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sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23839: Notas de leitura (1526): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (6) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
No quadro explicativo apresentado pelos autores quanto ao dispositivo aéreo que veio a ser instalado na Guiné, depois de se terem elencado as aeronaves utilizadas do princípio ao fim neste teatro de operações, os autores apresentam a orgânica da Força Aérea, como a mesma foi alterada em 1958 para criar a zona aérea de Cabo Verde e da Guiné, apresentam-se as missões que lhe foram destinadas tanto como de apoio de fogo como de ajuda humanitária. No prenúncio da luta armada, uma missão procedeu a um relatório que revelou como Bissalanca era insegura e inapropriada para acolher as esquadrilhas aéreas. Foram indispensáveis intervenções de fundo, como iremos ver mais adiante.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (6)


Mário Beja Santos

José Augusto Matos, investigador

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné.

Enunciados que foram os tipos de aeronaves, é tempo de analisar os desafios que a guerrilha impôs à FAP. A campanha aérea na Guiné era reconhecida como fundamental mas o essencial da missão contra a insurgência era de cooperar; cooperar nas ações das forças de superfície, por isso, os pilotos e o pessoal de apoio eram treinados para esta missão fundamental de se coordenar não só com os meios operacionais terrestres e navais, como igualmente transportar feridos e doentes, meios de abastecimento a destacamentos mais isolados, fazer reconhecimentos aéreos para identificar a localização dos insurgentes. Na verdade, estas operações de observação e reconhecimento tinham-se revelado extremamente úteis para as campanhas da Grã-Bretanha na Malásia e no Quénia. Pois bem, dentro da rúbrica do “Apoio de Reconhecimento” da FAP gizaram-se os seguintes tipos de missão: RVIS – Reconhecimento Visual, ou seja, um reconhecimento em meio terrestre ou águas costeiras; RVIS-MAR – Reconhecimento Marítimo, entendido como o reconhecimento sobre o mar; RVIS-SAR – Busca e Salvamento, ou seja, reconhecimento de uma determinada área terrestre ou marítima com a finalidade de busca seja de pessoal perdido, seja de náufragos, facilitando ou realizando o seu resgate; RFOT – Reconhecimento Fotográfico, aqui entendido como aquele que é efetuado com equipamento fotográfico; e RELE – Reconhecimento Eletrónico, para detetar estações de rádio e estações de radar inimigas.

Há duas áreas de missão dentro da rubrica “Transporte” que merecem destaque: a evacuação de feridos ou transporte de profissionais de saúde e as operações postais. No decurso da guerra da Guiné estas missões de transporte ganharam rapidamente reputação de salvar vidas e de melhorar o moral das tropas; a distribuição de correio igualmente se revelou ter o maior impacto no apoio às forças terrestres. Entre as forças portuguesas, chamava-se à quinta-feira o “Dia de Sto. Avião”, era nesse dia que o correio era levado para Bissalanca a bordo de um Super Constellation da TAP.

Uma outra missão primordial tinha a ver com o apoio de fogo, participando em operações, intervindo diretamente nas zonas de combate, procedendo a bombardeamentos e outras operações ofensivas. Em síntese, estavam referenciados os seguintes tipos de missão: ATIP (Ataque Independente Preparado), ATID (Ataque Independente Dirigido), ATIR (Ataque Independente em Reconhecimento), AESC (Ataque em Escolta), ATAP (Ataque Apoio Próximo) e ATAC (Ataque Acompanhamento).

De acordo com estudos efetuados, a principal contribuição do poder aéreo decorreu do desempenho de funções “indiretas”, sem prejuízo do apoio às operações das forças de superfície mediante acompanhamento, ligação, controlos aéreos e operações especiais. Entenda-se que a FAP pretendia que os seus do ultramar não ficassem desprotegidos e havia justificação para tais preocupações. Em 1961, chegaram à República da Guiné os primeiros caças MIG-15 e MIG-17, eram conhecidos os relatórios dos conselheiros soviéticos no aeroporto de Conacri. Aviões MIG ao serviço das forças mais radicalmente anticoloniais era uma permanente preocupação das autoridades e dos operacionais. Para vigiar e procurar impedir violações do espaço aéreo pretendia-se que a FAP alocasse caças para as seguintes missões em território guineense: patrulhamento, dissuasão, interceção e escolta. A FAP reconhecia a necessidade de assegurar à população civil o apoio indispensável. Era ponto de hora desde o início da guerra que as operações da FAP estivessem alinhadas com a intensa ação psicossocial junto da população, cooperando com as outras forças militares. Em consequência, a FAP foi incumbida de atividade rotineira no amplo campo da ajuda humanitária que incluía evacuação médica de locais remotos, reordenamentos da população e transporte de peregrinos muçulmanos que iriam a Meca, com voos diretos a partir de Bissalanca.

Temos agora novo capítulo, intitulado “A Sombra Amiga” proporcionada pelas asas da Força Aérea. As chamadas regiões aéreas datavam de 1956: a 1.ª Região Aérea, com sede em Lisboa, e que abrangia o Continente, a Madeira, os Açores e Cabo Verde. A Guiné, conjuntamente com Angola e S. Tomé e Príncipe, compunha a 2.ª Região Aérea. A 3.ª Região Aérea compreendia Moçambique, o Estado da Índia, Timor-Leste e Macau, e tinha a sua sede em Lourenço Marques (atual Maputo). Cada Região Aérea era responsável por organizar, equipar e dirigir os meios de defesa aérea, as missões de transporte e o apoio de fogo dentro das suas áreas. Em 1958, a Guiné foi transferida para a 1.ª Região Aérea e agrupada com Cabo Verde na recém-criada Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, com sede em Bissalanca. Esta zona aérea controlava, mantinha e empregava todas as aeronaves atribuídas à esquadra operacional de Bissalanca. O comandante da zona dispunha de um destacamento de F-86, um Neptune destacado para a Ilha do Sal e um pelotão de paraquedistas. A subordinação da unidade paraquedista à FAP dotou esta de força terrestre que, conjuntamente com a sua capacidade de transporte aéreo e apoio de fogo lhe permitiram realizar operações ar-terra. Havia que atender à realidade da geografia que dava vantagens aos insurgentes devido à extensa rede de rios e afluentes, isto num território que possuía apenas 60km de estradas pavimentadas. Uma grande parte da Guiné era inacessível para as forças mecanizadas, exigia-se um trabalho permanente na vigilância aérea para detetar atividades ou movimentos dos insurgentes. Acresce que estes dispunham de outros elementos a seu favor: ampla vegetação, fronteiras porosas e santuários autorizados sobretudo na Guiné Conacri. A guerrilha estava ciente que qualquer ponto da Guiné poderia ser alcançado por via aérea no máximo numa hora a partir de Bissalanca, podendo operar para evacuação de feridos, escoltar embarcações ou participando em operações. As aeronaves eram verdadeiramente o elemento que permitia surpreender e intimidar os insurgentes nas numerosas ilhas ou quebrar o ímpeto em emboscadas ou tentativas de cerco às tropas em meio terrestre. Os helicópteros, muito especialmente, revelaram-se ideais na Guiné. Feita uma missão de avaliação às necessidades e contingências da região, apurou-se que na Guiné só havia uma pista pavimentada no Aeroporto Craveiro Lopes, inaugurado em 1955, o aeródromo servia principalmente como escala para os aviões da TAP. O relatório descrevia a pista como decrépita e desgastada, suscetível a provocar estragos em aviões a jato; possuía um hangar modesto e construído à pressa, perto do terminal. As comunicações de rádio e as ajudas de navegação da base eram primitivas. A segurança à volta do aeroporto era também um desafio, constatava-se que podia haver pessoas a atravessar a pista ou até mesmo um rebanho de vacas.

Havia assim, que preparar Bissalanca, como aconteceu.

A FAP manteve uma aeronave Neptune em rotação entre o Sal e a Guiné, para responder a qualquer contingência
Organização da 1ª Região Aérea
Organograma da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, 1963
Bissalanca no princípio dos anos 1960. Podemos ver três F-86, um Auster e um Alouette II (ao fundo), Arquivo Histórico da Força Aérea.

(continua)

____________

Nota do editor

Poste anterior de 25 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23815: Notas de leitura (1522): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (5) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 29 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23828: Notas de leitura (1525): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte V: VPV: "O grande significado do livro, de Spínola, Portugal e o Futuro, era vir a público dizer que a guerra estava perdida"...

terça-feira, 19 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23441: O consulado do general Bettencourt Rodrigues (3): Directiva "Guarda Matutina", de 17Dez73, com vista ao reforço da defesa das áreas urbanas e suburbanas de Bissau


Guiné > Bissau > Bissalanca > Base Aérea 12 > s/d. 



1. A terceira (e última, no ano de 1973) directiva do novo Com-Chefe, gen Bettencourt Rodrigues (*), é a Directiva "Guarda Matutina", de 17Dez73, sem número. 

