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terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22939: Blogoterapia (300): O tempo passa, mas as suas marcas ficam (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493)

1. Mais um artigo do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) para a nossa série Blogoterapia, enviado ao nosso Blogue em mensagem de 24 de Janeiro de 2022:


O tempo passa, mas as suas marcas ficam

Foi no dia 24 de janeiro do ano de 1972, faz hoje meio século, que fiz a minha primeira viagem de avião rumo à Guiné, depois de na condição de militar ter passado um ano menos um dia na metrópole.

As voltas a que a vida tantas vezes nos obriga!
Na madrugada do dia 22 fui levar a minha esposa à maternidade do hospital da Nazaré, onde naquela manhã nasceu o meu filho. À tarde fui lá vê-los… sem me ter despedido… na manhã do dia seguinte apanhei o autocarro que me levou até Lisboa, onde ao início da tarde eu me fui apresentar no DGA, enquanto eles continuavam na maternidade.

No dia 24, a manhã ainda vinha longe quando o avião em que viajei levantou voo do aeroporto militar de Figo Maduro. Depois de uma viagem lenta… chegamos a Cabo Verde.
Em Lisboa, quando embarcamos, a temperatura era de cerca de quatro graus, quando chegamos ao aeroporto dos Espargos, na Ilha do Sal, estavam trinta.
Depois de lá termos estado durante algum tempo, não muito, voltamos a levantar voo para concluir a viagem até ao aeroporto de Bissalanca, na Guiné. Se eu já ia completamente baralhado… quando lá cheguei fiquei ainda mais, o que talvez fosse normal… Para mim tudo aquilo era novo, começando pela minha primeira viagem de avião (logo a caminho da guerra…) onde seguia também uma senhora envergando traje militar, soube depois que era uma enfermeira paraquedista, alguém disse que ela estava a regressar depois de ter ido acompanhar um ferido.
Eu desconhecia que existiam enfermeiras nas forças armadas…

Desde que saí do aeroporto de Bissalanca até chegar aos Adidos, para mim, era como se tudo fosse um mundo novo… tal era o excesso da minha ignorância em relação aquilo com que ali estava a ser confrontado.
Depois de ter passado quase um mês nos Adidos, uma nova viagem de avião, agora até Bafatá, e nova surpresa, o Dacota em que viajei tinha os bancos em madeira, iguais aos das viaturas. Depois de termos chegado a Bafatá, eu e mais alguns que tinham viajado comigo, seguimos um novo rumo - agora em viatura para Bambadinca, a que se seguiu mais uma viagem no mesmo dia até Mansambo, onde, junto com os velhinhos, já se encontrava a Companhia que eu fui integrar.

Daquilo que fiz ontem, algumas dessas coisas, hoje, eu já não tenho a certeza. Mas estas continuam a manter-se vivas na minha mente. Ainda que há já muito tempo as tenha arrumado… só as visito quando eu entendo necessário.
Para alguns dos mais novos, e mesmo de outros menos velhos, talvez pensem que nós éramos tontos, ou atrasados, por termos seguido por aqueles trilhos… Mas os tempos eram outros. Aconteceu a alguns que estavam no estrangeiro, quando chegava o seu tempo regressavam ao nosso país para cumprir o serviço militar. Não porque gostassem de lutar contra alguém, muito menos sabendo que iam para a guerra. Mas sim porque gostavam da sua terra e dos seus.

Alguns tinham saído clandestinamente do nosso país, no início da guerra, e gostavam de poder regressar para estar algum tempo junto da família e dos amigos, mas não podiam… Porque se voltassem, alguém que não desejavam se podia encontrar com eles.

Era assim naquele tempo!...

António Eduardo Ferreira

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22427: Blogoterapia (299): Ter muita gente por perto não significa sempre estar-se acompanhado (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22784: O meu sapatinho de Natal (4): o que é feito de ti, camarada Dinis Giblot Dalot (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), o melhor condutor de GMC do mundo ? (Luís Graça)


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca)  > Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole > Ponte do Rio Jagarajá > CCAÇ 2590/ CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)> "Eu, o então Fur Mil Ap Armas Pesadas Inf Henriques, pau para toda a obra, pião de nicas, e o soldado condutor autorrodas Dalot, talvez o melhor condutor de GMC do mundo ou, pelo menos, o melhor que eu alguma vez conheci...  


Foto (e legenda): Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Esposende > Fão > 1994 > A primeira vez que a malta de Bambadinca (1968/71), camaradas da CCAÇ 12, e outras subunidades, como o Pel Caç Nat 52,  adidas ao comando do BCAÇ 2852, se encontrou depois do regresso a casa... Este primeiro encontro foi organizado pelo António Carlão (Mirandela, 1947- Esposende, 2018)  

Mostra-se aqui um pormenor da foto de grupo. Na primeira fila, da esquerda para a direita:

(i) fur mil MAR Joaquim Moreira Gomes, da CCAÇ 12  [, vivia no Porto, na altura ];

(ii) sold cond auto Dinis Giblot Dalot [, empresário, vivia em Aljubarrota, Prazeres].

Na segunda fila de pé, da esquerda para a direita:

(iii) Fernando [Carvalho Taco] Calado, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 [, vive em Lisboa];

(iv) ex-alf mil manutenção material,  Ismael Quitério Augusto, CCS/BCAÇ 2852 
 [, vive em Lisboa];

(v) ex-fur mil  at inf António Eugénio Silva Levezinho [, Tony para os amigos, reformado da Petrogal, vive  em Martingal, Sagres, Vila do Bispo];

(vi) ex-capitão inf Carlos Alberto Machado Brito, cmdt da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 [, cor inf ref, vivia em Braga, tendo passado pela GNR];

(vii) Pinto dos Santos, ex-furriel mil de Operações e Informações, CCS / BCAÇ 2852,
 [, vivia em Resende].


Foto (e legenda): © Fernando Calado (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Estou a rever-te, há 52 anos atrás, na Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole. Eu e tu, o Dalot, o Dinis G. Dalot, ou melhor, o Dinis Giglot Dalot. Sguramente tu foste o melhor condutor de GMC que eu alguma vez conheci (!). Berliet e GMC nas tuas mãos,  carregadas de sacos de arroz ("bianda"), não ficavam atoladas na famigerada estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, a menos que rebentassem debaixo de uma mina. E mesmo assim, era preciso que os cabos de aço ou os troncos das árvores não aguentassem... 
 
Reguila, setubalense, franzino, seco de carnes, condutor de pesados na vida civil, com boas manápulas para segurar um daqueles volantes de GMC ou Berliet, apanhaste logo no princípio da comissão, em julho de 1969, cinco dias de detenção. Quem foi o s.... que te deu cinco dias de detenção ?....Certo, por seres reguila, setubalense, condutor de pesados, descendente de franceses, e se calhar por seres o melhor condutor de GMC que eu alguma vez vi na vida... 

Gostava de te rever, Dalot. Sinceramente, gostava de te rever. Tenho um numero de telemovel, teu, mas se calhar antigo
 Ligo, vai para o "voice mail". Tu fazes parte da mítica galeria dos meus heróis, tu e todos os bravos soldados condutores autorrodas que passaram pela Guiné, a começar pela nossa CCAÇ 2590/CCAÇ 12.

Eu dizia-te que era preciso ser maluco para conduzir uma GMC. Tu ofendias-te: eras o mais profissional dos nossos condutores auto. Não sei porque não chegaste a 1º cabo: eras  profissional de pesados já na vida civil. E continuaste  depois, na peluda, com uma empresa tua, se não erro. Mas eu sentia que a  porrada te magoara muito, mexera como teu brio, a tua autoestima. 

Reencontei-te em 1994, em Fão, Esposende, quando a malta de Bambadinca (CCS/BCAÇ 2852, 1968/70) e CCAÇ 12 (1969/71) se juntou pela primeira vez. Inicialmnete, vivias em Porto Alto, Samora Correia, Benavente. Depois mudaste a empresa para Aljubarrota, Batalha. Bate certo ? Perguntei ao Adélio Monteiro, mas também não sabe do teu atual paradeiro.

