enviar uma parte do meu espólio fotográfico militar, mas no meio de 4 mudanças de casa, só agora as coisas estão a ser desempacotadas. Mando-lhe 4 fotos e um texto que, sendo da minha opinião, pode utilizar como bem lhe prouver no blogue.

Muita tinta tem corrido ultimamente fomentada pelo debate do que foi o racismo estrutural (ou é), se Portugal é ou não um país racista, se o nosso colonialismo e guerra colonial foram atos criminosos ou heróicos e se temos ou tivemos essas atitudes, na nossa História. Chega a um ponto que as falácias históricas e o discurso carregadinho de ideologia (Esquerda ou Direita) começa a fartar na sua forma de querer ver as coisas preto e branco e cansa ouvir um diálogo sobre adjetivado que, a par e passo, faz juízos de valor sobre situações que, de todo, os interveninentes do diálogo não viveram ou não compreendem ou não se debruçaram sobre o seu estudo.

A conclusão que tiro é simples: é fácil julgar o passado e fácil usar o passado como carne para canhão e arremesso político. O passado já foi, as pessoas já morreram ou estão a morrer ou não falam ou não querem falar e, por isso, chamá-los de "Heróis", "Criminosos", "Racistas", "Intelectuais", "Desertores", "Apátridas", "Fachos", "Traidores", etc, são chavões que eles aguentam bem. Mas a simples verosimilhança de tal está longe de ser comprovada no preto e branco dessas palavras.

Deixo-vos quatro fotografias: Angola, Teixeira de Sousa, 1964, onde o meu avô, um simples 2º Sargento na altura, deleitava-se com um banho e abraçava as crianças do "inimigo" como se suas fossem. (Qual inimigo? Grupos marionetas numa Guerra Fria que apenas queriam a independência da sua terra?)

Numa das fotos escreveu: "Novamente, este terrorista que não tem culpa da ambição do Homem" e noutra escreveu "Jamais as minhas mãos se mancham em crianças".

A História tem estas partes cinzentas, amarelas, verdes, vermelhas e azuis, na qual um guerreiro patriótico é também um pai de família humanista que não vê heroísmo nenhum em matar uma geração de soldados de 18 e 19 anos, em apontar uma arma a um autóctone e a disparar contra um acampamento de mulheres, homens e crianças, por um interesse político/territorial (a ambição do Homem) e, mesmo assim, tudo fará para proteger estes jovens, jamais virando costas à Pátria, porque, como escreveu numa das fotos: "A Pátria são os seus filhos e eu também os tenho".

Urge sabermos respeitar esta gente, estudando friamente o que aconteceu, deixando de lado ideologias que idolatram fantasmas ou praticam a iconoclastia, mas sim compreendendo o que fizemos, porque o fizemos, quais as causas e consequências de tal e quem verdadeiramente praticou atos heróicos (humanistas) e quem verdadeiramente perpetrou crimes muito além do serviço militar. Urge para calar os politiqueiros que usam o passado como se um carregador de uma arma se tratasse.

Um forte abraço, Cláudio Brito.
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Anexo > Fotos: Teixeira de Sousa, 20 de Janeiro, 1964.
2º Sargento Fernando Brito
Um banho no mato, para refrescar as ideias.

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Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

Guiné 61/74 - P22020: Os nossos seres, saberes e lazeres (442): Convento de Jesus de Setúbal, com o restauro recente, ainda mais belo! (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Arrebitou-me a orelha quando soube que o Convento de Jesus de Setúbal abrira ao público, depois de nova requalificação. É uma agradável surpresa que se pode agora contemplar depois de uma nova fase de trabalhos, a igreja e o convento têm a cara lavada e a harmonia do claustro desvanece-nos. Não há templo como este, e pode muito bem acontecer que o trabalho de Diogo Boitaca possa ser visto como o ensaio-geral do que irá acontecer nos Jerónimos e no Convento de Cristo em Tomar. O que acontece é a estreita harmonia que o arquiteto encontrou no rasgado das janelas, tira aquele ar sombrio que tantas vezes encontramos em templos parecidos.
Era inevitável a visita à Galeria Municipal, a obra-prima de Jorge Afonso e aquele retábulo de catorze quadros é um deslumbramento. Não percam.

