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sexta-feira, 14 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24475: (In)citações (254): Por favor, não sigam o alce-cherne, que é animal híbrido que não existe no bestiário da minha Lapónia (José Belo)




Fotos enviadas pelo Joseph Belo (2023): os alces que rondam a minha porta...


 1. Mensagem do José Belo, o nosso correspondente no círculo polar ártico:

Data - 25/06/2023, 20:22
Assunto - O alce, o cherno... e o alce-cherno

O quadro jurídico de muitas nações e a declaração universal dos direitos humanos contempla o direito de resposta.

Com o reconhecimento deste direito é possível defender a honra, a dignidade e a integridade do indivíduo. Mais não é que um mecanismo legal para combater a difusão de informações falsas.

Com liberdades poéticas, tão suaves como martelo de pedreira, o  rei das florestas nórdicas é “amortalho” num poema sobre o Cherne (peixe simpático, mas peixe é peixe!)

A intenção do poeta seria a melhor... mas como explicar ao orgulhoso e altivo alce o sentimento poético lusitano que o põe... "já morto, a boiar ao lume de água, nos olhos rasos de água?"

Estas coisas espalham-se como a neblina nas infindáveis florestas nórdicas.

Não será por acaso que, desde a publicação do poste (P24418) o largo rio que corre a 200 metros da minha casa é diariamente visitado por alces fêmeas que, acompanhadas pelos seus vitelos, procuram observar na superfície do rio o tal "alce-cherno" a boiar.

Seria mais do que edificante esta educação compulsiva-geracional dos alces, não fora ela baseada em falsas premísseis lusitanas.

Surge ainda o agravante colateral provocado pelas contínuas visitas destas alimárias com as respectivas crias. Estão a provocar profundas depressões nervosas nos meus cães de guarda,  habituados a ganhar honestamente o seu pão diário afastando lobos e ursos e não familiares chorosos de alces-cherne. (**)

Um grande abraço do JBelo WWW

PS - Em e-mail seguem fotos comprovativas.
____________

Notas do editor;

(*) Vd. poste de 20 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24418: (In)citações (251): Sigamos o alce, que vem pachorrentamente pastar à porta do Joseph Belo, à hora do jantar...

Vd. também poste de 6 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24454: S(C)em comentários (11): "Na imensidão da Lapónia a Natureza é uma das terapias espirituais" (José Belo)

terça-feira, 13 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24397: O Cancioneiro da Nossa Guerra (15): O Hino da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1971/74): uma paródia do "Tiro-Liro-Liro" (Recolha: José Sobral e António Lalande Jorge)


Coimbra > Claustros do antigo Colégio da Graça, hoje sede no núcleo local da Liga dos Combatentes, na Rua Sofia, 136 > 27 de maio de 2023 : 50.º convívio de confraternização da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1971/74) (a chamada 2ª e 3ª geração de graduados e especialistas, de origem metropolitana) (*) > Um grupo de "coralistas": cantando o "Hino da CCAÇ 12"... Da esquerda para a direita, 

(i) José Sobral, ex-alf mil at inf, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/73);

(ii) António Lalande Jorge, ex-fur mil mecânico, CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1972/74);

(iii) Manuel Lino, ex-fur mil art, 20º Pel Art (obus 10,5 cm) (Xime, 1972/74);

 (iv) António Duarte, ex-fur mil at inf, CCART 3493 e CCAÇ 12 (Mansambo, Bambadinca e Xime, 1971/74).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Vídeo (1' 14''). Alojado em Luís Graça > You Tube (2023)


Coimbra > Claustros do antigo Colégio da Graça, hoje sede no núcleo local da Liga dos Combatentes, na Rua Sofia, 136 > 27 de maio de 2023 > 50.º convívio de confraternização da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1971/74) (a chamada 2ª e 3ª geração de graduados e especialistas, de origem metropolitana) (*)

No vídeo pode ver-se um grupo de "coralistas", cantando uma paródia de uma canção tradicional, que a Amália Rodrigues imortalizou ("Tiro-Liro-Liro") ("Cá em cima está o tiro-liro-liro, / cá em baixo está o tiro-liro-ló / Juntaram-se os dois à esquina / A tocar a concertina, a dançar o solidó"), transformada em cantiga de escárnio e maldizer, em que os visado seria o 2º comandante do BART 2917 (o então major art Anjos de Carvalho, conhecido na "caserna" como o "alma negra", e gostar de comandar operações "by air", ou seja, através do PCV - Posto de Comand0 Volante, em DO-27. 

"Grande momento 'musical' com coreografia final especial", escreveu o António Duarte... Acrescento eu: com um valente "manguito" do nosso dr. José Sobral... Ora não fora ele, um coimbrão que, enquanto estudante, apanhou a crise estudantil de 1969, e foi logo recambiado  para a tropa, ele e o Jaime Pereira, seu colega e amigo desde os tempos de liceu... Por azar, logo os dois foram parar à CCaç 12 (que raio de coincidência!).

 
1. O António Lalande Jorge, ex-fur mil mec auto, de rendição individual, que pertenceu à CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1972/74), respondeu do seguinte modo a um outro mail que eu mandei aos camaradas da CCAÇ 12 que estiveram presentes no convívio de Coimbra, do passado dia 27 de maio.

Data - 31/05/2023, 22:16
Assunto - Coimbra, 27/5/2023... Convívio da nossa CCAÇ 12

Caros camaradas,

Na sequência e em resposta ao mail enviado pelo camarada Luís Graça e esperando que o José Sobral não leve a mal eu antecipar-me e responder ao pedido do Luís Graça a propósito da cedência da letra do Tiro Liro Liro / Hino da CCAÇ12,  e para evitar nova reunião para acerto da letra, envio agora o Hino com a letra já corrigida para que todos possam guardá-la e decorá-la de modo a que num próximo encontro possamos cantar todos afinadinhos.
Abraços para todos.

António Lalande Jorge


2. Comentário do editor LG:

Publica-se a seguir a letra do "Hino da CCAÇ 12", na versão que me foi disponibilizada pelo António Lalande Jorge. Uma peça a juntar ao Cancioneiro de Bambadinca, ou melhor, ao Cancioneiro da Nossa Guerra (**)... 

Julgo que a letra é do médico, coimbrão,  José Sobral, ex-alf mil at inf, da CCAÇ 12, no período de 1971/73,  revista e melhorada por outros camaradas da CCAÇ 12, da chamada 2ª e 3ª gerações. (Como é sabido, as subunidades do CTIG, como a CCAÇ 12, tinham apenas graduados e especialistas de origem metropolitana e rendição individual.)