Mas voltando aos dias 17 e 18 de setembro de 1969... Há dias de sorte, escrevi eu: na vida, na guerra, no jogo, no amor… Recordo-me bem desta operação logística, Op Belo Dias II, em que perdemos uma heróica GMC do tempo da guerra da Coreia (daquelas que gastavam 100 aos 100, lembras-te ?).

Não sei se era lenda. As GMC andavam a gasolina, E tinham um depósito de 150 litros, com alcance operacional de c. 480 km e velocidade máxina de 72 km/hora. Em teoria, gastava pouco mais de 30 aos 100.  Mas picadas da Guiné, com carga e com guincho, é possível que gastasse o dobro ou até o triplo....O modelo era GMC 6x6 , caixa aberta, de 2 1/2 t, m/1952, do tempo da guerra da Coreia e herdeiro do célebre camião GMC CCKW , também conhecido como "Jimmy", o camião de transporte de carga do Exército Norte Americano  de que se produziram, entre 1941 e 1945,  572,5 mil unidades.

A CCAÇ  2590 / CCAÇ 12 tinha duas, foram vitimas de minas A/C. Tu, Dalot,  adoravas conduzi-las. Ninguém melhor do que tu para livrar uma GMC de cair na cratera de uma mina coberta de água da chuva ou de atolar-se na berma da estrada… Berma ? Estrada ? Qual berma, qual estrada!... Picadas cheias de minas e armadilhas!...

Ninguém melhor do que tu para conduzir este mamute de ferro, de 4 t, mais duas toneladas e meia, senão três,  de sacos de arroz… Ninguém melhor do que tu, enfim, para desatascar outras viaturas, civis ou militares,  à força de guincho. 

Só não tinhas faro era para as minas, que isso era tarefa dos picadores. Aliás, na galeria dos heróis desta guerra (há sempre heróis em todas as guerras), eu poria também as GMC, os condutores das GMC e os picadores…

O que aconteceu exactamente nesse já longíquo dia 18 de Setembro de 1969 ? Tínhamos saído, na véspera, de Bambadinca, de manhã muito cedo, como de costume, para fugir ao inferno do calor e da humidade do dia. E da poeira, embora se  estivesse em plena época das chuvas. Era um enorme coluna de viaturas militares carregadas de abastecimentos  para três companhias, unidades de quadrícula, em Mansambo (CART 2339), Xitole (CART 2413) e Saltinho (CAÇ 2406).

Ao todo viviam nestas unidades e seus destacamentos mais de  meio milhar de homens, fora a população local e as milícias que dependiam  inteiramente (caso de Mansambo, aquartelamento que fora construído de raíz e não tinha tabanca nem campos de cultivo...) dos abastecimentos feitos pela tropa. 

Nós levávamos-lhes praticamente tudo, até o correio.... Ou seja: o gasóleo (para as viaturas e o gerador eléctrico), o petróleo (para os frigoríficos), o arroz, a massa, o feijão, a carne, o bacalhau, o azeite, o vinho, as latas de conserva, as bolachas, as batatas, as bebidas em garrafa e em lata, os artigos de cantiga, e os demais mantimentos para um mês ou um mês e meio. Além dos cunhetes de munições, as granadas de morteiro, bazuca e obus, os materiais de construção, os sacos de cimento, etc.

Um dia seria interessante publicar a lista completa dos artigos e as respectivas quantidades que faziam parte dos nossos comboios de reabastecimento. Na galeria dos heróis desta guerra também estão os que alimentavam o nosso ventre insaciável , os homens da manutenção militar e os que faziam chegar os mantimentos, desde Bissau em LDG até ao Xime (no caso da Zona Leste) e depois daí em colunas até às sedes de sector ou comando operacional (Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego…). Ou através dos "barcos turras" que chegavam a Bambadinca. 

Era um comboio com várias dezenas de viaturas, incluimdo viaturas civis, de comerciantes de Bambadinca, Bafatá, Galomaro, Xitole, o Rendeiro, o Regala, o Jamil, as casas comerciais de Bafatá. como a Gouveia. As Berliet e as GMC (e, mais tarde,  as camionetas civis, já no decurso da Op Belo Dia III, em novembro de 1969) transportavam a carga, mas o condutor levava sempre escolta (menos de uma secção).

Para se chegar a qualquer uma das unidades acima referidas não havia mais nenhuma alternativa (terrestre). A estrada de Galomaro-Saltinho estava interdita, pelo que as NT ali colocadas dependiam do abastecimento feito a partir de Bambadinca. No entanto, a própria estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole estivera interdita entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969 (*). 

O Op Belo Dia, a 4 de Agosto, já aqui sumariamente descrita (*),  destinou-se justamente a reabrir esse troço fundamental para as ligações do comando do sector L1 com as suas subunidades de quadrícula a sul. Um mês e tal depois fez-se uma segunda operação para novo reabastecimento, patrulhamento ofensivo e reconhecimento, a Op Belo Dia II.

2. São as peripécias dessa operação (Op Belo Dia II) que se relatam aqui. Mas ainda a propósito de meios de transporte, convirá referir que só Bambadinca possuía uma pista, com cerca de 150 metros, permitindo a aterragem de aeronaves como a Dornier, a DO-27.

No meu tempo o sargento piloto Honório, cabo-verdiano, era uma figura muito popular entre as NT, porque nos trazia o correio e alguns frescos. A sua fama era lendária, pela sua coragem e destreza, para não dizer "maluqueira" (, tolerada, mas não apreciada pelos outros pilotos da BA 12, em Bissalanca)... Era capaz de aterrar numa nesga de terra, dizia-se.  Em Mansambo só havia heliporto. No Xitole, também havia pista para avionetas.

De qualquer modo, o helicóptero, o AL III, só era usado para fins estritamente militares: apoio de helicanhão, transporte de tropas especiais e heliassaltos, evacuações Y para o hospital militar de Bissau. Argumentava-se que o helicóptero era um luxo, custando 15 contos por hora (mais do o ordenado mensal de dois alferes)…

Em contrapartida, as colunas de abastecimento da guerrilha e das suas populações eram feitas por carregadores, a pé, descalços, em bicha de pirilau, incluindo mulheres e até crianças e muitas vezes sem escolta militar, correndo o risco de serem interceptados pelas NT, como acontecia com alguma frequência na região de Missirá, a norte do Rio Geba (como em Chicri, a 12 de Setembro de 1969: muitas vezes as NT não faziam a distinção entre combatentes, armados, e elementos civis da população controlada pelo PAIGC que servia de carregadores; neste caso, levavam artigos comprados nas nossas barbas, em Bambadinca, onde só havia duas lojas, nas mãos de tugas, a loja do Rendeiro e a loja do Zé Maria)…

Porquê falar em sorte ? É que eu ia justamente à frente da viatura que accionou a mina, a tua vitura,a tua GMC,  Dalot. E ia justamente do lado do pendura, com uma perna de fora… À turista, como quem vai num alegre e matinal safari algures num parque no Quénia… Em suma, ia no "lugar do morto"... 

A pouco e pouco, o periquito ia ganhando confiança… Com três meses e meio de Guiné, e baptismo de fogo ainda muito recente (na Op Pato Real, a 7 de Setembro, na região do Xime, Ponta do Inglês)  considerava-me já quase um "veterano"…

Recordo-me da viatura em que eu ía: um Unimog 404… Apesar da relativa tranquilidade que nos davam a experiente equipa de 12 picadores que iam à nossa frente com dois grupos de combate apeados, a proteger os flancos, eu tinha recomendado ao condutor do Unimog (, já não me lembro o nome: o Adélio Monteiro não  era, vinha mais atrás ) que seguisse milimetricamente o rodado da viatura da frente… Um desvio de um milímetro podia ser fatal para o artista… Tu, Dalot, que  atrás de mim,  levavas um bicho que tinha dez rodas, dois rodados duplos atrás, e sete toneladas de ferro e arroz...

