domingo, 6 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2412: História de vida (8): Renato Monteiro, um homem de múltiplos... fotografares (Luís Graça)

Fotografares > Blogue de Renato Monteiro > Quinta Grande - 10...

Foto: © Renato Monteiro (2006). Direitos reservados (Reprodução autorizada pelo autor).


Guiné > Zona Leste > Contuboel > 1969 > CART 2479 > O Fur Mil Monteiro, à esquerda...

Foto: © Renato Monteiro (2006). Direitos reservados


O Renato Monteiro, membro à força da nossa tertúlia (fui que o inscrevi oficiosamente...) é um querido amigo meu e camarada nosso que conheci, em Junho-Julho de 1969, em Contuboel, por ocasião da formação de duas companhias africanas, as futuras CCAÇ 11 (dele) e CCAÇ 12 (minha) (1)... Também esteve no Xime e no Enxalé, em 1969, na CART 2520, mas nunca mais nos encontrámos depois de Contuboel...

Licenciado em história pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é professor do ensino secundário, e um notável fotógrafo, com obra feita (vários álbuns publicados). Nascido em 1946, no Porto, mas vivendo em Lisboa, é também conhecido como co-autor (com Luís Farinha) de Fotobiografia da Guerra Colonial (Publicações Dom Quixote, 1990; Círculo de Leitores, 1998) (1). Já tem direito a entrada na Wikipédia portuguesa.


1. Mensagem de 5 de Janeiro de 2008, do Renato Monteiro:

Luís:

Muitos posters e histórias e novos militantes para a Amizade da Tabanca!
E saúde para ti e demais companheiros!

Um forte abraço, Renato.

2. Respondi-lhe nestes termos, a ele que há tempos já tinha dado sinais de vida:
Igualmente para ti, meu amigo... Vamos lá a ver se é desta que publico as tuas coisas... Tardaste a aparecer, mereces uma montra especial... Estive no Norte, na tua terra, nestas mini-férias natalícias... Telefone-me um dia destes: 21 751 21 37 (gabinete, na ENSP/UNL) ou dá-me o teu fixo, se tiveres... Um Alfa Bravo, Luís.


3. Mensagem, de princípios de Dezembro de 2007, enviada pelo Renato Monteiro (ex-furriel miliciano, CART 11, Contuboel e Piche, 1969/ CART 2520, Xime e Enxalé, 1969):

Amigo Luís

Por vezes, não sabemos precisar a origem dos nossos apelos, interesses, fixações… Daí que, quando nos perguntam porque fez isto ou aquilo, nem sempre se encontre uma resposta e, não raro, acabemos por inventar uma, entrando pela ficção…

Toda esta introdutória lenga-lenga, apenas para te dar a conhecer um blogue que acabei, há pouco tempo, de editar na Netinha… Ou, mais propriamente, para te convocar a uma breve incursão pela série do dito blogue que dá pelo nome de Quinta Grande, bairro de Lisboa, entretanto, demolido, habitado por gente predominantemente africana.

Diz-me se não revês nestas imagens o que foi e o que ainda será um pouco a nossa Guiné...

Um grande abraço,
Renato

O endereço:

http://fotografares.blogspot.com/


4. No blogue alaminuteandante, encontrei a seguinte nota biobibliográfica (3) sobre o Renato Monteiro que, com a devida vénia, toma a liberdade de reproduzir:

alaminuteandante > 21 de Fevereiro de 2007 > Quem é Renato Monteiro

Ao colocar como quarta citação de uma frase de Renato Monteiro (*), passo a descrever o seu curriculo na área da fotografia.

Renato Monteiro nasceu no Porto em 1946. É Licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa e presentemente é professor do Ensino Secundário.

Tem vários trabalhos fotográficos publicados, tais como:

- Fotobiografia da Guerra Colonial, em parceria com Luís Farinha.Edição D.Quixote e Círculo de Leitores, 1990 e 1998.

- Fotografia:

- METAMORFOSE, album fotográfico. Edição Comissariado da Exposição Mundial de Lisboa, 1998.

- OLHAR A OBRA, colecção de 48 fotos, integrado no Livro Estação do Oriente. Edição Centralivro, 1998.

- ERAM MARGENS DA MINHA CIDADE, Catálogo/Livro, Edição Câmara Municipal de Lisboa e Exposição nos Paços do Concelho,2001.

- LISBOA OESTE E VALE DO TEJO, participação no âmbito da fotografia, Edição Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo, 2002.

- LUZ, álbum fotográfico,Edição EDIA, 2002.

-ARTES DO MAR,álbum fotográfico e Exposição no Convento dos Capuchos, 2005.

Lisboa 2005

(*) Citação 4: "O fotógrafo não mata coisa alguma. Antes ressuscita como um santo milagreiro e transfigura como um alquimista." Set/98 - Renato Monteiro

5. Comentário de L.G.:

Ainda não tive o privilégio de ir a uma exposição de fotografia do Renato Monteiro. Que não é a mesma coisa que ver/ler um álbum fotográfico. No entanto, ele teve a gentileza de me oferecer um exemplar, o nº 88, autografado, do seu álbum Artes do Mar (edição da Junta de Freguesia da Costa da Caparica, 2005; tiragem: 150 exemplares). Eis a dedicatória que ele me escreveu:

"Luís Graça: Que o ano de 2006 corra de harmonia com os teus desejos... Um grande abraço do Renato Monteiro".

Devo dizer que não conhecia esta faceta do Renato, embora soubesse que ele era um homem de talento(s)... Ao telefone (ou da primeira e até agora única vez que nos encontrámos, não obstante sermos vizinhos...), o Renato lamentou imenso não ter, na Guiné, uma boa máquina fotográfica. De qualquer modo, ele não terá chegado a cumprir um ano de comissão na Guiné, tendo sido evacuado por doença. A sua paixão pela fotografia nota-se já no livro que publicou, em conjunto, com o Luís Farinha.

Bom, e o mínimo que eu posso dizer, da pouca obra fotográfica que eu ainda lhe conheço, é que ele é já um grande fotógrafo, dominando a difícil arte de fotografar a preto e branco, com uma particular sensibilidade para descobrir, fixar e contextualizar o homem, os homens, as mulheres, as crianças, "in su situ"... Em Artes do Mar (em que o objecto/sujeito são os últimos pescadores da secular arte xávega na Costa da Caparica e Fonte da Telha), eu redescubro o homem irrequieto, com gosto do risco, desalinhado, paisaino, outsider, deslocado na tropa, sensível, solidário, apaixonado pela vida, mas também o poeta que recria e resconstrói o mundo, ou o(s) olhar(es) sobre o mundo... Um e outro, já vêm de longe. Reconheci-os de Contuboel, não obstante a nossa brevísssima amizade de um mês e três semanas...

Enfi, serve este texto de pretexto para apresentar, oportunamente, uma colecção de fotografias do tempo da Guiné que o Renato descobri no seu baú... Umas tiradas por ele, outras por fotógrafos de ocasião...
_____________

Notas de L.G.:

(1) Foi através deste livro que me pus no encalce do Renato. Primeiro publiquei uma foto de nós os dois, no Rio Geba, em Contuboel. Foi com esta página ( Luís Graça & Camaradas da Guiné > Subsídios para a história da guerra colonial > Guiné (1) > Bambadinca, Sede do Sector L1 / Zona Leste) que dei início, em Abril de 2005, à nossa tertúlia e ao nosso blogue:

Guiné > Zona Leste > Contuboel > Junho de 1969 > Passeio de piroga junto à ponte de madeira de Contuboel, sobre o Rio Geba. Furriéis milicianos Henriques (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) e Monteiro (CART 2479 / CART 11) (2).

Nunca mais encontrei o meu amigo Monteiro que, segundo creio, é o co-autor de um livro que li e apreciei muito sobre a guerra colonial (Renato Monteiro e Luís Farinha - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: D. Quixote. 1990. 307 pp).

Menos de três meses depois, em 4 de Julho de 2005, recebi a seguinte mensagem, assinada pelo Renato Monteiro:

"Amigo Luis: Muito surpreendido por me rever numa piroga no rio Geba. Na verdade, não me lembrava desse episódio. Não menos espantado por rever a picada do Xime e outros locais que, passado tanto tempo, ainda se encontram bem presentes na minha memória...

"Lamento, ao contrário, não ter reconhecido ninguém nas fotos nem, sequer, te referenciar. Não sei a explicação.

"Sou, na realidade, co-autor do livro que referes.

"Fico ao teu dispor para o caso de quereres comunicar, e feliz pela Internet ter possibilitado este reencontro.

"Um abraço, Renato Monteiro"



(2) A CCAÇ 11 foi formada a partir da CART 11/CART 2479. Sobre Contuboel e as suas atribuladas andanças pela Guiné (por motivos disciplinares foi parar à CART 2520), vd. os seguintes posts de (ou relacionados com) o Renato Monteiro:

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

(3) Sobre esta série, Estórias de vida, vd. post anteriores:

7 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2163: História de vida (7): Manuel Carneiro, 55 anos, director de rancho folclórico, ex-pára-quedista da CCP 121 / BCP 12 (Luís Graça)

26 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2134: História de vida (6): A minha convocação para o Curso de Capitães Milicianos (Ferreira Neto)

24 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2127: História de vida (5): Sérgio Neves, meu irmão, um homem bom (Tino Neves)

6 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2032: História de vida (4): Ainda sobre o meu irmão, o Srgt Mil Sérgio Neves, que foi amigo em Moçambique de Daniel Roxo (Tino Neves)

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1928: História de vida (3): Sérgio Neves, meu irmão: em Moçambique, o Mercenário, amigo do lendário Daniel Roxo (Tino Neves)

30 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1904: História de vida (2): Bike...terapia ou 255 km de Astorga a Santiago de Compostela (Paulo Santiago)

25 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1881: História de vida (1): N.R., aliás, Nuno Rodrigues, nascido em 62, filho de sargento do BCP 12, aluno do liceu Honório Barreto

Guiné 63/74 - P2411: O que será feito do Comandante Pombo e do seu teco-teco, o Cessna vermelho dos Transportes Aéreos Civis ? (Álvaro Basto)






Guiné > Imagens do Cessna, vermelho, pilotado pelo Comandante Pombo, dos Transportes Aéreos Civis da Guiné, em que o nosso camarada Álvaro Basto fez várias viagens enre o Xitole e Bissau, nos anos da sua comissão (1972/74).