Um abraço do
Mário


Convento de Jesus de Setúbal, com o restauro recente, ainda mais belo!

Mário Beja Santos

Confesso que esta igreja do antigo Mosteiro de Jesus ou Convento de Jesus de Setúbal sempre me fascinou, sempre que visitava a cidade era inevitável pôr-lhe os olhos em cima, contemplar esta delicadeza do que terá sido o ensaio geral do estilo manuelino que irá consagrar-se nos Jerónimos e no Convento de Cristo, em Tomar. Fiquei várias vezes à porta, a igreja conheceu os seus períodos de estaleiro, instâncias internacionais chegaram a alertar para o estado de degradação deste templo magnífico. Em outubro reabriu para nosso desfrute, convido todos a visitar a maravilha, foi desenhado por um nome sonante da época, Diogo Boitaca, estávamos em 1494, tudo começou por um voto da ama de D. Manuel I, freira que viveu em conúbio com um frade, até nasceu prole, em arrependimento nasceu este templo em brecha da Arrábida, que não tem rival. Proponho aos curiosos que cirandem antes de entrar, há outro olhar mais rasgado que agora o novo relvado permite, numa das últimas visitas que aqui fiz havia uma pista de skate, múltiplos grafitis, era um desconchavo na perspetiva, a bota não batia com a perdigota. O relvado, que se irá mostrar, harmoniza a aproximação e a despedida.

Dentro do restauro até o hornaveque foi reabilitado, por incultura fui ver o que era o hornaveque, pois fiquei a olhar para este belo pano da capela-mor e a sua aprimorada janela.
Hornaveque do Convento de Jesus
Entra-se numa porta de enorme sobriedade, estamos dentro de uma igreja-salão, janelas rasgadas para permitir uma luz homogénea, todo este interior é leve com os seus arcos de janelas e colunas torsas, tudo em brecha da Arrábida, o olhar sobe até às abóbodas e não deixa de surpreender o teto com as suas nervuras espiraladas. Diz a literatura a propósito que é o mais importante monumento nacional urbano de Setúbal e um dos mais relevantes exemplares da arquitetura manuelina ao sul do Rio Tejo. Impressiona pelas proporções, é evidente que se sente que falta qualquer coisa no altar-mor, lá iremos a outro local ver uma preciosidade restaurada, um dos retábulos mais audaciosos da nossa pintura religiosa.
Foi inicialmente ocupado por freiras Clarissas, melhor dito por um grupo de freiras Franciscanas da Ordem de Santa Clara. Rezam os cartapácios que é indiscutivelmente o primeiro ensaio em Portugal de uma igreja-salão, daí este pormenor de que o espaço é etéreo, houve o cuidado de Boitaca em pôr as três abóbadas à mesma altura.
A capela-mor é revestida de azulejos verdes e brancos datados do século XVI e nas paredes laterais podemos ver painéis de azulejos do século XVII. Quem aprecia azulejaria tem aqui muito para mirar e se deleitar, vejam estes detalhes.
A porta surpreende o visitante, parece inusitada, há para ali uma espécie de agressão ou intromissão fora do tempo, ou os azulejos foram partidos porque a porta veio depois, alguma coisa aconteceu. A menina que serve de rececionista explicou que por aquela escada o sacerdote subia até ao coro alto para dar a comunhão às monjas. É inusitado, mas regala o olhar. Feita a visita, sai-se para outra novidade, o Museu de Setúbal com diferentes núcleos, podemos visitar os chamados pintores de Setúbal, pintores portugueses do século XVI. Bem se procura na papelada consultada em que local se ratificou o Tratado de Tordesilhas, aquele em que dois monarcas peninsulares julgavam ser possível repartir o mundo. Tanto quanto me é dado lembrar, nunca visitei o claustro, e daí o meu embasbacamento. Foi-se à procura de notícia nos jornais sobre esta reabertura, e encontrou-se a saga. O convento fechou várias vezes nas últimas décadas, devido aos riscos de ruína. Teve obras de requalificação e reabriu em 2012, foi encerrado em 2015 para uma nova fase de trabalhos, que incluíram a recuperação da zona dos claustros, Sala do Capítulo, Coro Alto e espaço envolvente do convento, o tal hornaveque. Depois da abolição das ordens religiosos meteu-se aqui um hospital, com o nome de Espírito Santo, e funcionou até 1959. Veja-se agora o claustro e a harmonia do seu traço, mais brecha da Arrábida, oxalá que depois da pandemia aqui se encontre espaço para eventos culturais, é bem merecedor.
Estamos agora no Coro Alto, houve restauro da pintura, mais um acervo de beleza, é o culminar das obras de requalificação, ainda há muito para fazer, a presidente da Câmara de Setúbal numa entrevista disse que os contribuintes setubalenses já aqui investiram seis milhões de euros.
Depois do regalo à visita, um último olhar ao Convento de Jesus, a toda esta sensação de leveza, e de transporte para os céus, encontraram-se aqui soluções inovadoras para a época, como os arcos de volta perfeita, a abóbada assente sobre arcos abatidos e redes de nervuras, não sei ser mais encomiástico, procuro seduzir o leitor a arranjar oportunidade para me dar razão.
E daqui saio para a Galeria Municipal, sita na Avenida Luísa Todi, abriu ao público em 2013, o edifício foi a representação do Banco de Portugal em Setúbal entre 1917 e 1994, a traça é de Adães Bermudes, um dos sumo-sacerdotes da arquitetura da época, há ali linhas evocativas da Arte Nova, entra-se e chegou a altura de ver o belo retábulo do altar-mor do convento.
Tive direito a visita-guiada, a única dúvida que não vi resolvida é se estas catorze tábuas, uma das obras-primas da pintura religiosa portuguesa e seguramente o trabalho mais importante de Jorge Afonso, nome cimeiro da Arte Seiscentista, estavam no altar-mor, atenda-se à dimensão, para o caso não tem importância, se estou a incorrer num disparate alguém entendido que me corrija sobre a localização do retábulo. O fundamental é que se deve ter um guia de todos os pormenores das peças, saber um pouco da história religiosa e contemplar estas preciosidades dá mais sentido à fruição estética, o visitante que se previna, textos alusivos na internete não faltam.
Fachada da Galeria Municipal, traço Adães Bermudes
Parte do retábulo do altar-mor do Convento de Jesus, Galeria Municipal
Vista parcial das fabulosas pinturas do altar-mor do Convento de Jesus, na Galeria Municipal
Núcleo de Arte Sacra do Museu de Setúbal nas antigas instalações do Banco de Portugal