Daquela vez vez foste tu, Dalot,  e a tua GMC que voaram… Eu fiquei para a próxima, já lá mais para o fim da comissão, em 13 de janeiro de 1971, em Nhabijões... Também numa GMC!... Era a minha sina!...

A estrada (se é que se podia chamar estrada aquilo!), invadida pela floresta (, apesar da  desmatação recente, em abril/maio de 1969, Op Cabeça Rapada), as bolanhas, os curso de água, os charcos, etc. era mais estreita que as viaturas em certos pontos… Uma delícia para os sapadores do PAIGC, um quebra-cabeça para os nossos picadores, um stresse desgraçado para aqueles de nós que faziam guarda de flancos ou que iam em cima das viatura, ou os que conduiam as viaturas…

Em suma, gastávamos uma boa parte da nossa energia mensal a abastecer-nos uns aos outros em vez de fazer a guerra ao IN…

Estamos a falar da segunda quinzena de setembro de 1969, em que realizámos  mais outra operação a nível de batalhão afim de escoltar uma coluna logística do BCAÇ 2852 para as companhias de Xitole e Saltinho (Op Belo Dia II). Uma operação com 2 destacamentos (A e B) (*)

Dois Gr Comb [Grupos de Combate] da CCAÇ 12 (2º e 3º), um da CART 2339 [Mansambo] e o Pel Caç Nat 53 (que seguiria depois com o Dest B para o Saltinho) formavam o Dest [Destacamento] A,  cuja missão, além da picagem do itinerário, era escoltar a coluna até ao limite da ZA-Zona de Acção da CART 2339 [Mansambo] onde se efectuaria o transbordo da carga para outra coluna da CART 2413 [Xitole].

A coluna que chegou a Mansambo às 17.30 do dia 17 de Setembro, proveniente de Bambadinca, donde saira de manhã (longas horas inteiro para se fazer 18 km), prosseguiria no dia seguinte, tendo-se processado sem incidentes de maior até à ponte do Rio Jago, a cerca de 3 km do aquartelamento de Mansambo, altura em que se fez um alto para recompor a carga da viatura que seguia em 3º lugar. Passámos a noite nos "bunckers" de Mansambo.

Ao retomar-se a marcha, o rodado intermédio direito da GMC do Dalot (MG-17-21) que vinha imediatamente a seguir àquela, e que pertencia à CCAÇ 12, accionou uma mina A/C (anticarro) reforçada, tendo-se voltado espectacularmente. A viatura ficou muito danificada, tendo-se inutilizado parte da sua carga de 3 mil kg de arroz. Em virtude de ter sido projectado, ficou gravemente ferido um 1º cabo do Pel Caç Nat 53. O condutor da GMC, o soldado Dalot, saiu ileso.

A mina não fora detectada pela equipa de 12 picadores, seguida de 2 Gr Comb que progrediam na frente.

Alguns quilómetros à frente, junto à ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas mais 3 minas (A/P) que deveriam fazer parte do campo de minas implantado pelo IN posteriormente à Op Belo Dia I, e das quais 7 já sido levantadas até então.

Pelas 13h do dia 18 de Setembro deu-se finalmente o encontro dos 2 Dest, tendo-se procedido ao transbordo da carga.

No regresso a coluna foi sobrevoada várias vezes por uma parelha de Fiat G-91 cujo apoio estava previsto na ordem de operações. Mansambo foi atingido pelas 17 h do dia 18, depois de se ter armadilhado a viatura cuja remoção se verificou ser impossível com os meios disponíveis na ocasião.

Inconsolável, tu, Dalot, lá deixaste  a tua querida GMC, de matrícula MG-17-21... A Guiné era um  cemitério de sucata, como viaturas (militares e civis) abandonadas pelas NT, destruídas por minas e roquetadas... Não tenho a certeza se esta viatura foi posteriormente desarmadilhada e rebocada para Bambadinca... Os custos de uma tal operação eram sempre elevados.

Onde quer que estejas, camarada Dalot (e eu espero bem que estejas vivo e de boa saúde), desejo-te as maiores felicidades possíveis e, já  agora um Natal quentinho, livre da Covid-19. Telefona-me para o 931 415 277. Teu camarada, Henriques.  (**)

As minhas felicitações natalícias são extensivas aos demais condutores autorrodas, todas eles gente brava,  da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 que viajaram comigo no T/T Niassa, de 24 a 29 de maio de 1969, de Lisboa com destino a Bissau. Alguns infelizmente já não estão vivos. A lista é antiga (e tem de ser revista). Acrescento também os mecânicos auto:

1º Cabo Cond Auto Luís Jorge M.S. Monteiro [, vivia em Vila do Conde ou Porto ?];

Sold Condutor Auto António S. Fernandes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Manuel J. P. Bastos [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Manuel da Costa Soares [, morto em, mina A/C,em Nhabijões, em 13/1/1971];

Sold Cond Auto Alcino Carvalho Braga [, vive em Lisboa];

Sold Cond Auto Adélio Gonçalves Monteiro [, comerciante, Castro Daire; é membro da nossa Tabanca Grande];

Sold Cond Auto João Dias Vieira [ vive em Vila de Souto, Viseu];

Sold Cond Auto Tibério Gomes da Rocha [, vivia em Viseu, faleceu em 6/12/2007;

Sold Cond Auto António S. Fernandes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Francisco A. M. Patronilho [, vive em Brejos de Azeitão];

Sold Cond Auto Manuel S. Almeida [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto António C. Gomes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Fernando S. Curto [, vive em Vagos];

Sold Cond Auto Aniceto Rodrigues da Silva [,falecido em 3/1/2021;  membro a título póstumo da nossa Tabanca Grande];

Sold Cond Auto Manuel G. Reis [, morada actual desconhecida];

Fur Mil MAR Joaquim Moreira Gomes [, vive em Esposende ou Maia ?];

1º Cabo Mec Auto Renato B. Semedeiros  [, vivia na Reboleira, Amadora];

1º Cabo Mec Auto António Alves Mexia [, morada actual desconhecida];

Sold Mec Auto Gaudêncio Machado Pinto [, morada actual desconhecida].




Guiné > Região de Bafatá  > Algures > 1973 > Uma Daimler, avariada, é levada em cima de uma GMC... Sítio ? Talvez Bambadinca, talvez Bafatá, junto ao Rio Geba... quando o João Carvalho veio de férias à metrópole, vindo de Canjadude, Gabu, onde estava aquartelaad a sua CCAÇ 5.  (Em 1971, no CTIG havia pouco mais de duas centenas e meia de GMC, das quais praticamente metade estavam inoperacionais... E das 108 Daimlers existentes, 75% estavam inoperacionais.

Foto (e legenda): © João Carvalho (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné> Região de Bafyá > Sector L1 (Bambadinca) > Carta do Xime (1961) > Escala: 1/50 mil > Troço da Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho> Assinalada, com um círculo a azul, a ponte do Rio Jago onde a GMC MG-17-21, conduzida pelo Dalpot,  com 3 toneladas de arroz, accionou uma mina anticarro, no dia 18 de Setembro de 1969. O quartel de Mansambo vem sinalizado com um retângulo.

A distância de Bambadinca, a Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole e Saltinho era, respectivamente, 18, 33, 35 e 55 quilómetros. As colunas logísticas, de reabastecimento, podiam levar um dia ou até mais (na época das chuvas) a fazer este percurso perigoso, npomeadamete o troço Mansambo-Xitole   (interdito entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969 ). A CCAÇ 12 participou em diversas colunas logísticas a Mansambo, Xitole e Saltinho (junto ao Corubal) e mesmo Gondomar. (*)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)

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Notas do editor: L.G.

Vd. também poste de 20 de maio de  2005 > Guiné 63/74 - P22: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho (Luís Graça)

(...) Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413). A coluna prosseguiu com apoio aéreo.

Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A. (...)

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22625: In Memoriam (412): Torcato Mendonça (1944-2021), ex-Alf Mil Art da CART 2339 (Mansambo, 1968/69)

IN MEMORIAM

Torcato Mendonça (1944-2021)
Ex- Alf Mil Art da CART 2339 (Mansambo, 1968/69)

Acaba de chegar ao conhecimento do nosso Blogue, por intermédio do seu filho Ricardo, mais uma triste notícia, a do falecimento do nosso camarada e amigo Torcato Mendonça.

Hoje, a partir das 15 horas, estará em Câmara Ardente na Capela de S. Miguel, no Fundão.

Amanhã, pelas 14,45 horas, será celebrada Misa de Corpo Presente na Igreja Matriz do Fundão, finda a qual, os restos mortais do nosso malogrado camarada seguirão para cremação.


Nesta hora difícil, especialmente para a sua companheira de vida, Ana Mendonça, e para os seus filhos Pedro e Ricardo, deixamos o nosso mais profundo pesar pela perda do seu ente querido e nosso amigo de há 15 anos.

Alf Mil Art Torcato Mendonça em Mansambo

O Torcato, que se apresentou à tertúlia em 2006,[*] tem no nosso Blogue 255 referências com uma vasta colaboração, seja com as suas famosas "Fotos Falantes", ou memórias escritas publicadas nas suas séries: "Pensar em Voz Alta", Ao correr da bolha, "Estórias de Mansambo (I e II)" e "Nós da memória". Esteve presente em 2007 no II Encontro da tertúlia e em 2008 já se fez acompanhar da Ana.

O casal Mendonça participou nestes Encontros anuais sempre que puderam e a saúde de ambos o permitiu.


Com a morte do Torcato continua a engrossar o "Batalhão" dos amigos e camaradas que aqui nos deixam cada vez mais sós.
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Notas do editor

[*] - Vd. poste de 15 DE MAIO DE 2006 > Guiné 63/74 - P753: O Nosso Livro de Visitas: Torcato Mendonça, ex-Alf Mil da CART 2339 - O Malan Mané estava vivo em Novembro de 1969 e eu abracei-o

Último poste da série de 13 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22624: In Memoriam (411): Hernâni Mergulhão (Lisboa, 1958 - Lourinhã, 2021), professor do ISEL e dirigente do GEAL - Museu da Lourinhã

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22395: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (16): A caminho de Mansambo com o pensamento na Nazaré

Crianças de Mansambo, ao tempo da CART 2339 (1968/69)
Foto ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados


1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 21 de Julho de 2021:


A caminho de Mansambo com o pensamento na Nazaré

L
á longe, ouvia-se algo estranho... e eu sem saber que era normal… cada vez estava mais confuso, com o olhar fixado nas mulheres e nas crianças que estavam próximo de mim. Mas a minha mente estava muito longe dali, situação que eu tentava, mas não conseguia disfarçar.

Na véspera da minha partida para a Guiné também eu tinha deixado a minha esposa com o meu filho na metrópole, não a brincar, mas na maternidade do hospital no Sítio da Nazaré onde ele tinha nascido dois dias antes da minha ida para a guerra. A ânsia em que eu estava a ficar mergulhado começou a tomar conta de mim e a tornar-se por demais evidente, foi então que uma das mulheres que ali estava me dirigiu umas palavras que eu não entendi, por isso nada lhe disse. Ela tinha uma oleaginosa na mão que partiu com os dentes, deu-me metade e comeu a outra metade. Mesmo sem saber o que era aceitei e comi.
Foi aquele tempo que ali estive junto daquelas mulheres e crianças, enquanto esperava transporte para Mansambo, um dos mais conturbados do meu tempo na Guiné. Ainda hoje não sei o nome daquilo que a senhora me ofereceu e que eu aceitei. Mas não mais esqueci a intenção e o apoio que aquela mulher, sem me conhecer, entendeu dar-me naquele momento tão confuso e triste que eu estava a viver.
Faço votos para que aquela Senhora e a família tenham tido e continuem a ter a felicidade possível, por companhia!...

António Eduardo Ferreira

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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22361: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (15): A religião, a fé e o medo

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22311: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (21): Martins, o caçador de rolas

Enxalé 1972 – Entrada da Tabanca
Foto: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Em mensagem do dia 17 de Junho de 2021, o nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art da CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71), lembra a aventura do Martins, o caçador de rolas.


RECORDAÇÕES DA CART 2520

21 - MARTINS, O CAÇADOR DE ROLAS

Os recursos alimentares no Enxalé não eram os melhores, dependíamos totalmente do Xime e eram muitas as dificuldades em transportar os escassos artigos alimentares de uma margem para outra do rio Geba, mas lá nos íamos desenrascando com o que nos chegava da Companhia, às vezes também conseguíamos um frango que comprávamos na tabanca e que o nosso "Espanhol" o assava não à moda da Guia, mas sim à moda de Barrancos de onde era natural. O local também era propício para que alguns dos nossos atiradores fazendo jus da sua pontaria, se dedicassem à caça das rolas com a melhor amiga, a G3. Foi o caso do Martins que de quando em vez lá ia arranjando uns petiscos.

Normalmente as caçadas eram efectuadas junto à bolanha virada para o lado do Geba e com poucos riscos de segurança associados. O Martins porém resolveu arriscar mais e entendeu ir à caça das rolas para a mata densa oposta à bolanha e que ficava numa zona mais perigosa e apesar dos meus avisos para que tivesse cuidado e não fosse para aquele lado do matagal, continuou a fazê-lo, mas não foi necessário ir para aquelas bandas muitas vezes para que os meus pressentimentos acontecessem.

Estava eu na área da cozinha à conversa com alguns dos nossos militares quando de repente se ouve o rebentamento de uma granada seguido de algumas rajadas de tiros. Inicialmente pareceu-me uma flagelação vinda daquela zona da mata e até pensei mandar para aquela área uma bazookada ou duas, quando alguém grita: "O Martins está no mato". Fiquei para não ter vida, lá levaram o Martins pensei. De imediato peço para 7 ou 8 elementos me acompanharem numa tentativa de localizar o Martins e possivelmente resgatá-lo. Havíamos percorrido umas duas centenas de metros, na nossa rectaguarda um elemento do nosso pelotão faz um disparo para nos alertar e grita que o Martins está no quartel.

Foi um alívio para mim, mas não acalmou logo a minha ira, nem sequer quis ouvir qualquer justificação do referido militar, só passados dois ou três dias fiquei a saber do que aconteceu. Depois de ter feito um disparo e quando se preparava para recolher uma ave abatida, o Martins ouve algumas vozes e apercebe-se que são alguns guerrilheiros, que possivelmente se preparavam para o agarrar. O Martins não perdeu a calma e instintivamente saca de uma granada de mão que tinha pendurada à cintura e atira-a na direcção de onde havia avistado os seus presumíveis captores e de imediato corre à procura de abrigo no quartel, estes fazem-lhe umas rajadas mas sem lhe acertar e assim o Martins salva-se de ser caçado e de eventualmente fazer um passeio até à Guiné-Conacri, ou de vir numa caixa de pinho até a Metrópole.

Um grande abraço para o pessoal da nossa Tabanca Grande.
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE AGOSTO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21269: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (20): O sargento da milícia de Amedalai

sábado, 29 de maio de 2021

Guiné 63/74 – P22234: (Ex)citações (385): Recordando as minhas lavadeiras (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493/BART 3873)

Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Março de 1973 > As lavadeiras no lavadouro público
© Foto de Francisco Gamelas, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73)


1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 28 de Maio de 2021:

Amigo Carlos
Uma vez mais a conversa do costume, que te encontres de boa saúde. Que mais podemos nós desejar depois do tempo que já passou. Poder ambicionar mais podemos, mas nunca devemos esquecer que quando a saúde falta o resto pode ter pouco valor.

