segunda-feira, 12 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P868: Diabruras dos comandos (João Parreira)

Texto do João S. Parreira (ex-Furriel Miliciano Comando, Brá, 1965/66) (1).


Caro Luís Graça,

Para aliviar um pouco o tema que tenho estado a abordar (2) , aproveito para desanuviar e se nesta altura for apropriado conto a primeira das minhas brincadeiras de mau gosto, diabruras ou disparates, tanto faz.

Esta foi no interior de um pavilhão mas também há as exteriores.

Como já tinha contrariado, sempre no bom sentido, algumas das directrizes do meu Comandante de Companhia em Bissorã (3), que felizmente acabaram em bem e sem inimizades, pensei em Brá comportar-me cândidamente.




Guiné > Região do Oio > Bissorã > CART 730 > 1965 > Guião da CASRT 730, a companhia a que o Parreira pertenceu antes de alistar-se, como voluntário, nos comandos. A divisa não é legível: percebe-se apenas a palavra audazes...

Foto: © João Parreira (2006)

Porém como logo na primeira noite de estadia me fizeram uma malandrice, depressa puz para trás esse pensamento, e dentro do mesmo espírito fiz também algumas patifarias, em que algumas delas poderiam muito bem ter dado para o torto.

Já a manhã daquele dia 10 de Fevereiro de 1965 não me tinha corrido muito bem pois estava eu a dormir profundamente quando às 08H00 me acordaram precipitadamente dizendo que estava uma avioneta na pista à minha espera para me levar para Bissau.

Não contava que assim fosse pois estava programado que só iria no dia 11. Assim saltei da cama meio estremunhado, peguei à pressa nas minhas coisas e saí a correr em direcção à pista.

Tendo chegado ao Quartel dos Adidos em Brá fui apresentar-me ao Cmdt dos Comandos que me disse que depois me chamava para falar comigo e na altura indicou-me o quarto onde eu iria ficar instalado e onde deveria ir levantar os lencóis, almofada, etc.

Na posse do que era necessário fui para o quarto que me tinha sido indicado e dirigi-me para a única cama que se encontrava vazia e comecei a fazê-la estranhando que as mesmas não estivessem adaptadas para levarem mosquiteiros. Seria que em Bissau não existiam anopheles? O certo é que muito deficientemente consegui que o referido protector das picadas daqueles irritantes insectos me cobrisse




Guiné > Bissau > Brá > Centro der instrução e sede dos comandos > 1965 > A cama do Parreira, sem rede mosquiteira...

Foto: © João Parreira (2006)


Agora que estou a falar nisso lembro-me que quando estava em Salisbúria, Rodésia, para onde fui quatro meses depois de regressar da Guiné e apareciam aqueles mosquitos com o seu barulho caracteristico costumava dizer a brincar - cuidado que aí veem os aviões da Zâmbia, o que dada as rivalidades existentes entre aqueles dois países africanos fazia rir os meus acompanhantes.

No dia seguinte mandou-me chamar e depois de me ter dito qual seria a minha situação indicou-me o local onde deveria ir levantar o material de guerra.

Chegou a noite e quando entrei no quarto para me deitar já lá estavam os outros três
camaradas que entretanto tinham regressado de operações. Para além de me apresentar não deu para falarmos mais. Eram eles o Morais (4), o Matos e o Moita.

Durante a noite acordei com imenso calor e com cheiro a queimado, tendo pulado da cama sem saber o que se estava a passar. Não tinham sido causas naturais mas sim um daqueles grandes safados, que como teste ou boas vindas presumo eu, apanharam-me a dormir e pegaram fogo ao mosquiteiro.

Depois disto nunca mais usei nenhum, pois fiquei com a impressão que me ia suceder o mesmo. Coincidência ou não o certo é que passado uns dias não me livrei de ficar de cama com paludismo, em que, dada a elevada temperatura fui contemplado com a visita do médico. Deste modo não tive a mesma sorte que o camarada Magalhães Ribeiro (5).

A minha primeira reacção ao que me tinha acabado de acontecer foi ficar furibundo pois se não acordasse a tempo ficaria com alguma mazela, pelo que tentei saber qual deles tinha sido o engraçadinho, quanto mais não fosse para saber o gozo que aquilo lhe tinha dado, mas fecharam-se todos em copas e eu não insisti.

Também podia ser um acto isolado e nenhum deles saber quem foi, senão o próprio.

No dia seguinte ao fim da tarde, já com ideia do que lhes ia fazer como retribuição, mas sem qualquer ressentimento, escolhi, das granadas que entretanto já tinha colocado debaixo da cama uma de fumos que deixei ficar à mão e guardei no bolso um cordel fino que se podia partir com um puxão, e de seguida fui para Bissau de onde regressei muito tarde na esperança de que quando chegasse já estivessem a dormir.

Assim aconteceu de facto, pelo que sem acender a luz e silenciosamente prendi aos ferros da cama um pé do Moita que estava de fora mesmo a geito, e depois de me certificar agarrei na referida granada e dirigi-me para a porta que abri.



Uma granada de fumos... Foto: © João Parreira (2006)


Já na soleira tirei a cavilha e larguei-a no chão, e de imediato tranquei a porta e fui para o fundo do corredor.

Não sei o que é que se passou lá dentro, mas é de prever que tenham acordado meio sufocados pois ouvi-os a tossirem e depois devem ter corrido para a porta no meio de uma grande fumarada sem saberem o que se passava, mas como eu a tinha fechado não tiveram outra alternativa senão saltar em cuecas para a rua através da janela que tiveram que abrir, e esperar que o fumo se dissipasse.

Passado algum tempo destranquei a porta, e depois de tudo voltar à normalidade fomo-nos deitar, e como se tudo fosse natural nenhuns de nós falou do que se tinha acabado de passar.

Um abraço.
João Parreira

____________

Nota de L.G.

(1) Vd. posts de:

3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros

6 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLI: O 'puto' Parreira, do grupo de comandos Apaches (1965/66)


(...) "Temos connosco o Parreira.Foi furriel-miliciano comando na Guiné e ambos pertencemos ao grupo de comandos Apaches que saiu do 2º curso de comandos realizado na Guiné.

"Entre nós era conhecido por puto Parreira pela sua aparência um pouco imberbe que, aliás, ainda hoje conserva.

"O seu testemunho está correcto e a sua vinda a este blogue será certamente uma excelente contribuição.

"Parreira: ficamos à espera da narração da operação em que perdeu a vida o furriel Morais, morto com um pequeno estilhaço de RPG que lhe atravessou a coluna vertebral. Um abraço. Mário Dias".

(2) Vd. posts de:

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira)

23 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

22 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXVII: O Justo foi fuzilado (Leopoldo Amado / João Parreira)

(3) Vd. post de 20 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLIII: Com a CART 730 em Bissorã e Olossato (1965) (João Parreira)

(4) O Fur Mil Cmd Morais virá a morrer em combate, três meses depois, no decurso da Op Ciao, em 7 de Maio de 1965. O João Parreira, também conhecido pela sua alcunha, o Uva, já aqui descreveu a morte do Morais, através do Virginio Briote, que cita o seu diário: vd. post de Guiné 63/74 - CCCLXV: Brá, SPM 0418 (3): memórias de um comando (Virgínio Briote)

"8.CAPITÃO MANILHA

"(...) Já quase no final da comissão, em Cameconde, lá para o sul. No diário do furriel Uva [João S. Parreira], um deles, podia ler-se.

“6 Maio 65. Saímos às 15h00 para a operação 'Ciao'.

"Num Dakota até Cacine e depois em viaturas até Cameconde, onde já se encontrava um pelotão à nossa espera. O Capitão Varela foi connosco.

"Saímos às 19h00 em direcção ao objectivo. Segundo as informações que nos foram fornecidas, a base IN era composta por cerca de 80 homens bem armados, comandados por Pansau Na Ina, chefe militar, adjunto do João Bernardo Vieira, de etnia Papel, mais conhecido pelo 'Comandante Nino'.

"Já na madrugada do dia 7, a poucos kms do objectivo demos indicações ao pelotão para permanecer ali e esperar pelo nosso regresso, com a missão de proteger a nossa retirada ou dar-nos apoio, caso fosse necessário.

"Assim, seguimos silenciosamente até perto do acampamento, situado na mata a sw de Catunco. Apesar de termos feito uma aproximação cuidadosa, fomos detectados por uma sentinela. Tentámos assaltar o acampamento. Mas eles estavam bem preparados, reagiram ao nosso fogo e o tiroteio prolongou-se. Quando o fogo deles abrandou, entrámos por ali dentro e vimos material abandonado durante a fuga.

"8 armas, cunhetes de munições, granadas, petardos, equipamentos, minas, fardas, e muitos documentos, entre os quais um caderno que pertencia a um tal Armindo Pedro Rodrigues, com elementos importantes da Ordem de Batalha do PAIGC.

"Carregados com o nosso material e com o que tínhamos capturado, regressámos para junto do pelotão. Juntámo-lo e começamos a vê-lo em pormenor. Faltava o aparelho de pontaria de um morteiro de 88 (?), até então ainda não apreendido na Guiné!

"O Morais afiançava tê-lo visto lá. O tenente Manilha chamou o Amadu e o Morais e disse-lhes para voltarem ao acampamento. Embora estivéssemos conscientes do perigo, arriscámos, partindo do princípio que o IN se tinha retirado após as baixas sofridas. O Morais perguntou quem é que queria ir com ele e com o Amadu. Ofereci-me bem assim como o capitão Varela, o furriel Matos e mais 7 camarada, 10 no total.

"De novo no interior do acampamento a arder. Vi uma árvore gigante, com umas cavidades enormes. Espreitei para dentro de uma, o Morais para a outra, à procura de material, e o restante pessoal, por ali perto, fazia o mesmo.

Subitamente, rajadas de metralhadora e granadas de bazuca caíram-nos em cima. Uma destas rebentou entre nós. Um pequeno estilhaço partiu a coluna do Morais, que caiu sobre uma fogueira. Eu fui atingido no lado direito das costas, mas na altura nem localizei o ferimento.

"Vi o Morais a morrer quando o olhei de relance. Um vago murmúrio, depois mais nada, um ar sereno no rosto, pareceu-me.
" (...)

(5) Vd post de 7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLVI: Cancioneiro de Mansoa (3): um mosquiteiro barato para um pira...

Guiné 63/74 - P867: Que madrasta Pátria é esta ! (ou o meu comentário à carta do Padre Mário de Oliveira (Idálio Reis)

Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 > Destacamento de Banjara > 1967 > Jogando à bola... Um ano antes, em 1966, o pantera negra, o moçambicano Eusébio, tinha levado o Portugal "pluricontinental" e "plurracial" de Salazar, a conquistar o 3º lugar no Campeonato de Futebol do Mundo, realizado em Inglaterra... Em 1967, em Banjara, na Guiné, longe do Vietname, tugas e nharros disputavam, descalços, interminávis partidas de futebol, sob a presença tutelar da bandeira verde-rubra da Pátria, que continua a ser madrasta, para milhares de ex-combatentes do Utramar (diz o Idálio Reis) (LG).