É também um sinal dos tempos.  Bissau está ao alcance dos foguetões 122 mm e vulnerável a eventuais acções de sabotagem e terrorismo urbano (como virá acontecer, já em 1974, com o rebentamento de engenhos explosivos num café de Bissau, em 26 de fevereiro,  que provocou 1 morto e a sabotagem no próprio QG/CTIG, em 22 de fevereiro, onde parte do edifício principal foi destruída, numa acão reivindicada pelas (ou atribuída às) Brigadas Revolucionárias. O perímetro da base aérea nº 12, e o aeroporto  de Bissalanca também  também podia estar sujeito à infiltração de um furtivo apontador de Strela...

Por outro lado, a  CECA (2015, pág. 12) recorda que já em 1971 se registaram dois factos graves e/ou preocupantes:

(i)  em fevereiro, "2 aviões MiG-17 com as cores da República da Guiné, tripulados por argelinos, sobrevoaram Bissau, tendo continuado a verificar-se, posteriormente, acções várias de violação do espaço aéreo por helis e aviões não identificados";

(ii) e em 9 de junho, "o PAIGC levou a efeito o primeiro ataque a Bissau e a diversos aquartelamentos das proximidades, provocando num deles um número significativo de baixas".
 
Ainda segundo a mesma fonte, mas já em 1972, explodiram três engenhos explosivos, durante a noite, em locais diferentes da cidade de Bissau, capital do território,  "o que indiciava propósitos de terrorismo urbano". Nestes engenhos foram utilizados espoletas de efeito retardado MUV-2 (CECA, 2015, pág. 121).

Não em Bissau, mas na segunda maior cidade, Bafatá, o PAIGC em 8 de janeiro de 1972 levara a cabo  "um aparatoso ataque", com foguetões 122 mm (CECA, 2015, pág. 121).  

Destaca-se também, nesse ano, em 9 de março, "a flagelação ao topo norte da Base Aérea de Bissau, no dia 9 de Março, fazendo uso de lança-granadas foguete RPG-7".
 
Num dos últimos discursos que proferiu antes de ser assassinado, em Conacri, em 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral "referiu a necessidade de intensificar a guerrilha
em todas as frentes e nos centros urbanos, com base numa organização clandestina, sabotando meios, destruindo instalações e causando o maior número de baixas na retaguarda, e que, no novo ano, seriam utilizados novas armas e meios mais poderosos." (CECA; 2015, pág. 239). 

E como é sabido em março desse ano entram em acção os mísseis terra-ar Strela...
 
2. Directiva "Guarda Matutina", de 17Dez73, sem número. Excertos:

"1. SITUAÇÃO

a. Inimigo

A área de Bissau, com toda a sua infraestrutura civil e militar, constitui o objectivo principal do lN.

Nas áreas urbanas e suburbanas destacam-se, como pontos sensíveis a acções de sabotagem lN:
  •  as instalações da SACOR; 
  • a Central Elevatória da Mãe de Água;
  • o Centro Emissor de Brá; e
  • a Central Eléctrica (Av. Brasil).

b. Forças Amigas

A PSP tem tido o encargo da defesa dos pontos sensíveis referidos. Porém, a partir de Novembro de 1973, os guardas europeus da 7ª CMP - Companhia Móvel de Polícia são, na sua quase totalidade, soldados no cumprimento do serviço militar obrigatório, com pouca idade, experiência e prática de serviço.

Este facto, aliado à fraca capacidade de enquadramento, tornam impossível à PSP continuar a garantir satisfatoriamente a segurança e defesa de todos os pontos sensíveis.

c. Reforços e cedências

(1) Reforços

O COMBIS passa a ser reforçado com a Companhia de Milícias Urbana.

2. MISSÃO

As Forças Armadas colaboram na defesa dos pontos sensíveis das áreas urbana e suburbana de Bissau, ficando a seu cargo a defesa das instalações da Central Eléctrica (Av. Brasil), da Central Elevatória da Mãe de Água e do Centro de Brá.

3. EXECUÇÃO

a. Conceito da Manobra

Tendo em consideração a localização dos referidos pontos sensíveis em relação às áreas de responsabilidade do COMBIS, é minha intenção defender a central Eléctrica (Av. Brasil), a Central Elevatória da Mãe de Água e o Centro Emissor de Brá, com meios do COMBIS reforçados com a Companhia de Milícias Urbana.

b. COMBIS (Comando de Agrupamento de Bissau)
  • Garante a segurança imediata da Central Eléctrica (Av. Brasil);
  • Garante a segurança imediata da central Elevatória da Mãe de Água;
  • Garante a segurança imediata do Centro Emissor de Brá. [... ]"

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 293-294 (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos,  para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
___________

Nota do editor:

Postes anteriores da série:


quinta-feira, 10 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23065: (In)citações (196): Bissau, Safim e Nhacra: havia ir e voltar... (Victor Costa / Virgílio Teixeira /Carlos Pinheiro / José Colaço)


Guiné 61/74 > Região de Bissau > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 11 de março de 1968 > Safim > O alf mil SAM Virgílio Teixeira, na esplanada... da "Marisqueira de Safim". Em Safim, havia um cruzamento: para norte,   seguia-se para João Landim e Bula; para leste e nordeste, seguia-se para Nhacra e Mansoa. De Bissau a Nacra, eram pouco mais de 20 km, e daqui até Mansoa mais uns trinta... De Bissau a Safim, por Bissalanca, também seriam uns 20 km...


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Bissalanca > BA 12 >  c. 1973/74 > O Eduardo Jorge Ferreira, alf mil da Polícia Aérea, à porta dos seus aposentos, pronto para partir para Nhacra, para comer umas ostras, à civil, de sandálias, e com capacete de segurança, conduzindo a sua motorizada, de 50 cm3 (?), Yahama, matrícula G5907, e levando à boleia o seu amigo Jorge Pinto, alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)...

Pormenor digno de registo: o Jorge Pinto, também à civil, de sapatinho de vela, meiinha branca, leva um capacete de segurança pouco ortodoxo: um capacete, branco, da polícia aérea... A ideia só podia ser do nosso saudoso Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019), um homem prático e desenrascado...

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do Victor Costa ao poste P23058 (*)

(i) (...) Nunca deixei nenhuma missão a meio e não é agora que irei começar, isto para vos dizer que irei responder a todas as questões colocadas em todos os comentários e em particular ao Luís Graça ou a outros comentários que possam chegar. Eu só preciso de tempo para o fazer. Posso desde já responder ao camarada Valdemar Silva por ser aquele que coloca menos questões.

No tempo em que estive com a CCaç 4541/72 e até Agosto 74,  os autocarros da A. Brites Palma e os táxis que faziam serviço de Bissau para Safim e vice-versa nunca tiveram segurânça por não ser necessário. 

De vez em quando um táxi até trazia meninas de Bissau para satisfazer necessidades fisiológicas do pessoal. Isto quer dizer que nas operações que fazíamos não brincávamos. Serviço é serviço e conhaque é conhaque e isto foi uma das coisas que me orgulho ter aprendido com os "velhos", levávmos as coisas muito a sério.

Irei também enviar mais fotografias sobre Safim, João Landim Porto e outros locais acompanhadas de mensagens.


(ii) (...) Os camaradas Virgílio Teixeira e Carlos Pinheiro em conjunto não podiam ser mais precisos para caracterizar aquilo a que chamo a "marisqueira de Safim", o que demonstra que eram clientes assíduos, mas o primeiro não foi preciso na placa de informação rodoviária localizada 200 m mais a Norte. 

Trata-se das 3 placas,  cujas fotas foram publicadas em 6/3/2022 (**):  a do lado esquerdo João Landim 8 Km, com seta à esquerda e por baixo Porto e na parte central a placa Bula e uma seta à esquerda. Do lado direito da placa Ensalma 5 km com seta à direita. Se consultarem o Mapa no Google ainda existe no local a citada "marisqueira" mas não deve restar nada do edifício antigo.

No mês de Julho de 1974 iniciámos uma operação contínua de controlo e revista de todas as viaturas e civis que entravam e saiam de Bissau, em que todas as viaturas eram obrigadas a parar. Instalamos uma tenda de campanha junto à Base Aérea nº 12, em Bissalanca, precisamente ao lado dos caças Fiat G 91. 

Esta operação contava,  além da secção que eu comandava, também com a participação de dois elementos da Polícia de Segurança Pública de Bissau. Num desses dias um condutor civil cabo-verdiano que circulava na direcção Bissau-Safim,  não parou à nossa ordem e abalroou um elemento nativo da PSP. 

Imediatamente corremos para o condutor da viatura e dei-lhe ordem para sair com as mãos bem levantadas. Começou a gesticular, eu puxei a culatra atrás e dei-lhe ordem de prisão, entretanto o outro elemento da PSP  aproximou-se e meteu-lhe as algemas. 

Chamámos a ambulância e a ramona e lá seguiram os dois para Bissau. No dia seguinte comuniquei para à PSP  para saber do estado de saúde do agente, entretanto falecido de noite. Nunca mais soube o que aconteceu ao preso, nem se houve posterior investigação, eu limitei-me a fazer o relatório.