Fotos: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do Alvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492 (Xitole, 1971/74):

Assunto - A importância dos Transportes Aéreos Civis da Guiné

Caros editores do Bloguee caros tertulianos:

Gostava de lançar aqui um novo debate na Tertúlia sobre a importância que os Transportes Aéreos Civis tiveram na Guiné.

Acho que a sua popularidade foi por de mais constatada, já que atravessaram transversalmente várias gerações de companhias e batalhões com o seu magnífico teco-teco Cessna, que tantas alegrias nos trazia com a correspondencia fresca ou algo urgente que nos chegava rapidamente de Bissau.

Fiz muitas viagens naquele Cessna vermelho pelo mítico rio Curubal desde o Xitole a Bissau e vice-versa. O Piloto, o comandante Pombo, era homem afável e muito profissional. O respeito que inspirava a ambas as partes em conflito, era mítico. As viagens eram feitas sempre com imensa segurança, tanto quanto me lembro.

No entanto gostaria de ver aqui no Blogue relatos que outros camaradas possam ter sobre esta transportadora e que decerto iria enrriquecer a nossas memóras colectivas.

Deixava pois aqui o desafio: que terá sido feito do Comandante Pombo e do Cessna vermelho que tantas alegrias deu a tanta gente? Alguém sabe se algum dia foram atacados? (1)

Um abraço amigo a todos

Alvaro Basto

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Nota dos editores:

(1) Álvaro: talvez os nossos amigos e camaradas do blogue Especialistas da Base Aérea 12 Guiné 65/74 possam dar uma ajuda...

Guiné 63/74 - P2410: Cusa di nos terra (14): Susana, Chão Felupe - Parte VIII: Onde se fala dum Tintin em apuros... (Luís Fonseca)

Luís Fonseca , ex-Fur Mil Trms, CCAV 3366/BCAV 3846, Suzana e Varela , 1971/73

Texto, de 15 de Dezembro último, de Luís Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73)




Caros camaradas

Depois de uma série de rascunhos sobre a vida Felupe (1), ouso fazer uma intromissão num tema que, fazendo parte da história do Chão, pode ajudar a entender algumas tomadas de posição.


Foto 1> Susana> Felupes recolhem lenha com unimogs cedidos pelas NT

Foto 2> Chão Felupe> Casa Varela

Texto e fotos: © Luís Fonseca (2007). Direitos reservados.


A verdadeira guerra da Guiné terá sido desencadeada pelo PAIGC em 1963 (Tite).

Contudo as primeiras manifestações foram anteriores, através do MLG (Movimento de Libertação da Guiné), embora ainda de pequena envergadura, revestiram-se de algum carácter de banditismo, pois visavam apenas o aterrorizar as populações próximas da fronteira com o Senegal, entre Varela e S.Domingos culminando em 21 de Julho de 1961 com um ataque ao aquartelamento desta última povoação.

Todavia existem referências a acções do mesmo tipo, a partir de Janeiro do mesmo ano. A zona turistica de Varela e a povoação de Susana, foram dois dos alvos escolhidos, embora tivessem existido ataques a outras pequenas povoações o que provocou uma animosidade por parte dos habitantes, Felupes, que nunca perdoaram aos inimigos a malvadeza cometida, o que em termos de segurança militar foi benéfica às NT, enquanto e quando o mereceram.

A partir dessa data toda a intromissão no seu território foi penalizada severamente, fosse ela efectuada por elementos inimigos (FLING, PAIGC), fossem tropas senegalesas ou ainda algum aventureiro que tentasse utilizar o Chão apenas para passagem.

Poderia sem receio afirmar que, excluída a nossa guerra, que muito pouco ou nada os afectava, muito embora houvesse elementos da região ao serviço das NT (Pelotão Caçadores Nativos 60, vulgo Pelotão 60, alguns Comandos Africanos e uma Secção de Milícias), bem como algumas tabancas em regime de auto-defesa, o dia-a-dia era perfeitamente normal nas suas actividades, fosse a colheita de vinho de palma, o tratamento das bolanhas, a pastorícia, a pesca, a recolha de lenha (com a ajuda dos nossos Unimog), a caça, desde que dentro do seu território, a realização das actividades mercantis (mercado semanal), enfim, tudo o que uma sociedade normal realiza, em tempos normais.
Devo acrescentar que, durante a minha permanência na zona, as baixas Felupes foram de 1 morto e 1 ferido, em emboscada (mal) preparada por páras senegaleses na zona de Cassolol.

Quando refiro que uma intromissão era quase uma invasã, o vem à minha memória o mês de Novembro de 1971. Isto porque um cidadão de nacionalidade belga a que chamarei de Guy Paul, provavelmente cansado da monótona e pacata vida no seu país, decidiu realizar uma volta a África, de bicicleta e percorrendo toda a costa.

Segundo a sua narrativa entrou por Argel e tudo decorreu normalmente até Cap Skirring. Havia gasto dois meses de viagem desde que a iniciou em Bruxelas. Nesta localidade turística do Senegal - já o era na altura - , foi alertado pelas autoridades locais de que, a seguir o percurso traçado, iria entrar num território em conflito armado e com população pouco amistosa (deviam estar a referir-se aos Felupes), pelo que o melhor seria contornar a Guiné-Bissau e prosseguir a sua aventura a partir da Guiné-Conacri.

Contudo o nosso viajante decidiu manter a ideia inicial e entrou na Guiné pela zona de Cassolol.

Foi de imediato detectado por elementos da população que o rodearam e falando uma linguagem para ele não perceptível, apenas teria percebido cubano, pelo menos ele referiu que foi isso que entendeu, pessoalmente não creio que o seu aspecto fosse o de um instrutor daquela nacionalidade e muito menos que se arriscasse a andar só naquela zona. Mas para os Felupes, um indivíduo branco, de cabelos compridos e aloirados, barba crescida, blue jeans e camisola estragada (estampado do tipo camuflado) , de certeza que, não sendo português, não sendo dos seus, logo, dedução lógica, só podia ser inimigo e decidiram fazer justiça pela invasão.

Valeu ao nosso belga a pronta intervenção de um dos milícias que o guardou, é o termo, até à chegada dos militares que o trouxeram para Susana.

Que o homem estava aflito, mesmo muito aflito, isso foi patente para os que com ele falaram inicialmente, acrescentarei que o caso não era para menos.

Depois de um banho, nas circunstâncias obrigatório, antes das formalidades habituais e também de uma refeição quente e enquanto aguardava transporte para Bissau, o Guy Paul foi esclarecendo os contornos da situação vivida, incluindo os largos minutos de terror puro com uns índios de arco e flechas à sua volta, com expressões nada amistosas.

Na hora da despedida agradeceu a forma como foi recebido, mas deixou transparecer que iria continuar a sua aventura que tinha como objectivo final a capital do Egipto (Cairo).

Não sei se conseguiu atingir o seu desiderato.

Bastante mais graves as arremetidas das tropas senegalesas e os ataques do PAIGC. Esses ficarão para próximas oportunidades.

Por hoje, Kassumai

Luis Fonseca
ex-Fur Mil Trms
CCAV 3366
____________________

Nota de CV:

(1) Vd. último post da série> Guiné 63/74 - P2397: Cusa di nos terra (13): Susana, chão felupe - Parte VII: O guerreiro João Uloma (Luís Fonseca)

sábado, 5 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2409: Estórias avulsas (12): Uma atribulada viagem de barco pelo Rio Cacheu até Farim (Fernando Chapouto)

Guiné > CCAÇ 1426 (1965/67) > Secção do Fur Mil Chapouto > "Militares que fizeram parte da escolta a Farim: da esquerda para a direita, em baixo, 1º Cabo Vitorino, 1º Cabo Enfermeiro Coimbra, 1º Cabo Alfredo, Soldados Costa e Guerreiro; em cima, eu, Fur Chapouto [, assinalado por um rectângulo a vermelho], soldados Matos, telegrafista, Cozinheiro Júlio, Paixão e Duarte... Faltam dois, o Leonel e o Valter" (FC).


Foto e legenda: © Fernando Chapouto Direitos reservados.


Texto de Fernando Chapouto, ex-Fur Mil, Op Esp, CCAÇ 1426 (Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, 1965/67). O Chapouto chegou, no Niassa, à Guiné em Agosto de 1965; em Outubro de 1965 foi para Camamudo; em Dezembro de 1965 foi destacado para Banjara; em meados de 1966 foi destacado para Geba; em Março de 1967 foi colocado em Cantacunda; e, por fim, em Maio de 1967 regressou à metrópole no Uíge. Recebeu uma cruz de guerra (1).


Passados uns dias [ da chegada à Guiné], entra o Fur Chapouto na baila numa missão muito delicada: fazer escolta a um barquito com dois batelões, carregados de géneros para as tropas estacionadas na zona de Farim. Lá fomos, a minha secção com um enfermeiro, cozinheiro, radiotelegrafista, o barco a dez à hora, mesmo na praia mar. Na baixa-mar, o barco parava. Entrámos no rio Cacheu, começaram a surgir os problemas: o rádio não funcionava talvez por falta de experiência, os alimentos todos estragados, com arroz cheio de bicho, feijão idem, azeite e algumas conservas e chouriços que tivemos que começar a racionar, pois ainda faltavam muitos dias e as rações de combate não dariam para todo o tempo.

Chegámos a Cacheu pedimos pão que nos foi fornecido em quantidade, aí conseguimos contactar com Bissau, que estava tudo a correr bem excepto a alimentação. A resposta foi que nos desenrascássemos, pois nada havia a fazer... E lá fomos ao som das marés até São Vicente, acompanhados de perto por uma lancha da marinha que ia e vinha, sempre com o barco à vista. Aí estivemos dia e meio à espera do barco patrulha. Para matar o tempo, pescávamos, e até se apanhou um tubarão ou da família, mas pequeno, deu para uma ou duas refeições.