Foto: © A. Marques Lopes (2005)
Texto do Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1)


Uma carta do Mário de Oliveira. Ontem, do apego à vida, aos traumatizados de guerra de hoje

Caro Luís

Num destes dias, formulaste um convite ao Mário de Oliveira para entrar no blogue (2). Desde logo, ele teve o feliz gesto de nos presentear com um excerto de um dos seus livros, quiçá o mais conforme aos nossos propósitos.

O Mário detém um condão singular, que sempre sabe utilizar com uma rara e fluente intuição, tal o modo como prima a sua descrição narrativa, no enlevo das suas palavras.

Mas, para além da sua dotada craveira que o alcandora a uma justificada posição no campo das letras, de um saber académico que toma vulto, o Mário é uma personalidade de fortes ideais e convicções, de uma frontalidade irreverente a concitar um grande respeito, de uma integridade e singeleza de carácter que o cauciona como exemplo, de uma singular dedicação afectiva com o próximo.

Repleto homem de referências, que lhe confere um estatuto de cidadania ímpar, certamente a merecer um comportamento bem diferente daquela que os Poderes instituídos, a que se agrega uma Igreja enquistada e abstrusa, o vem votando a um infame ostracismo.

Li atentamente a sua magnífica aula. Na clarividência do modo em que a expressa e manifesta, intui em si um propósito, o de sugerir uma certa reflexão.

Neste apanágio que nos é concedido, compraz-me na gratitude deste momento que me é conferido, tecer alguns considerandos, cujos pontos de incidência revestem uma atitude conciliatória, expressos através de ideias que desejo formular numa aberta e clara relação de conformidade.

1. «O Mário coloca uma série de interpelações quanto a um eventual beneplácito dos nossos pais e de nós-próprios, ao terem aceite partir para a guerra de África sem o assumir de qualquer resistência... »

As razões que determinaram a isso, foram tantas, que nós todos as colhemos amargamente, dada a grave situação política e social que grassava no País tirano de então.

Qualquer jovem desse tempo sabia que iria ser apurado para todo o serviço militar, e as hipóteses de a curto prazo não demandar África, eram muito remotas. A prestação desse serviço era pois obrigatório, e desde logo, a cumprir com rígidas regras de procedimento.

(i). Começava pelo dia das sortes, que era um etapa entusiasmante na vida de um moço de 20 anos, pois iria marcar a emancipação perante os pais e mesmo no próprio meio de inserção. A obtenção dessa alforria, até tinha direito a que se promovesse uma festa de arromba, como forma para usufruir de eventuais benesses conseguidas por esta ascensão.

Doutrinados para aceder de bom grado, como préstimo de um dos mais honrosos tributos à grei, esse mesmo dia também era de felicidade para os nossos progenitores, em especial para o pai que se ufanava de ter um filho feito homem, à medida da Pátria que iria servir.

(ii). A grande generalidade de nós provinha do oculto mundo rural, pobre e enegrecido. De parcas posses, saía-se da escola quedado pela 3ª ou 4ª classes, e aí se estagnava a um averso iletrismo, para se iniciar na calejada azáfama do trabalho, em geral na ajuda da casa ou então impelido para aprender um ofício a augurar um melhor futuro.

De horizontes cerrados, isolados, submissos aos ditames do poder paterno, despreocupados por mor de ignorância do que se passava extramuros, vivia-se mais interessado com as façanhas do clube do futebol da sua simpatia, e à medida que os corpos desabrochavam, ia-se esmerando para as manifestações dos fins-de-semana que mais os entusiasmavam: os bailaricos.

Inclusos neste meio, havia outros, muito poucos, oriundos de famílias de maiores recursos, que iam estudar para o colégio mais próximo, que os obrigava a calcorrear alguns quilómetros postados sobre uma bicicleta. E deste grupo, em que se tornava fundamental atingir o então 5º ano do Liceu a fim de se alcandorar a um outro estatuto, só um número muito restrito acaba por conseguir tirar um curso superior.

(iii) . A outra fracção é ou tornou-se urbana, ainda que bastante híbrida, mas assente numa perspectiva de horizontes com outros rasgos. Esta geração, é contudo mais heterogénea, onde é possível encontrar toda uma miscelânea social, concorde ao gabarito das famílias de origem. Um leque multifacetado, de vários graus e condições, que se estende da classe operária mais carente, à da mais alta estirpe com reconhecimento pela distinção no porte e atitudes.

É muito em especial das classes mais favorecidas, gente de bem, seja pelo seu poder financeiro, ou pelas suas ligações tentaculares com o Poder, a quem se propiciava guindar a um outro sistema incomum de valores, e conseguir os preciosos favorecimentos para os filhos.

(iv) . Desta amálgama, o Estado Novo nada descurava, sempre atento e vigilante a tudo reconhecer. E a sua actuação, a propaganda de aliciamento que urdia, tinham destinatários feitos à estrita medida de cada um de nós. A uns poucos tornava-se necessário prestar-lhes atenção, em especial a certos universitários, de forma a coarctar-lhes qualquer ousadia, sem o mínimo pejo de tomar uma atitude de maior agressividade.

A grande generalidade dos outros, estavam arrebanhados em tenro pascigo.
Neste diferenciado e estratificado caldo cultural em que só uma substantiva parte era miscível, não foi seguramente por mero sortilégio ou porque ousasse tomar uma atitude mais revel, que me coube a especialidade de atirador de infantaria, que era aquela que nenhum desejava. Hoje reconheço que não poderia ter outra, pois as minhas origens eram demasiado rasas para obter qualquer outra benesse: a mínima da menor.

(v). Mas todos nós, não tínhamos conhecimento que havia uma guerra em África? Sem qualquer dúvida que sim, onde até haviam amigos e familiares, que de vez em quando nos mandavam um aerograma a narrar algumas facetas, onde as saudades mais se sublinhavam, e em que um mais ousado deixava transparecer algum ai mais lamentoso de algumas situações mais atribuladas.

Quantas vezes, estivemos presentes a funerais de conterrâneos ou companheiros, ou a ficar lidar com outros que regressavam em situação de estropiados da guerra? E ante tais tragédias, ficávamos indiferentes? Claramente que não.

Mas mais uma vez, o Estado Novo quase que tinha o condão de nos narcotizar, pois propalava que tais sacrifícios eram feitos em nome de uma Pátria una e indivisível, e que o nosso contributo seria essencial para a vitória certa. E para os que davam a vida, a melhor forma de lhes prestar homenagem, assentava no testemunho de fidelidade a que não nos poderíamos furtar.

E se no dia de hoje, nesta aldeia se testemunhava à sofrida dor da morte, porventura amanhã, num lugar próximo, já estralejavam foguetes e soavam acordes de uma banda de música, a vitoriar o que regressava na protecção da Senhora de Fátima. Procedimentos pessoais inextricáveis, que uma avara e cavilosa acção governativa sabia ardilosamente temperar a seu gosto.

E a guerra, o que era? Para espíritos inscientes, era melhor não julgar. Ficava por aclarar, sentindo-a. E África, até não era um lugar de fixação de muitos Portugueses em busca do seu sustento?

(vi). E cegos partimos. E para a grande generalidade dos que demandaram a Guiné, só sentiram no metralhar no lodo da bolanha ou mesmo no antro de uma trincheira, então que ficavam à mercê de um fadado destino, rogando que a Fortuna o bafejasse.

Aos que tiveram a ventura de chegarem salvos, se por absurdo se vissem confrontados quanto a um eventual regresso, então julgo que a grande generalidade engendraria usar um qualquer estratagema para que experiências penadas não tivessem eco. À primeira todos caem!

2. « O Mário refere-se aos que não obedeceram, apontando os que fugiram, alguns por medo ou covardia, mas a maior parte por convicção, porque estariam mais politizados... »

(vii). Mas quantos desertaram? Muito poucos, mesmo os que viriam a conhecer que o destino próximo era a Guiné. Os rurais não tinham qualquer hipótese, pois que uma fuga era uma aventura a requerer ter como posse uma teia de fortes conhecimentos e a exigir um substancial suporte financeiro, pois não podia fracassar. Os mais urbanizados não necessitavam dessa fuga, pois estavam bem enquadrados no xadrez militar, com boas especialidades que os faziam deter nas cidades. Na Guiné, houve uns tantos, que fizeram a sua comissão em Bissau, sem ouvirem um tiro ao perto, sem lhes ocorrer qualquer perigo.

Mais do domínio dos não-graduados, tentava-se a compra de comissões de serviço, por troca entre colegas, ou então através de suborno, nos bastidores das secretarias.

(viii). Dos poucos que fugiram, se alguma vicissitude se lhes deparasse, haveria o aconchego financeiro bastante até à sua real inserção no País que lhes ofertasse guarida. E porque foi graças ao 25 de Abril, que a grande generalidade acabou por regressar, pergunte-se-lhes pela razão da sua saída do País.
Mas não me apontem que o fizeram por objecção das suas consciências, que os contrariava a participar na guerra fratricida de África. Que me desculpem todos os meus concidadãos que se furtaram à guerra colonial, mas eu só encontro uma razão. Temor.

Fizeram-no por medo, instigados por familiares ou amigos mais próximos, que estavam conscientes da sujeição às ciladas e aos riscos que num qualquer imprevisto momento poderiam incorrer. E se detinham todos os meios para deles se libertarem, por que não utilizá-los como fiança de maior segurança e salvaguarda das suas vidas?

Não me move qualquer ressentimento à tomada dessas posições, pois até julgo crer que se o meu berço fosse mais prendado, também poderia vir a tomar idêntica resolução.

(ix). Todavia, passados mais de três decénios sobre estes acontecimentos, torna-se-me particularmente difícil aceitar, porque nos é hostil, perverso, penalizador, que a grande generalidade dos trânsfugas viessem a ser aureolados de heróis, pelas putativas firmeza e arrojo que então cometeram.

Ao invés, nestes últimos anos, quedo-me taciturno e complacentemente, ao reconhecer que uma substantiva parte dos verdadeiros combatentes das frentes da guerra, subjugados a ferro e fogo impiedosamente, e que se encontram algures por este País, anónimos cidadãos, entregues a si-mesmos, atormentados por uma série de maleitas do foro psicossomático, compulsivas, destrutivas, atrozes, que a nossa sociedade está avessa por omissão, e que só encontram algum lenitivo quiçá nas suas famílias.

Ao constatar que ninguém quer dar a mão a estes desgraçados homens, cingidos a uma teia burocrática sem um vintém, nesta avalanche progressiva e inconsequente dos que sofrem o martírio dos stresses de guerra, sentimo-nos estarrecidos ante tal processo de aviltamento. Que madrasta Pátria é esta, que degreda os seus filhos a tais situações, só porque sobre eles impedem um estigma que mais parece pecado capital, de terem a desdita de doar uma pequena fracção das suas vidas à mais abjecta das submissões. Quão triste conclusão esta. Ao vociferar contra esta tamanha iniquidade, reclamo-lhes uma digna e merecida justiça.

3. « O Mário frisa que foi na Guiné que iniciou o seu êxodo para a liberdade, responsabilidade e cidadania... »

(x). Quase é dado a entender, porventura aos menos complacentes, que tal asseveração no modo em como aqui se insere, se pretexta parecer ser preconcebida. Contudo, subjaz na sua fundamentação, uma reconhecida perspectiva apaziguadora, depurada, que a Vida claramente soube envolver e que só a posse desse bem supremo consegue reconhecer.