Obrigado,  camarada Lalande Jorge. E espero que aceite o meu convite para integrar, de pleno direito, a nossa Tabanca Grande (***). Só preciso de duas fotos tuas, uma do "antigamente", e outra mais recente. Pelo que eu pude observar, de relance, no nosso convívio de Coimbra,  tens um excelente álbum fotográfico do tempo em que passaste por Bambadinca e pelo Xime (1972/74). 

E, "by the way",  pelo que me constaste, ias levando uma "piçada" do gen Bettencourt Rodrigues, o Com-Chefe que rendeu o Spínola, por no quartel do Xime (para onde a CCAÇ 12 foi transferida, a contragosto, em março de 1973), teres dezenas e dezenas de pneus, se não centenas, empilhados até ao tecto... 

O general deve ter pensado que andavas a açambarcar pneus (e até a vendê-los aos "turras"...) quando havia falta deles (e dos demais sobresselentes paras as viaturas automóveis)  no CTIG... 

A tua resposta, serena,  deve tê-lo desarmado: "Meu general, é uma herança acumulada, das companhias que passaram por aqui, e agora da nossa, que veio de Bambadinca... Não sei o que fazer a este lixo todo..."

Se quiseres partilhar uma seleção de fotos, com maior interesse documental, estás à vontade: só tens que as digitalizar, com uma boa resolução (mínimo,  1Mb) e mandá-las para o meu endereço de email... Se possível com legendas: data, local, etc.


HINO DA CCAÇ 12

Lá em cima anda o Helicanhão.
Cá em baixo anda a 12 e anda o Xime.

Lá em cima anda o Helicanhão,
Cá em baixo anda a 12 e anda o Xime.

Juntaram-se os três numa operação,
Lá para os lados do Poidão,
Correu tudo que nem um mimo!

Juntaram-se os três numa operação,
Lá para os lados do Poidão,
Correu tudo que nem um mimo!

Major... ó meu Major,
Ora diga lá agora o que é que quer.

Major... ó meu Major,
Ora diga lá agora o que é que quer.

Ora essa, continuem cinco minutos,
Não precisam que vos peça.
Continuem... ora essa!

Ora essa, continuem cinco minutos,
Não precisam que vos peça.
Continuem... ora essa!

Comandante... ó meu Comandante,
Estamos fritos, estamos agora a embrulhar!

Comandante... ó meu Comandante,
Estamos fritos, estamos agora a embrulhar!

Tenham calma... tenham calma e não pensem
Que eu daqui não vos estou a ajudar.

Tenham calma... tenham calma e não pensem
Que eu daqui não vos estou a ajudar.

Contra os canhões sem recuo...
VAI TU !

(Recolha: José Sobral / António Lalande Jorge)
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

31 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24356: Convívios (963): Coimbra, 27mai2023, 50.º convívio da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime 1971/74): "Balada de Despedida", voz: Firmino Ribeiro

30 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24353: Convívios (962): CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1971/74): Coimbra, sede do núcleo local da Liga dos Combatentes, 27/5/2023: poucos mas bons, ao fim de 50 anos...

(**) Último poste da série > 3 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23583: O Cancioneiro da Nossa Guerra (14): Os Hinos da 4ª CCAÇ (Bolama e Bedanda, 1961/67) e da CCAÇ 6 (Bedanda, 1967/74)

(***) Vd. poste de 5 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24285: O que é feito de ti, camarada ? (18): António Lalande Jorge, ex-fur mil mec auto, CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, março de 1972 / abril de 1974)

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24361: FAP (126): A que altura (quantos pés) voava a DO-27 quando fazia de PCV (Posto de Comando Volante)? (Fernando de Sousa Ribeiro)



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Pista de Bambadinca... Ao fundo, o muro do cemitério... Uma DO-27 na pista... 

Era uma aeronave que  adorávamos  quando nos trazia de Bissau os frescos e a mala do correio ou, no regresso, nos dava boleia até Bissau, para apanharmos o avião da TAP e ir de férias... 

Era uma aeronave preciosa nas evacuações (dos nossos feridos ou doentes militares, bem como dos civis)... 

Era um "pássaro" lindo a voar nos céus da Guiné, quando ainda não havia o Strela...

Em contrapartida, tínhamos-lhe, nós, os infantes, um "ódio de morte" (sic) quando se transformava em PCV (posto de comando volante) e o tenente coronel, comandante do batalhão, ou o segundo comandante,  ou o major de operações,  ia ao lado do piloto, a "policiar" a nossa progressão no mato...  Quando nos "apanhavam" e ficavam à nossa vertical, era ver os infantes (incluindo os nossos "queridos nharros") a falar, grosso, à moda do Norte, com expressões que eram capazes de fazer corar a Maria Turra... "Cabr..., filhos da p..., vão lá gozar pró c..., daqui a um bocado estamos a embrulhar e a levar nos corn...".

Também os nossos comandantes operacionais (capitães QP ou milicianos) não gostavam nada do "abelhudo" do PCV, em operações no mato...

Foto do álbum de Arlindo T. Roda, ex-fur mil da CCAÇ 12 (1969/71).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

.

Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil at inf, 
CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880 ( Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74);
 membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018, com o nº 780


1. O nosso camarada Fernando de Sousa Ribeiro levantou uma questão que não é de lana caprina (*):

O que é de cabo-de-esquadra é o PCV, que eu tive que ir verificar do que se tratava, porque em Angola não havia disso.

É o cúmulo "comandar" uma operação a partir de um avião! Mas que diabo de ideia! Toda a gente que estivesse num raio de muitos quilómetros ficava a saber onde é que a tropa andava, o que destruía por completo uma das regras básicas da guerra de guerrilha, que é o fator surpresa. 

Os "brilhantes" cérebros militares não sabiam disso? Está visto que a guerra na Guiné era uma guerra rica, pois até majores e tenentes-coronéis passeavam-se em aviões, enquanto a carne-para-canhão morria ou ficava estropiada cá em baixo por culpa deles.

Para abater um DO-27 não eram precisos "strelas". Uns tiros de AK-47 bem apontados ao depósito de combustível ou à hélice do avião deitá-lo-iam abaixo, a menos que este voasse a mais de 300 ou 400 metros de altura, fora do alcance das espingardas, ou então que voasse muito baixinho, a roçar as copas das árvores. 