Aí o comandante do patrulha alertou-me para o perigo que íamos enfrentar. Lá fomos atrás dele, ele ia para cima e para baixo tudo de noite, até que o inesperado aconteceu: eu estava a passar pelas brasas, de repente ouvi umas rajadas, pus a G3 em posição, mas nada mais... Chegou um dos meus cabos:
- Furriel, que está aí a fazer ? Temos um ferido!
- Mas eles já se calaram - ia dizendo eu.
- Não são terroristas, foi o preto que ficou-se a dormir e o barco meteu-se pelo arvoredo dentro, partindo-se.
- Pareciam rajadas, temos um ferido ?... Como se feriu o soldado ?
- A roldana do mastro ao embater nas árvores soltou-se e caiu-lhe em cima da perna e partiu-a.

Este soldado não pertencia à minha secção, ia para Farim para mais uma comissão como voluntário.

Tirei o preto do leme e pus lá o meu cabo, que era de Portimão e tinha carta de barcos. Lá continuámos até Binta onde deixámos o ferido e continuámos até Farim onde chegámos ao meio da manhã.

Depois de cumpridas todas as formalidades, fui ter com o Sargento dia que era um Furriel do meu curso, para nos dar uma refeição, contando-lhe a história. Por ele não havia entraves, mas o Oficial de dia só pôs problemas. Disse-lhe se era preciso pôr o problema ao comandante do batalhão, que eu ia ter com ele. Enfim, lá se ultrapassou o problema, mas andei nisto mais de uma hora.Comemos os restos do tradicional prato da tropa, feijão com chouriço, ninguém disse Feijão, venha ele - como diziam na Metrópole...

Por sorte nossa, Farim tinha sido atacada na manhã anterior com morteiradas e bazucadas, estava a coisa preparada para nós, mas como nos atrasámos um dia por causa da lancha patrulha, safámo-nos.

Lá empreendemos nós o regresso, parámos em Binta para carregar os batelões de madeira, foi rápido, pois a maré não esperava...

O regresso foi mais rápido e sem problemas até à entrada da barra. Ai apanhámos uma grande tempestade, pois estávamos na época das chuvas, uma grande trovoada, ondas com muita altura... O preto desamarrou os batelões que ficaram à deriva e o barquito onde fiquei com mais dois ou três soldados e a tripulação que era preta. Pensei:
- Não morro com um tiro, mas morro afogado...

Apesar de saber nadar, pensei que era o fim, os pretos rezavam, pareceu-me uma eternidade, com o clarão dos relâmpagos via o lamaçal na margem...Como é que nos safamos se o barco se volta ? Lá ficaremos atolados...

O pesadelo só terminou quando a tempestade passou, isto tudo de noite. Começou a romper o dia, agora a tarefa era ir atrelar os batelões que ficaram à deriva, um distante do outro... Os pretos lá os amarraram e lá fomos até ao cais de Bissau. Comuniquei a chegada ao comandante de companhia, as viaturas chegaram rapidamente, lá carregámos os restos nas viaturas, e ala que são horas e que a fome aperta... Toca a tomar banho, mudar de roupa que o perfume era óptimo! Pudera, doze dias com banho de balde e chuva e fome.

Conclusão: comecei a perceber o que se me ia deparar pela frente, pois isto só ainda era o começo de uns longos meses.

Fernando Chapouto

Fur Mil Inf op Esp

CCAÇ 1426
Guiné 65/67
_________

Notas dos editores:

(1) Vd. outros posts do Fernando Chapouto:

17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2357: O meu Natal no mato (3): Banjara, 1965 e 1966: um sítio aonde não chegavam as senhoras do MNF (Fernando Chapouto)

20 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1450: Operação Jóia ou o dia mais trágico da minha comissão (Fernando Chapouto)

1 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1233: O meu cantinho na Net (Fernando Chapouto, CCAÇ 1426, Geba, Banjara, Camamudo, Cantacunda, 1965/67)

30 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXIX: Recordando Geba, Banjara, Camamudo, Cantacunda, Bafatá (CCAÇ 1426) (Fernando Chapouto / A. Marques Lopes)

(2) Pelo que conheço do Fernando (já nos encontrámos três ou quatro vezes), o termo preto aqui utilizado não tem qualquer conotação racista, é apenas linguagem de caserna...

Guiné 63/74 - P2408: Sistema de cores dos bidões de Combustíveis & Lubrificantes, usados pelas NT no CTIG (Victor Condeço)

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Regulado do Cuor > Missirá > Pel Caç Nat 54 > Março de 1970 > O HUmberto Reis, Fur Mil Op Esp, 2º Gr Comb, CCAÇ 12, ostentando um jacaré do Rio Geba... Por detrás, vêem-se bidões de várias cores: Vermelho (gasolina), verde claro (petróleo branco), amarelo (gasóleo)... Recorde-se que este destacamento, no Cuor, a norte do Rio Geba, não tinha gerador eléctrico, sendo o seu perímetro de arame farpado iluminado com garrafas de cerveja de 0,6 l (bazucas), com petróleo.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Ponte do Rio Udunduma > 2º Gr Comb, CCAÇ 12 (1969/71) > O Fur Mil Op Esp Humberto Reis à entrada de um improvisado abrigo, protegido lateralmente por bidões cheios de terra... Pela cor (verde claro), seriam bidões de petróleo branco...

Fotos: © Humberto Reis (2005) . Direitos reservados.

1. Resposta do Victor Condeço, em 31 de Dezembro de 2007, a uma pergunta do Nuno Rubim sobre o sistema de cores dos bidões de Combustíveis e lubrificantes, usado pelas NT no CTIG (1):

Meu Caro Nuno:

Li mais uma vês li o teu apelo sobre a cor dos bidões dos combustíveis. Fui à lista do pessoal do meu batalhão, o BART 1913 (2), agarrei no telemóvel e contactei o Arlindo Dias Costa, que foi o homem da especialidade de Combustíveis e Lubrificantes.

Feita a pergunta, vieram as confirmações:

Vermelho = Gasolina

Azul = Gasóleo

Verde-Claro = Petróleo branco

Amarelo = Óleos

Segundo o meu camarada, no caso dos combustíveis para aeronaves (em Catió também tínhamos) os bidões também eram verde-claro, mas de tampa (topo do bidão) de cor branca.

Havia na categoria dos óleos inscrições nos bidões que os diferençavam quanto à viscosidade. Foi toda informação que consegui obter, ainda alvitrei outras cores, mas ele não se recorda de outras cores.

Com os desejos de um Bom Ano de 2008 com saúde e felicidades.

Um abraço do

Victor Condeço

2. Comentário de L.G.:

Victor: Neste último dia do ano, tu mereces um brinde especial!!!... Estou-te muito grato e imagino que o Nuno esteja também muito feliz com esta informação (preciosa)...já que ele quer acabar o seu diorama de Guileje, que vai ser (já é) uma obra-prima...

São estas pequenas coisas que fazem grande o nosso blogue... Se eu fosse teu comandante diria que tinha muito orgulho em ti... Como sou apenas teu camarada (que é o posto máximo que temos cá na nossa Tabanca Grande), eu direi: Dá cá uma Alfa Bravo, ganda Victor!... Muita saúde para 2008. Luís

3. Resposta do Victor:

Camarada Luís:

Grato pela tua mensagem, mas não tens nada que agradecer, nem tu nem o Nuno, fiz o que já devia ter feito logo no primeiro apelo, telefonar de imediato, porque depois passa a oportunidade e acabamos por nos esquecer (...).

___________

Notas dos editores:

(1) Vd. post de 31 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2394: Quem se lembra das cores dos bidões de combustíveis e lubrificantes ? (Nuno Rubim)

(2) O Victor Condeço, que vive hoje no Entroncamento, foi fur mil, mecânico de armamento, da CCS do BART 1913 (Catió, 1967/69).

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2407: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (14): O falso descanso em Bambadinca

Guiné-Bissau > Região Leste > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 (1968/69) > O Alf Mil Beja Santos, ladeado por dois milícias, de etnia fula: à esquerda, o Albino Amadu Baldé, natural do regulado do Corubal, comandande do Pelotão de Milícias 101, de Missirá; a direita, Indrissa Baldé, soldado do Pel Mil 101. Finete era guarnecida pelo Pel Mil 102. Estas subunidades está sob o comando do Alf Mil Beja Santos. E lá ficaram, agora que o ´Beja Santos e o Pel Caç Nat 52 são transferidos para Bambadinca, em meados de Novembro de 1969.

Foto : © Beja Santos (2007). Direitos reservados.


Depois de um interregno de duas semanas, por causa da quadra natalícia e da festa de Ano Novo, retomamos a publicação da série Operação Macaréu à Vista - Parte II, do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70). O episódio nº 14 foi-me enviado em 12 de Novembro de 2007 (LG):

Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (14):

O DEDO MINDINHO DO FURRIEL PINA

(i) Operação Truta Vivaz com o Pel Caç Nat 54 e a CCAÇ 12


De 14 a 19 de Novembro estou ao serviço de Missirá através do Pel Caç Nat 54 e do Pel Mil 101 que está novamente todo reunido. Com efeito, as duas secções que andavam destacadas regressam a Missirá e, vendo-as chegar a 15, ao alvorecer, interrogo-me se não valeu bem o esforço de me carpir permanentemente em Bambadinca pedindo um contingente compatível com as idas diárias a Mato de Cão, emboscadas, patrulhamentos e um sem número de digressões logísticas e actividades de faxina.

O Alves Correia, [comandante do Pel Caç Nat 54,] veio a 14, quando escurecia e gentes de Madina/Belel fogueavam para dentro do aquartelamento, com um grau de destruição mínima. Trazia instruções do major de Operações para desencadear, no amanhecer de 16, a Operação Truta Vivaz, de colaboração com um grupo de combate da CCAÇ 12. E mostrou-me a ordem de batalha, que me deixou estupefacto: 60 homens iam fazer um patrulhamento ofensivo entre Finete, Sinchã Corubal, São Belchior e Saliquinhé.