Pois assim é.

Qualquer um de nós, em plena flor da vida, que durante quase 2 anos se viu despojado de todo o tipo de privações, impiedados pela perfídia de um minúsculo estilhaço de metralha mortífera, macerados por envolvimentos horrendos, desde o doloroso sofrimento das feridas até ao tombar inerte de tantos companheiros, e que foram e se mantêm, a causa de tantas angústias, consternações, medos, pesadelos, é jus reconhecer que suportou um extenuante, convulso, inclemente e violento embate de sobrevivência.

E é neste impetuoso turbilhão de compadecimentos continuados, que se geram arreigadas razões para pulsões conflituais, consubstanciadas pelo instinto de conservação. Torna-se um sentimento que mais se exacerba quanto maior é a antevisão do perigo, quando nos faz proclamar veementemente que somos detentores de um bem único, inalienável, mas que dada a vulnerável gravidade de risco a que está exposto, o mesmo poder-se-á esvair num súpito instante e tudo acabar inexoravelmente.

E este marcante apego à vida, toma um velado efeito multiplicador, pois que se alapa de forma bem sôfrega por todos. E foi nas ocasiões mais crispadas, e no vagaroso passar das noites desmedidas, que disformes carapaças se adoptavam para a coragem, na frieza, no comedimento, na atenção, na prudência, no desvelo, no que ela nos parecia requerer para aquele instante.

Seguramente que era na manutenção incessante dessa acesa chama, que mais sentíamos o valor infindo da riqueza desse tesouro. Talvez por isso, mesmo encafuados nessas grilhetas, debatíamo-nos por um outro tipo de luta conglobada, assente numa segredada esperança de um aferro obstinado à Vida.

E é nesta forte determinação, que nos forjámos homens mais autênticos, buscando veredas que nos levassem a atingir os propósitos que cá tínhamos deixado, em encomendas por aviar.

Que não restem dúvidas, a ter havido salvo regresso, outro tipo de homem ressurgia inteiramente diferente, cidadão pronto a arrostar contratempos para alcançar os seus reais anseios, pois mais dignos e responsáveis.

Profundamente conscientes do valor da Vida.


Idálio Reis

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69 )
(2) Vd. post de 17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXV: Foi em plena guerra colonial que nasci de novo (Padre Mário de Oliveira )
A propósito da entrada do Padre Mário de Oliveira na nossa tertúlia, o A. Marques Lopes escreveu o seguinte, com data de 17 de Maio último:
(...) "Aproveito para manifestar a minha satisfação pela entrada do Mário de Oliveira na nossa companhia. Quando trabalhei no Campo das Letras fiz o primeiro contacto com ele, creio que em 1994, e ainda bem, pois esta editora já tem publicados vários livros dele. É boa a vinda dele, pois, com a sua experiência de vida própria e a abertura que tem na visão que faz da sociedade e das outras pessoas, estou convencido que será um bom contributo para a nossa tertúlia".
Recorde-se que o Mário de Oliveira, mais conhecido por Padre Mário da Lixa, foi capelão militar em Mansoa: vd. post de 14 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCL: Capelão militar por quatro meses em Mansoa (Padre Mário da Lixa)

Guiné 63/74 - P866: De Cansissé e a Fonte dos Fulas ao Baixo Mondego ou como o mundo é pequeno (Idálio Reis)

Guiné > Nova Lamego (Gabu) > 3ª CART / BART 6523 > Junho de 1974 > Cansissé: Os soldados do destacamento de Cansissé, entre Bafatá e Nova Lamego, junto ao Rio Corubal, confraternizam com guerrilheiros do PAIGC e com a população local (fulas e mandingas)... Era o fim de mais de 11 anos de guerra...

© Américo Marques (2005)


1. Texto, com data de 5 de Junho de 2006, de Idálio Reis (ex-Alf Mil, CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1)


Caro Luís:

No pretérito sábado [3 de Junho], a minha Companhia [CCAÇ 2317]juntou-se para confraternizar.

É sempre motivo de intenso júbilo, que mais se acresce quando (re)aparecem mais 2 companheiros, que não víamos há mais de 35 anos. Pedi-lhes a sua ajuda para o nosso blogue. É pessoal da classe VIP.

Tentei-me a escrever algo sobre a carta que o Mário de Oliveira nos brindou há dias (2). Se achares que este post [,publicado a seguir,] tem algum substrato para merecer entrar no blogue, fica ao teu critério.

Reparei que o mapa de Cansissé está inserto. Então para que conste nos anais, cumpre-me referir que a primeira tropa a ir para esse belo local, onde vivia o régulo de Tumaná de Cima, foi o meu grupo de combate. Lá passámos belos dias, que nos trouxe gratas recordações.

Um dia escreverei sobre Cansissé (3) e os seus enigmas de encantar, onde, entre tão belas coisas, não posso esquecer que foi aí que bebi a melhor água, na fonte dos Fulas.

E para quando, se possível, a inserção dos mapas de Aldeia Formosa (Quebo) e de Buba?

O que se segue é um aparte. Da leitura da tua biografia, constatei que a tua esposa é (ou foi) funcionária do mesmo Organismo que o meu, o IDRHa [Instituto de Desenvolvimento Rural e Hidráulica do Ministério da Agricultura], e que agora vai tomar um outro nome e sofrer mais tropelias. Como sou da origem das origens do ex-IHERA [Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente], ainda que o meu itinerário profissional que se aproxima do fim, tenha sido dedicado essencialmente ao Aproveitamento do Baixo Mondego, não tenho o privilégio de a conhecer, até porque julgo que a sua proveniência é a da ex-DGDR [Direcção-Geral de Desenvolvimento Rural].

Mas o mundo não deixa de ser pequeno!

Cordiais saudações do Idálio Reis.

2. Comentário de L.G.:

Pois é, Idálio, por muitas voltas que a gente dê, vai sempre parar ao local de crime, o sítio onde nasceu, aprendeu a falar, bebeu a primeira água e o primeiro leite, cresceu, viveu, amou... Foi este pedaço do mundo que nos calhou em sorte. E agora temos o privilégio de viajar no tempo e no espaço ao alcance de um clique...

Confirmo as tuas suspeitas: a minha mulher, Maria Alice Ferreira Carneiro, pertence ao mesmo organismo que o teu, no Ministério da Agricultura, sendo tu da Hidráulica e ela do Desenvolvimento Rural... Por muitas voltas que a gente dê, acabamos sempre por estar em casa e reconhecer que este mundo, afinal, é bem pequeno...

Espero que, pela tua parte, te sintas bem entre nós - bem melhor do que em Gandembel e na Ponate Balana! -, nesta imensa caserna caserna virtual, que já vai de Viana do Castelo a Bissau, passando pelo Brasil e os Estados Unidos da América...

Vou-te, naturalemnte, publicar, a seguir, a carta ao Padre Mário de Oliveira, eqnuanto aguardo com curiosidade o teu relato das mil e uma noites que passaste em Cansissé, bebendo a água da sabedoria (e quiça dos amores) da Fonte dos Fulas...

Quanto aos mapas de Aldeia Formosa e Buba, vou meter uma cunha ao nosso cartógrafo-mor, que é o Humberto Reis... Um ciber-abraço L.G.

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Notas de L.G.

(1) Vd. post 19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)

(2) Vd. post de 17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXV: Foi em plena guerra colonial que nasci de novo (Padre Mário de Oliveira )

(3) Quem também esteve em Cansissé foi o nosso camarada Américo Marques, de Viana do Castelo: vd post de 12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVI: Américo Marques, o último soldado do Império (Cansissé, 1974)

(...) "Ele era soldado de transmissões e, na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, estava no seu posto, a sintonizar a rádio em Lisboa. Costumava fazer isso com muita frequência. Estava em contacto com todo o mundo. Os dias eram sempre iguais e custavam a passar. E as noites ainda pior. Mas "nessa noite ficou confundido e baralhado: havia movimento de tropas em Lisboa, alguma coisa se passava de anormal"…

"Foi assim que teve conhecimento do golpe de estado do Movimento das Forças Armadas que depôs o Governo de Marcelo Caetano. Informou os seus camaradas. Foi um alvoroço. A vida em Nova Lamego e em Cansissé não voltou mais a ser como dantes. Apareceram logo uns esquerdistas, até então caladinhos, a organizar o pessoal, a dar ordem, a fazer reuniões… A hierarquia e a disciplina militares começaram a ser postas em causas. Eram os comités de soldados (sic) que tomavam iniciativas. Às tantas já se falava tu-cá-tu-lá com os gajos do PAIGC, beijinhos e abraços, troca de roncos, como se não tivesse havido uma longa guerra…

"Esta foi a parte mais dura de engolir para o nosso amigo Américo que viu, com tristeza, a nossa bandeira ser substituída pela do PAIGC no seu destacamento… Em Setembro de 1974, ele voltava para casa, com o sentimento (amargo) de ter sido o último soldado do império… Há coisas, na tropa e na vida, para as quais um homem nunca está preparado" (...).

Guiné 63/74 - P865: Ecoturismo, memória, história e vida em Guileje: os tertulianos serão bem-vindos (Pepito)

Texto do nosso amigo Pepito, com data de 9 de Junho de 2006:

Caro Nuno Rubim:


Obrigado pelo seu interesse no Projecto Guiledje.

Caso tenha tido oportunidade de visitar o site da AD, ficou a conhecer as diferentes componentes desta iniciativa e poderá seguir melhor as informações que lhe dou de seguida:


1. Reabilitação do Quartel:

Iniciámos há mais de um ano a limpeza do antigo quartel com o apoio entusiástico dos antigos militares guineenses que lá estiveram e de jovens (naquela altura) que lá viveram. Paralelamente às fotos vitais fornecidas pelo Capitão Neto, foi determinante o envolvimento de quem lá viveu durante anos para identificar as casa da população, do régulo, a mesquita, abrigos, posto de transmissões, capela, pista de helicóptero, etc., bem como inúmeras histórias da tropa contadas com sotaque português e em puro vernáculo.

Deste trabalho recuperaram-se alguns marcos, ainda em bom estado (não esquecer que o quartel foi mandado bombardear pelo Spínola e nem um edifício ficou de pé), identificaram-se as fundações de quase todas as instalações e recolheram-se objectos da altura (garrafas de cerveja típicas daquele tempo e que já não se fabricam, garrafas de larangina, pratos metálicos, etc.).

Tivemos que atrasar os trabalhos devido aos inúmeros UXO, isto é, bombas que estavam nos paióis e que podem ser perigosas. Aguardamos que as equipas anti-minas da ONU, que por cá andam há anos a caçá-los, lá cheguem para a remoção.

Entretanto um arquitecto já visitou o local e propôs um plano de reabilitação (ver documento em formato.pdf que mandámos, por e-mail, para a tertúlia) que irá procurar ao máximo respeitar a disposição inicial das casas, mesmo se com outras finalidades:

- centro de documentação-museu;

- bungalows para ecoturistas, na antiga zona de habitação da população;

- restaurante, na antiga cantina, etc.

Em função do levantamento das bombas, ir-se-á dar inicio à reconstrução das infraestruturas, havendo um projecto financiado pela ONG portuguesa IMVF [ Instituto Marquês Valle Flor] com apoio da União Europeia que irá assegurar este trabalho.