Portanto, aqui deixo a minha dúvida: a que altura é que os PCV costumavam voar?

2 de junho de 2023 às 02:04  (*)


2. Comentário do nosso editor LG:

Boa questão, Fernando... O "hino da CCAÇ 12", da época de 1971/72, que iremos publicar à parte, é uma paródia da cantiga do "tiro-liro-liro", mais uma bela peça do nosso humor de caserna  lá em cima o senhor major, no PCV ("posto de comando volante") e cá em baixo a "tropa-macaca"... 

Lá em cima anda o Heli-Canhão
Cá em baixo anda a 12 e anda o Xime. (...)

Juntaram-se os três numa operação
Lá para os lados do Poidão
Correu tudo que nem um mimo! (...)

Major... ó meu Major
Ora diga lá agora o que é que quer. (...)

Ora essa continuem cinco minutos,
não precisam que vos peça.
Continuem... ora essa! (...)

Comandante... ó meu Comandante
Estamos fritos, estamos agora a embrulhar! (...)

Tenham calma... tenham calma e não pensem
que eu daqui não vos estou a ajudar. (...)

Contra os canhões sem recuo...
VAI TU!

No sector L-1 o comando dos batalhões usavam e abusavam do PCV... "Para mostrar serviço" aos senhores de Bissau... Nunca dei conta que tenham sido úteis, bem pelo contrário..

Os pilotos de DO-27 podem dizer-nos a quantos pés costumavam voar em operações como PCV ? Vamos lá perguntar aos camaradas da  FAP. (**)
___________

Notas do editor:


sexta-feira, 7 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24206: Estórias cabralianas (95): O meu amigo 'comando' Barbosa Henriques (1937 - 2007): "Bons tempos, Cabral, consigo ia ficando maluco!"... "E eu ia ficando comando!"... (Jorge Cabral)


1. Há muito que o cor art 'comando' ref Octávio Emanuel Barbosa Henriques nos deixou. Nasceu na ilha do Fogo, Cabo Verde, em 1938) e morreu em Lisboa em 2007, aos 69 anos. 

 O Virgínio Briote conheceu-o na Academia Militar. Eu e o "alfero Cabral" acabámos por o conhecer na Guiné e conviver com ele (o Cabral muito mais do que eu) durante a fase de instrução e formação da 1ª CCmds Africanos (de dezembro de 1969 a junho de 1970) em Fá Mandinga, a escassos quilómetros de Bambadinca.

O portal UTW - Ultramar Terra Web - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar publicou, na altura da sua morte, o seu CV militar detalhado:

(i) depois de ter frequentadio o curso de comandos no CIOE de Lamego (abr/mai 1968), foi mobilizdao para o CTIG;

(ii) foi um dos quatro capitães que passaram pela CCAÇ 2316 (1968/69) como comandantes; esteve em Guileje (de setembro de 1968 a julho de 1969);

(iii)  em agosto de 1969  regressou à metrópole, ao CIOE, para ser de novo mobilizado para a Guiné, em dezembro de 1969: será sentão o instrutor da 1ª CCmds Africanos;

(iv) em agosto de 1970, assume o comando da 27ª CCmds até final de 1971.

O nosso saudoso amigo e camarada Amadu Djaló (1940-2015), nas suas memórias (publicadas em 2010) por cima da carismáica figura do instrutor da 1ª CCmds Africanos. Achamos que o Barbosa Henriques merece ser aqui, mais uma vez, recordado.

2. Foi nesse breve lapso de tempo (1º semestre de 1970) que eu conhecio o cap art 'comando' Barbosa Henriques. Dele deixei um esboço de retrato-robô (*)

(...) É a ele, muito provavelmente, que se refere o Carlos França, ao evocar a figura do capitão pretoriano, arrancado às páginas de clássicos romances de guerra como os de Jean Lartéguy. 

(...) O capitão 'omando'  Barbosa era, para mim, a personificação do profissionalismo militar, cada vez mais raro naquelas paragens: um tipo espartano, frio, calculista, distante, seco de palavras mas formalmente correcto… Imaginava-o programado até ao mais ínfimo dos gestos, saído da linha de montagem de fábricas de militares como as de West Point! A ele se atribuía, justa ou injustamente, a afirmação tão sintomática quanto estereotipada de que uma 'instrução de comandos sem uma boa meia-dúzia de mortos não era instrução de comandos nem era nada'.

E, no entanto, por detrás daquela máscara impassível de duro e daquele comportamento quase robotizado que me causava simultaneamente atracção e repulsa, havia um homem de carne e osso, tímido e sentimental, tão só como nós, capaz de deixar trair as suas emoções, e de falar de outras coisas bem mais comezinhas e menos metafísicas do que a arte da guerra. Ou não fora ele de origem cabo-verdiana (...)

Chegámos a conversar, em grupo, com alguma descontracção e civilidade, entre dois copos de uísque e o 'All you need is love' dos Beatles, como música de fundo, no bar do quartel de Fá Mandinga, enquanto lá fora os seus rapazes, sedentos de aventura e de emoções fortes, preparavam um 'festival de fogo de artifício'  como recepção ao periquito do alferes miliciano médico que acabava de chegar à companhia (... diga-se de passagem que nunca convivi com o médico dos comandos, nem me lembro do seu nome). (...)


3. Com muito mais humor,  vivacidade e propriedade do que eu, o Jorge Cabral (ex-alf mil art, comandante do Pel Caç Nat 63)  já aqui embrou a sua figura: foi de resto seu amigo e cúmplice das noites de Lisboa, no regresso da Guiné, nomeadamente em 1972. 

O texto, que se reproduz a seguir, sem ter sido escrito propositadamente para a série "Estórias cabralianas", bem pode figurar como a nº 95 (**). É também uma homenagem do nosso blogue a ambos, dois homens que, apesar de tudo aquilo que os podia separar, conseguiram  construir uma base sólida para uma amizade e uma camaradagem que perdurou para além das contingèncias das suas vidas, pessoais, profissionais e militares.


O meu amigo Barbosa Henriques (1938-2007)

por Jorge Cabral (1944-2021)



Confesso que, quando em janeiro de 1970 me informaram que os Comandos Africanos vinham completar a instrução em Fá [destacamento à guarda do Pel Caç Nat 63], não fiquei nada satisfeito. 