De imediato chamei o guia e picador Quebá Soncó, e dei as seguintes sugestões: o Pel Caç Nat 54 encontrar-se-ia com a força da CCAÇ 12 ao amanhecer de 16, em Finete. Seguiriam por Malandim até Gambana, sempre a corta-mato atravessariam o palmeiral de Chicri sobre Mato de Cão e, no caso de não haver quaisquer indícios da presença de gentes de Madina/Belel nas imediações, subiriam até muito perto da antiga tabanca de Sinchã Corubal. A manter-se a falta de indícios, a força em patrulhamento aproveitaria a luz do dia para atravessar o palmeiral junto ao rio de Ganturandim, fazendo o reconhecimento de Iaricunda.

Esclareci o Alves Correia que subir este rio até ficar de frente a Madina fazia correr riscos desaconselháveis para dois pelotões que desconheciam inteiramente o terreno. A única vantagem dessa operação temerária seria a de detectar eventuais novos trilhos, preço que me parecia muito elevado. Sugeria que se reduzissem os riscos emboscando abaixo de Sinchã Corubal, se possível junto de um trilho inimigo, e partindo de manhã cedo para S. Belchior espiolhando as bolanhas até Saliquinhé, em toda a orla do Geba, no intuito de procurar canoas que fizessem a cambança para os Nhabijões.

O Alves Correia aceitou este plano, falei olhos nos olhos com Quebá Soncó, pedindo-lhe para não se desviar um milímetro do que aqui se acordara. A 16, o Pel Caç Nat 54 parte para Finete pelas três da manhã e eu fico a cuidar do quartel com as milícias.

Enquanto decorrem operações de arrumos dos milícias que chegaram, o burrinho vai à fonte de Cancumba e as crianças estão na escola, tenho a minha última conversa com Lânsana. Ele beberrica chá verde enquanto falamos de questões vegetais. Com a sua voz lenta e o seu olhar doce, fala-me dos mangais e as suas palmeiras de azeite, dando como exemplos Mato de Cão e São Belchior.

Respondendo às perguntas que lhe vou fazendo sobre as árvores das florestas, veio comigo até à porta de armas para me falar dos poilões de diferente porte, o tempo que é necessário para um bissilão ficar gigante, mostrou-me o pau-conta e falou do pau-incenso e do pau-veludo, bem como da farroba e do pau-bicho e da calabaceira que existiam para lá de Cancumba, sim, era possível encontrá-las, por exemplo entre Sancorlã e Salá. Lembrou-me também que a paisagem da savana pode ter bambu, cibe, tambacumba e poilão-forro. Quando regressámos ao interior de Missirá, Lânsana falou com Bubacar Baldé, o comandante das milícias em exercício, pedindo-lhe que me mostrasse as árvores da savana quando me trouxesse até Finete.

Arrumo todos estes dados no meu caderninho viajante, anoto os temas que quero ainda desenvolver: paludismo, doença do sono, elefantíase; choros e fanados; culturas do arroz e do amendoim, fundo e mandioca; pesca na bolanha. Fecho o caderno e vou falar com Malã, começando por discretamente lhe devolver o anel de Infali Soncó:
- Régulo, o seu filho Quebá é um valoroso guerreiro, um dia vai suceder-lhe é ele quem tem dignidade para usar este anel. Nunca esquecerei a confiança que depositou em mim e os laços de família que me unirão para todo o sempre aos Soncó.

É então que o régulo começou a exaltar Alá como o Deus misericordioso e me perguntou o que é que eu pensava da sua infinita clemência e do que disse o Profeta. Terei respondido algo como isto:
- Régulo, o Deus que orienta as nossas vidas é o amor. O Corão diz claramente que os fiéis, os judeus e os cristãos e todos aqueles que praticam o bem serão recompensados no Juízo Final. O Corão fala de um Deus revelado a Abrãao e às tribos de Israel, e que não há distinção entre este Deus e o Deus dos muçulmanos. Para quê, então, não aceitar as nossas diferenças cantando glórias a Deus, sem nenhuma intolerância?

Malã continuou a falar no Livro de doutrina e de adoração a Deus, abracei-o e pedi-lhe para irmos pela última vez rezar juntos à mesquita. O dia continuou placidamente, tive tempo para fazer termos de juntada em vários autos, de um Boletim Cultural da Guiné Portuguesa que me foi oferecido em Bafatá, de 1952, li o conto “Éguê Baldé”, de Fausto Duarte, que me impressionou muito pelo drama de uma jovem fula que é vendida a um velho e está louca de dor. Fausto Duarte fala de casos de lepra na tabanca, na vergonha e repugnância de Éguê, no espancamento a que a sujeita o pai e de um régulo corrupto de quem não se pode esperar justiça.

Aproveitei também para ler um pequeno ensaio de autoria do Ruy Cinatti intitulado “Tipos de casas timorenses e um rito de consagração”. A dedicatória é muito bela: “Para o Mário olhar para as casas antes de as habitar... Com um pé no pedal e a mão no coração, Ruy”.

Ele descreve a habitação no sudeste da Ásia, revela as distinções, as fases fundamentais da construção e o que se diz na consagração da casa, que tem uma força poética assombrosa. Dizendo que está a transcrever da língua tetun de timorenses construtores de casas rectangulares, sinto perfeitamente o sopro do poeta Ruy Cinatti:

Em terra umbigo, em terra centro,
Em pedra angular, pátio sagrado,
Terra plana, terra nivelada.
A terra alarga-se, a terra rasga-se ...
Passada a primeira fase, cortados os primeiros prumos,
Depois que tudo correu bem,
Fazer como, fazer de que modo?
Ir pedir de novo, suplicar novamente,
Pai Deus, Mãe Deus,

Avós Deus, Impérios Deus,
Agora mesmo fazer como, agir de que maneira?


Isto pode ser um rito de consagração timorense, mas está aqui o halo místico e religioso de um dos maiores poetas do nosso tempo. Fiz a escala de reforços, conversei com os sentinelas, escrevi aerogramas, dormi como um justo.

A Op Truta Vivaz acabou bem, sem encontros nem desencontros, não se deu pela presença do inimigo, as tropas do Alves Correia vêm ensonadas, aproveito para levar as milícias até à ponte do rio Gambiel, despeço-me dos mais lindos palmeirais que já vi em toda a minha vida.

No dia seguinte, vistorio com o Alves Correia tudo quanto está no depósito de víveres, examinamos as metralhadoras e os morteiros. Cá fora, à volta do quartel, depois em Cancumba, em Morocunda e junto a Mato de Madeira conferimos as zonas minadas e armadilhadas pelo Reis sapador. E ainda fomos à Aldeia de Cuor, visitámos as ruínas, mostrei-lhe os carris e as vagonetas ferrugentas.

(ii) Uma despedida emocionada de Missirá e de Finete

Chegou a hora de partir e aproveito a coluna que vai buscar arroz a Bambadinca. Junto todas as minhas forças para esconder a emoção da despedida. O meu espólio foi levado a 14, por Ussumane Baldé, guarda-costas em exercício. Uma multidão silenciosa aguarda-me na porta de armas. Prometo voltar em breve, um Soncó volta sempre. Peço para ir a pé, quero despedir-me do Cuor captando-o em todo o seu esplendor: paro em Cansonco junto da destilaria do açoriano, olho os ferros dos alambiques e os despojos da maquinaria apodrecida, o que resta das paredes do que terá sido uma bela construção de carácter colonial; na estrada para Canturé, observo o caminho que dá para Gã Joaquim, depois Gã Gémeos, vejo os laranjais, os imensos morros de baga-baga, os limoeiros e os cajueiros em flor, em Canturé ajoelho-me e rezo ao pé dos destroços do 404, desfeito pela mina anti-carro de 16 de Outubro, mais adiante desço a ladeira íngreme de Finete, cumprimento o chefe de tabanca, os homens e as mulheres grandes, visito Bacari Soncó e recordo-lhe que ele é um irmão muito amado, abraço e beijo o meu querido Abudu Cassamá.

À saída do aquartelamento, procuro reter tudo, como se a vista pudesse empapar-se como um mata-borrão e reter a panorâmica entre Santa Helena, Ponta Nova, até Malandim, só falta a bola de fogo do fim de dia tropical. Junto ao Geba, antes de embarcar na canoa e me despedir de Mufali Iafai, olho pela última vez o meu Cuor, sinto que algumas lágrimas me bailam nos olhos. Volto as costas, subo a rampa de Bambadinca, começa neste instante uma nova etapa na minha vida.


(iii) Uma nova (!) vida... Bambadinca, sede do BCAÇ 2852 (1968/70)


A minha habituação não vai ser fácil. Fiquei num quarto de quatro camas, os outroslocatários em permanência são o Abel [foto à esquerda] e o Moreira [foto à direita, a seguir, ladeado pelo Reis e pelo Levezinho], ambos da CCAÇ 12. Desenvolverei com eles, nos próximos dez meses, uma excelente relação. Mas tudo aquilo me confunde, a gritaria dos corredores, as portas que se abrem e fecham subitamente, o estar longe dos soldados, o ter confirmado à chegada as diferentes condenações sem apelo nem agravo que nos esperam:
- ir ás tabancas fazer psico;
- montar segurança nos Nhabijões, onde está uma equipa coordenada pelo alferes Carlão;
- passar noites em desespero numa alfurja que dá pelo nome dos abrigos do rio Udunduma;
- fazer emboscadas na missão do sono, no Bambadincazinho;
- ir levar e buscar correio a Bafatá;
- patrulhar a estrada entre o rio Udunduma e Amedalai, patrulhando também junto ao Geba para dissuadir as cambanças dos que vêm de Madina;
- fazer colunas ao Xitole;
- colaborar em todas as operações dentro do sector, com forte incidência nas regiões do Xime e Mansambo...