2. Centro de Documentação-Museu:

Vai ser uma das grandes apostas desta iniciativa. Estamos por um lado, a recolher depoimentos dos antigos guerrilheiros do PAIGC que por lá passaram antes e durante o assalto final, bem como de militares guineenses destacados em Guiledje. Conseguimos um excelente conjunto de fotos do Capitão José Neto [CART 1613], apenas referentes ao período em que lá esteve (1967/68) e do Abílio (1970/71)[CCAÇ 2617]. Precisamos de ter fotos de outros períodos para finalizar o dossier fotografias.

Os testemunhos e vivências pessoais, como a que o Capitão Zé Neto (1) fez, dos contos do João Tunes e das inúmeras crónicas que têm saído no nosso blogue, são o que seria interessante ter. Podem ser aerogramas enviados de Guiledje, ou lá recebidos. Tudo que mostre a quem não esteve lá, o que era a vida naqueles tempos. Estes relatos são extensivos a Gandembel, Bedanda, Gadamael, entre outros.

3. Ecoturismo:

Começámos já a formação dos primeiros 12 guias ecoturísticos e de 7 jovens artesãos para o fabrico de esculturas de madeira. Começaram-se a identificar alguns percursos e caminhadas, aliando o histórico com o ambiente (mata de Cantanhez lindíssima e animais selvagens: chimpanzés, búfalos e elefantes) e cultural (danças étnicas).

Temos recebido manifestações de interesse de algumas pessoas que lá querem ir ou voltar. Embora estejamos no início e não se possa falar verdadeiramente de ecoturismo organizado, os tertulianos e ex-militares que estiveram em Guiledje têm a prioridade absoluta se cá quiserem vir, disponibilizando a nossa organização, a AD, o apoio para as visitas e acolhimento local.

Aliás, a população pergunta-me sempre quando é que vocês cá voltam de novo. Tenho a certeza que para muitos vai ser um momento emocionante, tanto para vocês como para os antigos viventes locais de Guiledje.

Em resumo, neste momento gostaríamos de ter recordações vossas do tempo que lá estiveram (fotos, crónicas, cartas, testemunhos, etc.) e que farão parte do acervo documental do Museu.


Um abraço

pepito

_____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 5 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXIX: José Neto, outro senhor de Guileje (CART 1613, 1967/68)

domingo, 11 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P864a: Os nossos (des)encontros do 10 de Junho (Hugo Moura Ferreira)



Lisboa > Belém > 10 de Junho de 2006 > Fernando Chapouto, Lema Santos e Sérgio Pereira, três dos nossos tertulianos que o Hugo Moura Ferreira juntou.


Lisboa > Belém > 10 de Junho de 2006 > O Moura Ferreira e o Fernando Franco.

Fotos (e legendas): © Hugo Moura Ferreira (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Texto do Hugo Moura Ferreira, com data de 11 de junho de 2007,  19h42:

Caros amigos.

Foi para mim uma satisfação enorme poder confraternizar convosco no sábado, 10 de Junho, em Belém quando da cerimónia de Homenagem e Recordação dos Combatentes mortos no Ultramar.

Tenho pena que tão poucos tivessem aparecido e que infelizmente alguns daqueles que tinham previsto ir até lá, não tivessem a possibilidade de concretizar essa intenção. Mas outras alturas não deixarão certamente de se apresentar. Até porque já há a proposta, embora incipiente, de que nos venhamos, um dia, a encontrar em Vila de Rei, por ser o centro geodésico de Portugal Continental.

É com certeza certo que o conhecimento que foi dado sobre a existência do Blogue, irá dar frutos pelo que alguns dos que ali tomaram conhecimento da sua existência irão aderir e trazer ao nosso conhecimento outras estórias e vivências. Possivelmente alguns até irão encontrar camaradas que já não viam desde essa altura. Se de todos aqueles que tomaram conhecimento, ao lerem o placard informativo que ali esteve exposto, um que seja adira ao nosso Blogue e nos conte o que tem para trazer ao nosso conhecimento já me darei por feliz.

Feliz, posso eu afirmar que fiquei por poder estar com os meus amigos tertulianos Lema Santos, Sérgio Pereira, Fernando Chapouto e Fernando Franco, bem como com alguns mais que não pertencendo à Tertúlia Virtual de que fazemos parte têm intenção de a vir a integrar.

Entretanto agradeço ao Lema Santos a gentileza que teve em nos enviar as fotos que conseguiu retirar da sua máquina, que desejo venha a melhorar de saúde. E como também tenho algumas, embora poucas, aqui vão as que se aproveitaram.

Um abraço a todos.

Moura Ferreira

2. Comentário de L.G.:

Fico feliz por se terem encontrado. Houve um outro grupinho que estava ali mesmo ao lado: eu próprio, Luís Graça, Jorge Cabral, José Martins, Carlos Fortunato e o António Duarte... Encontrei depois o Magalhães Ribeiro (o nosso ranger do Porto), o Mário Dias e o João Parreira. Para um primeiro ensaio, não está mal...

Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973 (Pepito)



Fonte: © Nuno Rubim (2006)

1. O Pepito enviou ao Nuno Rubim uma lista das companhias que passaram por Guileje (os guineenses pronunciam e escrevem Guiledje), incluindo a CCAÇ 726 em relação à qual pedia que fossem completados os dados. Com base nos elementos fornecidos e noutras fontes adicionais, o Nuno Rubim elaborou este excelente e sugestivo gráfico, com o número de meses e dias passados em Guileje por cada dessas unidades. Em relação à maioria das unidades, o Pepito já tem um ou mais elementos de contacto. Mas o o ideal é conseguir-se os máximo de contactos.


Guiné > Região de Tombali > Guião da CCAÇ 726 (1964/66).

Foto: © Nuno Rubim (2006)
Aqui fica fica, para informação da nossa tertúlia, essa lista, devidamente corrigida:

CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965)

CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) (contactos: Teco e Nuno Rubim)

CAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966)

CCAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967) (contacto: Cap Rino)

CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968) (contacto: Cap Neto)

CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos)

CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970) (contacto: Armindo Batata)

CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio)

CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: Parracho)

CCAÇ 3437 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje

CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973)

Fonte: Carlos Schwarz/Nuno Rubim (2006)


Guiné > Guileje > 1972 > Brazão da CCAÇ 3477 (Gringos de Guileje), 1971/72.
© José Casimiro Carvalho (2006)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2006 > O brasão da CCAV 8350 (Os Piratas de Guileje), novinho em folha...
© AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)

2. Nota de L.G.:

Há uma pequena divergência entre as fontes em relação à primeira companhia estacionada em Guileje. Para o Pepito, terá sido a CCAÇ 676, com início em Set 1964 (contacto: Paralta). Para o Nuno Rubim, terá sido a CCAÇ 495 (Fev 1964 / Jan 1965).

De qualquer modo, pelo gráfico acima apresentado, constata-se facilmente que a unidade com mais tempo de Guileje foi a CCAÇ 726 (mais de vinte meses). E a que passou menos tempo, pouco mais de seis meses, foi a última, a CCAÇ 8350.
3. Comentário do Pepito, em e-mail com data de 10 de Junho de 2006:
Caro Nuno Rubim

Obrigado pelas informações que me mandou. Ontem ganhei o dia. Há mais de um ano que andava a consultar documentos para estabelecer o quadro das Companhias que passaram por Guiledje (muitos deles contraditórios) e de um momento para o outro você manda-me o trabalho todo feito.

Estarei em Portugal em meados de Julho e seria uma óptima ideia se nos pudessemos encontrar os três [Pepito, Luís Graça, Nuno Rubim]. Vai depender mais de vocês do que de mim, pois estarei de férias nessa altura e qualquer dia me convem. Para não ficar no ar, avanço já com a proposta de dia 13 (quinta-feira) em local e hora a decidir por vocês.
abraços
pepito

sábado, 10 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P863: Tabanca Grande: O nosso novo tertuliano, o Coronel Nuno Rubim



Guiné > Guileje > O nosso capitão fula Nuno Rubim ... "À minha esquerda o Alf Moura, da CCAC 1424, que viria a morrer em combate, ao meu lado, em Salancaur"....

Foto: © Nuno Rubim (2006)

Caro Luís Graça

Este email já leva algumas respostas para o Pepito.

Folgo muito com o estabelecimento destes nossos contactos.

Comandei em Guiledge, sucessivamente (de castigo !..., eu qualquer dia conto esta estória) as CCAÇ 726 e 1424, depois de ter também comandado a CART 644 em Mansabá e a CCmds em Brá.

O que foi a minha vivência em Guileje fazem os amigos ideia... Foram de facto perto de 10 meses infernais, com mortos, feridos, estropiados, de ambos os lados, enfim o triste rosário de uma guerra que Portugal nunca devia ter travado.

Tinha também um Grupo de Combate em Mejo, de que pouco tenho ouvido falar. Quando terá sido desactivado esse pequeno aquartelamento ?

E ainda voltei à Guiné em 1972-74, mas isso é outra história..., que meteu o início da conspiração que levou ao 25 de Abril, entre outras coisas...

Vamos então por partes:

(i) Briote. A última vez que o vi foi na reunião da CCmds, já este ano.
Temos trocado emails, mas a partir do último que lhe enviei não obtive mais qualquer resposta.

(ii) História da Artilharia. Já terminei esse estudo há algum tempo, conseguindo fazer o levantamento geral de toda a nossa artilharia desde o final do Séc. XIV até ao presente ! Materiais, Munições, Balística, Tiro, emprego táctico, etc...

Parte destes estudos estão publicados, nomeadamente na Revista de Artilharia e já estão todos digitalizados, pelo que se alguém se interessar posso gravá-
-los e enviá-los. Além de estar a redigir um livro ( medonho !!!- amigo Luís, temos
de falar sobre os cuidados médicos de então, de que já tenho muitos dados... ), sobre as operações militares no Oriente até 1580, tenho últimamente estudado matérias tais como armamento ligeiro, fortificação, navios e estou a realizar uma pesquisa sobre as operações militares portuguesas no Sul de Angola , de cerca de 1870 a 1915.(Os Cuamatos, para mim os adversários mais terríveis que os
portugueses jamais encontraram nas áfricas...).

(iii) Já conheço o Processo Guiledge, tenho-o em pdf, e já li prticamente tudo o que havia ler na Blogueforanada. Acho de facto um projecto interessantíssimo e espero que o nosso amigo Carlos Schwarz consiga levá-lo por diante.

(iv) Obus 14. Curiosamente estou justamente a preparar uma carta
a enviar ao CEME, alertando-o para o facto de se ele não tomar medidas para a conservação de vário material de guerra que está espalhado por vários locais do país ( inclusivamente nos dois Museus Militares, Lisboa e Porto !), em péssimo estado, tomarei a liberdade de levar a questão ao conhecimento público. Esse material pertence à Nação e o Exército é apenas ( isto é, devia ser.. ) o seu curador. Julgo que no Entroncamento ainda existem obuses de 14 cm.