Ali me encontrava desde julho de 1969, com os meus soldados e famílias, vivendo uma pacífica rotina, só de quando em quando interrompida, com a chamada para alguma operação para os lados de Xime ou de Mansambo.

Em fevereiro, e após a Engenharia ter preparado as instalações, chegaram os Comandos Africanos, e conheci o capitão Barbosa Henriques. Talvez porque os contrários se atraem, logo entre nós se estabeleceu uma relação cordial que veio dar lugar a uma verdadeira amizade.

Comandante do Destacamento, dependendo apenas de Bambadinca  [BCAÇ 2842, 1968/70], não alterei em nada a minha forma de estar, continuando a andar semi-vestido, e a passar longo tempo na Tabanca, mas não hesitei em oferecer toda a colaboração, tendo até ajudado na instrução e servido de cripto.

Como Comando-Instrutor, o capitão Barbosa Henriques era duro, severo, espartano, quase um centurião. Teve porém sensibilidade para me compreender, apreciando e mesmo alinhando, nalgumas loucuras, daquele estranho alferes. Sei que, estando em Bolama, ainda falava do Cabral, e da declaração de Amor à D. Rosa, que eu diante dele recitei no Café das Libanesas, em Bafatá (1).

Nos anos de 72 e 73, em Lisboa, convivemos, frequentando o Parque Mayer, suas Revistas e Coristas. Calculem que até me quis convencer a meter o chico, para ser seu adjunto no Forte das Raposeiras, pois ambos pertencíamos à Arma de Artilharia. 

Creio que a última vez que o vi, foi em meados dos anos 80, quando almoçámos no Quartel onde estava colocado. Tinha boa memória, e recordou aquela vez que me havia pedido para
fazer tiro de metralhadora a roçar a cabeça dos instruendos, e eu disparei tão alto que matei oito vacas na Tabanca de Biana.

− Bons tempos,  Cabral, consigo ia ficando maluco!  −   disse-me então.
− E eu ia ficando comando!   −  retorqui ao meu único amigo capitão.

Fora de Lisboa, não pude comparecer no funeral, mas a sua morte entristeceu-me, e é com saudade que lembro o capitão Barbosa Henriques, meu Amigo.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Subtítulo / Negritos: LG]
____________

Notas do editor:



(...) Entre os meus militares metropolitanos, há o homem mais habilidoso que conheci, o Monteiro. Foi ele que construiu o forno e desmontou e montou o gerador. Ora uma vez, ainda em Fá, olhando as minhas unhas dos pés, chamou-me:
– Oh, Meu Alferes, olhe-me essas enxadas! Venha cá! (...)

quarta-feira, 15 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24144: S(C)em Comentários (8): "Meter o chico" não é uma expressão assim tão deselegante como pode parecer hoje: muito boa gente "meteu o chico", gostaram da guerra e por lá quiseram continuaram (António Graça de Abreu, autor de "Diário da Guiné", 2007)



BI militar do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu: (i) ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74; (ii)  membro da nossa Tabanca Grande desde 2007; (iii) tem 320 referências no blogue; (iv) é escritor,  autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp).


1. Comentário de António Graça de Abreu ao poste P24141 (*)

(...) Oh, Luís, "meter o chico" não é uma expressão tão deselegante como possa parecer hoje. Muito boa gente "meteu o chico." No nosso blogue temos um ror de camaradas, gente boa, que "meteu o chico", gostaram da guerra e por lá quiseram continuar. Alguns deles estão na génese do necessário 25 de Abril. Eu, que sou tudo menos perfeito, não tenho complexos de direita, nem de esquerda, não gosto é que me lancem poeira para os olhos. (...)

2. Ciberdúvidas da Língua Portuguesa > Consultório:

Pergunta: 

"Durante o tempo em que prestei serviço militar, era frequente designar por "Chicos" os militares do quadro permanente, e por «meter o chico» o acto de, após o serviço militar obrigatório, seguir a carreira militar. Gostaria muito de saber a origem dessa expressão. Muito obrigado."

José João Roseira  Eng. eletrotécnico reformado  Vila Nova de Gaia, Portugal  

Resposta:

"A expressão é de facto muito conhecida, com o sentido referido pelo consulente, mas infelizmente não encontro a sua origem comentada em nenhuma fonte. Talvez algum consulente nos possa dar uma pista."

Carlos Rocha  6 de setembro de 2010

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-origem-da-expressao-meter-o-chico-portugal/28744 [consultado em 14-03-2023]

3. No nosso blogue encontrámos uma referência (mas há mais...) à expressão "meter o chico": vd. excerto do poste P20240 (***)

(...) o termo 'chicalhada' era uma forma de se referir, em termos depreciativos, os oficiais e sargentos do quadro das Forças Armadas, o pessoal da carreira militar, os quais eram em geral muito mais velhos do que os soldados do contingente geral, os furriéis milicianos e os alferes milicianos. 'Meter o chico' era um termo depreciativo, designando uma acção desprezível de um furriel ou alferes miliciano que, no final da comissão, optava pela continuação na vida militar: veja-se por exemplo o Fado do Miliciano, do Cancioneiro do Niassa, que o J.M.A. Santos diz ser a versão do Exército do Fado da Marinha. (...)

S(c)em (mais) comentários... (***)
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Notas do editor:

segunda-feira, 6 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24122: S(C)em comentários (5): E no Geba, às portas de Bafatá, cantava-se, em 1967: "Oh! São, oh São / E o vento mudou / E ela não voltou / E ela partiu / P... que a pariu, Nunca mais ninguém a viu..." (A. Marques Lopes, cor inf ref, DAF)

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Geba > CART 1690 (1967) > "Aqui era a nossa discoteca... Aqui cantávamos a Sandie Shaw e o Eduardo Nascimento... E bebíamos uns 'shots' valentes", diz o A. Marques Lopes (o terceiro a contar da esquerda).


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Geba > CART 1690 (1967) > Igreja de Geba, onde já ninguém ia rezar... Devia ser de meados dos anos 30 do séc. XX, e estava em estado de grande degradação. Havia um projeto da ONG Viver100Fronteiras para a sua reconstrução.

Fotos do álbum de A. Marques Lopes, um dos históricos do nosso blogue, coronel inf, DFA, na situação de reforma, ex-alf mil da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968). 