Entretanto a CCaç 4541/73 com o fim da comissão regressa à Metrópole e eu em Setembro sou colocado na CCS do QG em Bissau até ao meu regresso em Outubro de 1974. Bissau foi uma cidade segura durante o tempo que lá estive. Constava no entanto que haviam alguns problemas entre a nossa tropa pelo controle do Pilão, o Bairro das meninas, mas não era nada comigo.

Havia muito trânsito de viaturas militares em Safim, quer de Bissau para Nhacra ou Cumeré, quer de Bissau para Bula e vice-versa, era a artéria principal de ligação ao interior da Guiné e nunca senti insegurança até Safim e mesmo até João Landim Porto. 

Mas todos os dias em particular à noite eram realizadas patrulhas no mato e nas bolanhas circundantes desta estrada com objectivos definidos pelo Comando. Um Unimog 404 deixava a secção perto da estrada ou se a picada fosse minimamente segura deixava-nos mais no interior, a operação da noite durava em média 6 horas, a pé até ao objectivo e depois regressavámos ao ponto de partida e aqui não havia facilidades, porque era isto que nos dava segurança. 

Contactos com o PAIGC, zero!, apenas o grito das hienas. Do rio Mansoa para Norte as operações eram executadas pelo nosso Destacamento de João Landim Norte que se estendia até às imediações de Bula, onde também estive. Aqui a segurança das Jangadas na travessia do Rio era feita nós e uma LDM da Marinha. Ao fim de um mês com os "velhos", já me sentia seguro e as coisas tornavam-se mais fáceis.

Desloquei-me várias vezes a Bissau á livraria do Sr. Manuel Moreira em Benfica, penso que era perto do Palácio do Governador, para comprar livros e jornais, ia ao Café Ronda, onde gostava de apreciar o bater dos tacões das botas na marcha do render da Guarda para o palácio do Governador feita pela PM ao longo da avenida, tive conhecimento do rebentamento da granada que neste café provocou um morto e 63 feridos, mas não era coisa que nos tirasse o sono e fui ao café Pelicano perto do quartel da PM na Amura. 

Em Bissau, só senti alguma apreensão em meados de Março quando visitei com meu amigo fur mil  José Bilhau,  penso que dos Piratas do Guileje (CCAC 8350), amigos seus no hospital e vi pela primeira vez os seus camaradas a esfregar os dedos das mãos nos braços, pernas e tronco e ver o ferro a sair do corpo,mas isto era no Hospital e este à data estava bastante preenchido. 

Numa das minhas últimas deslocações a Bissau e de regresso a Safim apanhei um táxi um Peugeot 404, estabeleci conversa com o condutor um cabo-verdiano que me garantiu que os efectivos do PAIGC rondava os 7.500 homens, ouvi, calei, mas não acreditei. Em Safim os transportes A. Brites Palma funcionaram antes e depois do 25 de Abril. (...)


Guiné > Carta geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Bissau e povoaçõs a norte: Safim, Landinm, Bula; Nhacra, Mansoa, Mansabá...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)



 2. Outros comentários  ao poste P23058 (*)
 
(i) Virgílio Teixeira:

(...) Victor Costa, uma saudação especial pelo tema deste poste, pois sou um amante quer de Safim, Nhacra, João Landim, etc.

Nos anos de 67-68-69, fui lá muitas vezes, tantas quanto as minhas idas a Bissau, com a minha motorizada, não parava, por vezes acompanhado, a maioria sozinho. Ia à procura de mariscos em Safim, e à piscina do quartel de Nhacra. Depois era a aventura e conhecer novos sítios.

"Marisqueira de Safim", assim com este nome, não havia, era uma esplanada, café, cervejaria e servia uns petiscos para quem passava. Ficava perto do cruzamento e das marcas das estradas para João Landim e Mansoa / Nhacra. Tenho imensas saudades desses momentos, o pior era o regresso, na maioria das vezes já noite, e com uns copitos a mais.

Quanto ao assunto do Poste, e quanto à mensagem do amigo Lobo, não se preocupe pois não é só a idade e a memória. Na minha modesta opinião, e tanto quando me lembro, e somos dos mesmos anos, 68 e 69, nunca vi semelhantes viaturas tipo "ambulância", parecem-me da 2ª guerra mundial.

Por isso posso quase afirmar que não existiam no meu tempo estes autocarros. Podem ser posteriores, mas parece-me mais pós-independência.

Não reconheço nem as viaturas nem os lugares aqui ilustrados, lamento mas não é por falta de memória, se existiam passaram-me ao largo.

Quanto a segurança, nunca pensei no assunto, apesar de tantos quilómetros através do mato, em especial entre Bissalanca e Safim. Depois disso não sei nada.

Podem consultar as minhas fotos aqui publicadas nos meus postes. E quem puder acrescentar mais alguma coisa, que o faça, pois eram locais lendários. (...)

(ii) (...) Relembro aqui para quem já não se lembra ou não viu os postes, a minha narrativa do dia em que sonhei que tinha de ir de motorizada de Bissau até Mansabá, nem sabia onde ficava, era a seguir a Mansoa.

Depois de ir a uns banhos à piscina, encho o depósito da Peugeot, por vinte e cinco tostões, e vou para a estrada a caminho de Mansoa, mas a viagem foi curta, pois uma patrulha militar, teve de me identificar, pois eu ia à civil, eu não tinha documentos mas disse-lhes que era Alferes Mil do BCaç 1933, que estava nessa época em S. Domingos, e depois de pormenores que não me lembro, não me deixaram passar, e lá voltei desolado...

Com certeza se continuava a viagem nem chegava a Mansoa,  muito menos a Mansabá (**).  Era uma miragem, uma loucura, maluca da idade, e já tinha uns 25 ou 26 anos, que ficavam mais curtos com os copitos que nunca faltavam.

Um dia se melhorar da minha saúde, ainda me meto no jipe que tenho lá à minha disposição, com motorista privativo, e faço a vontade ao meu amigo do HOtel Coimbra, que teima em me ver lá... e vou até Mansab!... Até posso morrer por lá, é uma terra que ficou na alma, para sempre.

Perdoem estes comentários de quem já não bate bem... da mona!... São quase 80 anos!  (...)

Carlos Pinheiro:

(...) Estive 25 meses em Bissau e só me lembro das camionetas do Costa mas não sei para onde iam. Eram camionetas já com certa idade e algumas deviam ter o chassis empenado. A malta até dizia que camionetas do Costa "suma a cachorro de rabo de lado"...

Só fui uma vez a Safim. Tinha três dias de Guiné, tina ido em rendição individual para o BCAÇ 1911, mas nunca o cheguei a conhecer, era dia de Todos os Santos de 1968 e foi um camarada da Companhia de Transportes, que me arranjou cama lá na sua Companhia porque nos Adidos não havia nada, para além da confusão geral, e que me levou a Safim onde eu paguei o petisco, ainda com patacão da Metrópole, em agradecimento ao facto de ele me ter arranjado uma cama. 

Gostei do petisco, uns camarões, umas ostras, que eu nunca tinha comido e fiquei freguês sempre que podia e até um bocado de leitão aparaceu. A cerveja já não me lembro a marca mas estava fresca e escorregava bem. 

Foi nesse dia que houve um acidente grave com uma companhia que tinha ido comigo no Uíge, perto de Bula, por ter rebentado uma granada de bazuca em cima duma GMC da CT que já estava carregada de pessoal. Vi passar perto de uma dezena de helicópteros e com três dias de Guiné comecei logo a aperceber-me da situação. Nunca cheguei a saber se houve mortos, mas feridos foram imensos. 

Gostei do petisco mas nunca mais voltei a Safim. Para mim a fronteira era BA 12, em Bissalanca.  (...)


José Botelho Colaço:


(i) (...) Obrigado, Victor Costa, pelas fotos dos autocarros da empresa A. Brites Palma, é precisamente este modelo de autocarro que está gravado na minha mente de 1964/65. 

Quanto aos camaradas dizerem que a memória pifou,  talvez não... O que aconteceu foi que á medida que as malhas da guerra foram apertando,  os colonos deixaram de ter o seu papel activo e quase de certeza estes autocarros deixaram de circular,  por isso os camaradas não se lembram de os ver. 

Eu recordo de ver em Bafatá, ao lado do café do tio Bento, a carcaça de um autocarro abandonado, deste modelo. 

Resumindo, antes da Guerra, estes autocarros ciculavam em grande parte do território da Guiné, que se foram confinando com o rebentar e evoluir da guerra. 

A memória que eu tenho do dono da A. Brites Palma era um homem de baixa estatura,  já com os anos a pesarem sobre si mas um poligolota em vários dialetos na lingua nativa.

(ii) (...) Que a memória vai pifando não há dúvidas mas é devido á idade, é mais a doença da anosognosia do que a Alzheimer. Obrigado, 

Victor Costa,  por me avivares e confirmares tudo aquilo que guardo em memória e escritos pessoais.