Recebe um abraço
António Eduardo Ferreira


Recordando as lavadeiras

Depois de muito ter ouvido falar acerca das lavadeiras que tínhamos na Guiné, nem sempre pelos mesmos motivos, hoje decidi falar das duas que tive durante o tempo que passei em Mansambo. A primeira foi a Califa, uma menina ainda muito nova. A esta distância no tempo já não me lembro como foi que ela apareceu como minha lavadeira, talvez já desempenhasse esse serviço para os condutores que nós fomos substituir, apesar da sua idade… era muito responsável. Passados alguns meses da nossa companhia estar naquele local, a Califa deixou Mansambo e foi casar com um homem bastante mais velho que ela. Foi mais um acontecimento que me causou algum espanto… o que era normal para quem não tinha nenhum conhecimento da vida e das tradições daquele povo, como era o meu caso… ver uma menina com tão pouca idade ir casar com um homem muito mais velho, que diziam… já ter mais algumas a quem ela se ia juntar!

Depois da partida da Califa… a minha lavadeira passou a ser outra de quem já não me recordo o nome, mas não esqueci que era alguém bela elegante e muito calma, sempre bem vestida mais parecia uma menina identificada com outro tempo!... Apesar de ainda nova já tinha um filho que trazia sempre consigo quando vinha buscar ou entregar a roupa. Pouco tempo antes da nossa saída de Mansambo para Cobumba, um dia estava eu sozinho no abrigo, como acontecia muitas vezes, quando ela lá apareceu levar-me a roupa com o seu menino ainda pequeno às costas, como era hábito das mães… andarem com os filhos, sentou-se na minha cama com o semblante carregado próprio de quem estava a sentir-se perturbada e disse-me, António estou grávida. Notava-se que tinha vontade de falar… não sei se seria com todas as pessoas… estivemos algum tempo a conversar em que foi ela quem mais falou, entre outras coisas, disse-me que o pai do seu filho e daquele que vinha a caminho… também era tropa e naquela altura estava em Bambadinca. Depois de termos estado algum tempo a falar, quando abalou as lágrimas bailavam-lhe nos olhos, o que me deixou por momentos algo perturbado. Das mulheres com quem tive oportunidade de falar e de ouvir durante o tempo que estive na Guiné, atendendo ao tempo que por lá andei não foram muitas… era aquela alguém diferente de todas as outras!...

Em Cobumba não tive lavadeira, nem ouvi falar que houvesse por lá alguém que tivesse. A roupa que eu lá trazia vestida também era pouca, apenas uns calções e nos pés uns chinelos de plástico sem peúgos. Só durante a noite quando estava de serviço, a fazer reforço, que fazia todas as noites, algumas vezes vestia o camuflado. A minha falta de jeito para lavar roupa, apesar de ser pouca a que tinha de lavar, ajudou a valorizar ainda mais o serviço das lavadeiras que tive em Mansambo. Espero que ainda por lá estejam… e que a vida lhe tenha corrido o melhor possível.

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE MAIO DE 2021 > Guiné 63/74 – P22219: (Ex)citações (384): As crianças de Mansambo e de Cobumba - Que jamais esquecerei (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493/BART 3873)

sábado, 22 de maio de 2021

Guiné 63/74 – P22219: (Ex)citações (384): As crianças de Mansambo e de Cobumba - Que jamais esquecerei (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493/BART 3873)

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 21 de Maio de 2021:

Amigo Carlos Vinhal
Faço votos para que te encontres de boa saúde junto dos teus. Com a nossa idade podemos ainda desejar muitas coisas!... Mas certamente a saúde é a mais importante.
Recebe um abraço



As crianças de Mansambo e de Cobumba

Há dias, quando da passagem de mais um aniversário (já são 71) o amigo Cherno Baldé[1] ao enviar-me os parabéns dizia que eu ainda não teria esquecido as crianças de Mansambo assim como de outros sítios por onde passei na Guiné. Se existe alguém que eu jamais esquecerei “enquanto a mente me permitir” são as crianças da Guiné daquele tempo.
Crianças de Mansambo, ao tempo da CART 2339 (1968/69)
Foto ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados

Começando pelas de Mansambo, a esta distância no tempo, basta, mentalmente olhar para lá e logo as vejo a brincar... com particular destaque para o tempo que eles passavam a jogar a bola, que era muito. Os condutores de que eu fazia parte, éramos oito no mesmo abrigo, tínhamos um menino que durante algum tempo trabalhava para nós... a quem chamávamos faxina, o primeiro foi o xerife (o nome porque era conhecido, não sei se era assim que se escrevia) o serviço que lhe estava destinado era ir à cozinha buscar a comida na hora das refeições para trazer para o abrigo... depois comia connosco e a seguir lavava a loiça. Ao fim do mês recebia algum dinheiro que todos lhe dávamos, já não me recordo qual era o valor. Passado alguns meses de lá estar vim de férias à metrópole, mas antes já lhe tinha prometido quando voltasse que lhe levava uns sapatos.

Passado o mês de férias quando regressei a Mansambo o xerife tinha sido substituído, não sei qual o motivo... o seu lugar passou a ser ocupado pelo António a quem assim que cheguei lhe pedi para ir à tabanca chamar o xerife para lhe entregar os sapatos conforme lhe tinha prometido, pedido por ele logo aceite. Assim que o xerife chegou ao nosso abrigo e lhe entreguei os sapatos novos foi grande a alegria que ele não conseguia disfarçar... e a minha não foi menor. No outro dia, logo pela manhã, o xerife apareceu lá no abrigo acompanhado por vários meninos da tabanca, todos muito alegres, e veio levar-me uma galinha. Passado algum tempo o António foi embora, (diziam que a sua partida tinha a ver com o fanado) sendo o seu lugar ocupado pelo Demba, um menino mais novo que os seus antecessores a quem prometi quando voltasse de novo à metrópole de férias, como tinha previsto, que lhe levava também uns sapatos novos. Mas as coisas alteraram-se e os sapatos para o Demba (com grande pena minha) não chegaram a ser entregues.
A nossa companhia foi transferida para Cobumba e foi já depois de lá estar que voltei de férias à Metrópole, não mais voltei a ver os meninos de Mansambo.

Em Cobumba também havia crianças, mas a distância entre eles e nós, pelo menos no início, era diferente, não estavam habituados a ter a companhia de tropa branca. Mas a alegria com que eles brincavam levava-me a pensar como era possível a viver num ambiente tão complicado como aquele que tinha lugar em Cobumba e eles sempre alegres passando muito tempo a brincar como se nada de anormal estivesse a acontecer. Certamente que os meninos da Guiné também choravam, mas durante o tempo que por lá estive nunca vi isso acontecer!... Algumas vezes, alguns atravessavam o rio Cumbijã a nado e riam-se quando sabiam que alguns de nós não sabíamos nadar. Já próximo do fim da permanência da nossa companhia naquele local, as minas na picada entre os três sítios em que se encontravam as nossas tropas, eram cada vez mais. Alguém decidiu que enquanto a viatura andasse em movimento (já só tínhamos uma pronta a andar, as outras três já tinham sido destruídas pelas minas) tinha que andar sempre alguém da população ao lado do condutor!... Os condutores éramos muitos, para uma só viatura, pelo que o nosso serviço de condução tinha um intervalo bastante grande. Só me recorda de ter de andar um dia em serviço acompanhado em que tive a companhia do José, um menino que era filho do chefe da tabanca. Foi um dia de muita conversa em que eu procurei saber como era a vida naquele local antes de nós lá chegarmos, das várias coisas que ele me falou, há uma que eu não mais esqueci, foi quando ele a rir me disse que daquilo que eles tinham mais medo antes de nós lá termos chegado, era do passarinho grande (o avião) quando andavam na bolanha. Assim que o viam deitavam-se ficando apenas com um olho fora da água enquanto ele andasse por ali.