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Lembram-se da Sandie Shaw, e da sua "Pupet on the string" (Marioneta, à letra, em português), um dos grandes êxitos do "hit parade" musical do ano de 1967? Foi com esta canção que a provocante inglesa Sandie Shaw (n. Londres, 1947) ganhou o Festival Eurovisão da Canção de 1967, em Vienba... Ainda por cima teve a irreverência de cantar desçalça, naquela época, por protesto, dizia-se, pela conservadora BBC ter pensado seriamente em "tirar-lhe o microfone" depois descobrir que a rapariguinha andava envolvida numa cena de adultério... 

Com 20 aninhos, imaginem, e aquelas hormonas todas a fervilhar!... Ficou no goto dos rapazes de Geba que deviam ter sensivelmente a mesma idade que ela ...e tinham testosterona para dar e vender...


2. Já o Eduardo Nascimento, um pouco mais velho (nascido em Angola, em 1944) era um pacato rapaz lusitano, tal como o Eusébio... Tem hoje direito a entrada na Wikipédia, onde se diz uma infâmia: que terá ido ao Festival Europeu da Canção por vontade expressa de Salazar, quando um "pretinho" dava jeito à máquina de propaganda do Estado Novo...

(...) Líder do conjunto angolano Os Rocks, participou num dos concursos de música ié-ié, realizados no Teatro Monumental, em Lisboa. Em 1967 perenizou-se com o tema O Vento Mudou, vencedor do Festival RTP da Canção

A música foi representar Portugal no Festival Eurovisão da Canção, realizado em Viena, ficando em 12º lugar (ex-aequo com a Finlândia), entre dezassete países. 

Eduardo Nascimento foi o primeiro negro a pisar os palcos da Eurovisão. Dizia-se na altura que tinha sido Salazar quem quisera que Eduardo Nascimento representasse Portugal, para provar que não era racista. O tema viria a ser gravado pelos Delfins, por Adelaide Ferreira e pelos UHF. 

Com Os Rocks Nascimento gravou ainda dois EP (...). O cantor continuou a actuar com Os Rocks até 1969, altura em que voltou para Angola e abandonou a carreira musical. Posteriormente veio a exercer funções na TAP." (...)

Os rapazes do Geba, às portas de Bafatá, cantarolavam, em 1967, uma paródia de "O Vento Mudou", numa típica manifestção de bom humor de caserna: 

"Oh! São, oh São, 
E o vento mudou, 
E ela não voltou....
E ela partiu,
P... que a pariu,
Nunca mais ninguém a viu..." 
 
3. O nosso camarada Nuno Nazareth Fernandes, autor da música, ex-alf mil, BENG 447 (Brá, Bissau, 1972/74), radialista em Bissau, no PIFAS, membro da nossa Tabanca Grande, nº 684,  já aqui desmentiu categoricamente essa "boca foleira" (que vai ficar na Wilipédia!), afirmando que no Festival RTP da Canção de 1967, "o Eduardo Nascimento ganhou com o todo o mérito, porque era a melhor canção, e rompia com o chamado nacional cançonetismo", e sendo  falso que o Salazar tenha imposto o seu nome para ir ao festival da Eurovisão (**).

Reiteramos as nossas desculpas ao Eduardo Nascimento e ao Nuno Nazareth Fernandes. 

S(C)em Comentários (***). 

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


5 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24121: S(C)em comentários (4): A Massiel de Ingoré, ou melhor, a cantora espanhola, que venceu o Festival da Eurovisão da Canção em 1968, e que deu a alcunha à autometralhadora Daimler ME-78-63, ao tempo em que o nosso Zé Teixeira passou por lá (e também deu uma voltinha com ela...), entre maio e julho de 1968

(***) Último poste da série > 5 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24121: S(C)em comentários (4): A Massiel de Ingoré, ou melhor, a cantora espanhola, que venceu o Festival da Eurovisão da Canção em 1968, e que deu a alcunha à autometralhadora Daimler ME-78-63, ao tempo em que o nosso Zé Teixeira passou por lá (e também deu uma voltinha com ela...), entre maio e julho de 1968

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24109: (In)citações (233): Volta, Zé Belo, estás perdoado! (dizem os "sámi")

1. Mensagem de José Belo (jurista, gestor de conflitos, mediador cultural, o nosso luso-sueco-lapão, cidadão do mundo, efetivou-se como membro, registado, da Tabanca Grande em 8 de março de 2009; com 241 referências no nosso blogue, não precisa de apresentações, louvores, condecorações, repreensões; dizem os seus vizinhos, invejosos, que vivem longe loge dele, tão longe como de Lisboa ao Porto, que ele queria "desertar" para a ilha de Key West, mas os "sámi" foram buscá-lo de volta e puseram-no de novo dentro do círculo polar ártico, justamente ali onde, apesar do frio de rachar, ele pode cuidar dos seus "ursinhos de peluche" e das suas "renas de estimação"; na Guiné era bem pior...):


Data - segunda, 27/02, 20:48
Assunto . Os carros à frente dos bois.... 


Espero que a saúde esteja boa.

A notícia da “morte-súbita” da casa da Lapónia foi (mais uma vez) …..exagerada! (*)

A ilha de Key West é Sol-Piscina-Mar Quente do Golfo do México-Cuba a noventa quilómetros de distância -Bons Restaurantes com marisco e peixe de alta qualidade-Infindáveis Bares e….boas companhias!

Enfim,a casa ideal para se passar uns meses por ano quando o frio, neve, gelo e escuridão do Círculo Polar  "apertam”.

A grandiosidade e o isolamento da natureza da Lapónia têm para mim outras referências. Talvez demasiado pessoais mas….importantes.

Enquanto a saúde o permitir,  continuará a ser a minha morada-base.(**)

Um grande abraço. JBelo

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24047: (In)citações (230): Nunca digas adeus, até sempre! (José Belo, Key West, Flórida)

sábado, 28 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24017: Fotos à procura de... uma legenda (170): um "aerograma"... da Suécia com, brrr!, muito frio (José Belo)


Cortesia de José Belo (Julgo que a foto não é dele, deve ter sido tirada por uma das suas renas...)


1. O José Belo, o português (ou luso-sueco) que vive mais a norte de Cascais, já dentro do Círculo Polar Ártico, não perde pitada do seu corrosivo mas saudável bom humor quando chegam os grandes nevões e as temperaturas, lá para o seu sítio, na Lapónia, atingem muitas dezenas de graus negativos, rebentando com os termómetros... 