(v) A reunião da CCAÇ 726, no dia 10 de Junho. Além de fazer tenção de colocar o pessoal ao corrente do projecto e do blogue, também vou alertá-los
para que tomem medidas de forma a tentarem salvaguardar a documentação que porventura tenham. E uma das soluções é a de a entregarem formalmente, no Arquivo Histórico Militar, onde justamente ando a fazer uma pesquisa. Outra, fotografias, esquemas, etc... poderiam vir a ser copiadas (digitalmente ) com destino ao Projecto Guiledge.

(vi) Finalmente quanto à Tertúlia. Pois terei muito prazer em dela fazer parte.

Há 3 anos, depois de um processo desencadeado para a chamada reconstituição de carreira, destinadas aos militares que, como eu, foram vítimas de marginalização após o 25 Novembro de 1975, fui promovido a Coronel, já na situação de reforma ! Por pouco era a título póstumo !!!...

Enviem-me, p.f., as moradas para onde poderei enviar um exemplar do meu último trabalho. Trata de duas tapeçarias portuguesas do Séc. XV, que descrevem parte da operação em Alcácer Ceguer e que estão hoje em Espanha, onde as fui fotografar.

Até breve
Um abraço

Nuno Rubim

Comentário de L.G.:

Amigos & camaradas:

1. Para além de todos vocês, que me merecem um carinho especial, é uma honra passar a ter connosco, a privar connosco nesta já imensa e fraterna caserna virtual, o Coronel Nuno Rubim que é, simplesmente, uma sumidade em história da artilharia portuguesa e, como todos os sábios, um homem que não precisa de puxar pelos galões para se fazer ouvir e respeitar…

2. Nuno: como é da praxe, a partir de agora és nosso camarada com direito a tratamento por tu, à boa maneira da Roma dos cidadãos, porque se entende que isso facilita a comunicação (horizontal) entre nós… Que sejas bem-vindo.

3. Acabei de chegar do encontro com os nossos amigos e camaradas, junto ao Forte do Bom Sucesso: Acabei por não estar com o Hugo Moura Ferreira nem o Lema Santos... Em contrapartida , encontrei o Jorge Cabral (pel Caç Nat 63), o António Duarte (CCAÇ 12), o Carlos Fortunato (CCAÇ 13), o José Martins (CCAÇ 5), o Magalhães Ribeiro, o ranger, o Mário Dias, o João Parreira, dois ou três antigos combatentes africanos (1º Companhia de Comandos, CCAÇ 21...). Disseram-me que o Nuno Rubim estava por lá, mas não deu para procurar mais.

4. Também tive o grato prazer de rever dois amigos e conterrâneos, naturais da Lourinhã como eu, o ex-Alf Mil Piloto Lino (esteve na Guiné, em 1970/72, como piloyto de helicópteros) e o ex-Alf Mil Paraquedista Jaime Bonifácio da Silva (que esteve em Angola e que agora vive em Fafe). Vou gerir as emoções... e depois escreverei mais qualquer coisa. Bom feriado.

Guiné 63/74 - P862: Os nossos (des)encontros do 10 de Junho (Luís Graça)

Amigos & Camaradas da Guiné:

1. Nas vésperas do 10 de Junho, e na hipótese de eu não ter tempo de inserir esta mensagem no nosso blogue, vou divulgá-la desde já por toda a tertúlia, como tema de reflexão (serena), como testemunho (exemplar)... Eu também concordo com o Briote: estamos, todos ou quase todos, a fazer uma espécie de blogueterapia, à volta de uma guerra e de uma terra que nos marcaram, indelevelmente... Temos estados numa boa, na caserna (que é plural, mas com valores...) e, tanto quanto possível, não incomando os vizinhos... Felizmente que temos esse dinheiro: conquistámo-lo!...

2. No sábado [hoje], lá estarei (há um ano atrás, confesso, seria incapaz de lá ir!...) na ponta direita do monumento aos mortos do ultramar, em Belém (ponta direita, para quem está de fronte ao monumento)... Entre as 11 e 12h, com o meu telemóvel ligado: 93 281 08 72 . O Hugo Moura Ferreira, o José Martins, o João Parreira, o Fernando Franco deo Manuel Lema Santos pelo menos, estes cinco - já me disseram que aparecem por lá...

3. Tal não impede que um belo dia destes a gente não se encontre por aí, com tempo e vagar... Talvez em... Vila de Rei que é o centro geodésico desta Pátria/Mátria que todos amamos, mesmo quando refilamos com ele/ela ou quando ele/ela se comporta connosco como padrasto / madrasta!

4. Hoje [sexta-feira] falei ao telefone com o António Santos (ex-sold trms, num pelotão de morteiros, Nova lamego, 1972/74...), self-made man, empresário (Caneças / Odivelas)... Não morreu na Guiné, sobreviveu aos foguetões 122 mm em Nova Lamego, ia morrendo há seis anos debaixo de um camião TIR, na estrada do ou para o Algarve... Não virou a cara à luta e fez fisgas à morte!... Este é um valente camarada da Guiné, que eu saúdo e de quem estou publicar as respectivas estórias no nosso blogue...
_____________

Mensagem do Virgínio Briote, de 8 de Junho de 2006:

Caro Luís e Camaradas,

Tenho acompanhado com muito interesse o nosso blogue. Aprecio ler o que diariamente é acrescentado à história da nossa passagem por aquela terra mágica. Estou-te reconhecido por este trabalho antológico, aliás apreciado por camaradas com as posições mais variadas.

Não me tenho apercebido que algum de nós ainda faça a apologia da guerra, da defesa do ultramar português. O que tenho visto, isso sim, é compreensão, tolerância, respeito, não só entre nós mas também pelo antigo Inimigo. E, importante, vejo em todos o desejo que naquela terra as crianças cresçam sem fome e em paz.

É natural que um ou outro camarada pense de outra forma. Por mim falo, esse facto não deve ser motivo para que o foranada não continue a vasculhar o que tem estado escondido nas profundezas das arcas de cada um. Esta tarefa tem-me sido útil, ajuda-me a pôr-me em paz comigo próprio e libertar-me do sentimento de culpa que tem vivido comigo estes anos todos.

Um Bem-haja ao Luís Graça e Camaradas.
vb

sexta-feira, 9 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P861: O coronel Nuno Rubim, ex-comandante da CCAÇ 726 (Guileje, 1966)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2005 > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da Semana > "Camissa Mara, antigo miliciano [ou mais provavelmente, milícia] do Exército português, que viveu alguns anos no Quartel de Guiledje, mostra a Abubacar Serra e Domingos Fonseca, responsáveis por esta Iniciativa, a localização das diversas infraestruturas que então existiam.

"A fotografia mostra o que resta da antiga capela, num momento em que a AD, em colaboração com a comunidade local, deu início à demarcação e limpeza do terreno, para ter uma melhor vista de conjunto e assim iniciar os trabalhos deste projecto". O croquis que se vê na imagem, foi fornecido pelo Coronel Nuno Rubim e publicado, em primeira mão, na nossa página na Net > Subsídios para a história da guerra colonial > Guiné (13) > Guileje

Por Guileje passaram diversas unidades, incluindo a CCAÇ 726, que foi comandada durante vários meses pelo Cap Rubim, no ano de 1966.



1. À terceira... é de vez ! O coronel Nuno Rubim já nos tinha contactado, em tempos, através do Virgínio Briote, que foi seu alferes miliciano comando, e já tinha colaborado connosco, com o envio de um mapa do aquartelamento de Guileje (1), por ele desenhado em 1998 e que está a agora a ser muito útil ao Pepito e aos seus colaboradores (conforme documenta a foto acima inserida).

Mais recentemente também publicámos um pequeno post, do Nuno Rubin, sobre o corredor da morte (2). Há dias ele mandou-nos uma mensagemque não obteve resposta imediata. como bom artilheiro, ele insistiu... Aqui vai.

2. Texto do Coronel Nuno Rubim:

Dr. Luis Graça:

Tem-me sido muito difícil contactar consigo. Talvez desta vez tenha sucesso, para outro endereço que consegui encontrar ! ...

Transcrevo pois o email que lhe enviei para o endereço lgraca@clixpt

Caro Dr. Luis Graça:

Acho que é a primeira vez que contacto consigo directamente, pois até agora foi por intermédio do Virgínio Briote.

Gostaria de saber como vai o Projecto Guiledge, pois no próximo Sábado [, dia 10 de Junho,]
é a reunião da CCAÇ 726, a unidade que mais tempo permaneceu em Guileje e que comandei durante cerca de cinco meses.

Tenho tenção de pôr o pessoal ao corrente do projecto, pelo menos aos que o desconhecem.

E pergunto-lhe se deseja que na reunião sejam colocados algumas perguntas, pedidos ou esclarecimentos.

Um abraço

Nuno Rubim


3. Resposta, desta vez célere, do L. G.:

Meu caro Nuno Rubim:

(i) Desta vez eu é que estou em falta consigo. De facto, recebi, em boas condições, a sua mensagem, mas estava à espera de poder inseri-la no nosso blogue, divulgá-la e interpelar directamente o nosso amigo Pepito, da ONG de Bissau, AD - Acção para o Desenvolvimento, para saber em que ponto é que está o Projecto Guiledje (como ele gosta e faz questão de escrever).

(ii) Mas vamos por partes. O Briote, que eu só conheço do contacto pela Internet e pelo telefone, fez-me um excelente perfil do Nuno, como homem e como militar. Vejo que, para já, temos em comum o gosto pela história: a mim, por exemplo, interessam-me os serviços de saúde militares ao longo dos tempos, o papel da ordem hospitaleira de São de Deus... Sei que você é um reputado especialista em história da artilharia...

(iii) E é aqui que pode ser útil ao nosso amigo Pepito, que é engenheiro agrónomo de formação (andou no ISA, em Lisboa, tal como o Amílcar Cabral, se bem que ele seja doutra geração) e é uma pessoa de alto gabarito, estando a fazer um trabalho notável à frente da AD, que ele criou e dirige. Julgo que o Nuno já conhece o projecto (que é mais do que a simples reconstrução/reabilitação do aquartelamento de Guileje). Se não, aqui tem o sítio da AD e a página do projecto (segue também ficheiro em formato.pdf).

(iv) Eu ainda não sei muito bem como é que, para além da documentação sobre a guerra e o papel do aquartelamento de Guileje (relatórios,mapas, fotos, testemunhos..., de um lado e de outro), a gente pode ajudá-lo, a ele, Pepito... Para já somos um grupo (de amigos e camaradas da Guiné) que tem divulgado as iniciativas da AD e em especial o Projecto Guiledje... Mas ele precisa de outras coisas, como arquitectos paisagistas, fotógrafos, formadores, especialistas em diversos domínios (fauna, flora... ), mas também em... artilharia. Por exemplo, uma das coisas que ele anda à procura é de um obus 14...

(v) Eu acho que, para já, o mais importante é recolher documentação sobre as unidades militares que por lá passaram, desde o início, incluindo naturalmente a vossa CCAÇ 726... Deve haver muitas fotos e papéis nos baús dos nossos graduados e soldados... Isso não pode morrer, miseravelmente, no caixote do lixo, daqui a uns 10, 15, 20, 25 anos quando começar a desaparecer a geração da guerra colonial... O que eu tenho feito, modestamente, é pôr a malta a falar uns com os outros, a escrever, a divulgar, a contar as suas estórias, a abrir os seus diários, a confrontar-se uns com os outros, em suma, a reconstituir o puzzle da memória (individual e colectiva), como eu gosto de dizer... Este pode ser o melhor contributo para o projecto e a melhor maneira de "a vida triunfar sobre a morte" (sic)... O Pepito irá apreciar, até por que ele é um homem de cultura... Ele está a fazer o mesmo (ou até melhor, através de entrevistas a guerrilheiros e população).

