quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3874: Blogoterapia (90): Natal é quando o Homem quiser (Santos Oliveira)

1. Nem sempre a Noite de Natal é noite de Natal para todos os Homens. Quando Santos Oliveira(*) se preparava para uma Noite de Natal solitária, surgiram-lhe sinais de que o Homem, que é um ser necessitado de afectos, também é capaz de os partilhar.

Depois de uma longa conversa telefónica entre mim e o nosso camarada Oliveira, este propôs-se falar de um acontecimento que tinha remetido para a gaveta do silêncio.

Fez-se ruído, do bom, e assim vamos ver como alguém, lá longe, na diáspora, se lembrou daquele Furriel que há dezenas de anos o tinha marcado, positivamente, para sempre.

Lembremos o que dizia, ao que julgamos, um homem simples, mas sincero, num comentário que fez no Poste 3544(**):

Senhores

Quando cheguei ao Cachil este era o furriel que já lá estava com um pequeno grupo de homens e três morteiros.

Foi o furriel que punha sempre os soldados à sua frente, conversava, falava, jogava, aconselhava e fazia a vigilância da mata, por eles.

Pareciam todos felizes quando os novos por lá ficavam tristes e sozinhos. Muitos de nós acabaram no jogo da lerpa e na cerveja.

Este furriel também tinha sempre um conselho para nós. Poucas vezes o vi festejar ou a beber com os outros furriéis e alferes da minha Companhia.

Este era o furriel que depois de cada ataque vinha saber de posto em posto, como estávamos e dizia-nos que já tinha terminado tudo, que esta já se tinha passado e outras coisas. Tinha sempre uma palavra que nunca ouvimos dos nossos alferes ou furriéis.

Para mim é um grande homem como um pai, porque me ajudou e aos meus companheiros. É o furriel que não dava ordens. Explicava e ensinava e os soldados faziam tudo sem serem precisas ordens.

Este furriel, se quisesse alguém para o seguir numa patrulha para morrer, tinha sempre mais voluntários do que se fosse para um rancho melhorado. Quando se foi embora nunca mais nos sentimos seguros. Só éramos mais experientes.

Estou a morar na Bélgica, não tenho internete, mas há uns portugueses companheiros mais novos do trabalho que têm e vão deixando ver essas coisas da tropa do meu tempo.

Desejo que o senhor Oliveira seja muito feliz, porque também me fez feliz.
Soldado Carvalho



2. Falemos então da última Noite de Consoada do nosso camarada Santos Oliveira. Melhor, vamos lê-lo.

DAS EXPECTATIVAS À REALIDADE, NA NOITE DE NATAL DE 2008

Estamos quase no Carnaval, mas só agora recebi concordância para fazer este relato.

Não sonhei grandes expectativas para o meu Natal deste Ano. Seria um dia como os demais. Fisicamente, mais solitário, mas que qualquer eremita criaria ambiente e capacidade de o viver no silêncio imaginário das festas e das multidões.

A M. Júlia, esposa e mãe, viajou para as Ilhas Britânicas com a finalidade de acompanhar a nossa filha e netos pelo Natal e Ano Novo. Um de nós (teria) terá de ficar. É uma alternância que praticamos com alguma naturalidade. Necessidades intransponíveis foram acontecendo e nos obriga a estas escolhas.

Neste Ano, porém, nos dias que antecederam a Noite de Paz, recebi solidariedade de metade do Mundo. Foi muito gratificante.

Na noite de 24 de Dezembro, desde a confecção da Ceia solitária, até muito além dela, os Companheiros, os Amigos, os Irmãos, estiveram comigo em permanência, interromperam as suas próprias Refeições, convivência e festas de Família, fazendo tudo para que me não sentisse só. E eu, verdadeiramente, não estava só, porque todos os que ao longo dos dias foram manifestando essa solidariedade, estavam presentes.

Significativas e de destacar, as Comunicações do Carlos Silva, Fur Mil Armas Pesadas/ At , da CCAÇ 2548, (Jumbembem, 1969/71) e Júlio Pinto, 2.º Sarg Milº da CART 1769, (Angola, 1967/69); aos restantes, que alongariam a vasta lista, as minhas desculpas de os não nomear. Mas, a todos, o meu sincero agradecimento.

Já muito próximo da meia-noite, o telefone volta a tocar. Sentia-me muito cansado, mas feliz. Do outro lado, uma voz singularmente simples perguntava se eu era o Furriel Oliveira que esteve no Cômo em 64. Disse que sim e, então, do outro lado veio a identificação: era o A.Carvalho. Ver poste > (Guiné 63/74 - P3566: Blogoterapia (80): Um elogio vindo da Bélgica (Soldado Carvalho / Santos Oliveira).

Acho que fiquei sem fôlego, paralisado, com o coração aos saltos, mudo… Não sabia pensar. Não possuía discernimento. Foram momentos que ficarão PARA SEMPRE, dentro de mim.

Então o meu amigo Carvalho, em palavras simples, incrivelmente belas, pediu que não fizesse alarido à volta do seu nome; que havia sido os companheiros que quase o obrigaram a (re)dizer e que escreveram por ele. Efectivamente, num dos dias tinha sido o Sentinela que tomou conhecimento da nossa ida à Orla da Mata e dois dias depois estava de Plantão no mesmo Posto. Que ouviu umas coisas acerca dum lenço, mas nunca tinha percebido bem. Ao ler o que escrevi, entendeu tudo.

E o que os companheiros escreveram, foi como ele havia desabafado; que quando voltar a Portugal, nos visitará. Preferiu (pediu) que não soubéssemos o seu endereço, até porque se ausentava muito da Empresa; mas não perderá o contacto. Ainda trabalha, mesmo com os seus 66 anos. Mais não devo revelar a fim de manter a promessa solene feita nesta NOITE DE NATAL que eu jamais irei esquecer.

Ao Carvalho, e a todos os que longe do Portugal que defendemos e amamos, os meus Votos muito especiais de um 2009 e que a sorte os traga de regresso à nossa Terra que nos viu nascer. As maiores Felicidades.

Um abraço fraterno, do
Santos Oliveira
__________

(*) Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf do Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66

(**) Vd. poste de 30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3544: O segredo de... (2): Santos Oliveira: Encontros imediatos de III grau com o IN

Vd. último poste da série de 8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3851: Blogoterapia (89): Ninguém tem razão sozinho, viva o debate e o abraço (José Brás)

Guiné 63/74 - P3873: Histórias da Guerra: o soldado e a jornalista (V. Briote)


Op "Ostra Amarga"

área de Bula. 16 de Outubro de 1969.

Depois de desembarcar dos Allouettes, uma patrulha das NT composta por dois GrComb, acompanhada por jornalistas franceses da ORTF e do Paris-Match, interna-se no mato.

Uma operação de rotina, como tantas outras.