Imaginem, mandou-nos um "aerograma", que deve merecer, em resposta,  um comentário dos nossos leitores...

Eu acho que nos faz isto só por pirraça, acinte, afronta, senão mesmo sacanice!... "Ah!, os velhadas, todos juntinhos, no adro da igreja, a jogar à sueca, aproveitando os fracos raios de sol do inverno!... Venha aí o ribatejano mais valente, reformado de pegador de touros e de antigo combatente da guerra do ultramar, para lidar esta besta que 'amanda' com quarenta graus abaixo de zero!"...

Na "nossa" Guiné, no nosso tempo, a tempertaura mínima que podíamos apanhar, em dezembro, rondava os 15 graus. E eu lembro-me de ter batido o queixo, à noite, emboscado ("enroscado") no mato, eu e os meus soldados guineenses, enrolados em mantas... 

Era das únicas vezes que eu usava o blusão de couro que havia comprado no Casão Militar, custou-me uma fortuna... Estupidez a minha, não vi que o clima na Guiné era tropical... Foi a "agência de viagens" que me enganou... Mas deve ter havido alguém que me garantiu que o blusão merecia o preço, também era colete anti-bala... Que lorpa!... Isso, e as botas à cavaleiro, de cano altíssimo até ao joelho, que era para atravessar as bolanhas e não ser sangrado pelas sanguessugas... (LG)

Domingo, 15/01/2023, 12:00




Um "Aerograma" com ar fresco do Árctico e um abraco

Com a curiosidade de a roupa lavada (e congelada!) nos quarenta graus....negativos!

Abraço, JBelo
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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de janeiro de 2023 > uiné 61/74 - P24004: Fotos à procura de... uma legenda (169): Um ministro de Salazar, desembarcado na fragata Nuno Tristão, no decurso da Op Tridente, Ilha do Como, c. jan/mar 1964 (José Belo, Suécia)

domingo, 22 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24004: Fotos à procura de... uma legenda (169): Um ministro de Salazar, desembarcado na fragata Nuno Tristão, no decurso da Op Tridente, Ilha do Como, c. jan/mar 1964 (José Belo, Suécia)


Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > c. jan / mar 1964 > Chegada do ministro da Defesa Nacional (1962-1968), general Gomes de Araújo, à fragata Nuno Tristão (Arquivo Histórico da Marinha)

Editada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)... Com a devida vénia a Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, "Sanctuary Lost: Portugal's Air War for Guinea 1961-1974". Volume I: Outbreak and Escalation (1961-1966), Helion & Co, UK, 2022 (*)


1. Comentário de José Belo no poste P23956 (*), que transformámos em poste, para a série "Fotos à procura de...uma legenda" (**), na expectativa de merecer a devida atenção de outros nossos leitores:

Curiosamente, tanto o meu Camarada e Amigo Graça de Abreu como eu próprio reagimos perante a foto de Excelentíssimo Senhor Ministro da Defesa desembarcando do helicóptero. Mas, como seria de esperar, vimos “coisas” diferentes naquela fotografia… ”catita”.

O Senhor Ministro desembarca na Fragata para se juntar ao comando da operação. “Equipado” para a função de comando nos trópicos (!) com o típico vestuário da época entre os altos expoentes do governo da ditadura e… não só. Gravata, blêizer assertoado, calças cinzentas e o indispensável chapéu na mão. Era um Senhor Ministro (General) vestidinho para “ir à missa” na igreja da Parada de Cascais.

A meditar-se sobre o ridículo de tal vestuário (marcante de uma certa maneira de estar, "tendo em conta o local e função”) acaba por se compreender tornarem-se desnecessárias argumentações (pseudomarxistas) quanto a utopias de Império sem se dispor de condições económicas, demográficas e políticas, para o manter e defender.

E, para mais, sei do que falo. Usei em toda a minha adolescência este uniforme “de ir à missa” e não só, precisamente nos sempre muito interessantes acontecimentos na Parada de Cascais da época. (Faltou-me o chapéu!)

Poeta português [ Alberto Caeiro / Fernando Pessoa] escreveu:

“Para além da curva na estrada / Talvez haja um poço, e talvez um castelo. / Etalvez apenas a continuação da estrada./ Não sei nem pergunto”.

Um abraço do JBelo

[ Jurista, vive na Suécia há 4 décadas; cap inf ref, ex-alf mil na CCAÇ 2381, Os Maiorais (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, Empada, 1968/70)]

2. Comentário adicional do editor LG:

Independentemente da pose e do vestuário do senhor ministro da Defesa, gen Manuel Gomes de Araújo (1897 -1982), é de referir o seguinte, que também tem interesse documental, e que complementa a legenda da foto acima:

 "Primeiro pouso de um helicóptero (um Alouette II, da FAP) numa unidade da Marinha, no caso a fragata Nuno Tristão. Pilotado por Villalobos Filipe (José Luis Villalobos Filipe, militar de Abril que faleceu em Dezembro de 2013, com 76 anos),  o héli participava na altura na Operação Tridente que tentou recuperar - de 14 de Janeiro a 24 de Março de 64 - a ilha do Como, na Guiné-Bissau - que era controlada pelo PAIGC, com Nino Vieira no terreno. 

"A bordo da fragata estava instalado o Posto de Comando da operação, que envolveu cerca de 1.200 homens da Marinha, Exército e Força Aérea. Para além da Nuno Tristão,  a Armada destacou para o zona 4 Lanchas de Fiscalização, 4 LDP e duas LDM. Foto da Marinha." 

(Fonte: Página do Facebook "Navios da Armada", com a devida vémia...

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Notas do editor:

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23997: Notas de leitura (1544): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte IX: o vagomestre e o petisco que não podia ser para todos: o caso da mão de vaca com grão...

Pormenor da capa do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército). 

1. C
ontinuação da leitura do 
Manuel Andrezo, pseudónimo de  Aurélio Manuel Trindade, ten-gen ref, que foi cap inf no CTIG, último comandante da 4ª CCAÇ e o primeiro da CCAÇ 6 (a 4ª Companhia de Caçadores passou, a partir de 1 de abril de 1967, a designar-se por CCAÇ 6, "Onças Negras"). Fez a sua comissão sempre em Bedanda, entre julho de  1965 e julho de 1967.