(vi) Sobre Guileje (e Guiledje) já temos dezenas de referências no nosso blogue e nas nossas páginas na Net, incluindo a carta da respectiva região... Um belo dia, iremos lá ao Cantanhez fazer ecoturismo e fazer as pazes com os velhos irãs da floresta, alguns dos quais serão espíritos inquietos dos nossos mortos e das nossas vítimas ...

(vii) Desejo-lhe, meu caro Nuno Rubim, a si e aos seus camaradas, uma bela jornada de convívio no próximo sábado... Divulgue, se possível, o nosso blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné), que está já em dois endereços:

http://blogueforanada.blogspot.com/(até 31 de Maio de 2006)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/(a partir de 1 de Junho de 2006)

Teria muito gosto (e honra) em incluí-lo na nossa tertúlia...Diga-me se me autoriza ou me dá essa honra...

Um ciber-abraço,

PS - Tomo a liberdade de o pôr em contacto com o Guiné 63/74 - CCLXXIV: Projecto Guileje (3): planta do aquartelamento (1966)

(2) Vd. post de 18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXIX: O batalhão do 'corredor da morte' (Nuno Rubim)

Guiné 63/74 - P860: Plano de retracção do Exército Português em 1974 (Leopoldo Amado)

Texto do historiador Leopoldo Amado, membro da nossa tertúlia (1)

Caro Paulo Reis (2),

Seria muito interessante encontrar-se o plano de retracção dos contingentes portugueses na Guiné. Eu não tive essa sorte, mas vali-me dos documentos do Arquivo do PAIGC sobre a matéria e, já agora, também gostaria de certifiacr-me da existência dessa documentação para, caso exista, confrontá-la com a interpretação que, em muitas situações, certamente foram condicionadas pela documentação do Arquivo do PAIGC.

Todavia, devo dizer-te que estou convencido de que tal plano não se elaborou na sequência das negociações de Londres, mas sim nos vários encontros havidos posteriormente na mata de Cantanhez entre o Comando-Chefe da Guiné e uma delegação político-militar do PAIGC. Foram esses encontros, mais do que as de Londres, que fizeram avançar as coisas. Publiquei no livro que escrevi para o Presidente as actas desses encontros elaboradas pelas NT (ver versão PALOP, Editorial Notícias).

Lembro-me que foi nas matas de Cantanhez que se aprovou conjuntamente o plano de retracção das tropas portuguesas, após ter sido adoptado pelas duas partes um documento intitulado "Normas de Vida", documento esse em que basicamente o PAIGC procurava regular a acção do Exército português na fase de transição, tanto mais que ali estava patente que os soldados portugueses apenas podiam deslocar-se num determinado raio de acção dos aquartelamentos, além de uma série de outras restrições em que se via claramente que o PAIGC influenciava a agenda e ditava o rumo dos acontecimentos.

Aliás, quando Spínola expediu para Bissau 20.000 cartazes com imagens suas – convicto como estava de que ainda iria proclamar a República da Guiné-Bissau numa Magna Assembleia em que forçosamente o PAIGC seria forçado a partilhar o poder com outras forças políticas emergentes, algumas delas fabricadas por Spínola com elementos a partir de elementos que com ele colaboraram na política da "Guiné Melhor" – o PAIGC fez ver ao Fabião que as negociações de Londres não permitiram avanços significativos que permitissem ajuizar sobre o diferendo político e militar.

Para além, pois, de recusar terminantemente a ideia da proclamação do Estado da Guiné-Bissau proposta por Spínola, o PAIGC lembrou a Portugal, por intermédio do Fabião, que em momento algum teria anunciado unilateralmente um cessar-fogo, pelo que a cessação das hostilidades que estava a observar, devia-se a um compromisso assumido na decorrência do encontro havido entre Mário Soares e Aristides Pereira, sob os auspícios de Senghor, pelo que a situação que prevalecia era globalmente considerada pelo PAIGC de "tréguas", donde a necessidade de assumpção de um compromisso pelo Comando-Chefe em Bissau relativamente as "Normas de Vida".

Assim, assinado que foram as "Normas de Vida" entre as duas partes, prefigurou-se doravante as condições para que o PAIGC conseguisse em Argel o essencial das suas reivindicações, mormente os aspectos que em Londres revelaram-se de difícil entendimento e que conduziram essa ronda negocial a uma situação de impasse e que somente se desbloqueou com os quatro ou cinco encontros de Cantanhez que, na prática, foram internacionalmente caucionados em Argel.

A posição militar privilegiada do PAIGC depois de 1974 (nem sempre o desequilíbrio de forças foi favorável ao PAIGC), como referi anteriormente, permitiram que fosse esse Partido a influenciar a agenda dos processos que, no essencial, determinaram doravante o rumo dos acontecimentos. Senão vejamos: foi José Araújo (hábil jurista do PAIGC) quem redigiu as "Normas de Vida"que, não obstante algumas emendas de somenos importância sugeridas pela parte portuguesa, acabou no essencial por ser adoptada pelas partes em negociações no terreno.

Foi igualmente na sequência dessas negociações que o Governo português acabou por anuir a proposta do PAIGC no sentido de ser assinada um acordo geral em Argel (sintomaticamente, a escolha de Argel é do PAIGC por razões óbvias, pois ali tinha o apoio do Governo local, para além da pressão internacional exercida sobre o Governo português em sentido convergente, quer do lado do bloco afro-asiático, quer do bloco comunista, para além dos EUA, das Nações Unidas (na altura dirigida por Kurt Waldheim), e ainda, discretamente, também a pressão discreta exercida directa ou indirectamente sobre Lisboa por parte dos países nórdicos e escandinavos em geral.

Aliás, não é por acaso que aspectos que quase conduziam em Londres as delegações de Portugal e a do PAIGC a autêntica situação de crispação, foram quase que magicamente resolvidas posteriormente em Argel, tal a celeridade com que a delegação portuguesa anuiu em relação a todas elas, nomeadamente a exigência do PAIGC para que Portugal reconhecesse sem condições nenhumas a independência da Guiné-Bissau (entretanto proclamada unilateralmente em Madina de Boé, a 24 de Setembro de 1973), o direito à autodeterminação e independência de Cabo Verde e ainda o direito à autodeterminação e independência dos povos das restantes colónias africanas de Portugal.

Aliás, é curioso notar que foi igualmente na ronda negocial de Argel que as duas delegações aprovaram o plano de retracção do Exército português na Guiné, sintomaticamente, plano esse praticamente elaborado por Pedro Pires com base em documentos militares do QG do Comando-Chefe encontrados aquando da tomada de Guiledje, de resto, documentos que continham informações altamente classificadas e, portanto, fidedignas, sobre a composição numérica das unidades do Exercito português espalhados pelo TO, bem como a natureza táctica e estratégica dos dispositivos e companhias militares, incluindo as forças especiais.

Efectivamente, e tomando à letra os documentos de Arquivo do PAIGC, quase todo plano de retracção e evacuação do Exercito português na Guiné foi feito segundo o plano do PAIGC elaborado por Pedro Pires, actual Presidente de Cabo Verde que, não obstante não ter participado directa e pessoalmente nas negociações havidas em Cantanhez, chefiou e dirigiu, pessoalmente, as sessões negociais de Londres e Argel, assim como quase todo processo da descolonização da Guiné-Bissau e Cabo-Verde.

Curiosamente, não foi por acaso que Spínola o recusou cumprimentar a 10 de Agosto de 1974 (salvo erro), quando este chefiava a delegação do PAIGC que compareceu em Lisboa para a cerimónia solene do reconhecimento por Portugal da independência da República da Guiné-Bissau (Spínola acreditava também que Pedro Pires era o elemento moralmente responsável pela morte dos três majores na Guiné). Aliás, no seu discurso de circunstância, Spínola foi incisivo na maneira como se referia aos guinéus, em oposição aos caboverdianos, apesar da solenidade de que se rodeou a cerimónia.

Voltando agora à vaca fria, seria importante encontrar-se documentos militares portugueses que permitissem uma melhor aferição do processo da descolonização do Exercito português, mormente os condicionamentos que propiciaram o abandono dos ex-soldados africanos que combatiam nas fileiras do Exército português. Já agora, seria também importantíssimo aferir da existência ou não desses documentos e, inclusivamente, a aferição de um eventual plano alternativo de retracção militar do contingente português na Guiné, na medida em que, apesar de em 1974 o desequilíbrio de forças ser claramente a favor do PAIGC, facto esse que era mesmo reconhecido pelos INTREP com a chancela Reservado ou Secreto, em uso no QG em Bissau, nada fazia prever que o Comando-Chefe da altura pudesse aceite, como aparente ter acontecido com o Exército português na Guiné, que anuiu a quase totalidade das imposições do PAIGC, inclusive, a de nem sequer se ter dado ao trabalho de ter ou de apresentar, durante o processo negocial, um plano próprio de retracção/evacuação dos seus contingentes.

Sintomaticamente, os documentos do PAIGC são omissos quanto a existência de um tal plano, apesar de não podermos, por isso, aferir da sua inexistência, aliás, eu próprio devo reconhecer – e isso é certamente uma das lacunas de que a minha Tese enferma – que em muitas ocasiões, a interpretação dos factos foi sobremaneira condicionada pela existência de documentos disponíveis. No caso vertente, pelos documentos do Arquivo do PAIGC.

Como quer que seja, caro Reis, é pena já não termos o Fabião entre nós, pois seria certamente de grande utilidade uma sua entrevista com o fito de esclarecer as nossas dúvidas metódicas. O seu filho, Rui Fabião, meu antigo professor de português no Liceu em Bissau e até hoje meu amigo, não me conseguiu proporcionar uma entrevista com o pai ainda em vida, em virtude da frágil situação que o pai atravessava em termos de saúde.

Todavia, nas actas dos encontros de Cantanhez (lavradas põe elementos do Exército Português) e que reproduzi no livro que escrevi para o Presidente Aristides Pereira, encontram-se outros nomes que acompanharam o Fabião em todo esse processo. Eles poderão certamente ser úteis.

Do lado do PAIGC (não confundir com o PAIGC actual), para além dos Presidentes Aristides Pereira e Pedro Pires, outros elementos ainda vivos acompanharam de algum modo esse processo. Valeria a pena abordar-lhes.

Em Cabo Verde, é o caso do Comandante Julinho de Carvalho, ex-chefe do Estado-maior, que tomou parte nalgumas sessões negociais em Cantanhez. Relativamente a Guiné, foram os casos de Juvêncio Gomes, a contraparte de Fabião em todo o processo de transição; Lúcio Soares, que tomou parte nas negociações de Londres, creio.

No livro em referência que escrevi para o Presidente Aristides Pereira, entrevistei um número considerável de ex-combatentes do PAIGC, mas não posso agora precisar se terei ou não abordado os aspectos que agora indagamos. Vale a pena reler essas entrevistas, da mesma maneira que afigura-se importante ouvir os guineenses e caboverdianos que referi. Nesse sentido, caso tiveres interesse e disponibilidade, posso tentar facultar os contactos.