Várias vezes o Queta Baldé termina as reuniões que temos para recordar ao múltiplos episódios que vivemos juntos desabafando:
-Vínhamos à espera de encontrar descanso em Bambadinca, estávamos estafados, logo ficámos rebentados, nunca mais houve um dia de descanso, a montar segurança, a ir a Madina Bonco, aquele rio Udunduma era o Inferno. Quero que o nosso alfero saiba que ficámos bem arrependidos por ter pedido para ir para Bambadinca!”.

(iv) Na estrada para o Xime, o furriel Pina mete o dedo na G3


A 20, estreei-me como oficial de dia e à noite fui montar uma emboscada para a estrada do Xime. No dia seguinte escrevi à Cristina:
- Tu não vais acreditar neste episódio burlesco: saímos depois do jantar para uma emboscada decidida pelo major de Operações, a caminho do Udunduma, em ataque anterior a Bambadinca foi aqui que os rebeldes puseram os canhões sem recuo e morteiros. Estava uma noite serena, saí com duas secções, acompanhou-me o Pina, o Pires tem agora trabalho numa terra aqui perto chamada Sinchã Mamajai. Teríamos feito um quilómetro por um caminho saibroso, e subitamente um grito medonho atravessou a noite, logo me apercebi que não era nem emboscada nem mina. Fui ao local da gritaria e dei com o Pina estatelado no chão a gritar com um dedo mínimo dentro do cano da espingarda. Tentei tirar-lhe o dedo, impossível. Ele escorregara no saibro e acontecera aquela coisa impensável. Imagina o que é regressar a Bambadinca com o Pina lívido, um soldado a segurar-lhe a arma, ele a gemer com o seu dedo esfanicado lá dentro. À cautela, retirei-lhe o carregador para evitar acidentes. Fomos para a enfermaria, ele sentado com a arma em cima da marquesa, com braço estendido. O David ficou embasbacado, o dedo ia inchando, todos os esforços para lhe retirar o dedo resultavam infrutíferos. Em dado momento, o David, com a testa perlada de suor, chegou a admitir a hipótese de lhe cortar o dedo e aí o Pina gritou que não, preferia ter todas as dores necessárias até se encontrar uma solução para ficar com o dedo inteiro. O Reis sapador foi buscar varetas, começou a esgravatar à volta do tapa-chamas, o Pina deu um urro, tal era o sofrimento, o Reis enfureceu-se e enfiou-lhe um tabefe, não sei que é que ele se julgava, se feiticeiro ou a desmontar uma mina, pedi ao David para lhe dar uma injecção ao Pina que o deixasse a dormir... Lembrei-me então que tínhamos desempanadores e pedi para falar com o Alexandre. O primeiro cabo desempanador Alexandre conhecia perfeitamente Missirá, dizendo que sempre que a visitara fora recebido à morteirada. Foi ele quem conseguiu desatarraxar o tapa-chamas, o dedo tinha a falangeta quebrada, com fractura exposta, lá se deu um calmante ao Pina (que foi na manhã seguinte evacuado para Bissau) e eu regressei para os mosquitos na emboscada (2).

(v) O novo médico do batalhão, Joaquim Vidal Saraiva

Os tempos que vêm são de duros para me aclimatar a esta atmosfera de sede de batalhão, viver aqui em permanência. Na manhã seguinte, volto a Bafatá, por causa do correio, compro na Casa Teixeira uma História da Filosofia, de Nicola Abbagnano, dos pré-socráticos a Aristóteles.


Cap do romance policial A Mulher Fantasma, de W William Irish. Lisboa: Livros do Brasil, s/d. (Colecção Vamprio, 38). Capa de Cândido Costa Pinto.


Voltamos por Galomaro para entregar caixas de armas. De Bambadinca vou a Afiá buscar doentes que vão ser vistos na enfermaria pelo David. Começou a minha vida nova, à tarde vou para os Nhabijões, à noite novamente para uma emboscada. O correio que recebo é cada vez mais doloroso. Amanhã volto a Bafatá e vou buscar a procuração para o casamento civil.

Ao almoço, na messe de oficiais, Jovelino Corte Real [, comdante do BCAÇ 2852,] apresenta-nos o novo médico, Joaquim Vidal Saraiva, que veio de Guileje. O David Payne parte para Bissau, manteremos sempre o contacto, ele irá ajudar-me imenso quando em Janeiro eu passar uma semana a dormir graças ao Vesperax e outras drogas.

O Vidal Saraiva (3) vai ser um grande amigo, estou a vê-lo desesperado a tentar salvar Uam Sambu, ao amanhecer de 1 de Janeiro de 1970.

(vi) O Arco do Triunfo, de Erich Maria Remarque


Estou empanzinado de bons policiais. Primeiro, li A mulher fantasma, de William Irish. É hoje um clássico: um casal à beira da rotura, o marido sai de casa depois de uma discussão conjugal, janta e vai a um espectáculo de variedades com uma estranha que encontrara num bar. Quando regressa a casa, a mulher fora assassinada, ele é preso, apresenta um álibi que ninguém confirma, sim, ninguém se recorda se ele estava acompanhado, no bar, no jantar, no espectáculo de variedades. Condenado à morte, recorre à ajuda de um amigo para procurar desesperadamente aquela mulher e vão suceder-se mais mortes. Um polícia desconfiado reabre o processo e irá prender o verdadeiro criminoso. Scott Henderson, o falso assassino, é inesquecível pela vontade indómita em que se esclareça a verdade. Os capítulos começam sempre assim: O centésimo quinquagésimo dia antes da execução, o vigésimo primeiro dia antes da execução, um dia após o dia da execução... Um suspense bem equilibrado, perfis psicológicos bem desenhados, uma atmosfera de angústia devidamente condimentada.

O Caso Benson, de S.S. Van Dine, traz a apresentação de Philo Vance, esse superculto e aristocrático detective. Van Dine excede-se no barroquismo do seu retrato, depois de exaltar o método analítico e interpretativo que ele aplicou nas investigações criminais: coleccionador sofisticado de arte, rodeado de primitivos italianos, de Cézanne e Matisse, desenhos de Miguel Ângelo e Picasso, gravuras chinesas, ânforas romanas, vasos coríntios, estatuetas Ming, marfins e tesouros egípcios. Vance pratica desporto, desde esgrima ao golfe. É rico, bem parecido, viajado, é inteligente e quer descobrir criminosos.

O Caso Benson foi uma estreia feliz, com Philo Vance a decifrar a estatura do assassino de Alvin Benson, a não dar importância a sinais que apontavam para uma mulher que visitara Alvin na noite do homicídio, induzindo o criminoso a estar tranquilo até à revelação final. Sempre gostei muito deste Philo Vance, às vezes canastrão, e tenho já aqui outros livros dele para me deliciar.

Capa do romance de Ercih Maria remarque, Arco de Triunfo. Lisboa: Livros do Brasil, s/d. (Colecção Dois Mundos, 6). Capa de Bernardo Marques.


Mas o prato de substância da semana foi o Arco do Triunfo, de Erich Maria Remarque. Estamos nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, vamos conhecer o drama dos refugiados que vivem em Paris. Ravic é um médico alemão que conseguiu fugir às garras da Gestapo e sobretudo ao seu algoz, Haake. O romance começa com o encontro entre Ravic e Joan Madou, haverá uma história de amor e uma separação triste. Ravic descobre Haake em Paris e mata-o. Joan é morta numa cena de ciúmes, por um apaixonado de ocasião. Vem a guerra, os refugiados, políticos e judeus, vão todos para um campo de concentração francês. São páginas memoráveis, registo uma frase que ainda hoje me persegue: “O destino nunca é mais forte do que a serena coragem com que o enfrentamos”.

Antes de entrar no camião que o leva para o campo de concentração, Ravic despede-se do seu amigo Boris Morozow e dizem: “ - Encontrá-lo-ei, depois da guerra, no Fouquet. - De que lado? Campos Elíseos ou George V? - George V”. E separam-se. E assim termina o romance: “ O veiculo seguiu ao longo da Avenida Wagram, ingressando na Praça da Étoile. Não havia luz em parte alguma. A praça estava imersa em trevas. Tão escuro que nem se via o Arco do Triunfo”.

Deitado na minha cama, na minha nova morada, fecho o livro e recordo o filme com Charles Boyer a interpretar Ravic, Ingrid Bergman esplendorosa em Joan Madou e Charles Laughton quase sublime no tenebroso carrasco Haake. Mal sabia eu que dentro de dias vou ver cinema em Bambadinca, uma Ford T a cheirar a gasóleo, a resfolegar ruidosamente a correia de transmissão. Há uma bobine que se projecta sobre uma tela, ouvem-se muitos tiros e há muita acção para divertir militares na guerra. O primeiro filme chamar-se-á Hércules contra Ciclope, com Steve Reeves no protagonista.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 14 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2349: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (13): Na despedida de Missirá, em que me tornei um Soncó

(2) O Fur Mil Pina também integrou, posteriormente, o Pel Caç Nat 63, na altura comandado pelo Alf Mil Jorge Cabral.

(3) Contacto actual:

JOAQUIM VIDAL SARAIVA, Dr. (ex-Alf Mil Médico, CCS do BCAÇ 2852)
Esplanada Fernando Ermida,
284405-335 S. FÉLIX DA MARINHA
Telf 227810206 / 227624167

Vd. post de 21 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1773: Lista do pessoal de Bambadinca (1968/71) (Letras C / Z) (Humberto Reis)

No nosso blogue temos, pelo menos, duas referências ao Alf Mil Médico Saraiva (de quem me lembro bastante bem, mas que não sabia que tinha vindo de Guileje; fizemos juntos a Op Tigre Vadio):

1 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P930: O Relim não é um Poema (a propósito da Op Tigre Vadio) (Luís Graça)

29 de Junho de 2006

Guiné 63/74 - P924: SPM 3778 ou estórias de Missirá (4): cão vadio disfarçado de tigre (Beja Santos)

(...) Nota de L.G.:

(...) O médico da CCS do BCAÇ 2852 (que teve vários, entre eles o David Payne Rodrigues Pereira, psiquiatra), na altura, o Alf Mil médico Saraiva (que reside em Vila Nova de Gaia, segundo preciosa informação do nosso camarada Humberto Reis), veio no helicóptero de reabastecimento com o Beja Santos, para prestar assistência médica aos casos mais graves de intoxicação (devido ao ataque de abelhas) e de desidratação... Acabou por ficar em terra uma vez o que o helicóptero, danificado, já não voltou... Deixou o Beja Santos no Xime e zarpou para Bissau...