O que me parece é que o sector de Bissau se manteve quase igual ou com pequeníssimas alterações pelo que nos contas durante o tempo que durou a guerra. Exemplo,  em 1964/65 até á jangada do João Landin ou via Nhacra era praticamente zona livre,  viajava-se sem qualquer problema, mas para Mansoaa também se ia mas já era uma pequena aventura e só durante o dia. No Pilão á noite só os mais aventureiros e alguma segurança. Quanto aos transportes em Bissau,  total acordo confirmas tudo o que guardo em memória.  (...) (***)

__________

Notas do editor:

(**) Vd. poste de 5 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18287: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XIV: o dia em que eu queria ir de motorizada, de Bissau a Mansoa... e a Mansabá!

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23010: In Memoriam (427): Notícia do falecimento do nosso camarada Alberto Roxo Cruz, PilAv da BA 12 (Bissalanca, 1968/70 e 1972/74)

IN MEMORIAM

PilAv Alberto Roxo Cruz
BA 12 - Bissalanca, 1968/70 e 1972/74

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1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69, com data de 18 de Fevereiro de 2022:

Caro Carlos Vinhal:

Envio-te desta vez uma notícia triste, uma vez que noticia o desaparecimento de um camarada que cumpriu duas Comissões de Serviço na antiga Província da Guiné.


Partiu o Pil/Aviador Alberto Roxo Cruz.

Cumpriu a 1.ª Comissão de 1968 a 1970 e a 2.ª entre 1972 e 1974.

Piloto de Fiat G-91, foi também Comandante da Esquadra de RONCOS (T-6).

Escapou a uma ejecção de Fiat, quando em voo de bombardeamento no Tancroal se soltou um dos Painéis de Metralhadoras. (*)

Foi um bom camarada, homem de grandes princípios, simples, e amigo do seu amigo.


Que a sua alma descanse em paz.

Agradeço a publicação. (**)
Abraço,
Mário Santos
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2. À família do nosso camarada Alberto Roxo Cruz, os editores e a tertúlia deste Blogue de antigos Combatentes da Guiné, enviam o seu mais sentido pesar pela perda do seu ente querido.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23005: Notas de leitura (1420): "Um caminho de quatro passos", de António Carvalho (2021, 219 pp.): apontamentos etnográficos para o retrato da nossa geração, de antigos combatentes - Parte III (Luís Graça): uma excursão a Lisboa, de 4 dias, em 1959


Guiné > Bissau > s/d [1971/73 ] > Um autocarro dos transportes colectivos de Bissau, carreira Bissau/Bissalanca!... Uma verdadeira peça de museu...  Tinha tejadilho, como o da excursão a Lisboa, em 1959, aqui narrada pelo António Carvalho... Mas seria seguramente de um modelo muito mais antigo... Matrícula G-620...  Empresa: ABP (?)... Uma foto para o nosso Álbum das Glórias... Foto do nosso saudoso Victor Barata (1951-2021), o "Vitinho".

Foto (e legenda): © Victor Barata (2007). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementa: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro: António Carvalho - Um Caminho de Quatro Passos. 
Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 218 pp., ISBN: 978-989-731-187-1.


1. Para além das pequenas histórias relacionadas com a sua experiência como furriel miliciano enfermeiro no sul da Guiné, durante dois anos (CART 6520/72, Mampatá,1972/74), já aqui reproduzidas na série "Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho..." (vd. os oitos postes publicados) (*),  encanta-nos, na primeira parte do livro "Um caminho de quatro passos,  as memórias da infância do autor passada em Medas, Gondomar, num ambiente rural que muitos de nós conhecemos, tanto no Portugal continental como insular.

Como já tivemos ocasião de o dizer, são apontamentos, observações, registos, relatos, pequenos retratos e histórias de pessoas da família e outros conterrâneos. de inegável interesse etnográfico ou documental para se poder conhecer um pouco melhor a infância e a adolescência da geração que fez a guerra colonial / guerra do ultramar, bem como as suas  origens (**).

Por outro lado, o António Carvalhal tem um grande talento narrativo e sabe usar, com maestria, o léxico próprio das suas gentes, vocábulos e expressões que não se usam no Sul (como moletes, canalha, coxão de  carneiro).  

Em dia de anos (72), e em sua homenagem,  tomamos a liberdade de reproduzir aqui mais um excerto de uma das suas saborosas narrativas, a excursão que fez a Lisboa, de 4 dias, em 1959, acompanhado do mano Fernando, do avô e do tio-avô (que era professor) e dos filhos deste, seus primos. Para os putos da província, ir à capital do império, nesse tempo, era uma pequena grande aventura... à ida passaram pelo Mosteiro da Batalha e , no regresso, ainda passaram pelo Estoril e por Mafra...

Mas o nosso António, com os nove anos feitos,  estava longe de imaginar que os "sinos do império" iriam tocar a rebate, menos de 2 anos depois... E que a guerra colonial / guerra do ultramar também iria sobrar para ele e para o mano Manel... (LG)

 

A EXCURSÃO

por António Carvalho


O nosso avô tinha-se distraído das horas, deslumbrado com o movimento da cidade grande, na companhia do cunhado. Um tinha levado os netos, o outro os filhos que lhe vieram bem tarde. Os netos éramos nós, eu e o meu irmão Fernando, os filhos iam sob a autoridade de um pai já tão avantajado na idade que bem podia ser avô deles.

Nós e os nossos primos ficámos por ali, enquanto os cunhados se passeavam pelas artérias da urbe, olhando as novas formas da cidade, os grandes prédios das avenidas novas, os cafés e leitarias, os fatos e até os vestidos e saias esticadas, que emproadas mulheres de lábios pintados envergavam.

Tínhamos saído no dia anterior, para uma excursão a Lisboa, que demoraria quatro dias. Entrámos na camionete, no Largo da Igreja, ainda o dia se não tinha feito, e lembro-me que trazíamos uma cesta de verga com tampa e um garrafão de verde tinto do nosso, que o chofer acomodou, subindo pela escada da traseira da camionete, no tejadilho, conforme faria com os merendeiros que todos levavam para o consumo, se não de toda a viagem, pelo menos para as primeiras jornadas.

Não era qualquer um que se podia dar ao luxo, em 1959, de integrar aquele grupo excursionista, embora já se tivesse tornado, por esta quadra, mais acessível uma digressão destas do que as primeiras que se fizeram nas décadas anteriores. O ano de 1930 marca o início do ciclo dos automóveis e das camionetes na freguesia, com a chegada da estrada à igreja. Em 1934, o bilhete para uma viagem de três dias, a Fátima, custava sessenta e cinco escudos, o equivalente a sete dias de labor de um trabalhador já com alguma especialização. Mais tarde, em 1941, um bilhete, para uma viagem de idêntico itinerário, custava oitenta escudos, quantia que o mesmo trabalhador auferia em cinco dias. 

Instalou-se no primeiro banco, logo a seguir aos dois degraus que teve que escalar com o esforço que lhe impunha o sacana do reumatismo que lhe pegara logo depois dos cinquenta. Tinha reservado ali dois lugares, o do lado do corredor para si, ficando, por deferência, o da janela para o cunhado e amigo, professor. Este era irmão da minha avó e exerceu o magistério primário, na escola do lugar de Vila Cova, preparando para a vida várias gerações de medenses, durante o longo período de trinta e nove anos, só superado pelo professor José Moreira Gomes que lecionou durante quarenta e três anos, nessa mesma escola.

Nós, a canalha, iríamos mais atrás. Depois daquela primeira estação, o autocarro pararia apenas em dois outros sítios, para se engordar dos pouco mais de quarenta passageiros. Em Vila Cova entraria o cunhado, professor, com os dois filhos. Instalou-se, ainda que relutante, no lugar do lado direito do meu avô, junto à janela, por achar perigoso fazer a viagem naquele posto avançado, sem a proteção que lhe dariam as costas do banco da frente. O problema é que na frente do seu lugar só existia o precipício formado por aquele poço das escadas. Poderia, se o chofer tivesse que travar a fundo, cair de escantilhão, naquele buraco fronteiro formado pelas escadas, mas como o cunhado lhe tinha, por amabilidade, arranjado aquele poleiro, mais não podia fazer do que se precaver, agarrando-se a uma guarda de ferro, uma espécie de corrimão, que lhe dava pelo umbigo.

Nós, o bando dos quatro rapazinhos, éramos dos poucos, talvez os únicos da nossa idade, daquela caravana, que um passeio daqueles era mais para gente grande. Lembro-me do Mosteiro da Batalha e da impressão que me causaram as colunas enormes debaixo de arcos ogivais que pareciam poder ruir a todo o momento, das estátuas jacentes e das rosáceas policromáticas.