Aurelio Manuel Trindade irá completar  90 anos em 2023 (nasceu em Viseu, em 11 de maio de 1933).   Fez quatro comissões no ultramar. Desejamos, desde já, que que o novo ano de  2023 seja vivido com saúde, alegria e esperança, rodeado dos filhos e netos que, sabemos, o adoram. Vive em Lisboa. E ainda gostaríamos que ele um dia aceitasse o nosso convite para se sentar à sombra do poilão da Tabanca Grande, juntando-se assim aos 868 amigos e camaradas da Guiné.  Ele e o seu nosso amigo Mário Arada Pinheiro (que já acietou o convite: problemas de saúde têm-no impedido de nos mandar as fotos da praxe).

Um exemplar do seu livro, impresso na Alemanha (c. 2020), foi-me gentilmente facultado, no verão passado, a título de empréstimo, pelo cor inf ref Mário Arada Pinheiro, com dedicatória autografada do autor,  seu amigo e camarada, datada de 13/12/2020. 

Vamos fazer, com esta, um dezena de notas de leitura (*) deste livro que, infelizmente, está fora do mercado, por se tratar de edição de autor. Muitos "bedandenses" (e temos cerca de um vintena de camaradas, membros da Tabanca Grande, que estiveram em ou passaram por Bedanda, entre 1961 e 1974, mormente na 4ª CCAÇ e na CCAÇ 6),  têm mostrado interesse por esta obra, que temos estado a divulgar.   

E muitos outros dos nossos camaradas conheceram a região de Tombali onde se situa Bedanda, gente que guarda as melhores e as piores memórias do inferno de tarrafe, lianas, floresta, água, suor, lágrimas e sangue, que era toda essa região do Sul: Bedanda, Cumbijã, Nhacobá, Catió, Ganjola, Cachil, Como, Cufar, Cadique, Cantanhez (Caboxanque, Cafal, Cafine, Jemberem, Chugué, Cobumba...), Cacine, Cacoca, Sangonhá, Cameconde, Guileje, Balana, Mejo, Gadamael, etc.

Temos vindo, ao mesmo tempo,  a selecionar uma ou outra história ou episódio dos cerca de 70 capítulos, não numerados, que o livro apresenta, uns sobre a atividade operacional da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, outros sobre o quotidano da tropa e da população (incluindo a população do mato). (**)

A história que escolhemos para hoje, com a devida vénia (e homenagem ao autor no ano em que vai fazer  90 anos) é um delícia de humor de caserna. Confesso que me diverti a (re)lê-la. E, ao mesmo tempo, é  também reveladora das qualidades que deve ter um grande comandante operacional (como era o caso do capitão Cristo): disciplinado e disciplinador, mas pondo sempre à frente de todas as suas decisões o espírito de corpo, a coesão, o bem-estar e a segurança dos seus homens. 

É também reveladora das pequenas "sacanices" ou "velhacarias" que alguns camaradas, que tinham a faca e o queijo na mão, podiam fazer a outros camaradas... Enfim, os pequenos abusos do poder, os privilégios.... Afinal, "quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte"...

O sargento Lopes, a exercer as funções de vagomestre (por já não ter  "idade" para ir para o mato a comandar uma secção)  terá aprendido uma lição para a vida. 

Casos como este, ter-se-ão multiplicado na Guiné... Estava-me a lembrar de histórias passadas na minha CCAÇ 2590/CCAÇ 12... Talvez um dia ainda as conte: afinal, os dois sargentos do quadro, de quem eu, de resto,  era amigo,  já morreram infelizmente...E não levarão a mal, lá no Olimpo dos combatentes, uma ou outra história pícara que a gente, do lado de de cá, conte sobre eles e nós... Os dois viram a guerra a partir da secretária: um passeava a sua úlcera pelas tabancas, o outro fazia a conta a fraca contabilidade de uma companhia de praças africanas desarranchadas"... O 1ºs sargentos,. por norma, estavam de passagem, e preparavam-se para ir para a Escola Central de Sargentos, em Águeda... 


A GUERRA DO PETISCO 
(pp. 298/302)


A alimentação no quartel era um problema, nomeadamente quanto à aquisição de carne fresca. Por isso, de vez em quando, o capitão permitia que se matasse uma ou duas vacas da manada da Companhia. Dado o reduzido número de cabeças de gado, estas só poderiam ser abatidas por ordem do capitão. Há muito tempo que não se comia carne fresca, mas quando o desejo começava a ser muito forte o capitão autorizava o abate de uma vaca e durante um dia ou dois tirava-se a barriga da miséria. 

Ora foi o que um dia o capitão veio a fazer, chamando o sargento vaguemestre para que abatesse uma das vacas. A vaca foi morta, a carne distribuída, e o Fialho, que trabalhava na messe de oficiais, logo sugeriu ao capitão que se podia fazer um bom petisco para os oficiais com grão e mãos de vaca. Ele sabia que habitualmente as mãos de vaca eram deitadas fora por não ser viável cozinhá-las no rancho geral. Não chegavam para todos os soldados. 

O capitão não apreciava as mãos de vaca, em Lisboa nunca as comeria. No entanto, em Bedanda, onde tudo era diferente e a alimentação regra geral deficiente, mão de vaca era capaz de ser uma óptima variante ao rancho habitual. Com base nisso disse ao Fialho para ir falar com vaguemestre e que a seu mando lhe entregasse as mãos da vaca abatida. 

Foi o que o Fialho quis ouvir. Saiu da Companhia e foi à cantina falar com o sargento. Encontrou-o muito atarefado a conferir e a arrumar os géneros. 

─ O que queres daqui, Fialho? Estou a trabalhar, não tenho tempo para te aturar. Já te dei os géneros para a messe, o que é que queres mais? 

─ Na messe de oficiais lembrámo-nos de aproveitar as mãos de vaca e fazer mão de vaca com grão. Falei disso ao nosso capitão, ele concordou tendo-me dado ordens para as vir buscar antes de o senhor as deitar fora. Queria também um pouco de grão para fazermos o petisco.

 ─ O nosso capitão quer as mãos de vaca? Já as não tenho. Aquilo que vocês queriam fazer para os oficiais já nós fizemos para os sargentos e já as comemos. Como é que eu vou resolver isto agora? Tens a certeza que foi o nosso capitão que te mandou vir buscar as mãos de vaca? Isso não será uma iniciativa tua para fazerem um petisco para vocês? 