O Dr. Saraiva acabou por aguentar, de pé firme, o resto do dia e toda a noite e toda a manhã, acompanhando-nos na nossa extremamente penosa vaigem de regresso, até ao aquartelamento do Enxalé. Onde quer que ele esteja, daqui vai um abraço para ele. Era muito raro um médico ir para o mato. O mesmo acontecendo com os furriéis enfermeiros...

O Zé Luís Vacas de Carvalho, que foi comandante, em Bambadinca, do Pelotão Daimler 2046, lembra-se bem dele: "Estivémos com ele`há 2 anos em Ferreira do Zêzere. Penso que é médico (ainda) em Gaia. Lembro-me uma vez que o Piça, entornou um jipe cheio de gaiatos e, como eu queria ir para medicina, estive a ajudá-lo a fazer curativos"... Se alguém souber do seu paradeiro, que entre em contacto connosco... Gostaríamos de conhecer a sua versão dos acontecimentos: por certo que nunca mais terá esquecido a Op Tigre Vadio... (LG)

Guin é 63/74 - P2406: Op Tridente, Ilha do Como, 1964: Guerrilha e contraguerrilha (Santos Oliveira / Mário Dias)


Guiné > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > LDM desembarcando as NT. Foi a maior ou uma das maiores operações realizadas no TO da Guiné, durante toda a guerra (1963/74). Segundo o Mário Dias, as baixas de um lado e doutro foram as seguinte: Das NT, 8 Mortos15 Feridos; Do PAIGC:76 Mortos (confirmados), 29 Feridos, 9 Prisioneiros... 

Na batalha do Como, morreu um dos primeiros heróis do PAIGC, o comandante Pansau Na Isna, cuja história poucos jovens guineenses de hoje devem conhecer, apesar de ter dado o nome a uma das principais avenidas de Bissau. 

oto: © Mário Dias (2005). Direitos reservados.



 
 Guiné > PAIGC > A Libertação do Komo. In: O Nosso Primeiro Livro de Leitura, p. 31. Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC, 1966 (1). Fotos: © A. Marques Lopes / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados. 1. Mensagem de Santos Oliveira, datada de 24 de Dezembro de 2007: Assunto - Op Tridente e o tempo seguinte Caro Mário: Desculpa-me esta intervenção pessoal, mas está-me atravessada… Acho que já fiz esta anotação em qualquer lado; mas gostava de partilhar a minha análise a partir da Op Tridente (2). Tudo o que tens escrito e afirmado é verdade e uma realidade (os pormenores são apenas isso). Entretanto, como elemento principal de análise começa-se pelo tipo de Operação, como foi planeada e como foi desenvolvida. Todos nós sabíamos que estávamos a fazer uma Operação de Guerra CLÁSSICA que até estava de acordo com a Instrução Militar que era ministrada (na época e mesmo muitos anos depois). Daí vocês terem sofrido bem mais, quase até ao limite da resistência humana. Tu, como eu e outros (Rangers ou Comandos) provavelmente possuíamos conhecimentos de Guerrilha que eram quase desconhecidos para a maioria dos Militares, mesmo do QP; eu, pelo menos, recebi conhecimentos práticos, que me eram extremamente úteis, tão somente porque o (oficialmente) Conselheiro Militar Americano que me deu essas bases, era Cap dos Rangers Americanos, e havia feito 2 Comissões no Vietname. Era extremamente cuidadoso e precavido e sempre nos transmitiu essa norma. Sabes bem que em guerrilha há umas quantas regras, mas que não são regras nenhumas; aproveita-se e improvisa-se tudo, de acordo com a situação de cada momento. Agora, pensa: Depois de 70 dias, com as ilhas isoladas pela Marinha, Força Aérea e parte das NT, como poderia ser feito reabastecimento de munições, ao IN? A população não estava lá e eles tinham que sobreviver para não morrer; por isso limitavam-se, como dizes e muito bem, a dar um tiro de aviso aquando da vossa aproximação. Acredita que vocês passavam ou cruzavam a mata (conhece-la suficientemente bem), mas não a dominavam; eles não podiam nem queriam o contacto, pelas razões óbvias (munições), não do desgaste, mas da falta de meios. E quando foi retirado o efectivo (ou dispositivo) da Op Tridente, achas que uma Companhia, por muito activa e aguerrida que fosse, conseguia impedir o remuniciamento do IN? Tu como eu, sabemos que não. Seria impossível. Olha, não quero nem sou Juiz de causa alheia; não defendo nem acuso a actuação da(s) Companhia(s) residente(s) por não fazer(em) nada, mas apelo ao teu sentido de Tropa de Elite e Comando que, necessariamente te fará reflectir acerca do assunto. Como afirmei, desconheço as Ordens que eles receberam e por isso pedi um delator. Eu, recebi, em Bissau, uns papéis que eram para ler na LDM que me levou para o Como, e destruí-los antes de lá pousar o pé. Historiavam pormenorizadamente a Op Tridente e as condições do que iria encontrar; infelizmente, na altura, era muito obediente e até tinha pavor do RDM, pelo que os destruí mesmo. Lamento-o, agora. Espero tenhas um momento e ainda queiras ter a pachorra e coragem de pensar no que passaste, e desenvolver, na tua mente, o meu raciocínio. Ficar-te-ei grato se aceitares este desafio. O maior abraço do Mundo e os votos de continuação de Boas Festas, do Santos Oliveira 2. Resposta do Mário Dias: Caro Santos Oliveira: Antes que termine o ano, não quero deixar de responder ao teu desafio e tecer algumas considerações sobre o que dizes na tua mensagem (3). Primeiro, e para que não haja mal entendidos, também eu não pretendo ser Juiz de ninguém. Não posso nem quero julgar o comportamente seja de quem for. Porém, isso não me impede de ter a minha opinião sobre o ocorrido durante a guerra em que estivemos envolvidos. Quanto a mim, o cerne da questão reside principalmente na atitude das duas forças em presença e que se resume no seguinte: Enquanto o PAIGC fazia a guerra para ganhar, nós faziamos a guerra para não a perder. O período de 1963 a 1966 em que fui combatente na Guiné, foi suficiente para verificar que as unidades militares que se enfiavam no arame farpado e de lá, não saíam eram precisamente as que sofriam maior número de ataques. Aquelas que andavam na mata, que procuravam o inimigo e não lhe davam descanso, raramente viam os seus quarteis atacados. Tenho experiência pessoal de alguns casos que um dia poderei relatar. Aliás, como todos sabemos, é um dos princípios básicos da guerrilha fugir ou desaparecer quando o inimigo ataca e atacar quando este recua. No caso em análise - Op Tridente - há um outro princípio da guerra, qualquer que ela seja, que se chama exploração do sucesso que nos diz devermos aproveitar a fraqueza, ainda que momentânea, do inimigo e prosseguir o ataque. É mais ou menos o sentido da expressão popular malhar o ferro enquanto está quente. Isso não foi feito, isto é: não houve exploração do sucesso. Também eu não sei quais as ordens que a Companhia do Cachil tinha nem o que a motivou a confinar-se ao seu reduto. O que sei é que o resultado foi começar a ser atacada pois deixaram os guerrilheiros à vontade para o fazer. Depois, acaba por se criar uma "pescadinha da rabo na boca": "Não podemos ir à mata pois eles podem vir atacar-nos e o quartel estaria desfalcado" e como não fomos lá, vieram eles cá. Não quero deixar de mostrar a minha solideriedade por todos quantos por lá passaram e rendo-lhes a minha homenagem pelo muito que sofreram. Poderiam as coisas ter sido de outra maneira? Não sei. Agora não adianta especular, nem no plano militar e menos ainda no ideológico (isso não caberia em poucas linhas), mas apenas relembar os acontecimentos para que as gerações vindouras saibam como tudo se passou. Caro amigo, rendo-te a minha admiração pela clareza das tuas opiniões. Um grande abraço com votos de um feliz 2008 e seguintes. E que sejam muitos aos quais também quero assitir. Mário Dias 3. Comentário do Santos Oliveira: Caríssimo Mário Dias: Acredita que me tens tirado um grande peso da minha mente. Fiz-te o desafio porque também eu não entendo (entendia) a posição assumida pelas Heróicas Unidades que por lá passaram. Consumia o espírito e sentia revolta do que presenciava. Por isso, culpava-me porque fazia um julgamento duro e injusto (e assim foi ao longo destes anos todos) e buscava justificações para as CC; sentia-me tomado de uma atitude de ressabiado, por ter que fazer uma espécie de trabalho sujo sem ter qualquer reconhecimento e sem ver ninguém levantar um dedo para atenuar aquelas duras consequências (sofri muito e sofro ainda). O meu juízo do diabo teve esse sentido; doutro modo não teria revelado a história do Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu… (o título não foi meu) sobretudo da HISTÓRICA noite de 16 de Novembro de 1964 de que, recordo, ter sido compensador a necessidade táctica de ter de mentir, (reservando munições para 3horas de fogo rápido) afim de termos obtido a salvação da nossa pele, como prémio. Tens plena autoridade (era o que sentia e sinto) quando afirmas que a verdadeira guerra estava nas atitudes do PAIGC e NT; para os primeiros, ganhar; para os segundos, não me atrevo a dizer ter sido para não perder, mas, seguramente, seria para empatar…e quanto mais tempo melhor. Quanto sofrimento, amigo… e quanto se sofre ainda!... Eternamente grato por ouvires a minha voz e me ajudares a esquecer (esquecer?) o que considerava uma cumplicidade passiva, no que, afinal, nem eram as minhas atribuições e competências, nem sequer o podiam ser para as Armas Pesadas. Felicito-te pelos Relatos claríssimos que hás feito no Blogue, que lia (devorava), sem sequer sonhar que um dia (este ano) contactaria contigo para obter como que uma ajuda psicológica de grande valor; é que é de grande utilidade falar, mas de maior valia é encontrar eco de quem possa entender e dar respostas. Creio tê-las obtido. Mas para responder é necessária a AUTORIDADE de ter-se VIVIDO o mesmo. Obrigado, AMIGO. Admiro-te também. O melhor do Ano de 2008, para ti e todos os que se são caros. Um abraço, do Santos Oliveira ____________ Nota dos editores: (1) Vd. post de 1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1907: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (2): A libertação da Ilha do Como (A. Marques Lopes / António Pimentel) (2) Vd. o dossiê sobre a Operação Tridente, da autoria do Mário Dias, que participou nessa famosa operação: 15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias) 16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias) 17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias) (3) Vd. post de 23 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2375: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (8): A Batalha do Como (Mário Dias / Santos Oliveira)