Na memória me ficou também a imagem icónica da Torre de Belém e o gigantismo dos Jerónimos. Mas se pasmei perante a visão desses monumentos, pela sua grandiosidade e valor simbólico, como marcos de afirmação da independência e púlpitos da epopeia marítima, confrontado com a aparente modéstia do Palácio de Belém, senti-me desiludido, porque julgava que ele não tinha, proporcionalmente, a relevância institucional do seu locatário. Mais tarde vim a saber que, afinal, naquele tempo, o ápice do poder, estava no Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar.

Os quase dois dias de paragem em Lisboa deram para tudo o que precisávamos de ver e fruir, segundo o plano que o meu avô tinha mentalmente traçado e, naquele caso, o que lhe servia também a nós interessava. Atravessámos o rio, muito mais largo que o nosso Douro, numa barcaça, até Cacilhas, de onde se via agigantada a cidade, fomos ao Jardim Zoológico e ainda andámos de metro, debaixo do chão, como nunca tínhamos experimentado.

Ao segundo dia o sol acordou-nos, de manhã, já em Lisboa, onde tínhamos chegado pela noite dentro e dormido, enroscados, sobre os macios assentos de couro da camionete. O meu avô levou-nos a uma leitaria ali bem próxima do largo onde a camioneta se ancorou e de onde só saiu no dia do regresso a casa, com passagem pelo Estoril e pequena paragem em Mafra.

Eu e o meu irmão comemos dois moletes com manteiga e bebemos uma chávena de café com leite cada um e o mesmo terá sucedido com os nossos primos que se sentaram com o pai na mesma mesa. Foi aí que eu fiquei a saber, quando tivemos que traduzir, para o empregado de mesa, moletes por papos-secos, que os nomes de algumas coisas podem ser diferentes quando mudamos de cidade.

Julgavam os cunhados que a canalha poderia ficar ali, queda e serena, enquanto eles iam vadiar pela cidade ? Os nossos primos, esses bem admoestados pelo seu pai, cumpriram quase todas as normas, mas eu e o meu irmão, cansados de andar por ali a calcorrear ruas, por um perímetro que nos parecia seguro, já não quisemos esperar mais pelo almoço que estava à nossa espera, naquela cesta grande arrumada sobre o tejadilho da camionete.

A agilidade e a sofreguidão empurraram-nos pelo escadote de ferro até lá acima , subestimando os avisos que o nosso avô nos fizera. Havia ainda dentro daquela grande lancheira, um alguidar de arroz a par de outro com um avantajado coxão de carneiro. Foi a primeira e única vez que almocei sobre um autocarro e, por certo, nunca mais repetirei a experiência, porque já não há autocarros com cestas no tejadilho. (...) (pp. 154/156).


Selecão de excertos, e negritos, da responsabilidade do editor LG. (***)
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Fonte: António Carvalho - Um Caminho de Quatro Passos. Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 218 pp., ISBN: 978-989-731-187-1.

O livro pode ser adquirido, ao preço de 15,00 Euros (portes incluídos, no território nacional ou estrangeiro) Contactos do autor, António Carvalho, Medas, Gondomar

Email: ascarvalho7274@gmail.com 
Telemóvel: 919 401 036


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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

24 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21942: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (8): O valor da seringa

22 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21935: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (7): O milagre de Nhacobá

19 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21920: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (6): O soldado dos pés inchados

17 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21912: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (5): Dormir com o inimigo

15 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21905: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (4): A vaca

12 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21891: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (3): O canhangulo

10 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21880: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (2): Despejado na Guiné

12 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21762: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Manpatá, 1972/74) (1): Contra os canhões marchar, marchar...

(**)  Vd. postes anteriores:



(***) Último poste da série > 16 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23003: Notas de leitura (1419): Prefácio do nosso camarada Adão Cruz, ex-alf mil médico, CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Caquelifá e Bigene, 1966/68) , ao livro "A Máscara (teatro)" (2015), de Alberto Bastos, ex-alf mil op esp, CCAÇ 3399 / BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73)

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22469: Blogues da nossa blogosfera (162): Um modelo de comparação - Um piropo dirigido ao Cap PilAv Miguel Pessoa, publicado no Blogue da Tabanca do Centro


Com a devida vénia ao nosso camarada Miguel Pessoa (Coronel PilAv Ref, ex-Capitão PilAv da BA 12 - Bissalanca, 1972/74) e ao Blogue da Tabanca do Centro, reproduzimos o Poste 1306, ali publicado, onde o Miguel, Oficial do Quadro Permanente da Força Aérea Portuguesa, se confessa lisongeado por um "piropo" que lhe foi dirigido por um militar daquele Ramo das Nossas Forças Armadas, quando o equiparou, pelo seu relacionamento e camaradagem, a um Oficial Miliciano.

Também ficamos a saber que o então nosso Tenente Piloto Aviador Miguel Pessoa ainda foi Capitão nos últimos 8 meses da sua comissão de serviço na Guiné.


UM MODELO DE COMPARAÇÃO

UM PIROPO...

Na Guiné, como “piloto da caça”, no dia-a-dia o meu relacionamento com o pessoal da linha da frente dos Fiat G-91 era algo reduzido, limitando-se ao período imediatamente antes do voo e após este, o que não se prestava a um conhecimento profundo do pessoal que nos apoiava. Talvez o facto de ser um oficial do quadro habituado a alguma reserva no relacionamento hierárquico tenha contribuído também para esse distanciamento.

Por outro lado, o ambiente na Esquadra dos AL-III era algo diferente, dada a coesão naturalmente desenvolvida entre a tripulação – pilotos, mecânicos de bordo, atiradores do heli-canhão e as enfermeiras paraquedistas, que complementavam a tripulação nas missões de evacuação.

Embora com as limitações decorrentes desse maior isolamento, os meus contactos no decorrer das missões foram proporcionando um maior conhecimento do pessoal da linha da frente, o que acabou por permitir uma maior aproximação aos mesmos fora das horas de serviço.

Lembro-me de, a convite de um deles, ter assistido a várias sessões de ensaio de uma “banda de garagem” constituída por mecânicos da FAP, e de em outras ocasiões ter participado em alguns convívios por eles organizados.

Como ponto forte deste tempo relembro a recepção que me foi feita à chegada à Base de Bissalanca, no regresso do hospital, comemorando o excelente trabalho desenvolvido por todos na minha recuperação na sequência do abate do meu avião.

Esse relacionamento mais informal que se foi desenvolvendo ao longo da minha comissão permitiu-me uma maior integração e aceitação no grupo, de tal modo que um dia recebi de um deles um piropo que terá constituído para o próprio a melhor apreciação que ele poderia fazer da minha pessoa:
- “O Senhor Capitão(*) é um tipo porreiro! Até parece miliciano!...”


Miguel Pessoa

(*) - Embora em todas as minhas histórias da Guiné se fale sempre do Tenente Pessoa, a verdade é que os últimos oito meses da minha comissão os passei como Capitão, no período entre Novembro de 1973 e Agosto de 1974...

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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22434: Blogues da nossa blogosfera (161): PANHARD - Esquadrão de Bula (Guiné, 1963/1974) (5): Garraiada na Monumental Arena do Real Solar Esquadrão - 1972 (José Ramos, ex-1.º Cabo Condutor de Panhard AML do EREC 3432)

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22313: FAP (124): Memórias de lugares da guerra... A Base Aérea 12 de Bissalanca (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA)



1. Em mensagem de 22 de Junho de 2021, o nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69) fala-nos das suas memórias na BA 12 de Bissalanca


MEMÓRIAS DE LUGARES DA GUERRA...
A BASE AÉREA 12 - BISSALANCA


Embora tenha noção de que tudo isto é parte de um passado longínquo, ele será sempre parte intrínseca de todos nós e da nossa história, que perdurará não só enquanto vivermos, mas também para além da vida, consubstanciado nos nossos contos e narrativas. Esse passado sofrido e glorioso, que são pedaços das nossas vidas....

Foi assim, historiando um pouco... que decidi narrar-vos o início atribulado da minha viagem para a Guiné; recordo-me que na escala pela Ilha do Sal, o C-54 H - Skymaster parecia uma lata velha, com o pessoal assustado com a turbulência, a pista transformada em lago e depois o dilúvio, numa terra onde há muitos meses não chovia uma gota.

Ainda recordo o banho de chuveiro no "Hotel abarracado" ... de água salgada... e depois, o arrastar de camas a tentar fugir das goteiras que caíam dos tectos esburacados. Acabei na rua em cuecas a tirar do corpo a água salgada com água da chuva... e a fugir dos percevejos que se passeavam pelos lençóis... e que tinha visto pela primeira vez na vida.

Depois, já no dia seguinte na BA12, quando abriram a porta do avião, aquela sensação de ar rarefeito, desagradávell quente e húmido, bafiento, pegajoso... e o pensamento de que tínhamos chegado a um local amaldiçoado... e tudo isto, aos 18 anos, ainda com a personalidade e experiências de vida apenas na fase de formação.