Um grupo da guerrilha, acidentalmente na zona, apercebe-se da presença da tropa. Rapidamente monta uma emboscada.

A patrulha é subitamente atacada com foguetes e rajadas de tiros. Dois soldados são atingidos por uma roquetada. Um fica despedaçado, o outro perde uma perna e esvai-se em sangue perante a impotência dos camaradas que pouco podem fazer.

Um outro ferido teve mais sorte. O capitão J. Sentieiro, comandante da patrulha pede evacuação. Os helis chegam, as macas metem o morto, o ferido grave e o ligeiro e partem para Bissau, rumo ao HM241.

No trajecto, o ferido grave não resiste e morre.

Spínola, acompanhado pelo ajudante de campo, Maj Almeida Bruno, chega de heli à zona. Inteirado da situação pelo Ten Cor Alves Morgado, que acompanhava a patrulha, regressa a Bissau enquanto a patrulha recolhe a Bula.



À noite, com os ânimos mais recompostos, os militares convidam os jornalistas para o jantar. Entre estes, uma linda parisiense, de pouco mais de 20 anos, ainda não recomposta do susto brutal.

Depois de banho tomado, a mademoiselle terá envergado um vestido simples e leve, de acordo com os calores da Guiné. Quando o soldado com a travessa a servia, primeiro que todos, terá reparado que a linda francesa ainda era mais linda sem soutien. Não aguentou a travessa. Na altura pesou-lhe demais, entornou-a na mesa e no vestido.

As imagens do jantar não estão aqui. Estão outras desse dia. Uma pequena homenagem àqueles homens.

__________

Notas de vb:

Sobre a Operação Ostra Amarga, vd. postes de:

13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2261: Vídeos da guerra (5): Nos bastidores da Op Paris Match: as (in)confidências de Marcelo Caetano (Manuel Domingues)

Guiné 63/74 - P3872: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (21): Resposta de António Martins de Matos a Nuno Rubim

1. Mensagem de António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res (*) , com data de 30 de Janeiro último:

Caro amigo: Junto te envio o que se me oferece dizer sobre o post3811 do Nuno Rubim.Como verás, colei-lhe o texto que considerava ser o último sobre o tema Guileje.Podes juntá-los, separá-los ou mesmo mandá-los para o lixo, a tua decisão será sempre a correcta.Uma coisa é certa, para mim este assunto está definitivamente encerrado.

Um abraçoAntónio Martins de Matos



2. A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (21) (**) > A arte de comunicar
por António Martins de Matos

(Edição: L.G.]

A arte de comunicar, não sendo difícil, nem sempre é fácil. Vem isto a propósito do poste P3811 do Nuno Rubim (***).

Desde já peço desculpa se por qualquer modo o ofendi, longe de mim tal intenção, mas parece-me que não estamos na mesma sintonia.

Ambos procuramos contribuir para o escrever da História mas temos visões bem diferentes sobre a maneira de a construir.

Pela minha parte, não pretendo ser um historiador, baseio-me no que vivi e em alguns documentos, (o livro A retirada de Guileje e a minha Caderneta de Serviço Aéreo são dois deles), ouço, leio, apresento dúvidas, exponho ideias e opiniões pessoais alicerçadas em factos confirmáveis, por vezes até posso especular (quando o faço, digo-o), mas sei separar o trigo do joio, o facto da opinião, como felizmente muita gente que tem esta nefasta tendência de usar a cabeça para pensar.

Segundo as suas próprias palavras, NR, mergulhado nas questões históricas, pretende ser o científico, apoiado (só?) no documento, “embora possa admitir que ele seja duvidoso ou mesmo falso” (as palavras são suas).

Parece-me bem o rigor científico só que, como Frei Tomás, não se coibe de desenvolver uma teoria empírica sobre o modo como a artilharia do PAIGC estaria disposta no terreno, quando do ataque a Guileje, explanando ideias pessoais não alicerçadas em factos que sejam positivamente confirmáveis, validando-a tão só pelo facto de alguém (com interesse no assunto) lhe ter dito “que tinha sido tal e qual”.

Sejamos lúcidos e usemos a tal nefasta tendência, tão do desagrado do NR.

Chegaremos à conclusão de que:

(i) O PAIGC tem obrigatoriamente de defender a tese de que cercava o Guileje.

(ii) Nunca pode admitir que os seus ataques possam ter sido desferidos da fronteira.

(iii) Reconhecer esta hipótese significa transformar a grande vitória em algo sem valor
.


Ao ler o post3788 do Manuel Reis (****), eis que também eu partilho a seguinte questão:

- Será por essa razão que o Nino Vieira e o Com Logístico manifestaram desconforto quando questionados sobre o ataque e o próprio comandante do sector acabou por ser fuzilado? (Não estou a especular, estou a questionar).

Não é minha intenção comentar ponto por ponto a resposta do NR, o que originaria a resposta da resposta da resposta, e por aí a diante.

Digo apenas que as dúvidas e comentários que apresentei continuam por resolver.

No fundo, e separando o essencial do acessório, a questão que nos divide pode resumir-se à discussão de duas teorias, uma que refere a implementação das posições de artilharia do PAIGC durante o ataque a Guileje dentro do nosso território, a outra que acredita que ela estaria na fronteira.


Uma delas está errada, resta saber qual.

Lendo tudo o que ultimamente foi publicado sobre este tema, os leitores, mais uma vez usando a tal nefasta tendência de pensar, poderão tirar as suas conclusões.

Por último, LG, deixa-me colar neste ponto o email que te mandei há uns dias e que diz:

Dizem os historiadores que quando se faz uma análise de um determinado acontecimento é necessário separar o que são os factos ocorridos, das interpretações, dos meros comentários e das nem sempre isentas opiniões.

A não observação desta regra pode dar origem à validação de acontecimentos baseados em meros rumores ou à construção de falsas teorias baseadas apenas em suposições.

O livro do Cor Coutinho e Lima contém a maior parte da informação necessária para uma análise do que aconteceu, mas deve ser lido com algum cuidado pois contém igualmente comentários e interpretações que ao longo do texto se contradizem, apresentados tão só como sendo a sua visão, ditados pelo seu coração.

Os nossos amigos A, B, C, D, ... que viveram e sentiram na carne o que se passou em Guileje, já expressaram as suas visões sobre o tema.

Os meus posts (3737, 3752 e 3778) apresentaram o Guileje “visto de cima” (*).

Também eles e eu podemos ser acusados de sermos pouco objectivos ou mesmo tendenciosos, apenas referindo o que nos interessa, omitindo a restante informação.

Agora é a vez dos que, insatisfeitos com as várias versões existentes, queiram analisar e reflectir sobre toda esta informação entretanto acumulada.

Ao contrário da opinião de muitos dos nossos amigos, estou absolutamente convicto que devem ser os que não estiveram em Guileje que podem fazer uma análise crítica dos acontecimentos, pela simples razão que poderão fazer esse estudo com a cabeça e não com o coração.