Daqui a um bocado vamos sentir o prenúncio do lusco-fusco, tenho procurado, devido à pandemia em viajar em sentido contrário às horas de ponta, gosto muito do meu passe de 20€ que me dá direito ir até Algés ou a Cascais, visitar Palmela ou Vila Franca de Xira, ou sair do comboio em Sintra e ir ver o mar. Despeço-me que ainda tenho uma boa caminhada pela frente até à estação da CP, e espero que gostem do relvado que substitui a pista de skate e que tanta harmonia traz a este esplendoroso monumento nacional.

Até à próxima.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22012: Os nossos seres, saberes e lazeres (441): Vicente, o corvo do Parque da Cidade do Porto, que não empatiza por dádivas, mas somente por quem estiver na mesma onda (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

sexta-feira, 19 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22019: Tabanca Grande (516): Joaquim da Silva Correia (Penalva do Castelo, 1946 - Oliveira de Azemeis, 2021), ex-1.º Cabo, Pel Mort 1242 (Buba, 1967/69): em sua memória, no dia do Pai (e em apreço ao gesto do seu filho, António Correia), reservamos o talhão n.º 838, sob o nosso simbólico poilão

Chaves > BC 10 > 1967 > Joaquim da Siva Correia (1946-2021)


S/l > 1967 > O Joaquim da Silva Correia, o terceiro a contar da esquerda na instrução da especialidade de armas pesadas de infantaria (na foto, um morteiro 81)
 

Guiné > Bissau > Outubro de 1967 > Render da guarda ao palácio do Governador > O 1º cabo Correia, na ponta esquerda, seguido de três praças


Guiné > Região de Quínara > Bula > Pel Mort 1242 (1967/69) >  O 1.º Cabo Correia, posando para a fotografia, a "tocar guitarra elétrica", frente ao espaldão do morteiro 81.