Junto à tabamca onde se encontravam dois pelotões e quase toda a formação da nossa companhia, quando lá chegamos já eles tinham um abrigo junto a um mangueiro onde várias pessoas da tabamca, certos dias, passavam grande parte do tempo, o que nos causava alguma apreensão, talvez eles soubessem de alguma coisa que nós desconhecíamos.

A vida das crianças em Mansambo e Cobumba, sempre me causou bastante preocupação ainda que nem sempre a expressasse. Esse modo de eu as observar e sentir alguns dos problemas que elas tinham de enfrentar, talvez tivesse a ver com a situação difícil porque passei quando parti para a Guiné (a primeira vez) no dia 24 de janeiro de 1972 o meu filho tinha ficado com a mãe no hospital, onde tinha nascido há dois dias.

António Eduardo Ferreira
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Notas do editor:

[1] - Comentário deixado no Poste 22201:
Anónimo Cherno Baldé disse...
Amigo Eduardo Ferreia, um abraço de parabéns, com votos de saúde e felicidades na certeza de que não se esqueceu das crianças de Mansambo e d'outras localidades por onde tem passado na Guiné.
Cherno AB


Vd. poste de 5 DE JULHO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10119: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (3): Crianças de Mansambo, jamais vos esquecerei!

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 63/74 – P22079: (Ex)citações (383): Os conflitos e a dedicação do povo. Gratidão. (José Saúde)

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22152: In Memoriam (392): Claúdio Ferreira (1950-2021), ex-fur mil art, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74)... Passa a integrar, a título póstumo, a Tabanca Grande, sob o nº 840 (Jorge Araújo)

 


IN MEMORIAM

HOMENAGEM AO CAMARADA

CLÁUDIO MANUEL MARQUES FERREIRA [1950-2021]

- Ex-Fur Mil Art da CART 3494 (Xime-Mansambo, 1971-1974) –

por Jorge Araújo

 


Camaradas,

Serve o presente para dar-vos conta de mais uma notícia que nunca estamos preparados ou desejamos fazê-lo. Trata-se de mais uma baixa no contingente da minha CART 3494, desta feita a do meu/nosso camarada Cláudio Manuel Marques Ferreira (1950-2021), ex-furriel do meu Grupo de Combate (o 1.º), com quem partilhei, durante os já longínquos anos de 1972-1974, para além do mesmo espaço de pernoita, muitos momentos de verdadeira amizade e solidariedade e, também, muitas emoções, nomeadamente ao calcorrear os mesmos caminhos que nos "couberam em sorte", todos eles situados a sul do Xime.

Com efeito, este triste e sentido desfecho já estávamos a prever há algum tempo, precisamente quando o telemóvel do Cláudio Ferreira deixou de comunicar. É que no final do mês de Março, o camarada António Bonito contactou-me perguntando se sabia algo sobre o camarada Cláudio Ferreira, uma vez que lhe ligou mas o seu telefone estava desligado. Este era o indício do que já tinha acontecido… e que hoje foi, lamentavelmente, confirmado.

Descansa em paz, camarada Cláudio Ferreira!

Em sua homenagem, recordo aqui alguns momentos que fazem parte da memória colectiva da CART 3494, que no próximo mês de Outubro comemora meio século de existência, quando a Unidade se constituiu no RAP 2, em Vila Nova de Gaia, preparando a sua missão Ultramarina.


Foto 1 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > Setembro de 1972 > Da esquerda para a direita: Cláudio Ferreira, João Godinho e Jorge Araújo, trio de furriéis responsáveis pelo 1.º Gr Comb.

 

◙ - MEMÓRIAS DO DIA 9 DE AGOSTO DE 1972 (VÉSPERA DO NAUFRÁGIO NO GEBA)


(…) O dia 09 de Agosto de 1972, 4.ª feira, foi passado no cumprimento das diferentes tarefas logísticas internas como sejam: limpeza, recolha e abastecimento de água pelos diferentes abrigos e outros serviços de manutenção ao aquartelamento, sob a orientação operacional dos três furriéis do grupo: Cláudio Ferreira, João Godinho e Jorge Araújo.


Concluídas as diferentes missões, o restante tempo que faltava para encerrar o dia foi utilizado no jantar, na messe, e depois recolhemos ao nosso "TZero", procurando recuperar energias para o dia seguinte, já que a missão atribuída na escala era de «intervenção», desconhecendo-se, naquele momento, o que estava previsto ou pensado para esse efeito.


Já na posição de deitado, recebendo o ar fresco da ventoinha suspensa na estrutura da cabeceira da cama, pois estávamos na "época das chuvas", eis que entra no quarto o camarada Cláudio Ferreira, com ar de poucos amigos, contando que tinha sido chamado ao Gabinete do CMDT da Companhia, ex-Cap. António José Pereira da Costa, líder da CART 3494 desde 22Jun1972, recebendo instruções para preparar a sua Secção (Bazuca) reforçada com mais alguns elementos do Gr Comb (o 1.º), com o objectivo de no dia seguinte, de manhã, participar num patrulhamento a efectuar na margem direita do Rio Geba, estando prevista a inclusão, na acção, do Major de Operações do BART 3873, ex-Major de Artª. Henrique Jales Moreira.


Perante os sinais de ansiedade transmitidos em cada frase emitida e o nervosismo sentido em cada movimento corporal, logo o questionámos – eu (Jorge Araújo) e o João Godinho – o que se passa contigo?


A resposta não foi imediata. Mas, depois de alguma insistência, afirmou sentir-se um pouco em baixa de forma. Perguntei-lhe se queria que eu fosse no seu lugar. A sua resposta foi afirmativa, deixando cair, então, um grande fardo que tinha sobre os seus ombros. (…)


Seria que estava a adivinhar ou a persentir algo negativo? – (ver P10246)

 


Foto 2  > Guiné > Zona Leste >Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > Dezembro de 1972 >  Messe de Sargentos - Da esquerda para a direita J. Pacheco [Fur, 20.º Pel Art], João Godinho [Fur], Serradas Pereira [Alf], João Fernandes [Fur], Cláudio Ferreira [no acto de cantar] e Jorge Araújo [de costas].

 


Foto 3 > Guiné > Zona Leste >Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > Abril/1973 > Em 1.º plano, da esquerda para a direita: os Furriéis Jorge Araújo, Cláudio Ferreira, Abílio Oliveira e João Godinho; em  2.º plano (e pela mesma ordem): Acácio Correia [Alf], Luciano Costa [Cap], Luciano de Jesus [Fur] e José Araújo [Alf, 1946-2012].

 


Foto 4 > Guiné > Zona Leste >Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > Julho de 1973 > Da esquerda para a direita,  Carvalhido da Ponte [Fur Enf], Acácio Correia [Alf], Cláudio Ferreira [Fur], Manuel Ramos [1.º Cabo - 1950-2012] e Rogério Silva [Sold Radiot - 1950-2002]  (foto do álbum do Acácio Correia).

 

◙ - VISITA AO CLÁUDIO FERREIRA NO CENTRO DE MEDICINA DE REABILITAÇÃO DE ALCOITÃO EM 28 DE JULHO DE 2015


Ao termos conhecimento de que o camarada Cláudio Ferreira se encontrava hospitalizado no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, três dos seus camaradas: o Acácio Correia, o Luciano de Jesus e o Jorge Araújo, tomaram a iniciativa de o visitar, em 28 de Julho de 2015, 3.ª feira, para lhe levarmos a amizade e solidariedade de todo o colectivo, transmitindo-lhe o ânimo de que precisava para superar as dificuldades físicas e psicológicas porque estava a passar naquela ocasião.

Foi com muita emoção que nos recebeu e durante cerca de duas horas, contou-nos alguns dos detalhes que o tornaram dependente de uma "cadeira de rodas". Não deixou, também, de viajar pelas memórias de longa data, relativas ao tempo vivido na Guiné.