Necessitam tão só de ter uma visão neutra, isenta, sem ideias pré-concebidas nem paixões demagógicas, analisando passo a passo o que foi dito, escrito, registado, validando o que se provou e rejeitando liminarmente o que se prove ser mera fantasia.

Trinta e seis anos passados, não se pretende encontrar culpados ou inocentes, só se procura o registo do que efectivamente se passou.

Aos que “já estão fartos do tema Guileje”, devo lembrar que este episódio foi um dos mais significativos da guerra, com repercusões dramáticas ainda hoje não completamente digeridas.

Só assim se fará a História.

Para mim este assunto está encerrado.

António Martins de Matos

3. Comentário do Nuno Rubim (em 30 de Janeiro último):

Luis: Como bem diz o A.M.M., também para mim o assunto está encerrado. Rebateria várias das afirmações que ele produziu pois, como ele próprio reconhece, não é historiador e, assim sendo, temos pois uma visão muito diferente sobre a abordagem da temática em causa. Nuno Rubim

4. Mensagem enviada, em 31 de Janeiro último, pelo editor ao António Martins de Matos:

António: Para teu conhecimento. O Nuno já me tinha dito que não iria comentar mais nada, em público, no blogue. Vou portanto publicar apenas o teu texto. Obrigado pela informação que tens trazido e que nos ajuda a esclarecer melhor o papel dos bravos de Bissalanca... Até agora só tínhamos a intervenção do Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil heli, e do Victor Barata, melec (autor do blogue: http://especialistasdaba12.blogspot.com/). Um Alfa Bravo. Luís
___________

Notas de L.G.:

(*) Foi Comandante Operacional da FAP entre 2003 e 2005 e Comandante Logístico em 2006, passando à reserva a quando da nomeação do actual Chefe do Estado Maior.

Vd. postes anteriores do António Martins de Matos:

14 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)

17 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3752: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (13): A missão de apoio aéreo de 21 de Maio de 1973 (António Martins Matos)

23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3778: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (17): O cerco que nunca existiu (António Martins de Matos)

23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P3783: FAP (1): A diferença entre o desastre e a segurança das tropas terrestres (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res)

31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strellas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

8 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3856: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (20): Resposta ao camarada e amigo J. Mexia Alves (Coutinho e Lima)

(**) Vd. poste de 29 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3811: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (19): Resposta de Nuno Rubim a António Martins de Matos

(***) Vd. poste de 24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3788: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (1): Depoimento de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

Vd. também postes de:

23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3782: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (18): Obrigou-se o PAIGC a combater em Gadamael... (João Seabra)

24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3789: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (2): Esclarecimento adicional de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

25 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3790: Dossiê Guileje / Gadamael (3): "Um precedente grave" (Diário, Mansoa, 28 de Maio de 1973) ... (António Graça de Abreu)

27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)

Guiné 63/74 - P3871: Em busca de... (65): Pessoal de Copá, 1ª Companhia do BCAV 8323/73 (Hélder Sousa)


1. Mensagem de Helder Sousa (*):

Caro amigo e camarada [, Luís Graça, ] não precisas agradecer.

Vou procurar com mais minúcia mas acho que será difícil porque esse Destacamento [, de Copá,] não pertencia às Unidades do Batalhão do autor do livro [, Fernando de Sousa Henriques, ex-Alf Mil Op Esp] e, em princípio, o livro [No Ocaso da Guerra do Ultramar,] retrata como que a história da sua Unidade [CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883, Canquelifá, 1972/74]. Mas, realmente, não custa procurar.

Em todo o caso, e partindo do princípio de que toda aquela dramática história é verdade (e não tenho razões para duvidar), deve ter sido uma situação bem constrangedora, com o pessoal em grande desorientação, configurando de facto uma situação de deserção, tanto mais que alguns ficaram no quartel, e depois a grande felicidade de ter aparecido, mesmo na hora (ou será que tiveram conhecimento superior do que se estaria a passar?) a ordem para a desactivação, originando toda a operação de dissimulação do sucedido, com o regresso dos militares ausentes ao seu quartel, em operação de escolta de camaradas de outra Unidade.

É verdade que aqui faltam complementos: como é que os que ficaram em Copá receberam os regressados; como é que tudo (ou quase tudo) ficou no segredo dos deuses.

Pois lá será mais uma das situações peculiares em que o T.O. da Guiné foi fértil. Angústia, desespero, heroísmo, camaradagem, sangue, suor, lágrimas, etc.

Um abraço
Hélder Sousa


2. Mensagem anterior do editor L.G.:

Helder: Obrigado pela tua iniciativa. Sabemos pouco de Copá. Foste muito oportuno. O livro [, No Ocaso da Guerra do Ultramar,]tem alguma foto de Copá ? Há referências ao destacamento de Mareué, a leste de Copá, e que também foi abandonado na mesma altura ? Se souberes mais coisas, apita. Um abraço. Luís

3. Comentário de L.G.:

Sabe-se que António Rodrigues (o protagonista do livro O Princípio do fim) era soldado condutor auto, tendo sido mobilizado para a Guiné em 1973, através da 1ª Companhia do Batalhão nº 8323. Encontrava-se entre o pessoal que teve de abandonar o destacamento de Copá em 14 de Fevereiro de 1974.

Natural de Gondizalves, a três quilómetros de Braga, e a viver actualmente no Porto, o António Rodrigues terá feito um relato (manuscrito) sobre a sua experiência militar, com destaque para os meses mais dramáticos que passou em Copá, até ao abandono daquele destacamento pelas NT. Esse relato terá sido facultado a Benigno Fernando (n. 1960, em Massarelos, Porto) que o redescreveu e publicou (O Princípio do Fim, Porto, Campo das Letras, 2001). Formal e legalmente, o Benigno é que é o autor do livro...

Um sobrinho do António Rodrigues, de seu nome Rui Alves, garantiu-nos que "o [soldado] condutor Antonio Rodrigues existe mesmo, alias, é meu tio... A família é de Braga mas ele reside actualmente no Porto. Para qualquer contacto que por acaso alguém queira fazer, deixo o meu e-mail: rui_alves_52@hotmail.com".