Leopoldo Amado

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Nota de L.G.

(1)Vd. post de 4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P840 - Curriculum Vitae do nosso doutorando Leopoldo Amado

(2) Vd. post anterior, de 9 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P858: Plano de Evacuação da Guiné (Abril/Outubro de 1974) - I Parte (Paulo Reis)

Guiné 63/74 - P859: Plano de Evacuação da Guiné (Abril/Outubro de 1974) - I Parte (Paulo Reis)

Texto do Paulo Reis, jornalista freelancer que está a fazer um trabalho de investigação sobre os comandos africanos, e membro da nossa tertúlia:

Caros tertulianos:

Eenho andado a analisar documentação diversa sobre a guerra da Guiné, no Arquivo Histórico Militar. Enconteri alguma informação que poderá ser do interesse de muitos de vocês, embora não esteja relacionada directamente com o tema que estou a investigar - os Comandos Africanos. Enviei este conjunto de info's ao Luís Graça, caso ele considere de interesse, a sua publicação no blogue.

Aproveito para vos enviar o mesmo texto, pode ser que tenha também algum interesse para vocês.

Com os meus melhores cumprimentos

Paulo Reis
jornalista
Telemóvel > 918627929

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Plano de Evacuação da Guiné (Abril/Outubro de 1974) - I

O material disponível, no Arquivo Histórico Militar, é escasso e a sua classificação ainda não está completa. No entanto, consegui encontrar algumas informações sobre a maneira como se processou a retirada das tropas portuguesas e o desmantelamento nas unidades de recrutamento local, nos arquivos do CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné).

A documentação é, como disse, escassa e dispersa, com muitas lacunas. Assim, num despacho (nº5054/B/74) de 4AGO74, assinado pelo Comdt Militar e Adjunto-Operacional, Brigadeiro Octávio de Carvalho Galvão de Figueiredo, escreve-se:

“Por determinação do Brig. Comdt. Chefe:

"a. Serão extintos todos os Pel Caç Nat [Pelotões de Caçadores Nativos] com excepção daqueles que por serem as únicas forças que guarneçam uma determinada localidade não seja aconselhável extinguir.

"b. As praças da PU (*) dos Pel extintos reverterão para a CCAC da PU mais próxima.

"c. Os graduados e as praças europeias dos Pel Caç Nat extintos serão aproveitados para recompletamentos".


Uma circular (nº2012/C) da 3ª Repartição do QG, datada de 5AGO74 e assinada pelo Chefe de Estado Maior Interino, António Hermínio de Sousa Monteny (Ten Cor do CEM), remete para ordens do Brig Comdt Chefe, segundo as quais deveriam ser “desde já desactivados os seguintes Pel Art [Pelotões de Artilharia], sendo a situação do pessoal e do material definidos por determinação administrativo-logística a emanar pelas repartições competentes”

A lista dos Pel Art a desactivar é a seguinte:

1º Pel Art - Cacine
5º Pel Art - Bissau
15º Pel Art - Bissau
25º Pel Art - S. Domingos
28º Pel Art - Piche
31º Pel Art - Bajocunda
33º Pel Art - Ingoré
Pel Art Ev - Binta

Em documentos dispersos, sem sequência, encontrei algumas referências a CCAÇ [Companhias de Caçadores] a desmantelar ou desmanteladas. Assim, num documento intitulado “Planeamento de redução de efectivos – alteração nº 1 (23 Julho de 74 – assinado pelo chefe da 3ª Rep, Mário Martins Pinto de Almeida, Tem Cor CEM, doc. Nº 558/INF/C) refere-se a “desocupação das localidades de Pirada, Bajocunda, Piche e Paunca (?). A CCAÇ 11 será desactivada em virtude da passagem à disponibilidade de grande parte dos efectivos”.

O documento mais completo data de 20 de Agosto (de recordar que o Acordo de Argel foi assinado a 26 de Agosto de 1974) e consiste numa acta de reunião das chefias militares e do Brig Comdt Chefe, onde é definido o "Plano de Evacuação". O oficial relator é identificado apenas como Fernando José Pinto Simões. A reunião terá sido realizada alguns dias antes, no dia 15 de Agosto. A data de 20 de Agosto é a data de registo de saída do documento, com carimbo da Repartição de Operações.

No texto refere-se, entre outras coisas, que “todas as tropas africanas têm que estar pagas até 31AGO, incluindo as que estão em Bissau”. Esse pagamento, como se refere mais adiante abrange os meses até 31DEZ74.

Outra nota diz respeito às CCAÇ Africanas: “O pessoal europeu pertencente às CACÇ Africanas vai para o Depósito de Adidos até à liquidação das contas”. Nessa mesma reunião é nomeada uma Comissão de Transportes, para coordenar a retirada e transporte para Portugal, presidida pelo Cor Tir CEM Santos Pinto.

Noutro documento, sem data, que surge aparentemente anexo a este “Plano de Evacuação” são listadas um total de 77 unidades. O extenso documento inclui várias páginas com uma grelha onde estão listadas, da esquerda para a direita o nome da unidade, o trajecto (localidade onde está, percurso e destino, Bissau), e outros pormenores, como data de saída da localidade, chegada a Bissau, aquartelamento, partida para Lisboa, etc. etc. Este segundo documento tem, no final, o nome do Comdt Militar, Brigadeiro Galvão de Figueiredo, mas não está assinado por este. Está, sim, autenticado pelo Chefe de Estado Maior Henrique M. Gonçalves Vaz, Tem Cor CEM.


Paulo Reis

Jornalista (Cart Prof nº 734)

Telemóvel > 918 62 79 29
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Nota de P.R.:


(*) Ignoro o que PU, neste contexto, possa significar. Elementos do AHM adiantaram-me duas hipóteses: Polícia de Unidade (pouco provável, dizem) ou Província Ultramarina (mais provável...)

quinta-feira, 8 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P858: Memórias de Mansabá (1): Periquito vai no mato: de Bissau a Mansabá, passando por Safim, Nhacra, Mansoa, Cutia e Mamboncó (Carlos Vinhal)




Guiné > Região do Oio > Mansabá > (i) Vista aérea do aquartelamento; (ii) CART 2732 (Mansabá, 1970/72)> 1970 > 3.º Pelotão , secção do Fur Mil Vinhal (primeira fila, à direita, ladeado pelo seu amigo Ornelas).

© Carlos Vinhal (2006)


Texto do Carlos Vinhal (ex-furrel miliciano, CART 2732, Mansabá, 1970/72):

21 de Abril de 1970: A ida para o mato da CART 2732

Após a chegada à Guiné (1), aqueles primeiros dias nos Adidos era uma experiência traumática. Quer quiséssemos quer não, era inevitável o contacto com os apanhados ou cacimbados, tanto faz, que por lá deambulavam. Quem não se lembra deles a contarem aquelas estórias que para nós, periquitos, parecia pura invenção, pois aquilo que narravam não podia ter acontecido e muito menos iria acontecer connosco. Era demais para a nossa compreensão. Tentávamos imaginar como seria o aquartelamento que nos esperava, mas não seria tão mau como eles pintavam. Aquilo com certeza era só para meter medo.

O certo é que o inevitável dia de irmos para o mato chegava sempre. Manhã cedo, chegaram as tropas de Mansoa acompanhadas de várias viaturas civis para nos levarem a nós e aos nossos pertences até Mansoa.


Guiné > 1965/66 > A famosa jangada que atravessava o Rio Mansoa em João Landim, ligando Bissau com a região do Cacheu

© Virgínio Briote (2005)

Dados os últimos conselhos e recomendações, era tempo de nos pormos a caminho. De Bissau até Safim era tudo muito bonito. Muitos civis mais ou menos despreocupados que vendiam ou compravam e, nós perguntávamos se aquilo já era o mato:
- Calma que a procissão ainda vai no adro!, diziam-nos.

Seguiu-se Nhacra e a sua característica ponte. A partir dali só grandes extensões de plantações de arroz, pastorícia e umas quantas tabancas isoladas ao longo da estrada. Alguns homens amassavam barro molhado e palha com os pés que, enformado e seco ao sol, dava uns resistentes blocos para construção das moranças. Lá ao longe as grandes árvores africanas. Coisa linda para quem só conhecia pinheiros e eucaliptos. A estrada, toda alcatroada, permitia uma velocidade aceitável e, ao longe por efeitos do calor e da refracção da luz, mais parecia um rio que se elevava e desaparecia conforme o relevo do terreno.

Decorridos cerca de sessenta quilómetros acercámo-nos de Mansoa. Passada a ponte entrámos na povoação que constituiu uma agradável surpresa. Será já isto o mato? Como era de esperar, muita tropa, mas pasme-se, muita gente branca. Mais tarde soubemos que eram libaneses que ali tinham os seus negócios de comércio. Tratava-se de uma localidade com alguma importância e que tinha tudo o que era essencial. Lá, ficámos só o tempo suficiente para sermos entregues à CCAÇ 2403 que nos havia de levar dali até ao nosso destino.

O aspecto desses militares não abonava nada a seu favor. As fardas cujo camuflado era um pouco confuso pois não se sabia se o amarelo tinha esverdeado ou se o verde tinha amarelado com o tempo. Quem usava divisas tinha-as em tão mau estado que descortinar os postos era complicado. Aqueles olhares algo vagos entre o deixa andar e seja o que Deus quiser, punha-nos de certo modo ainda mais nervosos do que já estávamos:
- Nós também iríamos ficar assim? Nós somos diferentes, pois então.

Agora sim iríamos entrar na zona de guerra a sério:
- Muita atenção que todos os cuidados a partir daqui serão poucos… Bala na câmara e olhos bem abertos.

Começámos a sentir, apesar do calor, um frio no estômago e um aperto no coração para não dizer noutro sítio onde nem um feijão entrava:
- Vamos dar-lhes a conhecer os locais perigosos e os seus nomes… Se houver alguma emboscada, atirem-se para o chão, rebolem para as bermas e deixem-nos actuar.
- Será que nos vão atrasar o almoço, caso haja alguém que ainda tenha apetite?

Seria quase meio-dia quando começámos a última etapa. Quase a meio do caminho, havia à face da estrada um destacamento de aspecto miserável numa pequena tabanca chamada Cutia, cuja guarnição militar era composta por alguns homens cujo único passatempo era ver passar as colunas de e para Mansabá. A sua principal missão era proteger aquela pequena comunidade. Lá nos saudaram e desejaram boa estadia e a melhor das sortes.

Uns quilómetros à frente deparou-se-nos um local lindíssimo pela sua vegetação, Mamboncó, que tinha tanto de bela como de perigosa:
- Aqui é preciso muito cuidado, pois este local é muito mal frequentado e logo acontecem maus encontros.

Um pouco mais à frente a Pedreira, local que anunciava o fim da jornada:
- Cuidado aqui também, nunca se sabe onde o inimigo nos espera.