Quanto ao seu estado físico, ele tem a sua génese num acidente de viação, ocorrido em 2009 no IC9, entre Tomar e o Entroncamento, que lhe provocou várias fracturas expostas em ambos os membros. Ao fim de um ano em recuperação a sua mobilidade permitia-lhe já fazer uma vida normal.

Em 2014, seis anos depois, começou a sentir sinais de falta de equilíbrio até que um dia [em Novembro], ao descer os degraus da escada da sua habitação, em Santarém, caiu desamparado, voltando a fracturar a perna esquerda em vários sítios, entre eles o fémur.

Levado para o Hospital local, aí foi sujeito a uma intervenção cirúrgica. No recobro, durante a recuperação da anestesia, nos primeiros períodos em que esteve acordado tomou consciência do seu corpo. Tudo parecia funcionar. Porém, decorrido algum tempo nesse estado de repouso, entre vigílias e sonos, constatou que não executava a motricidade voluntária dos membros inferiores, pelo que chamou a equipa médica, disso lhe dando conta.

Feitos os exames de diagnóstico do protocolo, voltou ao Bloco para nova cirurgia. Foi-lhe dito, sumariamente, pela equipa médica desta segunda operação, que tinha sido removido um coágulo sanguíneo, o qual contribuiu para esta última situação.

Daí estar no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, entregue à supervisão técnica dos especialistas nesta área científica, na expectativa de recuperar o que deixou de funcionar de um momento para outro – a mobilidade dos membros inferiores.

Eis algumas imagens dessa nossa visita.



Foto 5 > Cascais >  Alcoitão > Julho de 2015 >  O camarada Cláudio Ferreira durante a amena cavaqueira, recordando momentos passados em comum há mais de quatro décadas, no CTIG.  

 


Foto 6 > Cascais > Alcoitão > Julho de 2015 >  O camarada Cláudio Ferreira ouvindo o relato do Acácio Correia (à direita),   relacionado com a sua visita à Guiné-Bissau, em 1998, na qual incluiu os locais palmilhados pelo colectivo da CART 3494.

 


Foto 7 > Cascais> Alcoitão > Julho de 2015 >  Um novo trio olhando para a câmara do camarada Luciano de Jesus: da esquerda para a direita, Jorge Araújo, Acácio Correira e Cláudio Ferreira

 


Foto 8 > Cascais > Alcoitão > Julho de 2015 > A equipa que conviveu com o camarada Cláudio Ferreira, levando-lhe os afectos e a solidariedade de todos os membros da CART 3494.

 


Foto 9 > Cascais > Alcoitão > Julho de 2015 > O camarada Cláudio Ferreira dirigindo-se ao colectivo dos «Fantasmas do Xime», enviando-lhes um GRANDE ABRAÇO e votos de muita saúde.

Fotos (e legendas): © Jorge Araújo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Hoje, que soubemos da sua morte, resta-nos enviar à sua família, e amigos, os nossos mais sentidos pêsames, dizendo-lhes que o nosso camarada Cláudio Ferreira continuará a estar presente… SEMPRE!

 

Saudações,

Jorge Araújo.

28.Abr2021


Comentário do editor LG:


Jorge, e continuará sempre, na nossa  memória, o Claúdio Ferreira, ao passar a integrar, a título póstumo, a nossa Tabanca Grande. Ficará, simbolicmante, inumado, no talhão nº 840, à sombra do nosso sagrado poilão. (**)


Fico sensibilizado também pela vossa solidariedade, ao visitá-lo no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, em julho de 2015 (***).  São exemplos desses que devem ser conhecidos e louvados. 


Fica também aqui expressa, em público, a nossa solidariedade na dor, endereçada à família e aos amigos e camaradas mais próximos.

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Notas do editor:


(*) Último poste da série > 7 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22077: In Memoriam (391): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021) - A Cristina, a Guiné e a sua presença na nossa sala de conversa (Mário Beja Santos)

(**)  Último poste da série > 29 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22048: Tabanca Grande (517): Jean Soares, ex-1º cabo de radiolocalização, Batalhão de Reconhecimento de Transmissões (Trafaria, e Maquela do Zombo, 1972/75): enfermeiro psiquiátrico reformado, a viver em França, em Caen, Normandia, e que está a tentar a recuperar a nacionalidade portuguesa que perdeu... Nasceu em Pirada... Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 839.


(***) Vd. poste de 26 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15162: História da CART 3494 (10): A dimensão humana do colectivo da CART 3494 (Jorge Araújo)

quinta-feira, 26 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20776: Blogoterapia (294): A mente, de quando em vez, leva-nos a sítios onde já não queríamos ir... (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

Mansambo
Foto © Torcato Mendonça (2012)


1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 21 de Março de 2020:

Amigo, Carlos Vinhal
Faço votos para que te encontres de boa saúde junto dos que te são queridos, o resto virá por acréscimo.
Carlos, quando nada o fazia prever, esta semana, fui levado a reviver algum do tempo que passei na Guiné.


A mente, de quando em vez, leva-nos a sítios onde já não queríamos ir...

Devido à epidemia com que estamos a ser confrontados, no inicio da semana, fui levado "mentalmente" a sítios, aonde há já muito tempo não ia... à então "província" da Guiné. Sítios esses, que embora, não seja possível esquecer, mas que já há algum tempo estavam em hibernação.

Há dias, entrei num estabelecimento comercial onde fui fazer algumas compras, lá dentro, o olhar atento e desconfiado das pessoas, era como se quem delas se aproximava fosse o potencial inimigo de que todos tentamos fugir... o Covid-19, com a agravante de ao sairmos não saber o que nos pode ter acontecido, ou não... enquanto estivemos a escolher as coisas que pretendíamos. Será que o inimigo se apoderou de algum de nós?... Os menos pessimistas, depois de saírem, talvez não pensem muito no ambiente com que foram confrontados enquanto estiveram lá dentro. Ao contrário, os mais pessimistas.... ou talvez mais realistas... não conseguem esquecer assim tão facilmente.

Ao sair daquele local, fui levado a reviver um tempo que apesar de já ter terminado, há quarenta e seis anos, a mente ainda me fez “o favor”de ter que o recordar. Entre muitos outros porque passei, enquanto estive na Guiné, para mim, o mais marcante e aquele com que agora mentalmente fui confrontado foi o que me acontecia durante as muitas colunas que fazíamos enquanto estive em Mansambo. Quando saíamos do destacamento, durante alguns quilómetros, só os condutores seguiam na viatura, como era o meu caso. Os picadores seguiam na frente, todo o outro pessoal seguia em fila, com o espaço entendido conveniente ao lado da picada, alguns podiam seguir na viatura, mas não o faziam...

Era um inimigo diferente, mas também nunca se sabia onde podia estar. O estado emocional a que éramos sujeitos quando seguíamos só, na viatura, era terrível... pensando na possível mina que podia estar algures por ali à nossa espera... são esses os momentos que ainda hoje menos gosto de recordar... mas a mente de vez enquanto prega-nos estas partidas.

No dia a seguir de ter ido às compras, fui a um local onde tenho ido com frequência ao longo de dezasseis anos... o IPO em Coimbra. Também aí, quando ia a entrar por um dos sítios que era costume, fui informado que não podia passar, tinha de entrar no portão a seguir. Mais uma vez a dúvida... será que o inimigo vai comigo disfarçado... só depois de ter passado por um pequeno rastreio fui autorizado a entrar. Uma vez mais, fui de algum modo forçado a revisitar situações, que eu supunha estarem arrumadas, em que o inimigo que nunca vi... mas ouvi e senti... parecia estar sempre por perto.

Depois de ter sido confrontado com a anormalidade... que se está a viver nestes dias, e que me fez reviver o tempo que passei na Guiné, fui levado a pensar que o transtorno mental, que a minha passagem pela guerra me provocou, foi ainda maior que aquele eu supunha ter sido...

Amigos, quanto ao Covid-19, resta-nos estar algum tempo de quarentena e depois veremos. Ou outros hão de ver...

António Eduardo Ferreira.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20336: Blogoterapia (293): Neuro II - Quarto 7 - Cama 14, ou as camas por que passamos ao longo da nossa vida (Juvenal Amado)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20554: Questões politicamente (in)correctas (50): as grandes desmatações à volta de aquartelamentos construídos de raiz como Mansambo, e ao longo da rede viária, com o apoio das populações às NT (Torcato Mendonça, ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339 > Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada > Concentração de pessoal e viaturas no quartel de Mansambo. Não sabemos que são os tipos de chapéu colonial, assinalados com um círculo a vermelho: os da direita, junto a militar de Mansambo em tronco nu, podem ser ser cipaios, da polícia administrativa ou até adjuntos do régulo de Badora... Junto à viatura, de calção, pode ser o condutor... Foto do álbum de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339 > Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada >  Tropas, a montar segurança,  e civis, capinadores, na estrada Mansambo - Bambadinc. À esquerda, um homem, ocm cabeça colonal, que pode estar a enquadrar os civis e que poderia ser um "cipaio" (polícia administrativa).

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá Sector L1 (Bmabadinca) > Mansambo > 1970 > Vista aérea do aquartelamento, que foi construído de raíz pela CART 2339 (Mansambo, 1968/69).  À volta foi tudo desmatado. Ao fundo, da esquerda para a direita, a estrada Bambadinca-Xitole. Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

"Quanto à foto de Mansambo, a vista aérea – que é espectacular e que pessoalmente agradeço - gostava de saber de que ano é, se o Humberto tiver esses dados. A zona está totalmente nua, só com uma grande árvore ao fundo que se encontra à entrada do aquartelamento, pois vê-se a bifurcação para a estrada Bambadinca-Xitole (esquerda-direita. Falta ali uma árvore, a tal de referência para o IN, e que os nossos soldados chamavam a árvore dos 17 passarinhos, tal era a quantidade deles, que se situava na parte mais afastada da entrada. A mancha branca de maior dimensão seria o heliporto. 

"Faltam os obuses, um de cada lado à esquerda e à direita. Ao lado dessa árvore ficava o depósito, que era uma palhota, de géneros e munições, que ardeu a 20 de Janeiro de 1969 (nesse dia chegaram os 2 Obuses 105 mm). Era véspera do aniversário da CART 2339. Ao fundo vê-se uma mancha à esquerda do trilho de entrada que era a tabanca dos picadores. À direita no triângulo de trilhos, ficava a nossa horta. A fonte ficava à direita da foto onde se vêem 3 trilhos, na mancha mais negra em baixo. Se confrontares com um mapa da zona vê-se aí uma linha de água" ( Carlos Marques dos Santos, 1943-2019)

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]© 



1. Excerto do poste P9541 (*), da autoria do nosso colaborador permanente Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), que participou tanto na Op Lança Afiada como na Cabeça Rapada. e que infelizmente por razões de saúde tem estado afastado do nosso blogue e do nosso convívio:


Não é de assuntos de barbearia que venho falar. Não. Vou tentar contar-vos, sem grandes pormenores, a maior operação de Acção Psico Social – chamemos-lhe assim – a que assisti. Bem planeada e meticulosamente preparada por quem sabia.

Tudo com o aval do Comandante-chefe e teve o nome de “Operação Cabeça Rapada”. Desenrolou-se de finais de Março a meados de Maio de 69, talvez por seis fases ou seis operações [, na realidade, quatro.]

O objectivo era capinar – cortar e desmatar – toda a vegetação numa faixa de trinta ou quarenta metros, talvez mais, para lá do arame que delimitava o perímetro de Mansambo e igualmente, em largura, uma faixa similar para lá das bermas das estradas (picadas) de Mansambo a Bambadinca e daqui até ao Xime. Só nas zonas mais propícias a emboscadas.

Outras desmatações menores,  à volta de algumas Tabancas, por exemplo Amedalai e outros locais, sofreram igual corte.

Estas Operações queriam vincar três pontos:

(i) dizer que o IN tinha sido derrotado na Operação Lança Afiada [, 8.19 de março de 1969];

(ii) mostrar que as populações estavam com as NT;

(iii) fortalecer o slogan “Por uma Guiné Melhor”.

Análise despretensiosa e sem petulância minha. É uma não análise… talvez.

As populações envolveram-se fortemente depois do excelente planeamento. Muitas centenas, talvez um ou dois milhares de civis, muitos militares  [na realidade, 7 mil, na Op Cabeça Rapada I], e uma logística enorme: viaturas civis e militares, alimentação e uma bem montada segurança, próxima e afastada, para dissuadir ou minimizar o efeito de qualquer ataque e, também, colaborar activamente com apoio rápido à resolução de algum acidente e incidente.

Não seria difícil ao IN disparar umas morteiradas e provocar o pânico. Uma ou duas granadas eram suficientes. Não o fez e nós não sabíamos, quantos daqueles homens eram simpatizantes deles e trabalhavam naquela desmatação para obterem informações. Havia certamente.

Lembro-me da enorme confusão da manhã do primeiro dia. Eram muitas centenas e centenas de homens e suas catanas a chegarem a Mansambo. Organizar tudo seria tarefa difícil mas foi conseguido.

A nossa missão, a do meu Grupo, era outra e rapidamente saímos do aquartelamento para a segurança. No fim de toda esta Operação, faseada e por tanto tempo, quando acabou uma dúvida, em mim, se levantou: 
- Aquela desmatação não iria abrir o campo de tiro ao IN?

Caí, em meados de Maio, numa forte emboscada no Pontão do Almami e, em inicio de Abril, já tinha havido outra no mesmo local. Felizmente as árvores que ladeavam a estrada foram poupadas.

No dia 28 de Maio de 1969 a sede do Batalhão, em Bambadinca, foi atacada pela primeira vez. As tabancas de Taibatá, Moricanhe e Amedalai, sofreram igualmente ataques.

Era a represália do IN. Teve auxílio vindo do Sul e do Norte? Certamente. Mas provava que estava vivo e não fora aniquilado na Lança Afiada e esta não respeitara certas regras básicas de contra guerrilha. O IN não foi aniquilado. Tanto assim que começou a bater forte, a tentar infiltrar-se e a exigir um esforço maior de contenção das NT. 

Só em meados de Agosto. o IN veio a sofrer um forte revés e ficou decapitado - como sinónimo de sem comando [, o comandante Mamadu Indjai, gravememte ferido em emboscada montada por forças da CART 2339].

Nada de relevante ou muito grave aconteceu até ao fim da nossa Comissão, em finais de Novembro de 1969. Emboscadas, ataques a tabancas e aquartelamento, umas baixas sempre lastimáveis e uma ou outra operação igual a tantas outras. A rotina habitual com ou sem desmatações.

Embarcamos em 4 de Dezembro de 1969 [, de regresso a casa].

2. Em comentário ao poste P9541 (*) , o nosso amigo e camarada Henrique Cerqueira [, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ/BCAÇ4610/72, e CCAÇ 13, Biambe  e Bissorã, 1972/74; vive no Porto] disse o seguinte:

Camarada Torcato:

A simplicidade do tema é na realidade um grande aglutinador das nossas lembranças.

Tambem participei em proteções a grandes grupos de capinadores na região de Bissorã. E apareciam civis aos magotes, pois pudera, o dia era pago pelo Estado Português.embora que em géneros (arroz).

Na realidade a capinagem dava segurança quando estavámos no quartel e quando regressavamos. Mas, quando tínhamos que sair em patrulhamentos,  que era quase sempre ao caír da noite, eu só me achava seguro depois de nos embrenharmos no mato.

______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9541: Nós da memória (Torcato Mendonça) (12): Cabeça Rapada - Fotos falantes IV

(**)  Último poste da série > 12 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20551: Questões politicamente (in)corretas (49): no 1º ano do consulado de Spínola, ainda havia ou não indícios da prática de trabalho forçado (, extinto por decreto, em 1961), por parte da administração e até do exército ?