Seria interessante (e sobretudo importante) o António Rodrigues (ou o sobrinho, Rui Alves) poder entrar em contacto connosco. O próprio Fernando de Sousa Henriques ( telemóvel 919 534 059; mail: fernando.sousa.henriques@gmail.com), engenheiro, a viver actualmente em Ponta Delgada, poderá também eventualmente esclarecer algunas das nossas dúvidas. L.G.
___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Em busca de... > 3 de Fevereiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3833: Em busca de... (64): Militares do BCAÇ 3872, Guiné 1971/73 (Luís Borrega)

(**) Sobre Copá, vd. postes de:

28 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3809: Os últimos dias do destacamento de Copá, Janeiro/Fevereiro de 1974 (Helder Sousa / Fernando de Sousa Henriques)

26 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3795: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (1): O princípio do fim, a história do Soldado António Rodrigues

26 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3797: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (2): Unidades de intervenção no subsector de Bajocunda

28 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3810: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (3): Unidades de comando em Bajocunda

30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3817: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (4): Unidades de coordenação na Zona Leste

Vd. ainda sobre Copá (destacamento das NT abandonado em 14/2/74):

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1410: Antologia (57): O Natal de 1973 em Copá (Benigno Fernando)

27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1216: A batalha (esquecida) de Canquelifá, em Março de 1974 (A. Santos)

30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3004: PAIGC: Op Amílcar Cabral: A batalha de Guileje, 18-25 de Maio de 1973 (Osvaldo Lopes da Silva / Nelson Herbert)

13 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago

26 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3795: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (1): O princípio do fim, a história do Soldado António Rodrigues

16 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P1958: Vídeos da guerra (1): PAIGC: Viva Portugal, abaixo o colonialismo (Luís Graça / Virgínio Briote)

(... ) Referência ao vídeo da televisão francesa, a antiga ORTF, disponível em INA - Institut National de l' Audiovisuel

GUINEE : LA GUERILLA AU GRAND JOUR MAGAZINE 52 ORTF - 04/07/1974 - Video 12m 32s / DVD 3 €

Guiné 63/74 - P3870: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (14): As minas e o seu poder destruidor


1. Mensagem de Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, (, Mansabá e Olossato, 1968/70), com data de 8 de Fevereiro de 2009:

Aqui vai mais um texto da CCaç 2402 a iniciar os relatos da sua permanência no Olossato. Vai dividido em duas partes para ser mais rápida a sua leitura e não se tornar pesado, mas fica ao vosso critério parti-lo em dois posts ou não.

Um abraço para vós editores e um bom fim de semana.
Raul Albino


História da CCaç 2402 durante a sua permanência no Olossato

Julho de 1969 - Minas e seu Poder Destruidor (GMC)


Figura 1 – Picagem em terreno firme. A viatura rebenta-minas vem atrás.

Figura 2 – Picagem em terreno alagado. Parece que estão à pesca. E, de facto estão, só que não é de peixe.

Figura 3 – Mina AP (antipessoal) de petardo único e detonador, feita em madeira. Esta, por acaso, está bem conservada. Agora imaginem um objecto destes enterrado em terreno húmido há já algum tempo, meio apodrecida ou semi-decomposta pelo efeito das célebres formigas dos baga-bagas. Removê-las, mais do que um acto de coragem, é um acto de loucura.

Figura 4 – Mina AC (anticarro) semi-apodrecida. Como estará ela por dentro? Já não rebenta de todo ou estará prestes a rebentar.

As minas utilizadas na Guiné pelo inimigo, quer fossem anticarro ou antipessoal, eram, quase na sua totalidade, feitas de madeira, com um ou mais petardos de trotil no seu interior, accionadas por um detonador local. Tudo muito simples, barato e eficiente.

Uma mina AP era pequena (figura 3), do tamanho da palma da mão, só tinha um petardo no interior da sua caixa de madeira, mais do que suficiente para destruir uma perna a quem a pisasse, como foi o caso do nosso Major do BCaç 2851 em Mansabá.

A mina AC (figura 4) era maior como poderão ver nas fotos que acompanham este artigo e o seu poder destruidor variava entre seis a doze vezes o poder de uma AP.

A principal dificuldade que se nos deparava com estas minas era que, sendo elas feitas de madeira, não possuindo qualquer peça de metal na sua construção, os detectores de minas existentes na época não conseguiam detectá-las, tendo as nossas tropas de recorrer a métodos tão primitivos como as próprias minas, ou seja, efectuar uma picagem como a que vemos nas fotos, à frente das viaturas, esperando dar com elas antes da passagem dos camiões, neutralizando-as ou levantando-as após a sua detecção. Podem observar a dificuldade acrescida da sua detecção na época das chuvas.

O levantamento de uma mina AC tinha ainda um risco acrescido, é que ela podia estar armadilhada para que, quem tentasse levantá-la, causar com esse acto o seu rebentamento. Isto só deveria ser feito por pessoal especializado, como acontecia na generalidade.

A outra consequência deste tipo de minas, era fazer com que uma coluna de camiões se deslocasse à velocidade com que a equipa de picagem progredia, ou seja, muito lentamente e sem uma garantia absoluta da eficiência da picagem.

Por essa razão a viatura da frente da coluna, devia ser um veículo pesado, reforçado com sacos de areia para aumentar o seu peso, de modo que, em caso de rebentamento, o veículo não fosse projectado pelo ar, causando danos superiores aos causados se o veículo permanecesse no solo.

Esse veículo deveria transportar de preferência só o condutor, para em caso de acidente não causar muitas baixas. Era chamada a viatura rebenta-minas. A primeira fotografia deste artigo parece contradizer tudo aquilo que eu acabei de afirmar, porque a viatura vem cheia de militares empoleirados na cabina do condutor, a substituir os sacos de areia. Um bom exemplo daquilo que não se deve fazer, mas por vezes a necessidade, a escassez de transportes, ou inconsciência e falta de autoridade de quem chefia a coluna, pode estar por detrás de casos destes.

Muitas vezes o azar dita as suas leis mesmo aos mais cautelosos e o rebentamento duma mina pode ser accionado pela segunda viatura ou terceira e não pela primeira.

A 4 de Julho de 1969, coube a uma coluna de reabastecimento da nossa companhia, a infelicidade de accionar uma dessas minas AC causando a destruição completa de uma viatura GMC como podem observar pelas fotografias anexas.

Em termos de baixas humanas a nossa sorte não podia ter sido maior. O condutor da viatura, segundo o relato dum camarada de armas, era o Cabo Lopes, que sofreu ferimentos ligeiros, possivelmente por ter sido cuspido da cabina. Não posso precisar se mais alguém terá sido ferido.

A escolha do condutor da viatura rebenta-minas era feita por lista entre todos os condutores operacionais, porque, como é óbvio, não havia voluntários.

Neste mesmo dia e cerca de mil metros à frente do local onde rebentou a mina que desfez a GMC, foi encontrada outra mina que a imagem abaixo apresenta.

Como podem ver não existe nada de mais rústico, mas extremamente destruidor para as nossas viaturas em particular. Se considerarmos que naquela altura as nossas tropas possuíam poucos camiões operacionais, sempre sujeitos a avarias, com grande dificuldade de obtenção de peças de reparação, podemos imaginar o drama que nos causava estes incidentes.

Nesta foto que vemos acima, está a mina instalada no local onde o inimigo a colocou. Deparava-se-nos duas opções para resolver o problema: rebentar a mina no local ou removê-la da posição em que se encontrava.