Guiné 63/74 - P2405: Tabanca Grande (49): José Pereira, ex-1º Cabo da 3ª CCAÇ e da CCAÇ 5 (Nova Lamego, Cabuca, Cheche e Canjadude, 1966/68)

José Pereira
Ex-1º Cabo Inf, 3ª CCAÇ e CCAÇ 5
Nova Lamego, Cabuca Cheche e Canjadude
1966/68 (1)

1. Mensagem de 2 de Janeiro de 2008, o nosso camarada José Pereira

Aqui lhe envio o meu currículo e as fotos para poder fazer parte da Tertúlia de combatentes da Guiné

Nome: José Pereira
Posto: 1º Cabo Inf
Unidade: CCAÇ 5
Nova Lamego, Cabuca, Cheche e Canjadude
1966/68
Meu e-mail: jonhperrier2@hotmail.com


2. Mensagem, resposta, do co-editor CV, em 3 de Janeiro de 2008:

Caro José Pereira:

Em nome do Luís Graça e de todos os Tertulianos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, estou a dar-te as boas vindas à Tabanca Grande.

Obrigado por teres enviado as tuas fotos para a fotogaleria que dentro em breve vai ser actualizada.

Já agora queríamos saber mais um pouco de ti e das tuas experiências enquanto combatente da Guiné.

Ficamos a aguardar as tuas estórias e se puderes manda também algumas fotos para as ilustrar.

Recebe um fraternal abraço
Carlos Vinhal
_____________

Nota dos editores:

(1) Não confundir 3ª CCAÇ com a CCAÇ 3 (Barro)... A primeira deu origem à CCAÇ 5. A 1ª CCAÇ deu origem à CCAÇ 3.

Guiné 63/74 - P2404: Tabanca Grande (48): França Soares, ex-Fur Mil da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, 1971/73)

1. Mensagem do nosso novo camarada França Soares, ex-Fur Mil da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73, com data de 29 de Dezembro de 2007:

Camaradas:
Sou o ex-Fur Mil França Soares do 4.º Gr Comb, da CCAÇ 3305, BCAÇ 3832, aquartelado em Mansoa e destacamentos próximos.

Cheguei à zona de Mansoa em inícios de 1971 e aí permaneci até ao 1.º trimestre de 1973, mais precisamente e sobretudo nos destacamentos de Infandre e Braia, para além da defesa da periferia da vila e ainda na intervenção operacional da zona.

Cheguei a Infandre quatro meses após a tristemente famosa emboscada à coluna de Infandre, no fatídico dia 12 de Outubro de 1970 (1), onde foram assassinados, entre muitos outros, o meu conterrâneo Fur Mil Dinis César de Castro e gravemente ferido, entre muitos outros, o meu ainda querido amigo 2.º Sargento Augusto Ali Jaló.

Durante os cerca de vinte e sete meses que permaneci sequestrado na Guiné, por sorte, pela graça de Deus e não sei porque mais, jamais sofri qualquer morto ou ferido no meu Grupo de Combate, facto de que muito me orgulho e me regozijo. Para isso, muito contribuiu o meu próprio empenho, a colaboração da generalidade dos soldados e cabos às minhas ordens, não esquecendo a colaboração dos diversos furrieis que comigo colaboraram, de que destaco o Furriel Brito do Rio e o Alferes Pacheco, pessoa que recordo com grande estima e muita amizade.

Não termino sem lembrar a traição e a cobardia da corja de patifes, militares e políticos de esquerda e de direita, que permitiram que após a independência, milhares de militares tão portugueses como nós, fossem fuzilados sumariamente, num macabro e inexplicável ajuste de contas, só porque foram na cantiga que Portugal era uma nação honrada (2).

Por último, quem me quiser contactar, deverá fazê-lo pelo email: heldersoares@simplesnet.pt, fax: 22 832 55 89 ou móvel: 919 799 729, assim como para me enviarem tudo quanto tenham em vosso poder que diga respeito à história da Companhia do famoso Pazinho, que também recordo com elevada estima e consideração.

2. Comentário do co-editor CV

Caro França Soares :

Quero dar-te as boas vindas à nossa Tabanca Grande, onde poderás contar as tuas estórias e as tuas experiências enquanto combatente.

O teu Batalhão foi substituir o BCAÇ 2885 a Mansoa, ao qual a minha Companhia, como independente que era, estava adstrita.

Aquando do emboscada do Infandre, eu estava em Mansabá.

Não pude deixar de adivinhar o teu azedume pelos fuzilamentos dramáticos dos nossos companheiros africanos, após a independência da Guiné-Bissau. Na verdade muito já foi dito no nosso Blogue sobre isso, mas apesar de tudo podemos ver guineenses que combateram pelo nosso lado, perfeitamente integrados na actual Guiné-Bissau.

Acredito que a maior parte daqueles fuzilamentos foram ajustes de contas, por condutas menos tolerantes entre as diversas etnias durante o tempo de guerra.

Pena que os nossos governantes, do pós 25 de Abril, não fizesssem nenhum esforço para salvar aquela gente da morte. Porventura nada puderam fazer.

Nós portugueses somos recebidos hoje pelos nossos antigos camaradas guineenses como irmãos e o mesmo se pode dizer dos nossos inimigos de então.
__________________

Notas dos Editores:

(1) - Vd Post de 7 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 - P2162: O fatídico dia 12 de Outubro de 1970 - Emboscada no itinerário Braia/Infandre (Afonso M. F. Sousa)

(2) Vd post anteriores de:

19 de Junho de 2006> Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)

31 de Maio de 2006> Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira)

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)

23 de Maio de 2006> Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)

3 de Dezembro de 2005> Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2403: Antologia (67): As Duas Faces da Guerra: Como si la guerra fuera un simple juego de ajedrez (Álex Tarradelas)

1. Mensagem do catalão Alex Tarradelas, a residir em Lisboa, com data de 22 de Outubro de 2007:


Caro Luís Graça,

Sou um catalão residente em Lisboa que o outro dia tive a sorte de ver As duas faces da guerra no DocLisboa (1).

Colaboro com os meios Rebelión e Tlaxcala, não sei se conhece, e com motivo do documentário achei que seria interessante escrever um artigo sobre o documentário para que o público espanhol tenha mais consciência do que foi a guerra colonial para Portugal. O artigo é Copyleft, logo, se quiser dispor dele não vai ter nenhum problema.

Espero que não seja um incómodo que tenha utilizado duas imagens do seu blog sem pedir-lhe autorização. Saudações e parabéns pelo seu blog. (...) .


2. Reprodução do artigo, com a devida vénia:

«Las dos caras de la guerra»,
Álex Tarradellas
Tlaxcala


La periodista portuguesa Diana Andringa y uno de los cineastas más reputados de Guinea Bissau, Flora Gomes, decidieron hacer un documental a cuatro manos y a dos voces que abordara las dos caras de la guerra colonial que enfrentó entre 1963 y 1974 al PAIGC (Partido Africano para la Independencia de Guinea Bissau y Cabo Verde) con las tropas portuguesas.

Con motivo del Festival Internacional de Cine Documental de Lisboa, Diana Andringa presentó el documental lamentando la ausencia de Flora Gomes e incidiendo en la necesidad de revisar y recordar el escenario de la guerra, por mucho que les pese a los portugueses.

As 2 Faces da Guerra (Las dos caras de la guerra) se rodó a lo largo de seis semanas, en las que los realizadores recorrieron las regiones guineanas de Bissau, Mansoa, Geba, Bafatá y Guilege. También viajaron a Cabo Verde y a Lisboa. Todo ello para recoger diversos testimonios de quienes vivieron la guerra colonial, tanto militares portugueses como militantes del PAIGC o simples moradores de las poblaciones visitadas.

El hecho de que cada director tense la cuerda por un lado resulta de lo más interesante para tratar uno de los conflictos armados más sangrientos sufridos durante el colonialismo portugués. Prueba de ello es que el documental esté dedicado a Amílcar Cabral y a unos soldados portugueses fallecidos en suelo africano cuyos nombres Diana Andringa encontró grabados en una losa destruida cuando en 1995 se desplazó a la ciudad de Geba como reportera de Público. De hecho, este hallazgo fue el punto de partida de este trabajo.

El homenaje a la figura de Amílcar Cabral es palpable a lo largo del documental. Lejos de querer idolatrarlo, los testimonios definen la gran dimensión humana del revolucionario del PAIGC. Un guerrillero que, a pesar de encontrarse en medio de un cruento conflicto armado con todo lo que conlleva, decía sentir como algo suyo al pueblo portugués. Y es que, más allá de la guerra, existía cierta complicidad entre los dos bandos. Amílcar Cabral declaró al inicio del conflicto: «No hacemos la guerra contra el pueblo portugués, sino contra el colonialismo». Esta idea es clave para entender cómo muchos de los portugueses reclutados en las colonias estaban del lado de los movimientos revolucionarios por la independencia [el PAIGC en el caso de Guinea Bissau y Cabo Verde, el MPLA (Movimiento de la Liberación de Angola) y el FRELIMO (Frente de Liberación de Mozambique)].