Guiné > Região de Quínara > Bula > Pel Mort 1242 (1967/69) > Um momento de confraternização: ao centro, na mesa, de camuflado, em segundo plano, reconhecemos a figura de um alferes, que seria o comandante do pelotão, ou o Clemente, ou o Simão. Pode ser o Simão, que deve ter rendido o Clemente (a avaliar pela lista gravada na "pedra de Buba").


Guiné > Região de Quínara > Bula > Pel Mort 1242 (1967/69) > Dois graduados do pelotão: o do lado esquerdo, deve ser o alf mil Simão, comandante do pelotão que deve ter rendido o Clemente, o outro deve ser um furriel, talvez o Albuquerque (, como na consta na "pedra de Buba").


S/l > S/d >  O Joaquim da Silva Correia, à civil, antes da tropa, presume-se

 
 
S/l > s/d > O Joaquim, já casado e pai de dois filhos, depois do regresso da Guiné
Fotos (e legendas) : © António Correia (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O Joaquim da Silva Correia foi 1.º cabo, apontador de armas pesadas de infantaria, do Pel Mort 1242 (Bula, outubro de 1967 / agosto de 1969).  Acaba de morrer, de doença oncológica, no passado dia 11. Foi o seu filho, António Correia, quem nos deu  a triste notícia (*). 

Residia em Macieira de Sarnes, Oliveira de Azeméis, distrito de Aveiro, embora fosse natural de Penalva do Castelo, distrito de Viseu. Deixa viúva, dois anos mais velha, e três filhos; além do António, mais duas raparigas. Ia fazer 75 anos em 16 de junho.

Em conversa telefónica com o António Correia, prometi-lhe, em homenagem ao pai e por apreço pelo seu amor filial, integrar o nosso camarada a título póstumo na Tabanca Grande, se ele entretanto no mandasse, digitalizadas, algumas das fotos do álbum da Guiné. Foi o que ele fez, fotografando, cheio de boa vontade, com o telemóvel, diversas folhas, por inteiro,  com fotos do tempo da Guiné. A qualidade é fraca, e são raras as legendas, mas dá para recuperar algumas imagens. Ele prometeu-me mandar novos ficheiros com melhor resolução.

No dia do Pai, 19 de março de 2021, prestamos aqui a nossa pequena homenagem ao nosso infortunado camarada Joaquim da Silva Correia e, através dele,  ao seu valoroso Pel Mort 1242 que até agora não tinha ninguém que o representasse condignamente na nossa Tabanca Grande. Ele fica no lugar n.º 838. (**)

Recorde-se que o Pel Mort 1242 foi mobilizado pelo BC 10, Chaves, Esteve em Buba, desde outubro de 1967 até agosto de 1969, adido ao BART 1896 (Buba, 1966/68), e depois ao BCAÇ 2834 (Buba, 1968/70). Este pelotão deve ter tido esquadrões de morteiro 81 destacados noutros aquartelamentos, do sector de Buba, S2. Sabemos que regressou no T/T Uige, em 23/8/1969. Em 2013 havia, em Buba, ainda de pé um memorial com o brasão e a lista, gravada na pedra, de todo o pessoal do pelotão (*).

Como dissemos ao António Correia, os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são. Apreciamos o seu gesto, ao procurar, ainda em vida do pai, procurar camaradas do pelotão. Com pena, disse-nos que o só o ex-alferes mil Simão respondeu ao seu apelo, em tempo útil. Ele autoriza-nos, entretanto,  a publicitar aqui os seus contactos:

Telem: 919 966 724
Email: antonio.correia@live.com.pt


2. Na passada quarta-feira, dia 17, o António, mandou-nos a seguinte mensagem:

Olá, boa tarde, Sr Luís,

Desde já agradeço, da parte da minha família, pelo que fez pelo meu pai.

Hoje vim a casa da minha mãe e tirei umas fotos do álbum, amanhã digitalizo para ficar melhor.

Cumprimentos, 
António Correia.
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Notas do editor: