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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7060: Tabanca Grande (246): Gil Moutinho, ex-Fur Mil Pil Av, BA12 (Guiné, 1972/73)

1. Mensagem de Gil Moutinho, ex-Fur Mil Pilav, BA12 (Guiné, 1972/73), com data de 26 de Setembro de 2010:

Caros Luís Graça, Carlos Vinhal
e todos os outros

Finalmente e depois de ter recebido um honroso convite para participar neste blogue, que visito algumas vezes por semana, me apresento ao mesmo.

(i) Em 24 Junho (dia de S. João no Porto), mas no ano de 1970, já lá vão 40 anos, apresentou-se este mancebo, pouco mais que 18 verdes anos, na base da Ota onde fui incorporado.

(ii) Antes,  2 ou 3 semanas, tinha sido submetido a todo o tipo de exames e provas para acesso ao curso de pilotagem, só faltava que nos virassem do avesso.

(iii) Nesse período, a ansiedade era muita, pois todos os dias entravam e saíam candidatos, uns contentes e outros desiludidos. A taxa de reprovações era enorme. Portanto no dia 23 recebi a guia de marcha para a Ota, com o almejado APTO na mesma.

(v) Depois da apresentação na Base, deram-me licença até Outubro, onde o P2/70 começava a recruta. No primeiro dia da mesma espetaram-nos nos canais de agua e esgotos da Base, no meio de tiros com balas de borracha, para que nos manter o mais próximo dos fedores. Lá chegámos ao fim e prestámos o juramento de bandeira.

(vi) Depois, e após um pequeno período de licença, fui colocado em S. Jacinto onde iniciei o curso tendo acabado o mesmo em fins de Outubro de 1971 com a classificação de 14,14 valores.

(vii) No primeiro voo em T6, estive para desistir, imaginem!,  por causa do capacete... A cada instrutor (Sarg Aj Carvalho, o meu) calhou 3 alunos e só havia 1 capacete para todos. Acontece que me era extremamente apertado e durante esse voo, no meio da praxe habitual da acrobacia e manobras descoordenadas, só dizia mal da minha vida e no que me tinha metido. Felizmente passou.

(viii) Terminámos o curso 12 alunos: Vinhas, Abel, Teixeira, Gaioso, Chitas, Caldeira Pinto, Fialho, Geirinhas, Barreira, Corredeira, Vítor e Moutinho (eu). O Caldeira Pinto e o Vítor já faleceram de acidentes de avião.

(ix) De 8 de Novembro de 1971 a 6 de Abril de 1972 fiz a adaptação ao DO e fiz operacional em T6, na BA3.

Dezembro de 1971 > Foto de família de fim de Curso, com o Cap Cóias

(x) De 6 de Abril de 1972 a 28 de Dezembro de 1973 estive na BA12, e executei 497 missões em T6 e DO.
Bem, uma boa vintena delas foi em lazer para a praia de Bubaque.

(xi) No regresso à Metrópole, fui colocado na BA7 onde fiz o curso de instrutor em T6 de 5 de Janeiro a 27 de Março de 1974, tendo dado instrução até fins de Julho de 1975.

(xii) Nessa altura, com autorização da torre, fiz um tonneau a rapar a pista, o que não agradou a alguns superiores, alegando que dei mau exemplo aos alunos. Fui recambiado para Sintra, onde andei a pastar na fotografia aérea e em pleno PREC a fazer serviços de dia.

(xiii) Após algum tempo, ao abrigo de um qualquer artigo do RDM, pedi transferência para a unidade mais próxima da residência (BA7), e aparecendo lá, já estão a ver a surpresa dos "meus amigos".

(xiv)  Novamente em Sintra, não demorou muito a pedir a antecipação do fim do contrato. Saí a 8 de Abril de 1976.

Um T6 em Cufar

Uma vista de Bissau a partir de um T6

Parelha de T6

De DO armado com foguetes, a sobrevoar Porto Gole(?)

Cufar > Em alerta com a Enf.ª Pára-quedista Giselda Antunes


Tenho muitas boas recordações de todas estas ocasiões, que são de longe superiores às menos boas, principalmente as pessoas. Voltaria a fazer o mesmo percurso.

Acabei por fazer um historial da minha passagem pela FAP.

Até breve
Um abraço a todos
Gil Moutinho

Gondomar > Tabanca dos Melros > 3.º Convívio > 13 de Fevereiro de 2010 > O Gil Moutinho, à direita, recebendo das mãos do Coutinho e Lima um exemplar do seu livro A retirada de Guileje: a verdade dos factos, exempltar que será destinado ao "futuro museu da Tabanca dos Melros, os ECUS".


2. Comentário de CV:

Caro Gil Moutinho, bem-vindo. Resolveste em boa hora aderir à nossa Tabanca Grande, sendo tu próprio o anfitrião da famosa Tabanca dos Melros* que se reúne regularmente em Gondomar, no Choupal dos Melros, localizado em Fânzeres, Gondomar, espaço que puseste à disposição dos camaradas que aí se reunem desde Dezembro de 2009.

Não te pedimos aquela colaboração que gostaríamos que tivesses no nosso Blogue, pois sabemos que tens uma vida muito preenchida. Fica no entanto o convite para, de longe a longe, se tiveres algum tempo para nos dedicares, escrevas as tuas experiências enquanto piloto que sobrevoou o espaço da Guiné ao serviço da FAP.

Recebe um abraço de boas-vindas da tertúlia e dos editores.

O teu camarada
Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6203: Blogues da nossa blogosfera (35): Tabanca dos Melros, com sede no Choupal dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, aberta a todos os ECUS, ex-combatentes do ultramar...

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7051: Tabanca Grande (245): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833 (Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)

domingo, 6 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6545: O Nosso Livro de Visitas (90): Notícias do Lobo Mau, ex-Alf Mil Pil R. (BA 12, Bissalanca, Dez 1970/ Nov 1972)



Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Heli.evacuação na região do Xime > 9 de Fevereiro de 1970 > Op Boga Destemida, envolvendo forças da CCA>Ç 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63 > Helievacuação de feridos, entre os quais o 1º Cabo Galvão, do 3º Gr Comb, e o Sold Samba Camará, do 2º Gr Comnb, da CCAÇ 12 (*)

Foto: © Arlindo T. Roda  (2010). Direitos reservados.


O Lobo Mau… Lembram-se dele ? Ele diz que sim, que há muita malta das companhias do mato que se lembram dele… E têm bons e maus motivos para isso… Era piloto, alferes miliciano, do Heli Al III, mas também andava com a DO 27. Evacuações Ypsilon, apoio de fogo, helicanhão, transporte do Cardeal (o Spínola, de quem me conta algumas histórias, bem humoradas), transporte de víveres… Os pilotos do T6 e do Fiat G-91 não tinham a mesma relação com a malta do exército… Era uma relação mais distante,  por força da missão de cada aeronave...  A dele era mais próxima. A dele e dos demais pilotos de heli e DO.  Não é uma crítica, é apenas uma constatação.

Conhece a Guiné vista do ar, de pernas para o ar, de ponta a ponta, não há aeródromo ou heliporto onde não tenha aterrado, de Bambadinca a Canquelifá, de Guileje a Guidaje… Fez muitas missões com a Giselda ("uma grande senhora!!"), a Rosinha e tantas outras camaradas enfermeiras pára-quedistas, de quem guarda as melhores recordações… Lembra-se da infortunada Cristina... Trabalhou com os páras. Bateu recordes:  na véspera do ano novo de 1971, num só dia levou o Cardeal a três dezenas de buracos no mato…

O Velho gostava de viajar com o Alferes Piloto R., gostava do seu profissionalismo, da sua atenção para com os detalhes, da sua preocupação com a segurança…   Ainda estivemos na Guiné três meses, eu e ele, entre Dezembro de 1970 e Março de 1971 (altura em que regressei a casa). Mas nunca estivemos juntos, em Bissau, em Bissalanca ou em Bambadinca.

O R. esteve na BA 12, em Bissalanca, até Novembro de 1972… Apanhou lá o comandante Brito, que haveria de morrer abatido por um Strela... Era um homem que sabia como poucos dar o elogio ou a repreensão na hora certa, no local certo.  Esteve lá também com dois tenentes da Academia, o Marques e o Matos (este, membro da nossa Tabanca Grande).

Desta, da guerra,  gosta de recordar as coisas boas, positivas, e só essas,  tanto da FAP como da sua comissão na Guiné.  Por pudor e sigilo, não falámos com detalhe dessas missões... Visita, com regularidade o nosso blogue (que elogia) mas não gosta de se meter em polémicas (é o que menos aprecia no blogue)… Diz-me, com a autoridade de quem sabe e viu muita coisa, que ainda agora a missa vai no adro… Há muitos documentos que ainda estão classificados. Visita sites americanos onde é mais fácil, do que em Portugal, saber coisas sobre a guerra colonial em África…

Ele já não estava lá na altura dos Strela mas lança-me um repto, a mim, editor do blogue, e aos camaradas da Força Aérea desse tempo: ainda se sabe muito pouco ou nada do ambiente, vivido na BA 12 entre os os pilotos (e mecânicos), nesse período crítico em que as nossas aeronaves estiveram no chão…

Tudo isto, é o que sobra da conversa, pessoal (e possível), que tive com ele, o meu amigo R.  De tempos a tempos encontramo-nos, por mero acaso. O  R.  vive em Lisboa, fez entretanto o curso de direito.

Quanto a responder positivamente ao meu reiterado convite para integrar a nossa Tabanca Grande, o R. é  muito cauteloso… Diz-me que ainda “não está preparado” (sic)… Quis fazer-lhe um pequeno vídeo com uma saudação dele aos camaradas da FAP que estão nosso blogue, mas ele recusou apesar da nossa amizade. Tem inúmeros slides da Guiné, andava sempre com a sua Pentax… Mas ainda nem sequer os mandou converter para DVD… Pode ser que um dia eu tenha acesso a uma boa selecção das suas “chapas”…

De facto, ainda não foi desta que o consegui demover. Nem muito menos que ele aceitasse o convite para aparecer no nosso V Encontro Nacional, a 26 de Junho, em Monte Real.  Mesmo assim, conseguiu sacar-lhe o endereço de e-mail (que também não vou divulgar).  Prometi mandar-lhe o estudo do Cor Art Morais da Silva, que ele conheceu, salvo erro em Gadamael, e por quem nutre admiração, pela sua "craveira intelectual".

Contou-me histórias que, naturalmente, não estou a autorizar a reproduzir aqui neste curto apontamento. Não resisto, porém, a contar a que ele, R., lembrou  há tempos ao Tomé, que foi capitão no Olossato, no tempo do Paulo Salgado (também membro do nosso blogue)… O então capitão Tomé costumava mandar um criado de libré com bandeja, um copo com a pedrinha de gelo, a água de Perrier, e a garrafa de uísque parta o piloto que chegava com o heli ou com a DO.
- O correio era o que havia de mais sagrado para a malta do Exército que estava no mato… O Tomé era um gentleman.

O R. também se lembra bem do Drácula, o Alf Mil Médico António Vilar, que passou por Mansabá, Olossato e Bambadinca... Notável a sua memória. Oxalá queira ele um dia "abrir o livro", juntando-se aos nossos "gloriosos malucos das máquinas voadoras"  (**)... L.G.

____________

Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 9 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXVIII: Violenta emboscada em L (Op Boga Destemida, CCAÇ 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63, em Gundagué Beafada, Fevereiro de 1970) (Luís Graça)


(**) Respeito a vontade do meu amigo em não querer identificar-se. Como ele insiste em  dizer-mo, "por enquanto prefere o silêncio"... Espero que ele que perdoe, em nome da nossa amizade, a minha ousadia em publicar esta nota sumária da nossa conversa (privada)...

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4383: Homenagem ao Serviço de Saúde das nossas Forças Armadas (Luís Faria)

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 18 de Maio de 2009:

Amigo Vinhal

Envio-te um e (hi)stória não muito comum creio, que publicas se achares.

Com um abraço
Luís Faria


Embarques e desembarques
Ou o homem que não quis morrer


À altura julgo que era do conhecimento comum dizer-se que, ferido que conseguisse chegar vivo ao Hospital de Bissau, se safava!

Seria um bocado de exagero mas, para além de moralizador e aliado ao facto de por norma mediar escasso tempo entre o ferimento e a evacuação, sentia-se um certo apoio e segurança! De qualquer dos modos e ao que sei, o palmarés do Hospital era sobremaneira positivo.

Aquando de uma operação a Ponta Matar, passámos por violento recontro em que sofremos infelizmente um morto e cinco feridos.

Um Homem meu foi um desses feridos, com gravidade. É a e(hi)stória destes momentos que resolvi contar, talvez por ter estado demasiadamente envolvido e pela invulgaridade creio, do que aconteceu.

O confronto era aceso, os rebentamentos e os tiros sobravam!

O dada altura a meu lado cai um soldado meu, que fica prostrado e a esvair-se, traçado no pescoço por, salvo erro, quatro tiros.

Ao acercar-me, pede-me num murmúrio entrecortado que comunique com os Pais e lhes diga … ao que, apostando com ele uma grade de bazucas, respondo que não será preciso, pois vai safar-se…!

Desfalece! O héli-evacuação chega e a Enf. Pára apeia-se para a recepção e triagem dos feridos por ter que haver prioridades, atendendo ao número.

Tomo o pulso do meu Homem e sinto-lhe muito espaçadamente a pulsação!

Ainda está vivo!! De imediato é metido no héli.

A Enfermeira vê-o naquele estado, não reconhece sinais de vida e retira-o, para dar lugar a outro ferido. Parece mentira, não acredito, naqueles segundos…apagou-se!!

Por mera confirmação, tomo-lhe novamente o pulso e… sinto-o de novo, muito fracamente!!!

É metido no heli, afirmo à Enfermeira que está vivo… que tem pulso, fraco mas tem!!

Felizmente confirmada a situação, o héli descola para o seu destino, Bissau.

Chegado ao quartel, informam-me que o héli tinha descido em Bula para desembarcar o meu Homem, de novo dado como morto e regressar a P. Matar a buscar outros feridos, mas que o Médico (?) conseguiu aperceber-se novamente de uma réstia de vida e… o héli seguiu para Bissau.

Nunca mais soube nada do meu Homem… considerei-o como morto e na guerra continuei o meu caminho.

Um final feliz

Acabada a comissão e regressado à Metrópole, casei e um dia, acompanhado pela minha mulher seguia na Av. Fontes Pereira de Melo e ouço chamarem-me:

- Furriel Faria… Furriel Faria …!!??

Olhei e não queria acreditar!!! Fiquei parado… estupefacto!! Afinal tinha sobrevivido, graças a Deus!!! Era o meu Homem, ligeiramente rouco mas de boa saúde.

De há dois ou três anos a esta parte, encontramo-nos na reunião da Força e creio que só desde esta altura é que ele soube, não por mim, da história, uma história com um final feliz!

Quero terminar este relato-história com um agradecimento a todos os que exerceram funções no Hospital Militar de Bissau, aos valentes e abnegados da FAP na Guiné, sempre prontos a prestar o seu auxílio incondicional quer nas evacuações quer na segurança às tropas, não esquecendo as nossas Queridas Enfermeiras Pára que para alem de visões celestiais eram visões de Esperança e conforto.

Aos nossos Médicos no terreno.

Aos nossos queridos Enfermeiros que, como o Urbano, o Taia, o Silva o Braga, o Brejo e a todos os outros que andavam connosco na mata, sujeitos aos mesmos sacrifícios e perigos, com a agravante de eventualmente debaixo de fogo terem que se arriscar mais, para irem em socorro de um ferido.

Um bem-haja a todos e o meu Obrigado, ao fim de tantos anos.


Luís Faria

Nesta foto, a nossa querida camarada Enf.ª Pára-quedista Giselda junto de um héli e respectiva tripulação. Quem nunca assistiu a uma evacuação? Sangue-frio e competência, principais atributos destas pessoas que tomavam nas suas mãos algumas vidas presas por ténues fios.

Foto: © Giselda Pessoa (2009). Direitos reservados.
Legenda de CV

__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4361: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (14): Um mês complicado (3) O osso

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4338: Tabanca Grande (140): Vítor Oliveira, ex-1.º Cabo Especialista da FAP, BA 12, 1967/69

1. Mensagem de Vítor Oliveira, 1.º Cabo Melec da FAP, BA 12, Guiné, 1967/69:

Amigo Luís
Aqui está o meu pedido de adesão.
1.º Cabo Especialista Melec - 1.ª de 1966
Estive na BA2 e Escola Militar Electromecânica entre 20 de Janeiro de 1966 e 19 de Abril de 1967.
No AB1 entre 20 de Abril e 8 de Outubro de 1967.
Na BA12 entre 9 de Outubro de 1967 e 31 de Maio de 1969.
Na BA4 entre 31 de Maio de 1969 e 12 de Janeiro de 1970.

Era conhecido na terra do branco pelo Canéças e na Guiné pelo Pichas.
Moro actualmente em Canéças. Estou reformado.
Um pormenor Benfiquista a sério.
Luís um abraço.


2. Honório e eu num abrigo em Madina de Boé. A nossa sorte

Estávamos em Nova Lamego a fazer proteção à coluna para Madina, quando um dia, pela manhã, carregam um caixão forrado a pano preto na DO para Madina. Aparece o Honório e diz-me:
- Pichas vamos a Madina.

Eu disse-lhe a gente lá nem tempo tinha para beber um copo. Quando íamos a Madina nem parávamos o motor.

No meio desta conversa apareceu um cabo do exército que pediu ao Honório se o levava, porque nunca tinha andado de avião. Ainda lhe perguntei se sabia onde se ia meter.

Bom, lá descolámos os três e eis que quando passávamos o rio, vinha uma coluna na direção do Cheche. O Honório quando a vê, toca de fazer as suas habilidades e o nosso cabo começa de gritar ao gregório, que não se podia estar dentro da DO.

Quando aterrámos, disse ao cabo para ir buscar água para lavar o avião.
Veio um alferes e um cabo num unimog que nos convidaram para irmos beber um copo. De repente ouvem-se uns tiros. Ao alferes e aos cabos nunca mais os vi. Eu e o Honório deitámo-nos debaixo da DO. O pessoal do quartel começou a chamar-nos. Levantámo-nos e lá vêm mais uns tiros. Ficámos debaixo do unimog e só à segunda tentativa conseguimos entrar no abrigo.

Abrigo esse em forma de L. Entrámos lá para dentro, para o fundo. Puxei dum cigarro, tremia como varas verdes, e o Honório a gozar comigo. Passada talvez meia hora e depois do pessoal do quartel ter mandado umas morteiradas lá para os montes, diz o Honório:
- Pichas vamos embora.

Perguntei pelo cabo, foram à sua procura e vi-o sair do abrigo em frente, havia salvo erro duas ou três tabancas. De novo se ouvem uns tiros e então ele entra a correr pelo abrigo dentro, dizendo-me que ali é que se estava bem.

Ao fim de mais uma hora, lá desatámos a correr para a DO. Foi chegar, pô-la a trabalhar e descolar, a rapar, direito ao monte.

Posso dizer que os nervos eram tantos que consegui fechar a porta da DO com o cinto de fora, meti a mão na janela, mas parti o acrilico da porta. Isto porque o inimigo tinha lá um artista a quem chamavam Osvald (que matou o Kennedy) e que punha o quartel em alvoroço.

Fui lá algumas vezes levar munições nas DO. Devemos ter sido os únicos da FA a conhecer aqueles abrigos.

Felizmente a sorte esteve do nosso lado.

Já agora gostava que me explicassem como é que aparece em livros editados fotografias de um T6G em reparação em Madina, uma vez que a pista mal dava para as DO e ficava no meio dos montes.

Um abraço
Vitor Oliveira

Este é T6G 1791 que um alferes periquito mandou para o capim perto de Madina

Aqui é pessoal a desmontar o todo o material que foi possivel.esta operação foi feita com a proteçção dos paraquedistas

Já não me lembro deste pessoal a não ser do sarg.ajudante Manuel Matacão

Este é o avião que o brigadeiro Hélio viu quando da retirada de Madina de má memória e que eu assisti

A carcaça ficou lá depois de incendiada


3. Comentário de CV:

Caro Vitor Oliveira, finalmente entraste nesta Tabanca de tropa, dita, macaca, onde se pode encontrar elementos da tropa especial, de que tu és um bom exemplo.

Muito obrigado por te juntares a nós e aos teus camaradas da FA que já colaboram neste Blogue.

Como sabes, além de Especialistas, temos Caçadores Pára-quedistas, Pilotos-aviadore e até uma Enfermeira Pára-quedista. Uma panóplia completa. Estás em família, portanto.

Temos cá umas fotos tuas que iremos publicar brevemente, logo mantém-te atento e poderás, mais tarde, enviares mais umas coisas para publicação.

Em nome da tertúlia e especialmente dos teu camaradas da FA, deixo-te um abraço.
CV
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4329: Tabanca Grande (139): Francisco Santos, ex-militar da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau, Bafatá - 1963/65)

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3948: FAP (14): Um dia rotineiro na Base Aérea nº 12, em Bissalanca (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, 1972/74)

Guiné > Bissalanca > BA12 > O Ten Pilav Miguel Pessoa (1972/74). O Miguel foi o primeiro piloto de Fiat G-91 a ser abatido por um Strela (em 25 de Março de 1973, sob os céus de Guileje) (1). Efectuou mais de 400 missões no TO da Guiné. Esteve 4 meses em Lisboa, hospitalizado, a seguir à queda do seu Fiat.

Foto: © Miguel Pessoa (2009). Direitos reservados


1. Mensagem de Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanaca, 1972/74):

Luís: Aqui vai um texto para o blogue, se quiseres publicá-lo. Podes pensar que soa a romance barato, mas foi a maneira que arranjei de exorcisar os meus fantasmas, sem falar deles directamente...
Abraço, Miguel


2. FAP (14) > UM DIA ROTINEIRO NA BA12
por Miguel Pessoa

O mecânico acompanha-me enquanto faço a inspecção de 360º ao Fiat G-91 estacionado na placa, na BA12. Sinto a ansiedade habitual nos últimos voos. Também não admira - quando sabemos que vamos encontrar fogo de anti-aérea e possíveis Strela, é natural que fiquemos preocupados.

Como tem vindo a ser habitual, a tensão dá-me voltas ao estômago enquanto continuo a inspecção exterior ao avião. Parece que tenho vontade de vomitar mas nada sai. Tento disfarçar, que o mecânico continua ao meu lado e ninguém gosta de dar parte de fraco ao pé dos outros.

Mas os antecedentes não ajudam muito... Já fui ao charco uma vez e não gostei. E o problema é que matematicamente tenho as mesmas hipóteses que os outros de ser abatido - não me parece lá muito justo! Só voltei à Guiné há poucas semanas e a readaptação tem sido difícil; é muito penoso para mim recordar o tempo que estive sozinho no mato, depois da minha ejecção, sempre na iminência de ser apanhado à mão, por isso é natural que esteja preocupado.

Aliás, também os mecânicos andam preocupados. É grande a sua responsabilidade - o avião tem que funcionar que nem um relógio, o armamento não pode falhar, a Martin-Baker (*) tem que funcionar se tudo o resto correr mal - nenhum quer ser responsável pela perda de um piloto.

Logo hoje, que era o meu dia de folga! Bom, nesta bagunçada nada é garantido e temos que ser adaptáveis às mudanças... Mas a Esquadra foi solicitada para uma série de missões importantes que podem contribuir para diminuir o fluxo de pessoal e material que se interna na Guiné, vindos do exterior. Se resultar, poder-se-á reduzir a intensidade das flagelações aos nossos aquartelamentos; este esforço já se prolonga há dois dias e todos juntos não somos demais.

Neste momento sou o oficial mais antigo (um tenente!) a seguir ao Comandante de Esquadra, por isso, como oficial de operações (nome pomposo!) cabe-me a mim indicar os pilotos para as missões. Naturalmente, o meu nome tem que aparecer lá (o exemplo tem que começar por nós) e a folga, paciência!, fica para outro dia.

O avião está OK, o armamento pronto, como normalmente - o pessoal da linha não falha, como de costume - e eu dirijo-me para a escada para ocupar o meu lugar no cockpit - controlo um último espasmo e, enquanto subo a escada verifico, penduradas nela, as diferentes cavilhas de segurança que o mecânico retirou.

Coloco o capacete, o mecânico ajuda-me a colocar os cintos. Percorro com os olhos o check-list para confirmar que fiz todos os procedimentos correctamente antes de pôr em marcha. O chefe da formação, no avião ao meu lado, faz sinal com a mão para pormos em marcha. Primo o botão do cartucho de arranque do motor, este começa a rodar e estabiliza nas rotações normais. Executo os restantes procedimentos, acciono a descida da canopy (**) e faço sinal ao mecânico para tirar os calços das rodas.

Tudo OK! Aumento as rotações do motor para sair do estacionamento e inicio a rolagem do meu avião atrás do outro, fazendo antes um aceno de despedida ao mecânico que me deu a saída.

Toda a excitação acumulada anteriormente parece abandonar-me. Estou ali só, dentro do avião, controlando os meus medos de modo a que não interfiram com o cumprimento da missão. Temos de esquecer tudo e concentrarmo-nos totalmente no voo que temos pela frente, vigiando o espaço à nossa volta, tentando detectar alguma ameaça para o nosso ou para os outros aviões.

Finalmente estamos no ar e dirigimo-nos para o alvo definido no briefing antes do voo. Tudo corre normalmente e sinto uma estranha sensação de calma que contrasta com o nervosismo anterior. Os Tigres da Esquadra 121 estão no ar para mais uma missão de rotina nos céus da Guiné...


Miguel Pessoa
(Cor Pilav Ref)
_______

Notas do autor

(*) Cadeira de ejecção do Fiat G-91 R4

(**) Cobertura da cabina

________

Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1675: 28 de Março e 5 de Abril de 1973: cinco aeronaves da FAP abatidas pelos toscos mísseis terra-ar SAM-7 Strella (Victor Barata)

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91

29 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strelado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)

31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strelas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

1 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3826: FAP (3): A entrada em acção dos Strella, vista do CAOP1, Mansoa, Março-Maio de 1973 (António Graça de Abreu)

4 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3839: FAP (4): Drama, humor e... propaganda sob os céus de Tombali (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)

9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

(2) Vd. último poste da série FAP > 16 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3904: FAP (13): Nha Bolanha, o Ramos, o Jorge Caiano, o Manso, o corta-fogo do AL III, Bissalanca... (Jorge Félix)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (1964/65) > Vista aérea do aquartelamento e tabanca, após o ataque de 8 de Dezembro de 1964. Foto Alberto Pires (o Teco). São vísiveis os estragos provocados nas moranças, uma parte das quais ficaram totalmente queimadas.

Cortesia da AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (que nos disponibilizou o acervo fotográfico de Guileje, a figurar no futuro museu).



1. Mensagem de António Martins de Matos, ex-Ten Pilav (BA12, Bissalanca, 1972/74):

Amigo Luis Graça (permite-me tratar-te por amigo, já que, não te conhecendo, ambos andámos por terras da Guiné)

Após a leitura do livro A retirada de Guileje, junto te envio um pequeno texto que me senti na obrigação de escrever.
Dispõe dele como melhor te aprouver.

Saudações amigas

António Martins de Matos



2. Guileje vista do céu (*)
por António Martins de Matos

[Título e subtítulos, a negrito, da responsabilidade do editor, L.G.]

Confesso ser assíduo leitor do blogue e ter hesitado durante largos meses sobre a ideia de, um dia, quebrar esta barreira e contribuir, também eu, para esta tertúlia.

A leitura do livro A retirada de Guilege pelo Cor Coutinho e Lima (*) e os vários comentários sobre este tema foram a pedra de toque que me levaram a escrever estas linhas.

Não pretendo demonstrar que a minha verdade é melhor que a verdade de outros; digo-o simplesmente porque, ao contrário da maior parte dos comentadores, participei nos combates em Guidaje, Guileje e Gadamael, com uma visão “de cima”, nunca antes explorada neste blogue.


(i) Conhecer a Guiné de DO-27 e de FIAT G91...


Passada esta introdução, aqui vão as minhas coordenadas:

Era, ao tempo da guerra, Tenente piloto aviador, enviado para a Guiné em 10 de Maio de 1972, aí permanecendo até 10 de Fevereiro de 74.

Em relação à controvérsia (estúpida) instalada a quando do programa PRÓS E CONTRAS da RTP sobre o nome da guerra, Colonial, do Ultramar, ou de Libertação, confesso ter ido para a Guiné pensando que aquele território era Portugal, mas bastou-me uma semana de observação in loco para me aperceber que estávamos lá apenas e só como potência colonizadora.

O que me fez continuar? A ideia de que os 40.000 portugueses espalhados pela Guiné precisavam do meu apoio.

Sendo verdade que todas as noites dormia no ar condicionado de Bissau, também é verdade que, durante o dia, percorria todas as áreas da Guiné, de Susana a Cacine ou de Bubaque a Buruntuma.

Entre Maio72 e Abril73 voava os aviões DO-27 e FIAT-G91.

Voar o DO-27 permitiu-me conhecer todos os aquartelamentos que tinham pista (à excepção de Nova Sintra, vá-se lá saber porquê)

Levei víveres para o Guidaje, correio para o Guilele, comandantes engomadinhos do QG para Tite, Fulacunda ou Cabuca, padres e artefactos de missa para S. Domingos.

Também dormi em Pirada e fiz destacamentos em Nova Lamego.

Para abastecer a messe em Bissau, fui buscar peixe ao Cacheu e carne com moscas a Bafatá.

Fiz muitos PCVs com os Coronéis/Majores a controlarem a guerra de cima (alguns eram completamente enganados pela tropa, outros nem tanto).

Com eles fiz pequenas, médias e grande operações, no Morés, Caboiana, Cantanhez, Porto Balana.

Fui buscar feridos e doentes (militares e civis) a muitas unidades .

Sempre fui recebido nos aquartelamentos com estima e simpatia.

E descobri que quanto pior e mais isolado fosse o quartel, melhor era recebido, Paunca e, em especial os Gringos do Guileje, os campeões.


(ii) A chegada dos mísseis Strella e mudança de 'modus operandi'


Em Abril73, com a chegada dos mísseis Strella passei a voar apenas FIAT-G91.

A Força Aérea foi forçada a alterar o seu modo de operar, deixando de ir a algumas unidades por manifesta falta de segurança na aterragem e descolagem (vide o caso do DO-27 que transportava o Major Comandante do COP de Bigene e que desapareceu ao sair do Guidaje).

No que respeita a apoio de fogo e apesar dos aviões voarem a uma maior altitude e isso ter influenciado negativamente o moral das tropas, as missões passaram a ser muito mais efectivas (novo armamento até aí não utilizado).

Contrariamente ao que é habitual ouvir dizer, a Força Aérea aumentou substancialmente o número de saídas de combate, muitas delas ao estrangeiro ( Kandiafara, Kumbamori, Kandara, ...) o que aliviou a nossa tropa de inúmeros ataques do PAIGC.


(iii) Principais conclusões a retirar da análise do livro do Cor Art Ref Coutinho e Lima

Do que vivi in loco e da leitura do livro leva-me a concluir:

Desde 6 de Maio que os GC do Guileje não efectuavam qualquer saída do quartel (excepção à tentativa de coluna a 18Maio), o que os deixou sem uma segurança avançada e sem saber o que se passava para além do arame farpado.

Ao contrário do que muitos pretenderam fazer crer, o Guileje não podia estar cercado.

Prova disso é o facto de terem fugido cerca de 600 pessoas sem que o IN desse conta. Há mesmo quem afirme que saíram com grande confusão e barulho, o que teria forçosamente de ser notado.

Prova disso é igualmente o facto do IN ter continuado os ataques (sempre e só de artilharia) já com o quartel deserto.

Felizmente que o Guileje não estava cercado pois que se o estivesse ter-se ia verificado o maior desastre da guerra colonial.

Na exploração do inesperado sucesso o PAIGC pretendeu fazer crer à posteriori que teria executado dois cercos em simultâneo (Guidaje e Guileje), o que não é verdade. Duas operações de grande envergadura e em simultâneo não estava ao alcance de nenhum dos contendores.

O PAIGC limitava-se a flagelar o Guileje de longe (morteiro 120, canhão sem recuo, ...), sem mesmo entrar no território da Guiné. Há a confirmação de que as bases de fogo se situariam para além da fronteira (não é fácil transportar centenas de munições e elas não nascem nas árvores).

Com o seu alcance, os obuses de 14cm seriam das poucas armas aptas a contrariar o fogo inimigo. No entanto só muito esporadicamente foram usados. Há mesmo um depoimento de alguém afirmando que o pessoal que as operava nem sequer saía dos abrigos.

Passados todos estes anos ainda hoje não consigo perceber por que razão os quartéis equipados com potente artilharia não se defendiam mutuamente.


(iv) Guileje, uma manobra de diversão, para desviar a FAP de Guidaje...

Os ataques ao Guileje destinavam-se apenas a tentar desviar as saídas da Força Aérea em direcção ao Guidaje, o que em parte foi conseguido, visto que entre 19 e 21 de Maio a FAP foi obrigada a dividir o apoio, com 16 missões no Guidaje e 14 em Guileje, 8 das quais no dia 21.

Pelo acima referido, não se pode afirmar que o apoio ao Guilege tenha sido menosprezado.

A questão que se põe é a de saber porque razão as missões no Guileje não terão tido sucesso?


(v) 'Vamos comprar um B52 e já voltamos'...

A meu ver por falha do QG Bissau que até essa data, e ao contrário do que se passava em Guidaje, não autorizava a FAP a ir ao estrangeiro, e igualmente por falha do Guileje, que já não era capaz de indicar de onde tinham partido os ataques, limitando-se a afirmar “bombardeiem todas as matas à volta do quartel”.

A afirmação do homem do rádio (que no livro vim a descobrir ser o Fur Alfaiate), a mando do seu comandante, de que “não usamos a nossa artilharia para que o IN não referencie o quartel”, resultou na minha resposta, de mau gosto, “vamos comprar uma B-52 e já voltamos”, dita com a raiva de quem sente que o seu apoio estava a ser inútil e era mais necessário noutro lado.

Havendo apenas 6 pilotos de FIAT-G91 a acudirem aos pedidos de apoio de toda a Guiné, a comparação dos números de mortos e feridos em Guilege e Guidage é, por si só, clarificadora do que efectivamente ocorreu nesse período e de quem mais necessitava de apoio.

Ao contrário do que a maioria do pessoal do Exército pensava (pensa), o apoio aéreo em voo baixo, com metralhadoras e foguetes, ainda que possa aumentar o moral das tropas, era, é e será sempre, completamente inadequado.

O facto dos aviões voarem mais alto não tem a ver com a sua segurança mas sim com o tipo de armamento transportado, sendo que um apoio eficaz só poder ser conseguido com a utilização de bombas.

A FAP foi pioneira a ser alvejada com mísseis Strella e igualmente pioneira neste tipo de apoio próximo, procedimentos semelhantes foram utilizados anos mais tarde no Kosovo ou actualmente na Faixa de Gaza.


(vi) Um homem sem perfil, ou um 'erro de casting'


Não obstante já ter feito duas comissões na Guiné, o Maj Coutinho e Lima não tinha o perfil adequado para chefiar o COP 5 e algumas das suas decisões não terão sido as mais correctas.

O estabelecimento da sede do COP 5 em Guileje em vez de Cacine ou mesmo Gadamael, a troca de armamento sem razão aparente, a suspensão da actividade operacional, foram alguns dos factores que contribuíram para o agravamento da situação.

Tais decisões deveriam ter sido questionadas por quem o indigitou para o lugar.

Houve no entanto outros militares que contribuíram para a queda de Guileje, a saber:

- Os que no QG Bissau entendiam que o Guileje era tão só um local para onde mandar os corrécios;

- Os que no QG Bissau não avaliaram correctamente a situação;

- Os que, de uma maneira ou de outra, demoraram a cadeia logística;

- Os que não autorizaram os FIAT a passarem a fronteira (o ataque a Gadamael foi sustido depois de se ter bombardeado Kandiafara);

- Em última análise, a responsabilidade tem de ser atribuída a quem, conhecendo o perfil do militar, o nomeou para o cargo.


Na introdução do seu livro A retirada de Guileje, por Cor Coutinho e Lima põe a questão de se saber qual o termo correcto, entre “amnistiado” e “ilibado”.

Não é minha intenção julgá-lo, mas confesso que me incomoda as várias tentativas que vêm sendo feitas de o apresentar como um herói, que não foi.

Todos nós, que estivemos na Guiné, temos alguns fantasmas que, de tempos a tempos, nos vêm lembrar quem fomos, o que fizémos e como nos comportámos.

Há 35 anos que os meus fantasmas estão em fuga de Gadamael e continuam mortos e entalados no tarrafo do rio Cacine.

Como nota final, a minha homenagem ao BCP 12 (CCP121, CCP122 e CCP123). Sem eles, Gadamael tinha seguido o destino do Guileje.


António Martins de Matos (**)


3. Comentário de L.G.:

Caro camarada:

Não é todos os dias que recebo, na caixa de correio, um texto como o teu: claro, conciso, preciso, assertivo, elegante... e ao mesmo tempo politicamente incorrecto, incómodo, lúcido, desassombrado, sofrido, solidário...

É um privilégio para mim dar-te, em meu nome e dos meus dois co-editores, as boas vindas à nossa tertúlia ou Tabanca Grande, enfim, ao nosso blogue, que é teu, é meu, é de todos nós... O nosso maior denominador comum é a Guiné (1963/74)... O resto é periférico...

Como já te apercebeste, aqui ninguém precisa de puxar dos galões ou dos títulos ou das medalhas para aceder à palavra: basta entrares, dizeres bom dia ou boa tarde, puxares de um banco e contares a tua história... Eus ei que há diferenças de literacia, de talentos, de conhecimentos... Procuramos atenuá-las...

O nosso blogue serve isso mesmo, serve - modestamente - para a nossa geração que combateu na Guiné (não interessa o posto, a arma, a especialidade, o local, o ano...) contar a história que os outros nunca poderão contar... por nós.

E aqui está, em corpo inteiro, a tua história, a tua personalidade, os teus valores, o teu CV (***)... E com que elegância fazes a tua análise!... Não dizes: "o homem (o comandante do COP 5) era fraco e incompetente"... (de resto, como muitos de nós, a começar por alguns dos homens que nos comandavam....); dizes simplesmente, houve um "erro de casting", o homem não tinha o perfil... Mas a culpa foi de quem o nomeou... (Esclareça-se: quando digo, "competente", referindo-me à generalidade das NT na Guiné, do meu tempo, quero significar "treinado, preparado, equipado, motivado")...

É muito diferente de um "juízo moral" ou de "carácter", que evitamos fazer em relação ao "comportamento operacional" de qualquer camarada, ainda vivo... Coutinho e Lima, ao publicar o seu livro, passa a expor-se em público... E mais, ele pede explicitamente o veredicto do leitor... (Por outro lado, ele não é um operacional qualquer: é um profissional, um oficial superior do Exército, comandante de um COP, com responsabilidades muito superiores às de um simples furriel ou alferes, milicianos; e isso não quer que ele não tenha, da minha parte, a simpatia e a solidariedade que me merecem todos os os camaradas da Guiné que se identificam com este blogue, e que escrevem neste blogue).

António Martins de Matos, camarada e doravante amigo António: Tu és mais do que um leitor atento e interessado do livro do Coutinho e Lima. És um actor de Guileje (bem como de Guidaje e de Gadamael)... És um actor, não és um simples figurante. O teu ponto de vista, ao ser publicitado no blogue, vai ser escutado, analisado, divulgado, discutido, aplaudido, criticado... Vai ser escutado com o respeito que merecem todos os que "estavam lá", no sítio, na hora, na terra, no ar, na água... Só esses podem falar de cátedra... No fim, os que visitam e nos lêem podem concordar ou não concordar com o teu raciocínio e a sua fundamentação...

Tu mesmo o dizes: esta é a minha verdade (leia-se: a minha leitura dos acontecimentos), não tem que ser a verdade dos outros, ou imposta aos outros. Mas o que importa sublinhar é que trazes novos elementos para o conhecimento e o debate sobre Guileje (e não só, sobre os três GG)... Tu és o primeiro "ver Guileje de cima"... (É pena não termos acesso a uma cópia dos registos da tua caderneta de voo nesses dias no subsector de Guileje).

Eu, que não estava lá nessa época nem nesse local (sou de 1969/71 e estive no leste), não posso nem quero "tomar partido"... Nem acho que seja importante "tomar partido": também sou, por princípio, contra programas do tipo Prós e Contras, que fazem do conflito espectáculo, em vez de promover a pedagogia do debate...

Como editor do blogue, também tenho que ser o garante da pluralidade de pontos de vista, logo equidistante, uma tarefa que seguramente não é fácil. Não confundo, de resto, amizade e camaradagem, com objectividade e independência de pensamento e análise...

Também acho que a verdade é uma construção: há o verso e o verso, o texto e o contexto, o discurso e as condições de produção do discurso... A única coisa que detesto, nalgumas pessoas (incluindo algumas camaradas nossos) é a tendência para o juízo sumário (que é sempre uma execução sumária), própria de quem vê o mundo a preto e branco, dicotomizado: o herói e o cobarde, o bom e o mau, nós e o inimigo... Felizmente, não é o teu caso...

Vou publicar o teu texto, com uma ou duas imagens (que irei seleccionar), mais logo... Já está em edição. Mais para o fim da noite, poderás ver o teu texto en linha, no nosso blogue, na série "A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima"....

Em minha opinião, é um valioso contributo para o conhecimento de Guileje e do que se passou entre 18 e 25 de Maio de 1973... De Guileje e dos seus actores. De Guileje visto dos ares.

Espero que aceites ficar entre nós, voltando a dar a cara, a aparecer em público e, portanto, a escrever... O blogue é teu...

Um Alfa Bravo (ABraço). Luís


4. Comentário do co-editor vb:

O artigo do PilAv dos Fiats é valioso. Não só acrescenta inf de um interveniente que via a guerra de cima (e que portanto podia ver os acontecimentos mais a frio, especialmente porque tinha a paz de espírito para o fazer, o que não acontecia com os "despachados" para os Guidajes, Guilejes e Gadamaéis) como também pelos docs a que certamente tinha acesso. É interessante ver a história, ainda a ser feita ainda pelos vivos...Ao nosso blogue o deve.

Um abraço

vb
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 11 de Janeiro de 2009 >
Guíné 63/74 - P3725: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (10): PAIGC dispara um milhar de granadas entre 18 e 22 de Maio de 1973

(**) Quando o meu comentário já está escrito, vim posteriormente a saber, por uma pesquisa no Google, em casa, à noite, que o autor da mensagem é, com muito provavelmente, o tenente general António Martins de Matos, aqui referido numa notícia da Lusa, publicada pelo Público, de 18/12/2006 ("Força Aérea: novo chefe do Estado-maior sublinha unanimidade da sua escolha"):

(...) "A ultrapassagem na antiguidade militar e o carácter eminentemente político da escolha do ex-director-geral de Política de Defesa Nacional terão estado na origem da decisão dos tenentes-generais Hélder Rocha Martins (actual vice-chefe do Estado-maior da Força Aérea), António Martins de Matos (comandante da Logística e Administração da Força Aérea), David Oliveira (adjunto operacional do chefe do Estado-maior general das Forças Armadas) e João Oliveira (comandante operacional da Força Aérea)" (...). (Negritos, da responsabilidade do editor, L.G.)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3604: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (15): Eu, o Duarte, o Coelho, o Nico... mais o Jubilé do Honório (Jorge Félix)

S/l > 29 de Novembro de 2008 > O Jorge Félix, o primeiro da primeira fila, à esquerda, mais um grupo de camaradas, todos antigos pilotos da FAP que passaram pela Guiné de 1968 a 1970.


Foto: © Jorge Félix (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem, com data de 30 de Novembro, enviada pelo Jorge Félix, ex-Alf Mil Pilav Heli Alouette III (BA 12, Bissalanca, 1968/70), membro da nossa Tabanca Grande e da Tabanca de Matosinhos, residente em Vila Nova de Gaia


Caro Luís:

Segue uma foto, arrancada no último 29 de Novembro de 2008, com um grupo de pilotos que voaram pelos ares da Guiné nos anos de 68/69/70. Alguns dos nossos tertulianos devem conhecê-los, com um pouco de esforço e 40 anos em cima. Eu, o Duarte e o Coelho voavam helis. Os restantes voavam T6 e o Nico também voava Fiats, ou para os mais puristas, era piloto de Fiats e também voava T6.

Esteve lá mais malta que te enviarei se achares apropriado. Não voaram nas bolanhas, um pecado ...

Falou-se de guerras imperdíveis (*)...

Pedias-me há dias uma explicação sobre o nome de guerra do Honório (**). Segue-se o esclarecimento: quando eu e o Pinto fomos render o Arada e Ruana, quem tinha o nome de Guerra de Jagudi era o Arada. Era o mês de Setembro de 68.

O Honório até esta data utilizava o Jubilé como nome de guerra. Eu desconhecia isso, pois não estava lá. Os anos já lá vão, mas na ideia ficou-me que o Honório se auto-intitulava de o verdadeiro Jagudi. Devo ter-lhe escutado falar para a torre como sendo o Jagudi. Neste encontro com malta da Guiné fui esclarecido por gente que tem melhor cabeça que a minha que o indicativo do Honório era Jubilé.

Se na altura soubesse disto era eu que me intitularia como sendo o Jagudi. Fica para a proxima.

Este mail vai também para a nossa Tabanquinha de Matosinhos.

_____

Notas de L.G.:

(*) Vdf. úkltimo poste da série > 1 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3546: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (14): Em Junho de 69 havia bajudas a alternar no Tosco, na Conde Redondo (Jorge Félix)

(**) Vd. postes de:

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)

6 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3412: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (11): Ainda o Honório, o Jagudi... ou o puro gozo de voar (Jorge Félix)

quarta-feira, 12 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)



Vídeo: Jorge Félix / You Tube (2008). (com a autorização do autor...). Agradecimento ao Bana, ao Luís Morais e ao extinto grupo musical, fabuloso, mítico, Voz de Cabo Verde... De um lado e doutro da barricada, se calhar ouvíamos a mesma música... Pelo menos, os tugas e os caboverdianos do PAIGC...



1. Mensagem do Jorge Félix (1):



Caro Luís Graça,

Não faltarão novidades para contar da terra das Bolanhas .Entretanto, durante a vossa estadia na Guiné-Bissau, coloquei um video, Nha Bolanha, que gostaria visses e comentasses.

Estou a acabar de ler o Diário da Guiné, do Beja Santos. Muito interessante. Logo no inicio fala do Brandão, aquele de quem eu falei na nossa conversa telefónica. Tenho uma versão um pouco diferente, e gostava de trocar umas palavras com ele. Será que me podes dar o email ou converso com ele na tertúlia ?

Jorge Félix

2. Em resposta a um pedido de esclarecimento meu (vd. ponto 3):

Luís Graça:

As imagens foram captadas de uma emissão da RTP. Ninguém me pediu autorização para lá aparecer .

Recordo-me que foi o Coronel Piloto Aviador Nico, na altura tenente, que filmou em super 8 mm.

A música é do extinto grupo, Voz de Cabo Verde, canta o Bana. Também ainda é vivo o Luís Morais, excelente músico.

Penso que a música, tendo mais de 30 anos, já é de "utilidade pública", não sei se há problemas de direitos de autor. É uma honra o Nha bolanha ir para o nosso blogue, nem que seja por link, vê-se de igual maneira.

Já enviei um e-mail ao Beja Santos sobre o livro Memórias da Guiné 68/69. Vou esperar resposta, pois também gostaria que postassem as minhas críticas que fiz ao livro. Junto um imagem de satélite que enviei ao Beja Santos, mostra o teatro de operações que o livro recorda.

Como aprendi por esta andanças, um abraço do tamanho do Geba.
Jorge Félix

Imagem de satélite da região de Bambadinca, incluindo a bacia hidográfica do Rio Geba e do Rio Corubal. Na imagem, pode reconhecer-se alguns pontos de referência que nos eram familiares, no tempo da guerra colonial, como Ganturé (na margem esquerda do Rio Corubal), Enxalé, Mato Cão, Missirá e Bocol (a norte do Rio Geba), Ponta Varela, Xime e Bambadinca (a sul do Rio Geba). Também é visível, a amarelo, o traçado da estrada (alcatroada) que vem Bissau, passa a norte do Mato Cão, atravessa o Rio Geba (Estreito) perto de Bambadinca, seguindo a esquerda Bafatá e em frente para o sul (Xitole, Saltinho, Quebo...).

Foto: Jorge Félix (2008).

3.Resposta de L.G.:

Jorge: Já vi o teu microfilme, Nha Bolanha, no You Tube. Parabéns pela ideia e sua execução.

Diz-me duas coisas: (i) as imagens são tuas, originais ? (ii) quem é o cantor, o autor da letra e música ?

Posso pôr o teu filme na nosso blogue, desde que não haja problemas de direitos de autor… Em último caso, ponho um link… Mas gostava de fazer referência ao autor da música…

Obrigado pelas imagens da tua caderneta de voo. Vou publicar.


4. Comentário final do editor do blogue:

Tens razão, é uma obrigação partilharmos, uns com os outros, e com os nossos filhos e netos, com os nossos antigos inimigos, os seus filhos e netos, estas imagens e estes sons que ninguém nos pode roubar...

A voz do Bana, o sax de Luís Morais, a silhueta de um heli nos céus da bolanha, o terrível matraquear do helicanhão, tu e os teus camaradas pilotos, as enfermeiras pára-quedistas, as bolanhas, os palmeirais, a serpente do Rio Geba, o pôr do sol na Guiné, a nota de tensão dramática na paisagem, tudo isso faz parte intrínseca da(s) nossa(s) vida(s). Tal como o sangue que corre nas nossas veias. A Guiné e a guerra da Guiné marcou-nos a todos indelevelmente. Ninguém nos condenou ao silêncio...

Meu caro Jorge: O nosso blogue não tem, de resto, quais propósitos comerciais... Fazemos apenas blogoterapia... E tu, que és um homem da imagem (andaste pela televisão, pelo cinema...), faz-nos o favor de mandar mais (2)... Estás autorizado a usar as nossas próprias imagens. Se bem te recordas, passaste a fazer parte da nossa Tabanca Grande...
____________

Notas de L.G.:

(1) 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III)

(2) Vd. postes desta série:

16 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1958: Vídeos da guerra (1): PAIGC: Viva Portugal, abaixo o colonialismo (Luís Graça / Virgínio Briote)

8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)

8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2250: Vídeos da guerra (3): Bastidores da Op Ostra Amarga ou Op Paris Match (Bula, 18Out1969) (Virgínio Briote / Luís Graça)

11 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2256: Vídeos da guerra (4): Ainda nos bastidores da Operação Paris Match (Torcato Mendonça / Luís Graça / Diana Andringa)

13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2261: Vídeos da guerra (5): Nos bastidores da Op Paris Match: as (in)confidências de Marcelo Caetano (Manuel Domingues)

15 de Dezembro de 2007> Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça)

20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2463: Vídeos da Guerra (7): Madina do Boé - A Retirada (José Martins)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1967 > CART 1613 (1967/68) > Um DO 27 na pista, de terra batida, do aquartelamento. Foto do saudoso Cap Ref José Neto (1927-2006) (1).

Guiné > Região de Tombali > 1967 > CART 1613 (1967/68) > Foto aérea do aquartelamento e tabanca, vendo-se ao lado direito o heliporto. Foto do saudoso Cap Ref José Neto (1927-2006).

Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). (Reeditadas por Albano Costa). Direitos reservados.



Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1970 > "Junto foto do meu arquivo referente a uma das alturas em que estive em Guileje, datada de Maio de 1970 [ao tempo da CART 2410]. Em primeiro plano, a rede de protecção em arame farpado. Atrás, abrigos e porta de armas. Vêm-se ainda os telhados, da esquerda para a direita, da caserna, do refeitório e do posto de transmissões".

Foto e legenda: © João Tunes (2006). Direitos reservados


1. Na expectativa do Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau (Bissau, 1-7 de Março de 2008), que será também o da celebração da amizade entre os nossos dois povos e entre os antigos combatentes de um lado e do outro, damos início à publicação de histórias/estórias tendo como sujeito/objecto o aquartelamento e a tabanca de Guileje, as NT que os defenderam e, eventualmente, os guerrilheiros do PAIGC que nos combateram até ao abandono daquela posição militar no sul da Guiné, em 22 de Maio de 1973.
Vamos recuperar alguns textos já publicados na 1ª série do nosso blogue (Abril de 2005/Maio de 2006) que já estão esquecidos ou na altyra foram lidos por menos gente do que a que temos hoje a visitar as nossas páginas. Vamos também incentivar a produção de novos textos, desafiando a criatividade e a memória dos nossos camaradas que andaram por aquelas paragens.

E, para começar, nada melhor do que uma estória do nosso amigo e camarada João Tunes, que conheceu Guileje quando foi tranferido para Catió, vindo do chão manjaco... Como Alferes Miliciano de Transmissões, da CCS do Batalhão sedeado em Catió, ele tinha que ir mensalemente, em serviço, a Guileje, como ele nos explicou em poste anterior, publicado em 6 de Outubro de 2005:

"Vivi uma pequena parte (mas marcante e bem) da odisseia de Guileje. Como o quartel estava sob a jurisdição do batalhão sedeado em Catió (assim como Gadamael e Cacine), eu tinha de lá ir uma vez por mês (ficando lá,uma semana) para ver como estavam as transmissões e mudar as cifras das mensagens e esperar por transporte de regresso a Catió. Porque, é claro que só lá chegava e de lá vinha por via aérea. E enquanto lá estava era 'sempre a assoar'. E julgo que em nenhum outro lugar da Guiné se sofreu tanto a intensidade e a impotência da guerra" (...) (2).

Obrigado, João. E desculpa o abuso desta re-republicação... A tua estória merece maior visibilidade. É também uma homenagem à tua pessoa, à tua frontalidade, à tua camaradagem. E, já agora: sabes o que é, hoje, feito deles ? Do Aparício e do Gouveia ? A história do concurso de pesca em Guileje é fabulosa: contava-se à boca cheia no meu/nosso tempo, em Missau, mas é bom lê-la nos teus escritos, contada pelas tuas palavras... Essa e outras cenas dos "sitiados de Guileje" merecem figurar no futuro Núcleo Museológico de Guiledje, com uma leitura sócio-antropológica do Suplício de Sísifo que foi, para muitos de nós, a guerra colonial na Guiné... (LG).

2. Estórias de Gulieje > Um voo com muita valentia
por João Tunes (2)
Subtítulos e notas da responsabilidade do editor L.G.



(i) O Tenente Aparício, o único piloto-aviador de DO que aterrava em Guileje


O Tenente Aviador Aparício, lenço azul ao pescoço e ar de quem está meio cá meio lá, entre a terra e o céu, aterra a Dornier (3) na pista de terra batida de Catió. Quando encontra o primeiro militar que o foi receber, diz-lhe, rindo-se:
- Então, aqui come-se e bebe-se? - Claro que havia. Havia sempre para o Tenente Aparício.

O aviador é levado, de jipe, ao bar de oficiais e são-lhe servidas as melhores iguarias disponíveis, acompanhadas de cervejas bem geladas. Sabia-se do voo que já era, aliás, aguardado ansiosamente há vários dias. Os aviadores eram sempre recebidos como VIPs na messe de oficiais do batalhão de Catió, lugar que, na maior parte do ano, só tinha ligações com o exterior pelo ar. O aterrar de um avião ou de um heli era sempre motivo especial e que comportava a emoção de confirmar que Catió existia no mapa.

Entre todos os aviadores em serviço na Guiné, o marado do Tenente Aparício era o mais festejado e o mais bem-vindo. Não por ser marado mas por ser o mais marado de todos, tanto que era o único que se dispunha a aterrar de Dornier em Guileje. E Guileje era a posição mais martirizada e mais isolada da área de intervenção do batalhão e em toda a Guiné. Por causa disso, a tropa encaixava bem as risadas sem motivo e uma ou outra frase desconexa que ia largando, pelo valor único que ele representava para o batalhão e para o pessoal de Guileje.

Após meia hora a descansar, a comer e a beber, o Tenente Aparício ajeitou o lenço azul e levantou-se:
- Vamos a isto -, disse com os olhos a brilharem. Se era o único que aterrava em Guileje, aquele era o sítio onde ele mais gostava de ir. Cada viagem era uma aventura. E o Aparício adorava aventuras.

Carregado o correio, medicamentos, algumas peças e acessórios, tudo em quantidade limitada por causa do pouco peso que a aeronave podia transportar, o Tenente Aparício despediu-se. E mandou-me subir. Naquele dia eu ia ser seu companheiro de viagem até Guileje.
- Vamos a isto -, repetiu, repetindo também uma nova risada.

Ia para passar uma semana em Guileje, como fazia quase todos os meses, para tratar de problemas com as transmissões e trocar os códigos das cifras da criptografia. E, daquela vez, seria companheiro de viagem do Tenente Aparício. E uma ida a Guileje era sempre uma emoção, pelo risco e por rever os camaradas martirizados e isolados bem junto da fronteira com a Guiné-Conacri. Para mais, com o aviador mais marado da Guiné.

(ii) Voando sobre um ninho de cucos...


O aviador conduziu a aeronave com os jeitos e o ar de condutor habituado a uma estrada de todos os dias. E ia sempre a rir. De repente, a janela da Dornier do meu lado salta e desaparece. O ar entra em turbilhão e faz esvoaçar toda a papelada solta. O aviador riu-se ainda mais. Como tendo achado que aquele incidente só ia tornar mais insólita e mais típica aquela viagem e ainda dava para gozar com a cara azulada da preocupação do seu companheiro inquieto e que duvidava que, sem janela, aquela geringonça se pudesse aguentar no ar. O aviador comentou, contendo o riso:
- Eu bem disse na Base que essa merda estava mal apertada, mas não faz mal, o avião não cai, ficamos é com as ideias mais frescas.

A viagem decorreu, num regalo de vista sobre as matas luxuriantes de verde intenso como era típico do sul da Guiné, permanentemente atravessadas por enormes e serpenteantes cursos de água. Sempre a sobrevoar uma zona controlada pelo PAIGC. É que, no sul, tirando os quartéis isolados e sitiados de Catió, Guileje, Gadamael e Cacine, todos sob o comando militar de Catió, a zona era inteiramente controlada por guerrilheiros. Estes, só eram contrariados no seu domínio pelo exército português através de bombardeamentos aéreos, fogo de artilharia e surtidas temporárias das forças especiais. E isto durou até o PAIGC receber os mísseis dos soviéticos, porque, a partir daí, todos os aviadores se recusaram a voar no sul. Mas isso foi mais tarde, já o Aparício de lá tinha saído. Voar, naquela zona, era um desafio permanente às clássicas antiaéreas e havia que confiar na divina providência ou coisa do género. Naquela viagem, o risco era o costume, a beleza da paisagem idem, só a ventania dentro da cabine estava fora da rotina.

(iii) Aterrando numa espécie de campo de futebol de terra batida

As palmeiras da periferia do quartel de Guileje perfilaram-se na frente da Dornier. À frente delas, distinguia-se o que parecia ser um quartel em estado degradado e meio despedaçado com uma bandeira portuguesa comida pelo sol e rota nos cantos, içada no meio dos casinhotos. O avião fez uma rápida volta de reconhecimento, rasou as copas das palmeiras, baixou repentinamente de altitude na clareira entre o palmeiral e o quartel, apontou o nariz direito a uma espécie de campo de futebol em terra batida, aterrou num movimento brusco e parou a poucos metros de uma carcaça de outra antiga Dornier que, antes, não tinha conseguido parar a tempo e se espatifara contra o muro do quartel. Era este risco permanente de as aeronaves imitarem a sua irmã espatifada que levava a que todos os camaradas do Aparício se recusassem a aterrar em Guileje. Mas ele preferia aquela viagem sobre todas as coisas na vida. Há homens para tudo, é o que vale aos abandonados pela sorte.

Indolentemente, alguns soldados montaram segurança à Dornier. Sem dirigirem palavra aos recém-chegados. Rostos fechados, olhares distantes e desinteresse ostensivo. O Tenente Aparício não queria sair do avião pois tinha de regressar a Bissau enquanto era dia. Só deu tempo para descer e tirar a carga destinada a Guileje. A guarda estava montada, G3 carregadas ao ombro, nada mais. Nenhum oficial ou graduado apareceu e os soldados da guarda não falavam. Disse alto e com bom som:
- Então não descarregam as vossas coisas? Porra, pelo menos, tirem o vosso correio.

Nada de reacção. Tivemos de ser, eu e o Aparício, que resolvemos o impasse mandando com os embrulhos e o saco do correio para o chão da pista, para que a Dornier pudesse regressar vazia.

(iv) O famoso concurso de pesca de Guileje

Os militares em Guileje queriam lá saber das peças e dos acessórios. Inclusive, não mostravam qualquer interesse em ler as cartas dos familiares. Queriam lá saber da família. Ali, naquele sítio, nada interessava. Se calhar, já nem estavam interessados em sair dali. Talvez porque achassem que já não eram pessoas mas ratos metidos dentro de uma ratoeira, destinados a apanhar porrada, só apanhar porrada.

O Tenente Aviador Aparício regressou a Bissau sem a janela do lado direito. Que se lixasse o raio da janela.
- Talvez tenha acertado na cabeça do Nino -, disse com voz sumida.

E levantou voo rumo a Bissau. Sem se rir. Talvez porque achasse que tinha visto, não uma companhia de militares portugueses, mas sim um bando de humanóides sem vontade de viver.

Enclausurados dentro do quartel, morteirada todos os dias em cima, com baixas quando iam buscar água a um quilómetro, comendo com uma perna fora da mesa para se atirarem para uma vala quando a primeira granada caísse, os militares de Guileje sentiam-se mais perto de outra vida que da vida vivida.

Os que não estavam malucos por lá andavam perto. Saudável, mesmo saudável, não havia quem servisse de amostra. O único divertimento era juntarem-se à volta de um bidão cheio de água do pântano que trazia meia dúzia de peixes minúsculos, dobrarem alfinetes, amarrá-los a uma linha, meterem uma côdea de pão em cada alfinete e tentarem pescar os ínfimos peixes. Cada um que apanhava um peixito, contava alto o seu score de pescador e voltava a deitar o peixe para dentro do bidão antes que morresse e o jogo tivesse de acabar por falta de motivo. E ali estavam horas naquilo, só se ouvindo, uma vez por outra, uma voz dizer oito, ou cinco, ou dez. No fim, nem o campeão se interessava por dizer que tinha sido ele a ganhar o concurso de pescaria. Em Guileje, ninguém se atrevia a dizer que ganhava o quer que fosse. Ali, a sensação era que só se perdia.


(v) Um alferes médico, maluco, que deu baixa psiquiátrica a uma companhia inteira


Perguntei pelo Alferes Médico Gouveia, pândego como poucos e meu companheiro inseparável na viagem de vinda no Niassa.
- Já cá não mora-, foi a resposta seca que obtive.

Só muito mais tarde me explicaram a sorte do meu amigo médico. O Alferes Médico Gouveia, quando foi destacado para Guileje, declarou toda a companhia em baixa psiquiátrica e requereu a sua substituição imediata.
- Está tudo maluco -, afirmou com a sua autoridade de médico.

Ninguém lhe passou cartão. Ao fim de estar três meses em Guileje, o Alferes Médico teve autorização para ir passar férias a Portugal. Quando chegou a Bissau, exigiu que uma auto-metralhadora fosse disponibilizada para o levar à pista para embarcar no avião da TAP. Oficiais amigos conseguiram arranjar maneira de lhe fazer a vontade. E foi dentro de um blindado ligeiro que o Alferes Médico Gouveia se aproximou da escada de acesso ao avião pousado na pista civil de Bissau. Saiu do blindado, subiu a escada do avião, no cimo voltou-se, fez uma continência para a linha do horizonte e embarcou. Não regressou. Durante as férias, foi visto por uma junta médica e considerado inapto para o serviço militar. E safou-se de mais Guileje e de mais Guiné. Estava mais maluco que os malucos que ele não conseguira evacuar.

Muitas vezes mais haveria de fazer companhia ao Tenente Aviador Aparício, nos seus voos aventureiros pelos céus da Guiné. Mas a sensação de voar sem janela, essa nunca se repetiu. Repetia-se, isso sim, o resto: o aviador ria-se, sem jeito nem propósito, até chegar a Guileje, voltava sempre calado e de rosto fechado. Mas, continuava a ser o único que aterrava uma Dornier na pista de Guileje. Enquanto esteve na Guiné, ninguém quis disputar o título de aviador mais marado que pertencia, com todo o direito, ao Tenente Aviador Aparício.

João Tunes

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba

(2) Originalmente publicado num dos blogues do autor, o Bota Acima, 7 de Abril de 2004. Depois retomado, por nós, na 1ª série do nosso blogue:
6 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXXII: Os sitiados de Guileje (João Tunes).

(3) Dornier DO-27. Segundo a página do João Gil, dedicada a "algumas aeronaves militares usadas na Guerra Colonial em Moçambique" (T-6, Do-27, Fiat g-91, Noratlas, etc.), a Dornier DO-27 "foi o primeiro avião feito na Alemanha (Oeste) depois da Grande Guerra, seguindo o mesmo conceito do Fieseller Storch. Foram manufacturados 628, e tanto teve uso civil como militar". Citando como fonte a FAP, o autor diz que "os aviões Do 27, de que a Força Aérea teve 133 exemplares nas versões A3 e A4, começaram a ser recebidos em 1961", tendo sido "adquiridos para operação no Ultramar, em missões de transporte ligeiro, evacuação sanitária e reconhecimento armado, para o que eram equipados com lança foguetes".

Ainda segundo a mesma fonte, eis algumas das especificações do Dornier DO-27:

Motor: 270 hp;Envergadura: 12,00 m; Comprimento; 9,54 m; Altura: 3,28 m; Superfície Alar: 19,40 m2; Peso vazio: 983 Kg; Peso equipado: 1570 Kg; Velocidade máxima: 250 km/h; Raio de acção; 870 km; Razão de subida: 198 m/min; Tecto de serviço: 5500 m; Tripulação: 1 + 5. Ver ainda página, em inglês, dedicada ao DO27.