Tampoco es casualidad que los militares que se levantaran contra el régimen salazarista durante la revolución del 25 de abril, conocida como la Revolución de los Claveles, fueran soldados combatientes en Guinea Bissau cansados de recibir de la metrópolis órdenes ajenas a la realidad en la que se encontraban inmersos. Por eso, no deberían sorprendernos las imágenes que aparecen en el documental de un militante del PAIGC que con la euforia del 25 de abril grita a una masa exaltada: «¡Viva el PAIGC!, ¡Viva el 25 de abril!, ¡Viva Portugal!».

A media película, la esposa de Amílcar Cabral hace una declaración que resulta clave para entender los propósitos del guerrillero. Declara que, si hubiera sido posible, Amílcar habría cambiado las armas por los libros para hacer la revolución. Era un hombre extraordinariamente culto con un gran poder de convicción a través de sus palabras. Uno de los principales objetivos del revolucionario era formar desde la raíz la cultura de los guineanos y caboverdianos con una educación basada en la historia, la geografía y las tradiciones de estos países y no en las impuestas por Portugal. Y es que resulta irónico y te eriza los pelos oír las palabras de un militante del PAIGC acerca del fin de la guerra. El hombre nos cuenta con toda naturalidad como, una vez terminada la guerra, todos vuelven a ser amigos olvidándose de las antiguas rencillas. Como si la guerra fuera un simple juego de ajedrez en el que las fichas no pueden moverse sin la mano de los jugadores, pero en la que los jugadores pueden disponer de sus fichas siempre que quieran y puedan.

El 20 de enero de 1973 Amílcar Cabral fue asesinado en Conakry. Unos meses después, el 24 de septiembre de 1973, fue declarada la independencia de Guinea Bissau, aunque ésta no fue reconocida internacionalmente hasta la Revolución de los Claveles. Si Amílcar no hubiera sido asesinado y hoy se encontrara en el mundo de los vivos, quizá no estaría tan orgulloso del panorama en el que se encuentra sumido su país. Según datos del UCW (Understanding Children Work) en el año 2000 un 54% de los niños menores de 14 años trabajaban un mínimo 28 horas en Guinea Bissau. La tasa de alfabetización en 2005 rondaba el 44,8%. Esto se debe a los continuos golpes de estado (y las consiguientes guerras civiles) provocados sobre los frágiles gobiernos que muchas veces se asemejan a aquellas fichas de ajedrez que, sin la presencia de los jugadores, no pueden moverse.

En fin, este documental contribuirá a que los portugueses y guineanos revisen una parte desfragmentada de su historia. Y, por mucho que les duela, quizá los debates ayudarán a banalizar la guerra hasta el punto de quitarle el sentido a ésta. Quizá servirá para que, en un futuro, las únicas minas que siembren en los campos, en los bosques y en los caminos sean los libros, la mejor arma para ganar una guerra.

«La destrucción del fascismo en Portugal deberá ser obra del propio pueblo portugués; la destrucción del colonialismo portugués será obra de nuestros propios pueblos.»

«Las masas populares son portadoras de cultura, ellas son la fuente de la cultura y, al mismo tiempo, la única entidad verdaderamente capaz de preservar y de crear la cultura, de hacer historia.»

(Amílcar Cabral)

Para más información, echar un vistazo a este interesantísimo blog realizado por portugueses excombatientes en Guinea Bissau (en portugués): http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

______________

Fuente: Rebelion http://www.rebelion.org/noticia.php?id=57955

Artículo original publicado el 22 de octubre de 2007

Sobre el autor:

Álex Tarradellas es miembro de Rebelión, Cubadebate y Tlaxcala, la red de traductores por la diversidad lingüística. Este artículo se puede reproducir libremente a condición de respetar su integridad y mencionar al autor y la fuente.

___________

Nota de L.G.:


(1) Vd. post de 20 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2197: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (4): Encontro tertuliano no hall da Culturgest na estreia do filme (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P2402: Matosinhos, Leça do Balio, Vilas, 27 de Dezembro de 2007: Silêncio, canta-se o Hino de Gandembel (Hugo Costa / Albano Costa)



Matosinhos > Leça do Balio > Tertúlia de Matosinhos > Restaurante Bar Vilas > Jantar-convívio de Natal > 27 de Dezembro de 2007 > Um vídeo feito e montado por um profissional, o Hugo Costa, filho do nosso querido amigo e camarada de Guifões, o Albano Costa.

Vídeo: 8 m 27 ss. Alojado em You Tube > hc3002

Vídeo: © Hugo Costa / Albano Costa (2007). Direitos reservados (2007).

Matosinhos, Leça do Balio > Restaurante Vilas > O nosso jantar de convívio > 27 de Dezembro de 2007 > O António Barroso (que é meu vizinho de Valadares, quando eu estou na Madalena), o Álvaro Basto e o Almeida e Silva: três homens do Xitole (CART 3492, 1972/74)... O Álvaro foi um dos organizadores desta inicitaiva que junte gente da nossa tertúlia da área do Grande Porto...

O A. Marques Lopes e o editor do blogue, Luís Graça, dois sulistas com meia costela nortenha...

O David Guimarães e o António Barroso, falando seguramente dos bons tempos do Xitole...

O David Guimarães (que deu um arzinho da sua graça, acompanhando o António Almeida à viola) e o Vasco Ferreira...

O pai do Álvaro Basto, ao centro, acompanhado de um casal (familiares de um dos nossos camaradas)...

Três rangers: o Magalhães Ribeiro, o António Pimentel e o João Rocha...Falta aqui, na foto, o J. Casimiro Carvalho...

Carlos Vinhal e o Luís Graça, falando inevitavelmente do blogue... O fimd e ano não correu para o nosso co-editor CV, que teve de reformatar o seu PC... Problemas de minas & armadilhas informáticas...

A esposa e a filha do José Teixeira (à direita) - Maria Armanda e Joana, respectivamente - ladeadas pela Dina, mulher do Carlos Vinhal, ao centro... À esquerda, de costas, está a Eduarda, a esposa do Albano Costa e mãe do Hugo Costa...

Fotos: © Albano Costa (2007) (Legendas: L.G.). Direitos reservados.

1. A um comentário recente do editor do blogue ("O último post de 2007 é também a revelação de uma estrela do nosso blogue: o Zé Teixeira"), o Zé respondeu-nos, com o seu habitual fair-play e sentido de humor, nestes termos:

Camarada (o melhor termo para classificar um amigo, pois reflecte uma amizade selada na luta, nas dificuldades), grande amigo, gostava que partilhasses com a Tertúlia o seguinte:

O Zé Teixeira não é uma estrela, é apenas ele próprio que tem como uso comum uma máxima: O que merece ser feito, merece ser bem feito. Foi isso que com a mini-tertúlia de Matosinhos tentei fazer e pelos vistos resultou (1).

O mérito vai para o Xico Allen com a sua capacidade e força de vontade que nos une todas as semanas, diria que ele é o princípio. O mérito é do grupo, que se auto motivou. O mérito é do Alvaro Basto que tem uma capacidade de mobilização fantástica. Eu apenas e só indiquei o restaurante e pensei numa uma brincadeira para animar e unir ainda mais este grupo. Foi ao correr da pena, mas parece que resultou. Ainda bem.

Neste Novo Ano de 2008,

Se houver guerra… que seja de almofadas;
Se for para enganar… que seja o estômago;
Se for para chorar… que seja de tanto rir;
Se for para roubar… que seja um beijo;
Se for para perder… que seja o medo;
Se for para cair… que seja num abraço;
Se for para morrer… que seja de amor;
Se for para bater… que seja à porta de alguém!

Feliz Ano Novo!!!!
Para toda a Tertúlia


J.Teixeira

_____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 31 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2395: Tertúlia de Matosinhos: Jantar de Natal, 27 de Dezembro de 2007 (Luís Graça / Zé Teixeira)

Guiné 63/74 - P2401: Pensamento do dia (14): Não deixemos que sejam os outros a contar a nossa história por nós (Luís Graça)

1. Citação: "No sé yo cuanto le puede importar a usted ésto que le estoy diciendo, no sé si ésto le puede importar a alguien, porque éstas cosas no las cuentan los libros, esto no sale nunca en la historia, pero sabe lo que le digo, ésta es mi verdad.”

(Velho combatente, anónimo, da guerra civil espanhola, citado em Cristina Santamarina y José Miguel Marinas, «Historias de Vida e Historia Oral», in Juan Manuel Delgado e Juan Gutiérrez (coord.) (1999), Métodos y Técnicas Cualitativas de Investigación en Ciencias Sociales, Madrid: Sintesis, 1999, pag. 257)

Fonte: Socio(b)logue 2.0 > Julho 01, 2003 > Walter Benjamin, a História dos Vencidos e a Guerra Civil Espanhola. (com o devido apreço...)



2. Comentário de L.G.: Que o o ano de 2008 nos traga mais histórias de vida dos combatentes da guerra colonial, luta de libertação ou guerra do ultramar (conforme o ponto de vista, a bandeira ou o lado da trincheira). Todas as histórias (ou estórias) contadas pelos amigos e camaradas da Guiné são belas, por que são únicas, verdadeiras, vividas ou fantasiadas... E merecem ficar aqui registadas. Para memória do presente e do futuro. E sobretudo por que as nossas histórias/estórias interessam-nos, em primeiro lugar a nós.

Além disso, ao contá-las prestamos um pequeno serviço à geração dos nossos filhos e dos nossos netos... Para que eles, ao menos, não possam dizer, ignorando, escamoteando ou desprezando o nosso sacrifício: "Guiné ?... Guerra do Ultramar ? Guerra Colonial ? Luta de de libertação ?... Não, nunca ouvi falar!".

Créditos fotográficos: Victor Tavares, Paulo Raposo