─ Não, meu sargento, não é iniciativa minha e o petisco é para os oficiais. E foi o nosso capitão que me mandou vir falar consigo. Eu só lembrei ao nosso capitão que era bom nós fazermos um petisco na messe de oficiais com a mão de vaca. Ele concordou comigo e mandou-me vir buscar as mãos de vaca. Eu não sabia que o meu sargento já as tinha comido. Eu vou dizer ao nosso capitão que o senhor e os outros nossos sargentos já comeram a mão de vaca. 

─ Está bem, podes ir dizer porque eu não me posso transformar em mão de vaca. 

O Fialho saiu da cantina e foi falar com o capitão. 

─ Meu capitão, falei com o nosso sargento vaguemestre. Não arranjei a mão de vaca porque o nosso sargento já a tinha arranjado para ele e para os outros sargentos. Nem sequer pude trazer a prova do sucedido porque eles estavam com pressa e já tinham comido o petisco. Só não tinham ainda lavado a louça porque eu bem vi a panela e os pratos sujos lá na cantina. 

─ Está bem, Fialho. Diz ao nosso sargento vaguemestre que venha falar comigo. 

O Fialho saiu do gabinete e dirigiu-se logo à cantina com o recado do capitão que tinha ficado aborrecido por o sargento já ter comido a mão de vaca. Queria falar com ele. Foi depois falar também com o Balsinhas dizendo-lhe que já tinha lixado o vaguemestre. 

 Fialho, como é que tu fizeste isso ao Vaguemestre? 

─ Eu sabia que os sargentos já tinham comido a mão de vaca, da vaca que matámos. Cozinharam-na com grão. Eu tinha dito antes ao capitão que se podia fazer um petisco com mão de vaca. A princípio o capitão não se mostrou muito interessado mas com o apoio dos nossos alferes consegui que o nosso capitão me mandasse ao nosso sargento vaguemestre buscar a mão de vaca. Como já a tinham comido não a pude levar e agora o nosso capitão quer falar com os sargentos que a comeram. 

─ Fialho! Tu és terrível. Arranjaste uma grande intriga. Coitado do nosso sargento vaguemestre. 

─ Coitado uma ova. Coitados é de nós porque ele sempre vai arranjando uns petiscos para os amigos. 

Cumprindo as ordens o vaguemestre lá seguiu para o gabinete do capitão. 

─ O meu capitão mandou-me chamar? 

─ Mandei sim. Você não perdoa nada. Mal acabámos de matar a vaca já você a estava a cozinhar e a comer com os seus amigos. Eu tinha mandado o Fialho buscar a mão de vaca porque queria fazer um petisco para mim e para os nossos alferes, mas você antecipou-se. Nem se lembrou de perguntar ao seu comandante de companhia se queria as mãos de vaca para a messe de oficiais. Julgo que era o mínimo que deveria ter feito. Se eu dissesse que não queria,  você poderia então fazer o petisco para os seus amigos. O que tem a dizer sobre isto? 

─ Nada, meu capitão. De facto eu fiz o petisco e comi-o com os meus amigos. Não me lembrei de perguntar ao meu capitão e aos nossos alferes se queriam a mão de vaca para a messe de oficiais. 

─ Agora, menino, que o mal está feito, não há mais nada a fazer. Você é comandante duma secção de atiradores. Porque tinha confiança em si e porque já tem a sua idade, inadequada a um comandante de secção na Guiné, eu mandei-o para o rancho e nomeei um cabo para comandar a sua secção. Mas como afinal vejo que você é muito desembaraçado, mais do que eu pensava, amanhã vai comigo para a operação já planeada e volta a comandar a sua secção. Esteja equipado amanhã, às duas horas da manhã. Pode sair. 

Pouco tempo depois entra no gabinete do capitão o alferes Carvalho.

 ─ Meu capitão, o Lopes foi falar comigo e disse-me que amanhã é ele que vai connosco na operação? Isto é verdade? 

 ─ É sim, Carvalho. É verdade porque aquele sacana fez um petisco com a mão de vaca e nem se lembrou de nós. Assim, nunca mais vai esquecer que quando houver um petisco o capitão e os nossos alferes também são gente. 

─ Meu capitão, tenha dó de mim. O Lopes nunca foi a uma operação porque você o retirou logo para vaguemestre, e o cabo que comanda a secção sabe dar conta do recado. A operação vai ser difícil e eu não queria levar um maçarico a comandar a secção. Se o quiser levar connosco dê-lhe outra missão. No pelotão não tem lugar. Problemas já nós temos, não precisamos de mais outro. Veja lá se pode rever a sua decisão. 

─ Está bem, mas não digas nada ao Lopes. Ele vai preparar-se para a operação, mas na altura da saída eu dispenso-o e volta para o rancho onde ele é bom. 

─ Assim está bem. Até logo e desculpe o meu desabafo. 

No noutro dia, antes da saída para a operação, o sargento Lopes apareceu de camuflado com espingarda, granadas e cantil. Parecia um guerreiro, mas com cara de grande aflição quando se apresentou ao capitão. 

─ O nosso sargento está pronto para comandar a sua secção? 

─ Estou pronto para cumprir as suas ordens, meu capitão. O nosso alferes disse que a operação era difícil e que eu ia ser mais um problema para ele. Preferia que eu não fosse. 

─ E você prefere ir ou não?

 ─ Eu preferia não ir mas o meu capitão é que sabe.

 ─ Bem, Lopes, vá lá tratar do rancho. Você não vai connosco porque eu preciso de alguém de confiança para tratar do rancho e da alimentação do quartel. Da próxima vez quando houver petisco lembre-se do seu capitão e dos nossos alferes. 

─ Esteja descansado, meu capitão. Não me voltarei a esquecer. Obrigado e boa sorte.

 ─ Obrigado Lopes e porte-se bem. 

Quando o sargento se afastou, o capitão, sorrindo, disse ao alferes Carvalho: 

─ Ainda bem que você não o quis a comandar a secção. Se o levássemos ia ser um grande problema para nós. É bom rapaz, muito bom vaguemestre, mas velho de mais para comandar uma secção nos matos da Guiné. Se você não me tivesse dado a hipótese de o dispensar, não sei como me ia livrar desta enrascada em que me meti. Tínhamos que andar com ele às costas pois ele não iria aguentar o esforço que nos espera. 

─ Tudo acabou em bem, meu capitão. A próxima vez que matarmos uma vaca, as mãos serão para fazermos um petisco para os oficiais. E eu, ou muito me engano, ou o petisco vai aparecer na messe já preparado.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos, para publicação deste poste: LG ]