Alguns dias depois, já na linha da frente da Esquadra de Fiat G-91 onde fui colocado, a famosa 121... tive o bizarro conhecimento de que vários camaradas de outras Esquadras que tinham sido companheiros de Liceu, Escolas Comerciais e Industriais, alguns até colegas de turma nos mesmos estabelecimentos de ensino, eram, pasme-se: Furriéis, Sargentos e Alferes Milicianos.
Alguns de nós com habilitações académicas para Sargentos ou Oficiais, éramos simples 1.°s Cabos... Especialistas...

O clima, quente e húmido, a má qualidade da água, comida e sofriveis instalações, completaram o quadro de tudo com que não sonhávamos ou desejávamos...

As grandes amizades, companheirismo, convivência, solidariedade, cumplicidade, começaram a tomar conta de todos nós... Começámos a perceber que nos 2 anos seguintes, estes eram os valores a que nos teríamos de agarrar para conseguirmos passar pela missão o melhor possível...

A responsabilidade e o espírito de missão foi-se enraizando e pouco tempo passado, já faziam parte do grupo. Aos poucos, fomo-nos familiarizando também com os nossos chefes, que nos introduziram nos procedimentos técnicos de manutenção e apoio de voo. Inspecções, segurança, procedimentos pré e pós voo...

A vida na Guiné não era para ninguém uma pera-doce... contudo a nossa irreverência era uma arma poderosa.

As linhas da frente da BA12, em placa de cimento, chegavam fácilmente por volta do meio-dia, bem acima dos 40° graus centígrados... Não havia sombras, água... e o protector solar ainda não era uma opção.

Eu, e os meus camaradas da Linha dos G-91, tínhamos todos terminado o Liceu ou Escola Técnica e este era o nossa primeira actividade... como especialistas FAP. Todos entre os 18 e 20 anos de idade, com excepção do Chefe de Linha, o 1.° Cabo Especialista R/D Fernando Vilela, que tinha sido nomeado a partir da Linha da Frente dos T-33 na BA2, e era o único já com alguma experiência na manutenção e apoio de voo. Todos os Sargentos, tal como outros 1.°s Cabos mais antigos, permaneciam no "conforto" do hangar onde se efectuavam as inspecções programadas, ou se resolviam reparações mais complexas.

A expectativa dos primeiros voos era enorme, tal como a curiosidade em conhecermos os nossos Aviadores a quem nos dois anos seguintes iríamos dar a nossa imprescindível colaboração...
Não houve qualquer apresentação formal, chegavam de Jeep, vindos das Esquadras, cumprimentavam, fazíamos a inspecção prévia juntos, retirando as cavilhas de segurança do Trem de aterragem, subíamos a escada, eram amarrados à Martin Baker e depois de retiradas as seguranças, estavam prontos para partir...

Foi assim que as minhas rotinas diárias, no G-91, com o Ten Cor Costa Gomes, Capitão Vasquez, Capitão Costa Pereira, Tenentes Vasconcelos, Nico, Balacó e Neves se iniciaram no último trimestre de 1967. Mais tarde, com o decorrer da Comissão, os mais antigos, como o Capitão Costa Pereira e Tenente Vasconcelos, foram respectivamente rendidos pelo Capitão Amílcar Barbosa e Tenente Roxo da Cruz, tal como o Coronel Manuel Diogo Neto, futuro Comandante da Zona Aérea Cabo Verde/Guiné, (CZACVG).

Como tudo na vida, todos nós desenvolvemos personalidades, maneiras de ser e actuar diferentes. Foi assim também relativamente aos nossos Pilotos da Esquadra de Tigres. Havia a classe mais extrovertida e faladora, assim como os economizadoras da palavra, que só diziam o que era absolutamente indispensável...

Os G-91 eram entregues, diáriamente,  ao mesmo Mecânico, até por uma questão de responsabilização... Já com os Pilotos creio ser sido diferente, uma vez que chegavam do GO (Grupo Operacional) com missões já atribuídas...

Em boa verdade, começaram a haver preferências de quem dava saída a quem... Nenhum de nós gostava de apanhar o nosso Ten Cor, era antipático, pouco comunicativo e com uma postura de quem pertencia a um outro mundo...

Depois, havia também preconceito com alguns dos Tenentes... Porque eram empertigados, oriundos da AM, um porque se dizia que era de sangue azul e nem sequer olhava a direito para nenhum de nós... outro porque tratava todos os subordinados com afastamento e até algum desprezo... Parecia terem esquecido que estávamos todos envolvidos numa guerra terrível e de que necessitávamos da solidariedade e cooperação de todos. Eram, todavia todos bons Pilotos, apesar da inexistência da experiência de combate.

Eu, cá por mim, tinha preferência por um par de jovens Tenentes, que tinham chegado à Base no mesmo dia que eu, e a quem podia pedir para fazer umas piruetas, ou uma rapada, caso ainda chegássem com algum JP4 no Fuel Collect Tank... (reserva).


Verificação do Pylon

Bissalanca 1968

Bissalanca 1968

No final, direi que foi com grande orgulho e espírito de missão que contribuí para que a actuação da Esquadra de Intervenção Tigres de Bissalanca tivesse sido um sucesso e tivesse contribuído para a protecção dos nossos camaradas do Exército e Marinha. No final, numa guerra assimétrica, estávamos todos dependentes uns dos outros. Quem nos dera ter o poder de fazer rewind ao relógio da vida, e voltarmos todos aos bons tempos da nossa meninice e juventude...

Um lamento sincero por todos os que não foram bafejados pela sorte, e não conseguiram regressar... ou voltaram fisicamente diminuídos.

Grande abraço
Mário Santos

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE MARÇO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22015: FAP (123): Em louvor do ex-fur mil pil av António Galinha Dias e da tenente enfermeira paraquedista Maria Zulmira André Pereira (1931-2010) que fizeram a evacuação Ypsilon do cap cubano Pedro Rodriguez Peralta, em 18 de novembro de 1969, na sequência da Op Jove (Jorge Narciso / Maria Arminda)

domingo, 19 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20872: Tabanca Grande (492): Francisco Mendonça, ex-1º cabo especialista MARME, BA 12, Bissalanca, 1972/74; senta-se à sombra do nosso poilão, nº lugar nº 806




O novo membro da Tabanca Grande, nº 806,  ex-1º cabo especialista MARME (mecânico de armamento e equipamento), BA 12, Bissalanca, 1972/74.

Fotos (e legenda): ©  Francisco Mendonça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Ttroca de mensagens do nosso camarada Francisco José Rato Mendonça, nosso camarada e leitor, ex-1º cabo especialista MARME [, mecânico de armamento e equipamento], 2/70, Bissau, BA 12, Bissalanca, 1972/74 [, foto atual à esquerda]:

(i) Mensagem do nosso editor, com data de 24 de fevereiro de 2020:

Francisco: Sê bem vindo!... Tens aqui uma primeira resposta, através da foto do Miguel Pessoal,  ten pilav Fiat G-91 no teu tempo (1972/74)... O Gil Moutinho também confirma a presença do ex-furriel Coelho. na foto que publicámos (*)

Continuas a viver na Bulgária ? Ou estás na Itália (a avaliar pelo teu endereço de email) ?...

Um abraço do camarada Luís Graça.

PS - Gostava de te ver aqui sentado, à sombra do "poilão" da nossa Tabanca Grande !... Já em 2015 tínhamos-te feito esse convite... Só precisas de mandar duas fotos, uma antiga e outra atual, escreveres duas linhas de apresentação... Entre malta de terra, ar e mar, já somos, registados, mais de 800 os amigos e camaradas da Guiné.

(ii) Resposta do Francisco Mendonça, 24 de fevereiro de 2020:

Agradeço a vossa disponibilidade, estou em Itália e na Bulgária por motivos diversos, estive em Lisboa o ano passado e encontrei-me com o ex-chefe do EMFA, General Fernando Vasquez quem, creio, vocês conhecem. assim como o ten pilav Fiat G91, pois eu estava na linha da frente e carregava toda a linha T-6.

O furriel [Raul Fernandes] Coelho foi meu instrutor nos Auster, eu jé era piloto de planadores em Évora e em Sofia, Bulgária fiz, delta plano sem motor e aqui, na Bulgária, alguns voos no biplano Antonov 2 agrícola.

Sim, o Coelho é mesmo aquele da foto [, do Miguel Pessoa]..

Tenho o Watsapp e  o Viber e daqui posso enviar fotos através do Facebook,  tenho uma foto com a equipa de judo da FAP, que vou mandar, eu sou o da esquerda, olhando para foto.

Um abraço a todos, lembro-me do Pessoa.

PS - O presidente da república da Bulgária é um antigo piloto dos MiG.


(iii) Mensagem de Francisco Mendonça, 25 de fevereiro de 2020:

E a vida é assim, portugas. Povo de navegadores de um pequeno Pais, conquistaram meio mundo no tempo da monarquia, Recentemente soubemos que chegámos à Austrália 200 anos antes dos Ingleses. Hoje Portugal é colonizado pelas ex-colónias, até a nossa língua foi modificada (para pior),  coisa que não fez nenhum país colonizador.