Mais uns quilómetros e eis Mansabá. Uma larga avenida nos conduzia até à Porta de Armas, nome pomposo demais para uma abertura no arame farpado, onde estava um militar de sentinela. Ao longo a população saudava-nos amistosamente.
- Mas, aqui no meio desta gente não haverá simpatizantes dos turras? Pareces bruxo - Eu perguntava e os meus botões militares respondiam. Da parte de dentro os cartazes da praxe:
- Lisboa 5.000 Km;
- Bissau 100Km;,
- Bem-vindos, Periquitos!, , etc, etc.

A parada principal que ficava em frente à Porta de Armas era confinada pelo Bar e Casernas dos Furriéis, pelo Bar dos Oficiais e pela Oficina Auto. Era de terra desagregada mais parecendo areia e transmitia aos pés, mesmo através das botas de lona, um calor intenso. O cheiro que pairava no ar era o típico de África, para nós novidade. Aqui iríamos viver 22 longos meses, mas ainda não sabíamos.

Com isto tudo eram 13 horas e, quando nos dispúnhamos a atacar a ração de combate, veio o convite:
- Qual ração qual quê!- Tínhamos uma óptima refeição composta de sopa, batatas fritas, ovos estrelados, fiambre e salsichas. A acompanhar uma bazooka fresquinha e, no fim café mijoca e whisky do mais barato, claro. Tudo oferta da casa, mais propriamente da CCAÇ 2403. Pudera!... Não éramos nós os seus substitutos?

Depois do almoço e de algum repouso, fomos conhecer as nossas instalações. A mim tocou-me um quarto sem porta, numa caserna também sem porta, atolado de camas com as malas a ficarem no corredor… Que não havia problemas, podíamos deixar tudo à vontade que ninguém roubava nada…
- Mas... não estávamos já no mato? Os turras não podiam entrar ali durante a noite para nos roubar? E aqueles civis todos que por ali deambulavam não eram perigosos? Como se sabia se eles eram dos bons ou dos maus? Como era que nós periquitos os havíamos de distinguir?

Estas interrogações eram demasiadas para obter resposta dos velhinhos que olhavam para nós com o desdém próprio de quem já tem a cátedra na matéria.

Aceitámos um convite dos nossos anfitriões para darmos uma volta e conhecermos o aquartelamento e povoação. As primeiras impressões foram as melhores. Razoáveis instalações, água potável de um furo e poucos mosquitos. Quando os velhinhos fossem embora e nós ocupássemos as suas posições, ficaríamos bem instalados.

A povoação era grande e tinha comércio, uma filial da Casa Gouveia, Mesquita, Enfermaria Civil, Escola e Chefe de Posto, representante máximo da autoridade civil. As moranças desenvolviam-se essencialmente ao longo da Estrada de acesso ao quartel, de um lado e do outro e, na estrada para Norte que ia em direcção a Farim. Agrupavam-se conforme as suas etnias predominantes, Mandingas e Fulas. Havia arame farpado a envolver toda a povoação. Por sua vez o quartel tinha a sua própria cercadura de arame farpado.

A população vivia principalmente da cultura do arroz na zona húmida a sul e da cultura da mancarra na zona seca a norte. Eram, como na generalidade das populações do interior da Guiné, pobres e muito dependentes do que os militares lhes davam. Viviam da troca de víveres entre eles. Alimentavam-se praticamente só de arroz, algum peixe da bolanha e nenhuma carne. Os miúdos na hora da refeição recolhiam os restos dos militares em recipientes engendrados por eles, que podia ser por exemplo uma lata de tinta adaptada para o efeito. Algumas mulheres lavam a roupa da tropa o que lhes conferia o único meio de terem dinheiro vivo. Os homens eram principalmente guias, milícias ou componentes do Pel Caç Nat 57. Claro que alguns nada faziam, vivendo do trabalho das mulheres.

Cerca das 17 horas, já nós nos encontrávamos na Messe, ocorreu um ataque ao aquartelamento e povoação, com morteiro e armas ligeiras. Os velhinhos correram para as suas posições de defesa e mandaram-nos para um abrigo existente junto da Messe, onde estivemos até os ânimos serenarem. Quando tudo voltou ao normal verificou-se a existência de 16 feridos na população, assistidos prontamente nas Enfermarias civil e militar:
- Como estão a ver, vocês são já famosos e tiveram a recepção devida por parte dos nossos amigos.

O nosso baptismo de fogo não demorou muito e o que mais nos impressionou foi a cadência de fogo das célebres costureirinhas, quem não se lembra delas?!. Se não matassem, pelo menos desmoralizavam.

Depois de jantar e de muito dizer e ouvir, vencidos pelo cansaço, dormimos com um olho fechado e outro virado para a entrada do quarto, não fosse algum turra sorrateiramente entrar por ali e roubar as nossa malas. Preocupações de periquito.

Carlos Vinhal
_________

Notas de L.G.

( 1 ) Vd. post de 18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

(...) "A CART2732 foi constituída em 23 de Fevereiro de 1970, tendo como Unidade Mobilizadora a BAG 2, sita no Pico de S. Martinho, no Funchal, Ilha da Madeira (...).

"A maior parte do seu pessoal era originário da Ilha da Madeira, com excepção dos Oficiais, Sargentos e Praças Especialistas.

"Em 7 de Abril de 1970 a CART2732 recebeu o seu Estandarte. No dia 13 de Abril realizou-se no Cais do Porto do Funchal a cerimónia de despedida da Companhia(...).

"A CART 2732, sob o comando interino do Alf Mil Art Manuel Casal, embarcou nesse mesmo dia, cerca das 12H00, no navio Ana Mafalda, que largou pouco depois com destino à Guiné (...). Desembarcou no cais de Bissau pelas 16H00 do dia 17 de Abril de 1970, ficando alojada em tendas de campanha no Depósito de Adidos.

"No dia 20 de Abril realizou-se a parada de apresentação da Companhia ao Comandante-Chefe do CTI da Guiné, General António de Spínola.

"Na manhã do dia seguinte, seguiu para Mansabá [entre Mansoa e Farim, na região do Oio], onde chegou cerca das 13H00 para render a CCAÇ 2403. Neste mesmo dia, Mansabá foi flagelada pelo IN com morteiro 82 e armas ligeiras, causando 16 feridos na população. Assim estava consumado o baptismo de fogo" (...).

Guiné 63/74 - P857: Escuteiros de Porto de Mós descobrem o nosso blogue (Luís Graça)

Foi com grande alegria que descobri hoje, pelo Blogue-fora-nada, que tinha no seu site algumas das cartas militares da Guiné Bissau, as quais em nem sabia que estavam disponíveis ao público.

Passo a explicar o meu interesse nas referidas cartas. Eu pertenço ao agrupamento de escuteiros de Porto de Mós, e estivemos em Dezembro passado em actividade na Guiné Bissau, no campo escutista de Quinhamel, para além das várias visitas que fizemos a algumas cidades do país, e onde esperamos voltar com outro grupo de escuteiros em 2007.

Pode ver:

(i) o blog desta actividade em:

http://spaces.msn.com/members/guine370;

(ii) fotos em:

http://fotos.sapo.pt/davidsantos;

(iii) e outras ionformações no site do agrupamento em:

http://cne370.no.sapo.pt/3seccao/index.htm.

Agora o que eu gostaria de pedir era se seria possível enviar-me pelo menos a carta de Quinhamel, uma vez que é o local onde se desenrolam a maioria das nossas actividades na Guiné, e estar a pedir todas é muito

Gostaria também, de saber mais exactamente onde é que se adquirem os originais destas cartas, e o que é necessário para o fazer, isto, caso você também o saiba.

Despeço-me, agradecendo desde já a atenção dispensada.

David Samuel Santos

Comentário:
(i) Antes de mais os meus parabéns pelo vosso empenho e generosidade, apoiando actrividades em prol do desenvolvimento da Guiné-Bissau e fazendo a ponte da amizade com aquela gente simples, hospitaleira e generosa que bem precisa do nosso apoio e carinho, e em especial dos jovens portugueses que, felizmente, já não conheceram a guerra;
(ii) Obrigado, a seguir, pelas referências simpáticas que faz ao nosso blogue, que é todos os amigos e camaradas da Guiné;
(iii) As cartas (militares) que temos on line foram-nos disponibiladas por um dos membros da nossa tertúlia, o Eng. Humberto Reis (ex-furriel miliciano da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). Foram adquiridas por ele, em 1994, quando pensou em voltar à Guiné-Bissau (o que veio a acontecer em 1996). As 72 cartas ou mapas da antiga província portuguea da Guiné podem adquiridas no Centro de Documentação e Informação do Instituto de Investigação Científica e Tropical, em Lisboa. Algumas delas podem já estar esgotadas.
(iv) Posteriormente(em 2005 e 2006) mandámos digitalizar algumas dessas cartas: infelizmente não temos disponível ainda a carta de Quinhamel... Temos Pelundo e Bissau que confrontam com Quinhamel...
(v) A divulgação destas cartas, no ciberespaço, de modo algum pretende pôr em risco a independência e a soberania do país irmão. Nem muito menos pode ser interpretada como uma provocação. Também não tem quaisquer propósitos comerciais ou outros, de índole lucrativa. Pretende-se apenas prestar um serviço útil aos ex-combatentes da guerra colonial, e nomeadamente aos membros da nossa tertúlia e a todos os demais amigos do povo guineense.

(vi) Estas cartas, apesar de algumas lacunas (tem já meio século), são fundamentais para a reconstituição da memória dos lugares e a reorganização das memórias dos ex-combatentes portugueses que estiveram aquartelados e/ou envolvidos em operações na antiga província portuguesa (ou colónia, como queiram) da Guiné.

(vii) Prestam,os com isso, também, a nossa homenagem aos valorosos cartógrafos militares portugueses. Estas cartas da Guiné resultaramm do levantamento efectuado ao longo da década de 1950 pela missão geo-hidrográfica da Guiné – Comandantes e oficiais do N.H. Mandovi e do Pedro Nunes. A fotografia aérea é da aviação naval. Restituição dos Serviços Cartográficos do Exército. A fotolitografia e a impressão foram feitas em Portugal, em diversas empresas da especialidade. A edição é do da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, do antigo Ministério do Ultramar. Digitalização efectuada na Rank Xerox (2005 e 2006).
As seguintes cartas, à escala de 1/50 mil, podem ser consultadas on line partir do nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné)

Cartas militares da antiga província portuguesa da Guiné>

Carta da Província Portuguesa da Guiné (1961)

Mapa de Bafatá (1955)

Mapa de Bambadinca(1955)

Mapa de Banjara (1956)

Mapa de Bigene(1953

Mapa de Binta(1954)

Mapa de Bissau (1949)

Mapa de Bissorã / Mansoa (1954)

Mapa de Buruntuma (1957)

Mapa de Cacine (1960)

Mapa de Cacoca / Gadamael (1954)

Mapa de Canchungo (Teixeira Pinto) (1953)

Mapa de Cansissé (1959)

Mapa de Farim (1954)

Mapa de Fulacunda (1955)

Mapa de Guileje (1956)

Mapa de Jumbembem (1954)

Mapa de Madina do Boé (1958)

Mapa de Mambonco(1954)

Mapa de Mansoa (1954)

Mapa de Pelundo (1953)

Mapa de Piche (1957)

Mapa de Pirada (1957)

Mapa de Teixeira Pinto (Canchungo) (1953)

Mapa de Tite(1955)

Mapa do Xime (1955)

Mapa do Xitole (1955)