Possivelmente porque a solução de rebentá-la no local, sempre a primeira opção a considerar, não se mostrou adequada à situação, foi tomada a decisão de levantar a mina, missão essa que coube ao Alferes Silva, que nesse dia integrava a protecção à coluna e possuía a especialidade de Minas e Armadilhas, tal como o narrador, que sou eu.

Na fotografia abaixo, vemos o Alferes Francisco Silva, também conhecido por Alferes Chico, em plena actividade de remoção da mina, após uma pesquisa prévia da existência ou não de armadilha anti-levantamento, utilizando neste caso a faca de mato para sondar.

Para quem não acompanhou os meus relatos sobre a CCaç 2402, é relevante informar que este meu companheiro de armas, Francisco Henriques da Silva, veio mais tarde a desempenhar a função de Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau num período particularmente conturbado da vida deste jovem País.

Como podemos ver nesta fotografia, temos pelo menos um espectador curioso a cerca de um metro do Alferes Silva.

Mais uma vez o bom senso e obediência às regras de segurança foi escamoteado. A destruição da GMC acontecida poucos minutos antes, não foi o suficiente para vencer a curiosidade e inconsciência deste mirone militar. Terá ele sequer imaginado o que lhe aconteceria se a mina tivesse rebentado durante a sua remoção? Vimos como ficou a GMC, não é difícil calcular como ele ficaria. Se ele estivesse a ajudar nalguma coisa, mas não, estava simplesmente a observar.

A única baixa aceitável, num hipotético rebentamento, era o elemento encarregado da remoção por inerência da sua especialidade, qualquer outra baixa a existir, implicaria sérias responsabilidades para o comandante da coluna.

Imagens da destruição da GMC







__________

Nota de CV

Vd. último poste da série de 30 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3156: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (13): Actividade da CCAÇ 2402 em Mansabá

Guiné 63/74 - P3869: CCAÇ 526 (Bambadinca e Xime, 1963/65), História da Unidade (Libério Lopes)



1. Em mensagem de 6 de Fevereiro de 2009, Libério Lopes(*), ex-2.º Sarg Mil Inf da CCAÇ 526, Bambadinca e Xime, 1963/65, enviava-nos a História da sua Unidade.






COMPANHIA DE CAÇADORES N.º 526

HISTÓRIA DA UNIDADE

MOBILIZAÇÃO E EMBARQUE PARA O C. T. I. G.


Reuniu-se pela primeira vez, no Regimento de Infantaria n.º 7 o pessoal desta Companhia, no dia 8 de Abril de 1963, sob o comando do Sr. Capitão AGOSTINHO DA COSTA ALCOBIA. Sendo constituída por homens vindos de quase todos os recantos do País, na maioria pertencem à Beira Litoral e Douro Litoral.

A 12 de Abril de 1963, entrou o pessoal no gozo de licença regulamentar, tendo o comando da Companhia passado, a 23 de Abril, para o Sr. Capitão LUÍS FRANCISCO SOARES DE ALBERGARIA CARREIRO DA CÂMARA.

A 2 de Maio de 1963, a bordo do paquete «INDIA», embarcou juntamente com o Comando dos Batalhões de Caçadores n.º 506, 507, 599, e 600.

Desembarcou em BISSAU a 8 de Maio de 1963.


Navio India

Foto retirada do site Navios Mercantes Portugueses, com a devida vénia



ESTADIA EM BISSAU

Até 30 de Junho de 1963, a Companhia ficou aquartelada em BRÁ. Ainda neste período, a 29/5/63, partiu um pelotão para CATIÓ, tendo tomado parte em operações que aí se realizavam. Regressou a 28/6/63.


ENTRADA EM SECTOR

A 1/7/63, partiu a Companhia para o sector Leste ficando a depender do Batalhão de BAFATÁ.

Foi-lhe atribuído um sub-sector com a área aproximada de 1.500km2 constituída pelos Regulados de BADORA, XIME, COSSÉ, CABOMBA e CORUBAL (parte Norte).

O Comando da Companhia ficou instalado em BAMBADINCA, tendo sido destacado um pelotão para XIME, nesse mesmo dia 1 de Julho.

A 15JUL63, outro pelotão da Companhia seguiu para o XITOLE em reforço das tropas ali aquarteladas, donde regressou a 5AGO63.

Em 26AGO63, assumiu o Comando da Companhia o Sr. Capitão HELDER JOSÉ FRANÇOIS SARMENTO em substituição do Sr. Capitão CARREIRO DA CÂMARA.

Aquartelamento do Xime

Foto: © Libério Lopes (2009). Direitos reservados
Edição de CV



ACTIVIDADE OPERACIONAL

No sub-sector, tomou parte nas seguintes operações de conjunto:

«8JUL63 e 12JUL63 na margem direita do Rio CORUBAL»; «INGLÊS - JAN64»; «MARTE - FEV64»; «BALA - MAR64»; «VAI À TOCA - NOV64»; «BRINCO - DEZ6» e «FAROL - JAN65».

Fora do sub-sector, actuou:

«OPERAÇÃO VERDE - NOV63»; «ESTRADA DO XITOLE - AGOSTO -OUTUBRO - NOV63»; «MATO MADEIRA-CHICRI - JAN64»; «PATON - AGO64».

No sector à sua responsabilidade, o IN que já actuara a Oeste e Sul de XIME até ao Rio CORUBAL, levando para os matos uma parte da população e fazendo fugir a restante, tentou expandir a sua acção para LESTE para o que atacou tabancas e quartéis, roubou culturas, emboscou as NT e procurou tornar intransitáveis as estradas.

A Companhia, por uma permanente actividade operacional à base de pequenas acções de combate, emboscadas, constantes patrulhamentos de estradas e caminhos e protecção às populações, permanecendo nas tabancas e locais de trabalho, conseguiu manter em completa normalidade a zona a LESTE de XIME e levar os bandos de terroristas a refugiarem-se nos matos.

Durante os 21 meses de permanência no sub-sector, a Companhia teve 108 acções de fogo em contactos com o IN. Em resultado dessas acções, o IN sofreu 48 baixas confirmadas pelas NT, havendo contudo um número muitíssimo superior de mortos e feridos referido por prisioneiros. Foram apreendidas 5 espingardas, 5 pistolas-metralhadoras, 1 pistola, grande número de granadas de mão de diversos modelos e vários milhares de cartuchos.

Na tentativa de cortar os itinerários, o IN utilizou 15 engenhos A/C e 3 minas A/P. Um fornilho A/C destruiu um Jeep e os restantes 14 engenhos A/C foram detectados e levantados. As 3 minas A/P funcionaram, causando dois feridos: um às NT e outro à população,

A Companhia só teve duas baixas por acidente e nove feridos em combate, um dos quais evacuado para a Metrópole.


AÇÇÃO PSICOLÓGICA

a) Sobre as NT

Sem necessidade de qualquer doutrinação e quase que instintivamente, todo o pessoal soube compenetrar-se da honrosa missão que estava cumprindo, não se poupando a quaisquer sacrifícios, antes pelo contrário, mantendo um elevado moral tanto mais contagiante quanto mais difíceis eram as situações. Revelou a Companhia uma nítida compreensão da acção do Comando, nunca criando o mais pequeno problema que dificultasse o árduo trabalho que havia a executar.

b) Sobre as populações

Ao entrar em sub-sector, reinava entre as populações um clima de excitação, nervosismo e temor agravado com as recentes flagelações do IN sobre elas.

Em face de tal estado de coisas, foi de primordial importância incutir-lhes confiança, mostrar-lhes que à custa da protecção das NT poderiam enfrentar o IN. Esse trabalho foi coroado de êxito ao fim de alguns meses e, já cheias de confiança, são armadas a seu pedido, passando a acompanhar-nos em operações e defendendo elas mesmas as suas casas, terras, culturas e haveres. Os seus anseios e aspirações realizaram-se ao serem-lhes distribuídas 900 espingardas para auto-defesa.

Plenamente crentes da eficácia da nossa protecção, criam em si mesmas um espírito tal de auto-confiança que as leva a efectuarem um movimento de regresso às antigas tabancas pela reocupação efectiva das terras que lhes pertenciam. E assim é que foram reocupadas com a nossa colaboração 7 tabancas abandonadas há cerca de dois anos.

c) Sobre o IN

Devido à permanente actividade operacional, o IN, ao princípio, audacioso e agressivo reduziu a sua acção, acabando por abandonar zonas que já julgava sob o seu controle.

O resultado desse trabalho exaustivo pode bem traduzir-se nas palavras do Comandante de Batalhão, ao referir-se, em ordem de serviço, ao espírito ofensivo, decisão e desembaraço da Companhia dizendo: «..... que a levou a avançar sem temer o perigo, com tal entusiasmo e tal combatividade que até lhe ficou a fama de que o próprio IN a olhava com admiração e temor».


ACÇÃO SOCIAL

Teve particular relevo a assistência sanitária às populações que diariamente eram atendidas no Posto de Socorros da Companhia e nas visitas às tabancas.

Além de importâncias em dinheiro, roupas e alimentação, forneceu-se transporte para escoamento de produtos agrícolas em zonas que ofereciam menor segurança pela proximidade com o IN.


DISCIPLINA

a) Recompensas

Neste capitulo há a referir:

- Menções especiais do Ex.º Comandante Militar pela actuação da Companhia - 3

- Louvores conferidos pelo Ex.º Comandante Militar - 27

- Louvores de Comando de Batalhão - 31

- Louvores de Comando de Companhia - 4

b) Punições

Houve 22 punições de detenção e 5 de prisão.

Quartel em Bissau, 2 de Abril de 1965
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3863: Tabanca Grande (114): Libério Candeias Lopes, ex-2.º Sarg Mil Inf da CCAÇ 526 (Bambadinca e Xime, 1963/65)

Guiné 63/74 - P3868: Tabanca Grande (115): Carlos Jorge Pereira, ex- Fur Mil Inf Op Inf (COP 6 e COP 3, 1972/74)

1. Mensagem de Carlos Jorge Pereira, ex-Fur Mil de Inf Op Inf, Guiné 1972/74, com data de 6 de Fevereiro de 2009:

Amigos:
Nome: Carlos Jorge Lopes Marques Pereira
Posto: Furriel Miliciano de Informações e Operações de Infantaria.
P.U. : Guiné 01Jun72 a 01Jun74
Local : Mansabá, Bigene e Guidaje.

Trabalhei inicialmente durante cerca de 3 meses no COP 6 até ser extinto.
Em seguida fui colocado no COP 3 em Bigene onde fiquei até ao final da comissão.

Trabalhei directamente sob as ordens dos Comandantes do Comando nomeadamente com:
Sr. Cap. Jaime Simões da Silva (Cmdt interino por morte do Maj. Mariz)
Sr. Major Jaime Frederico Mariz Alves Martins.
Sr. Coronel António Valadares Correia de Campos
Sr. Coronel Carlos Alberto Wahnon da Costa Campos

Coordenei o departamento de Informações criando uma rede de informadores locais e senegeleses.

No departamento de Operações planeava todas as operações do sector e coordenava, juntamente com o Comandante, as operações especiais.

Em 08 de Maio de 1973 fui juntamente com o Sr. Cor Correia de Campos para Guidaje na primeira coluna que consegui passar e o comando passou ser exercido no local.

Regressámos a Bigene na primeira coluna que consegui passar (08Abr) a fim de evacuarmos os feridos.

Tantas outras coisas teria para contar, mas fica para mais tarde.

Obrigado
Carlos Jorge

P.S. Peço desculpa mas não sei como se enviam fotos pelo computador.

Parada do aquartelamento de Mansabá

Foto: © José Mendonça (2009). Direitos reservados
Edição e legenda de CV



2. Comentário de CV:

Caro Carlos Jorge, como tu, chamo-me Carlos, estive em Mansabá e conheci bem o senhor Coronel Correia de Campos.

Bem-vindo ao nosso Blogue, teu a partir de agora, onde vais, concerteza, contar as peripécias vividas por ti naquela terra africana que nos marcou definitivamente.

Quanto às fotos da praxe, é pena que não tenhas ainda conhecimentos suficientes para as mandar, mas um dia destes vais aprender. A informática, no campo do utilizador, é muito fácil. Nós os mais velhotes é que complicamos um pouco.

Quando quiseres, começa a mandar as tuas histórias, que poderás escrever directamente no corpo da mensagem que nós cá trataremos de as editar e publicar.
Como diz o nosso Editor Luís Graça, não deixes que sejam os outros a contar aquilo que tu próprio sentiste e viveste.

O COP6 foi reactivado em Novembro de 1970, em Mansabá e, quando saí de lá (FEV72) para terminar a minha comissão de serviço uns dias depois em Bissau, ainda existia, se bem me lembro. Julgo que pouco tempo depois chegaste tu a Mansabá.

Durante algum tempo foi comandante do COP6, em Mansabá, o então Ten Cor Correia de Campos. Depois diz-me se estou certo.

Caro Carlos, estás apresentado, podes começar a trabalhar.
Recebe um abraço da Tertúlia.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3863: Tabanca Grande (114): Libério Candeias Lopes, ex-2.º Sarg Mil Inf da CCAÇ 526 (Bambadinca e Xime, 1963/65)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3867: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (9): Periquito quase depenado


1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 8 de Fevereiro de 2009:

Vinhal

Com um abraço extensivo, segue uma estória fora do normal.

Naqueles tempos de Guiné onde as situações mais bizarras aconteciam, também houve os bafejados pela sorte e guardados por Deus, entre os quais me incluo.

Até mais
Luis Faria


Bula > Luís Faria parece dizer: - Salta periquito

Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados



Bula – Periquito quase depenado

Estamos em primeiros de Setembro de 1972, sou já um velhinho que deveria estar com a Força no Cumeré a gozar os últimos dias para regresso a casa, mas não, nem o cheirei pois só na véspera de apanhar o Boeing da FA, cheguei a Bissau. Esqueceram-se que tinha promessa de poder gozar esses poucos dias onde quisesse, na Guiné. Sonhei logo com os Bijagós e foi… um belo sonho !!

Fiquei por Bula continuando no levantamento do extenso campo de minas já referido pelo António Matos e por mim, mas que felizmente estava nos finais. Dessa odisseia espero contar algumas peripécias.

Vamos à estória

A 26 Agosto, chegou para render a 2791 Força, a periquitagem da 3.ª CCAV do BCAV 8320 que, se bem me recordo, era liderada pelo falecido Cap. Salgueiro Maia

À altura, como disse, andava eu a levantar minas e quando íamos para o campo acompanhavam-nos um ou mais GComb para fazer a segurança, emboscando nos sítios que indicávamos.

Nesse dia, o Grupo que me escoltou era pira e chegados os 404 à zona da desminagem (k12/13) não recordo exactamente, há que saltar dos unimogues. Assim fazem e qual é o meu espanto ao ver os piras perfilarem-se de costas para a mata, quase ombro a ombro, aguardando ordem do Alferes! Pareciam estar na parada!! Não sei o nome do Alferes, só recordo que ele usava um testo do caraças na cabeça!!

Mandada corrigir a situação, chamo o Alferes, pego no croquis do campo de minas,vejo o azimute e pergunto-lhe, apontando-lha, se estava a ver uma árvore que se destacava de tudo o que lhe estava próximo. Não há confusão? Não, responde descrevendo a árvore.

Digo-lhe então:
- O meu Alferes leva o pessoal daqui sempre em linha recta, não desvia um metro que seja, ok? Quando o homem da frente esbarrar na árvore, a bicha de pirilau pára e cada homem fica nesse sítio, certo? - Assentiu e lá foram. Chegados ao local comunicaram, tudo bem

Avanço para o campo de minas, com a minha vara-medida, com a faca, com a pica e com a Walter para o que desse e viesse. Começo a lançar, picar,… levantar, lançar, picar levantar… e às tantas deito a vara-medida que me aponta para um cag… humano ainda fresco ??!! Pico e lá está ela, a mina mesmo por baixo! Este turra teve uma sorte do car… f…! e pego na Walter. Depois pensei e…
- Está alguém aqui? - Perguntei. Nada.
- Alguém esteve a cagar atrás desta moita, f…? - Perguntei elevando a voz. Sai detrás de um arbusto um pira que me diz, à rasca:
- Fui eu meu Furriel e explicou-se.
- Venha cá, (na tropa não tratava os soldados por tu) andou com uma sorte do ca… quer ver? - E levantei a mina ! O rapaz ficou sem pinta de sangue, coitado! De certeza nunca mais na vida se esqueceu e se calhar de ler isto vai suar outra vez!

Não o admoestei, a culpa não tinha sido dele. Mas que tinha tido uma sorte daquelas, isso teve. Ele e outros que tivessem entrado no campo.

Agora havia o problema de os tirar de lá. Chamei o Alferes e disse-lhe:
- Está pessoal no campo de minas; o último gajo da fila segue a direito para a estrada pelo mesmo caminho que veio e os outros seguem-no em linha recta, sem desvios. - Assim foi feito e ninguém graças a Deus saiu ferido

Conclusão: tinham passado, enganados, a árvore, mas Deus esteve com essa rapaziada pelo menos nessa hora.

Um abraço à Tertúlia
Luís Faria
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3849: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (8): Bula, vésperas do Natal de 1970

Guiné 63/74 - P3866: FAP (7): Troca de lugar no ALL III salvou-me a vida, em 25 de Julho de 1970 (Jorge Caiano, mecânico do Alf Pilav Manso)


Guiné > Região do Oio > Rio Mansoa > 1970 > Restos do Helicóptero Alloutte III, que se despenhou no dia 25 de Julho de 1970, no Rio Mansoa, em consequência das condições climatéricas. Nele morreram, além do piloto (Alf Pilav Francisco Lopes Manso), o Cap Cav José Carvalho Andrade e mais 4 deputados em visita à Província (entre eles Pinto Leite, o então chefe da Ala Liberal da Assembleia Nacional, e o guineense Pinto Bull).

Cortesia de: © Victor Barata (2008) /Blogue
Especialistas da BA12, Guiné 1965/74. Direitos reservados.
1. Mensagem do editor L.G.:

Em complemento do que já escrevi em poste anterior (*):

No passado dia 31 de Janeiro, sábado, por volta da hora do almoço, recebi um telefonema do Jorge Caiano (espero ter ouvido bem o nome) que era o mecânico do heli do Alf Pilav Manso, no dia 25 de Julho de 1970... Ele informou-me que tinha chegado ao conhecimento do nosso blogue através do blogue do Victor Barata...

O Caiano vive no Canadá, na região de Toronto, desde 1974. É, portanto, um português da diáspora. Nascido em Louriçal, Pombal, foi cedo viver para Aveiro. Tem hoje cerca de 60 anos.

Na tropa, era mecânico da FAP, esteve na BA12, Bissalanca, cerca de 22 meses (1969/70). Regressou em Novembro de 1970.

Prometeu mandar-me um mail. Não está muito familiarizado com a Internet. E eu prometi resumir, no nosso blogue, a conversa que tive com ele ao telefone. Manda um abraço para todos os camaradas da FAP e em especial para os pilotos Félix e Coelho, que ele conheceu em Bissalanca e com quem voou (mais com o Coelho do que com o Félix).

Eis, no essencial, a conversa que ele teve comigo, ao telefone, sobre o trágico acidente do ALL III, que causou seis vítimas mortais:

Por decisão do comandante da esquadrilha, o Cap Pilav Cubas, e aparentemente por uma questão de peso, o Caiano seguiu com ele e não com o Alf Manso, na viagem de regresso a Bissau... (Em princípio, era aos mecânicos que competia avaliar o peso dos helis. Mas neste caso, o Jorge teve que seguir as ordens do seu comandante).

Ia o Manso à esquerda, o Cubas ao meio, o Coelho, à direita. Os três helis voavam em formação quando foram apanhados por uma tempestade tropical. Havia muito pouca visibilidade. Mas deu para ele, Jorge Canao, se aperceber de uma pequena explosão ("uma chama") no interior do heli do Manso. Segundo a sua teoria, o passageiro ao lado do piloto (um dos deputados ? o oficial do Exército ?) deve ter accionado a alavanca do gás (sic). Por inadvertência ou pânico...