Ok,  Luís,  vou ver se encontro uma foto para fazer parte dessa Tabanca de 800, que são muito poucos para governar Portugal mas é positivo fazer parte, da confraternização podem surgir oportunidades de negócios ou outras situações interessantes.

Mas nesse almoço que se faz todos os anos [, em Monte Real,] é só pessoal da FAP da Guiné ou também das outras ex-colónias?  É só para saber como funciona.

Um abraço, Mendonça

PS - Obrigada pela sugestão do  Gil Moutinho,  vou tentar o aeroclube de Braga.

2. Comentário do editor LG:

Francisco, como já te disse este blogue está aberto a todos os camaradas que passaram pelo TO da Guiné, entre 1961 e 1974, das três armas, Exército, Marinha e Força Aérea. Sobre a FAP, por exemplo, temos mais de 400 referências. Não te posso, de momento, dizer ao certo quantos camaradas da FAP se sentam "à sombra do poilão da Tabanca Grande", mas temos temos uma boa amostra, desde os pilotos (do quadro e milicianos) até aos especialistas, sendo esquecer as nossas queridas enfermeiras paraquedistas e os nossos camaradas paraquedistas (nomeadamente do BCP 12). 

Como camaradas que fomos (e somos), tratamo-nos por tu, com toda a naturalidade: ajuda a esbater distâncias e diferenças. Somos um blogue com 16 anos de existência (, começamos a blogar em 23/4/2004)... O objetivo principal é partilharmos memórias (e afetos).

Reunimo-nos todos os anos, em Monte Real, Leiria (, onde se localiza, como sabes, a BA 5). Este ano, devido à Pandemia de COVID-19, o XV Encontro Nacional da Tabana Grande, marcado para o dia 2 de maio, já foi obviamente cancelado. É a primeira vez que isso acontece desde 2006, ano em que realizámos o I Encontro Nacional.

Espero que nos possamos conhecer pessoalmente, quiçá no próximo encontro no próximo ano. Temos 10 regras editoriais que deves ler. E, se tiveres alguma dúvida, podes pô-la por email. Todos os postes são publicados pelos editores. Terás que mandar os teus textos (e fotos) por email.

Desculpa o atraso na tua apresentação à Tabanca Grande, que já devia ter ocorrido há mais tempo. Passas a ser o nº 806 (**).  Infelizmente  temos 78 grã-tabanqueiros, que "da lei da morte já se libertaram", mas cujos nomes continuam a figurar na coluna estática, do lado esquerdo da página principal do blogue.

O teu nome passa a figurar, desde hoje, na letra F.  Ficas registado como Francisco Mendonça, sendo este último o apelido por que eras conhecido na FAP.

Desejo -te saúde e longa vida, que os camaradas da Guiné merecem tudo!
_____________


A Sílvia Torres, a quem foi atribuído o n.º 736, devia ter sido aqui listada em fevereiro de 2017, o que não aconteceu por lapso... Já o corrigimos, pelo que número de  membros da Tabanca Grande são 805. Correção feita em 6/4/2020.

sábado, 7 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20708: (D)o outro lado do combate (58): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte V (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)


Inácio Soares de Carvalho [Naci,
Nacy ou Nassi Camará,
nome de guerra]
[foto: arquivo da família
]

Rafael Barbosa [Zain Lopes,
nome na clandestinidade]
 [foto de Leopoldo Amado,
Bissau, 1989]





Com a prisão de ambos, em narço de 1962, o PAI / PAIGC fica decapitado, na Zona 0 (Bissau) (*). Ao Naci Camará foi "fixada residência" no Campo de Chão Bom, Tarrafal, Santiago, Cabo Verde.  Zain Lopes ficou em Bissau, com a "obrigação" de se apresentar todos os dias na sede da PIDE...



Carta de Amílcar Cabral para Nacy [Nassi ou Naci...] Camará, com data de 1 de abril de 1962,  reagindo com muita emoção à notícia da prisão de Rafael Barbosa [Zain Lopes] e outros dirigentes do PAI [PAIGC] da Zona 0 [Bissau]... e dando instruções aos militantes que escaparam...

O destinatário, o Inácio Soares de Carvalho,  já não chegaria a ler esta carta, uma vez que também ele caira, quinze dias antes, em 15/3/1962, nas mãos da PIDE...  Foi um golpe duríssimo para Amílcar Cabral e para o seu partido, o PAI (mais tarde, já em 1962,PAIGC), que ficou decapitado, pelo menos na Zona 0 (Bissau) (**). Rafael Barbosa era o presidente do comité central, e figura de prestígio entre os mais jovens.

De entre as 10 ações que o secretário-geral, a partir de Conacri, preconiza, destaque para a nº 5:

"Levar o povo - todos os trabalhadores de todos os ramos -  a não fazer nada para os portugueses, a não trabalhar, a não pagar impostos, a desprezar os colonialistas. Começar a matar os agentes da PIDE. (sic")

Citação:
(1962), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37408 (2020-3-6) (Com a devida vénia...)


Fonte:
Portal Casa Comum
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 04609.055.004
Assunto: Notícias sobre a prisão de Zain Lopes , Momo e Albino. 
Instruções em relação à prisão dos referidos camaradas.
Remetente: Amílcar Cabral
Destinatário: Nacy Camara
Data: Domingo, 1 de Abril de 1962
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada 1962-1964.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral


1. Recorde-se o que escreveu aqui  Leopoldo Amado (historiador e nosso grã-tabanqueiro: tem 86 referências no nosso blogue, )  a propósito destes acontecimentos de março de 1962, que foram um duro revés para o PAI (sigla reformulada em finais de 1962, em que passou a ser PAIGC)(**):

(...) "O estabelecimento da sede do PAI em Bissalanca data de 1959, tendo funcionado até Fevereiro de 1962, altura [, na madrugada do dia 13 de março de 1962,] em que foi detectada e tomada de assalto pela PIDE com a ajuda de elementos do Exército português, tendo aí sido presos Rafael Barbosa, Momo Turé, Paulo Pereira de Jesus e outros elementos proeminentes do PAI surpreendidos em pleno sono. 

"Com a sede do PAIGC tomada de assalto pela PIDE e preso Rafael Barbosa, seu principal animador, foi desmantelada a rede clandestina do PAIGC em Bissau. 

"A alguns nacionalistas foram fixadas residência em Chão Bom, Tarrafal, excepto Rafael Barbosa que a troco de "colaboração", foi-lhe fixada a obrigatoriedade de se apresentar todos os dias na sede da PIDE em Bissau. Foi apreendido na sede do PAIGC imenso material de propaganda que incluía inúmeros panfletos, correspondências de Amílcar Cabral, para além de armas." (...)

Muitos destes factos, que hoje pertencem à Hustória dos nossos países (Portugal, Guiné-Bissau, Cabo Verde),  são, ainda desconhecidos da grande maioria dos nossos leitores.


2. Continuação da publicação de excertos do manuscrito   "Memórias da Luta Clandestina" (entretanto publicado, na Praia, capital de Cabo Verde,e lançado, no passado dia 30 de janeiro) (***). 

A reprodução desses excertos, no nosso blogue,  foi-nos devidamente autorizada por Carlos de Carvalho, filho de Inácio Soares de Carvalho. 



 Inácio Soares de Carvalho (1916-1994)


Nasceu na Praia em 29 de Abril de 1916. Foi em criança para a Guiné com os pais. No seu tempo haveria 1700 cabo-verdianos no território, muitos deles tendo posições de destaque na vida económica, social, cultural e político-administrativa da colónia portuguesa. 

Trabalhou no BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, desde 1939, até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. 

Envolveu-se na luta política, filiando-se em 1956 no MLG – Movimento para Libertação da Guiné, por influência do seu compadre e colega de Abílio Duarte.

 Inácio Soares de Carvalho, que nunca viveu na clandestinidade, contrariamente ao Rafael Barbosa, será preso pela primeira vez pela PIDE, na filial do  BNU em Bissau, onde trabahava há mais de duas dezenas de anos.  É então deportado,  para o Tarrafal (, a partir da Ilha das Galinhas), aonde chega no início de setembro de 1962, numa leva de 100 presos, guineenses. Três anos depois, em 16/10/1965 e transferido para colónia penal da ilha das Galinhas, no arquipélago dos Bijagós.

Em 7/2/1967, é solto, pela primeira vez. Em 1972 e 1973, volta a passar pela experiência da prisão, em Bissau, até conhecer a liberdade definitiva com o 25 de Abril de 1974.  Há uma escassa meia dúzia de documentos no Arquivo Amílcar Cabral com o seu "nome de guerra", Nassi ou Naci ou Nacy Camará. 

Pertencia à "secção de informação e controle" do PAI (sigla original do PAIGC)  em Bissau, ele e o Rafael Barbosa (c. 1926-2007), reportanto diretamente a Amílcar Cabral, que vivia em Conacri. Em outubro de 1961, Rafael Barbosa, de etnia papel (Zain Lopes, na clandestinidade), é nomeado Presidente do Comité Central do PAIGC. 

Nos final dos anos setenta, Inácio Soares de Caravalho regressa à sua terra natal, Praia, Cabo Verde, e afasta-se praticamente da vida política activa. Vem a falecer em dezembro de 1994, sem ter visto publicadas as suas memórias políticas que comecçou a escrever, "após incessantes insistências dos filhos", e que deu por concluídas em 1992. 

"Nelas o autor narra factos novos, desconhecidos da maioria dos militantes, pois, infelizmente, poucos foram os combatentes da clandestinidade, sobretudo na Guiné, que deixaram escritos sobre essa vertente da luta protagonizada pelo PAIGC." 

(Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho, nascido na Guiné, complementadas por LG.)

É possível haver um lançamento do livro em Lisboa. Em Cabo Verde, a edição é de autor e teve vários patrocínios.


3. Excertos do livro "Memórias da Luta Clandestina" - Parte IV (*)

(Continuação) 


A PIDE descobre a Base do Partido na Zona 0  (**)


No dia 11 de março de 1962, um domingo, o Pedro Ramos  teve a ousadia e o descuido de nos introduzir na Base o seu colega e amigo de infância, Carlos, mais conhecido por “Cacai Boca”. Esse facto acabou por constituir nossa desgraça.

Efectivamente, após o "Cacai" ter saído da Base, a sua primeira preocupação, como um “Bom Português”, foi dirigir-se imediatamente ao nosso inimigo e denunciar-nos. Estamos todos certos de ter sido ele, pois, tendo saído da Base no Domingo, 11, logo na madrugada do dia 13, terça-feira, surpreenderam Rafael Barbosa, Pedro Ramos, Momo Turé, Paulo Pereira de Jesus e Jorge da Silva, proprietário do lugar onde tínhamos instalada a Base. 

Pedro Ramos conseguiu fugir, dando um forte golpe a um soldado que o tinha segurado. Os outros foram todos presos e levados para a cadeia.  Pedro Ramos conseguiu ainda alertar o Albino Sampa que dormia numa casa que se situava um pouco mais afastada. Assim, os dois conseguiram fugir, tentando nessa mesma madrugada me contactar, o que era obviamente impossível. Quando amanheceu, logo cedo, apareceu em minha casa um jovem a dar-me a triste noticia de que prenderam o Rafael [Barbosa] e os outros colegas que dormiam com ele na Base.

No dia 13 de março de 1962 , cerca das 9 horas da noite, apareceram-me lá em casa o Albino Sampa e o Pedro Ramos. Com a porta fechada e a minha mulher de vigilância durante todo o tempo em que estivemos reunidos, contaram-me então como tudo se passou e começamos a buscar soluções para sairmos da situação difícil em que nos encontrávamos.

[...] Aproveitei para fazer um comunicado para o nosso Líder, narrando-lhe os últimos factos ocorridos; determinei também que avisassem todos os responsáveis e militantes para retirarem imediatamente para fora das fronteiras da Guiné, porque cedo ou tarde a PIDE chegaria a eles também; caso fossem apanhados, seriam barbaramente maltratados e estariam na contingência de perderem a vida. Esta minha decisão, enquanto Responsável de Segurança, era para evitar todo o mal que podia vir a acontecer. Também aproveitei para lhes dar um pouco de dinheiro para as despesas que teriam na fuga.


A terceira leva de prisão de dirigentes 


Foram presos o Menezes [Alfredo Menezes d’Alva] e o João Barbosa, primo do Rafael; poucos dias depois, levaram o Rosendo. 

Com estas prisões, tudo paralisou de novo, pois, os três companheiros presos tinham muita influência no desenrolar de nossa luta clandestina. Como devem compreender, eu estava mesmo desesperado e desanimado com a situação.

No dia seguinte às prisões, fui ter com a D. Irene [Fortes, esposa do Fernando Fortes ] e contei-lhe o sucedido, mas ela notou na minha cara que mesmo eu mostrava desânimo com o acontecido. Ela então com gesto de coragem falou comigo de forma brusca:

- O Sr. Inácio tem que ter coragem e saber enfrentar todos obstáculos que nos depararem.

Amigos, quando uma mulher diz a um homem assim, por mais fraco de espírito que fosse, teria que ter coragem e reagir. Depois de contar ao Rafael a conversa que tive com a D. Irene, ele então como homem decidido disse-me que realmente é assim mesmo que tem de ser, é preciso não desencorajar, nem desanimar; a luta é assim mesmo.

Dali então, ainda mais encorajado, me empenhei totalmente para o desenvolvimento de nosso trabalho, contando sempre com o firme apoio dessa mulher que,  mesmo tendo seu marido preso, nunca se desencorajou. Foi seguramente das primeiras firmes e corajosas mulheres que desde a primeira hora incorporou os ideais de nossa luta de libertação. Ela, por seu lado, enquanto o marido esteve preso, teve sempre o apoio e encorajamento de seu cunhado, o Alfredo Fortes [1].

Tendo encontrado o lugar seguro e dava-nos grande confiança.


A primeira prisão de Nassi Camara 


No dia 15 [de março de 1962], antes das 8 horas da manhã, apareceram dois agentes da PIDE na Gerência do Banco [, BNU]. Esses agentes foram falar com o nosso Gerente, Sr. Arruda, a explicar-lhe que foram à minha procura, mandados por um Inspector da PIDE, o Costa Pereira. 

O Gerente mandou-me chamar com o Saco Cassama, servente do Banco. Ao passar pela secção das Correspondências, ele alertou-me que estavam lá dois brancos que lhe parecia que eram agentes da PIDE. Quando me apresentei ao Gerente Arruda, ele apontou-me os dois homens,  dizendo que precisavam de mim. Estes convidaram-me para os acompanhar.

[...] Assim foi a minha primeira prisão, no dia 15 de Março de 1962, uma 5ª feira.


1ª passagem pela Ilha das Galinhas 


Na madrugada de 1 de setembro [de 1962], foram buscar-nos em Mansoa para levar à ilha das Galinhas.

Via João Landim [no rio Mansoa] , fomos levados no porão do barco "Formosa". Chegamos à ilha das Galinhas cerca das 16 horas. De seguida, fomos levados para o acampamento, onde já se encontravam outros presos oriundos da Zona Sul.

Na noite de 1 de setembro, dormimos todos nós presos concentrados num pavilhão grande. Naquela noite tiraram dois irmãos e foram matá-los a tiro. Só nós, que vivemos na pele as atrocidades cometidas pelos salazaristas, podemos contar o sofrimento que passamos, nessa altura da luta.


Da ilha das Galinhas para destino desconhecido


No dia 2 de setembro, de manhã cedo, tiraram-nos num total de 100 presos e encaminharam-nos para o Porto da Ilha das Galinhas, onde tínhamos desembarcado no dia anterior; meteram-nos no porão do mesmo barco "Formosa", com o rumo à Estação de Pilotos em Pontom; de seguida, meteram-nos no porão do vapor "África Ocidental" com destino desconhecido por nós. 

Só viemos a saber onde estávamos quando chegamos ao Porto do Tarrafal [em Santiago, Cabo Verde] onde nos mandaram sair de porão como animais de carga. Passamos muito mal durante todo o caminho. 

[Revisão / fixação de texto, para efeitos de edição neste blogue / notas dentro de parènteses retos: LG]

(Continua)
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Nota de Carlos de Carvalho

[1] Alfredo Fortes, natural da Ilha de S. Vicente, Cabo Verde, era na altura Chefe da Alfândega de Bissau. Na Guiné, foi também Presidente do grande clube desportivo UDIB (União Desportiva Internacional de Bissau).

Após a independência, desempenhou as funções de Embaixador de Cabo Verde na Holanda. Foi Deputado pelo MpD [Movimento para a Democracia] na II República. Morreu na sua ilha natal nos anos 90.
________________

Notas do editor LG:

(*) Listagem das zonas do PAIGC (cada uma com o seu responsável):  

Zona 0 - Bissau; Zona 1 - S. Domingos; Zona 2 - Farim; Zona 3 - Gabú Norte; Zona 5 - Gabú Sul; Zona 6 - Bafatá Norte; Zona 7 - Bafatá Sul; Zona 8 - Fulacunda; Zona 9 - Bissorã; Zona 10 - Cantchungo; Zona 11 - Bedanda; Zona 12 - Bijagós; Zona A - A determinar (Documento manuscrito, s/d, Arquivo Amílcar Cabral / Casa  Comum / Fundação Mário Soares)

(**) Vd, poste de 25 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P569: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte

(***) Vd. postes anteriores da série >

5 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20705: (D)o outro lado do combate (57): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte IV (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

3 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20701: (D)o outro lado do combate (56): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte III (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

2 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20698: (D)o outro lado do combate (55): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte II (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

29 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20695: (D)o outro lado do combate (54): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte I (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)