O Manso, que era periquito (tinha chegado há dois meses), deve ter perdido o conrolo da situação...

O Jorge Caiano foi testemunha deste caso em tribunal militar. E lembra que, a partir daí, a FAP proibiu que os passageiros viajassem, nos helis, ao lado do piloto, no lugar do mecânico. Os oficiais do Exército (e s0bretudo os oficiais superiores) gostavam muito desse lugar por que tinha uma vista panorâmica. Via-se muito melhor a paisagem....

O heli do Manso despenhou-se no Rio Mansoa, "por volta das 15 horas", do dia 25 de Julho de 1970 (não parece ter dúvidas sobre a data), tendo morrido ou desaparecido 4 deputados da Nação (incluindo o Dr. Pinto Leite, chefe da chamada ala liberal da então Assembleia Nacional), além do Manso e de um oficial do exército do QG. Um dos deputados era o guineense Pinto Bull, que também tinha um filho, mecânico da FAP, a cumprir o serviço militar na Guiné (Bissalanca, BA12). Por sua vez, a mulher do piloto era pressuposto chegar de Lisboa, no dia seguinte. (***)

O Jorge confessa que deve a vida ao destino, à troca de lugar, imposta pelo Cap Pilav Cubas. Essa foi a razão por que ainda hoje está vivo, diz ele, do outro lado do telefone... E acredita que o destino marca a hora. Este acidente de guerra marcou-o para toda a vida.

O Jorge vive perto do Toronto. Responde-me que a crise (económica) também já chegou lá. É amigo de alguns tipos da minha terra, Lourinhã, como o Manuel do Rosário (que ainda é meu parente afastado e é do meu tempo de escola) e do José Jorge.
_________

Notas de L.G.

(*) Vd. poste de 31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strellas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

ÚLtimo poste desta série > 9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

(**) Vd, postes do nosso blogue:

20 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3335: Controvérsias (6): O acidente aéreo de 25 de Julho de 1970 (Carlos Ayala Botto)

11 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3296: Controvérsias (4): O acidente aéreo de 26 de Julho de 1970 (Jorge Picado)

10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3292: Controvérsias (3): O acidente de helicóptero que vitimou Pinto Leite (J. Martins / J. Félix / C. Vinhal / C. Dias)

10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3291: (Ex)citações (4): Pinto Leite, em Bambadinca, dois dias antes de morrer em desastre de helicóptero: Não há solução militar

(***) Vd. postes no blogue so Victor Barata, sobre o malogrado Alf Pilav Manso:

4 de Novembro de 2008 > 514 - UM APELO DA IRMÃ DO ALF PILAV MANSO.

(...) Boa tarde, sou irmã do saudoso Alf Piloto Av FRANCISCO LOPES MANSO. Logo que descobri este blogue sobre os camaradas da Guiné, comecei a ler pois falavam muito vagamente no meu irmão. Era Piloto Aviador, formado na Academia Militar, e foi parar à Guiné com os helicópteros.

Nunca soubemos a verdade sobre o acidente . Os meus Pais faleceram com esse desgosto. """DESAPARECIDO""" e pronto!!!!!.

Fiquei muito sensibilizada com a sua recordação do meu querido mano Mano. Ficámos 5 irmãs com esta dúvida no nosso coração. Ele era português, nascido nos Envendos distrito de Mação em 4 de Março l944.

Muito obrigada pela recordação dele. Pois ele nem aparece no monumento aos combatentes do Ultramar.Sem o conhecer envio um abraço muito comovida.Vivi em Luanda , agora vivo em Aveiro.

Natália Maria


7 de Novembro de 2008 > 521 A RESPOSTA À IRMÃ DO MANSO

(...) No passado dia 4.11,através do Post 514, publicámos um apelo feito pela irmã do nosso companheiro Alf Pilav Francisco Manso, falecido em Mansoa, Guiné a 25.7.1970, no sentido de recolher elementos que a pudessem esclarecer melhor sobre este assunto visto à data do acontecimento,e ainda hoje,nunca ter sido indicado as causas do acidente.

Chegaram já até nós dois apontamentos que nos merecem os agradecimentos e que transcrevemos:

Salgado Gonçalves
Sarg Chefe 1ª/68 Guiné

UMA RESPOSTA PARA A IRMÃ DO ALF PILAV FRANCISCO MANSO


Companheiro Victor, na tua pessoa mais uma vez saúdo todos os companheiros. Quase diariamente passo pelo 'nosso' blog para ficar a par das novidades, hoje vi o pedido da irmã do falecido companheiro, Alf Pilav Manso.

Não tenho muito para dizer... Foi na época da minha estada na BA12 69/71, lembro-me que a missão consistia em transportar uns deputados da então Assembleia Nacional, parece-me que à povoação de Mansoa que dava nome ao rio, onde o heli caiu.Todos quantos iam no Heli faleceram além do Manso e, entre outros, ia um deputado natural da Guiné, penso que de nome Pinto Bull, não tenho a certeza. Da missão faziam parte pelo menos dois Helis, o outro julgo que era pilotado pelo comandante da esquadra Capitão Cubas.

A perda do Manso foi muito sentida por todos nós pois era uma excelente pessoa. Junto envio umas fotos do Heli depois de recuperado. Por hoje é tudo cumprimentos para toda a rapaziada.

Salgado Gonçalves, Cabo MMA 1ª 68
(...)

ARQUIVO HISTÓRICO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA

Exmo Senhor,

Em resposta ao Vosso email sobre o acidente do ex ALF/PILAV Francisco Lopes Manso, local do acidente, Rio Mansoa, junto à Ilha de Lisboa. Originou a morte do Piloto desaparecido e de um Capitão do Exército e mais quatro civis, o acidente deu-se com um ALLIII que caiu no Rio Mansoa derivado a um tornado e muita chuva, os corpos do CAP do Exército e dos civis apareceram sem vida e o corpo do piloto não apareceu.

Mais informo que o ex Piloto consta na lista dos falecidos da Força Aérea no Arquivo Histórico da FAP.

Com os melhores Cumprimentos
AHFA (...)


O editor do blogue, o nosso camarada Victor Barata, escreveu o seguinte, em jeito de nota final:

"A causa imputável, as condições meteorológicas. Tornado tropical: Ventos violentos com turbilhão, Chuvas, Visibilidade zero. Estas condições meteorológicas foram confirmadas por tripulações de helicópteros que voavam na proximidade da zona. A marinha efectuou busca no rio. Recuperação da estrutura, sem os corpos da tripulação, e dos passageiros". (...)

Guiné 63/74 - P3865: Antropologia (13): A arte popular guineense (Beja Santos)

Legenda: "Guiné: Grupo de balantas com chapéus de palha do fanado"

Legenda: "Guiné: Grupo de mulheres bijagós com os seus apetrechos e trajes de dança".

Legenda: "Guiné: Amuletos de prata usados por mandingas e fulas"

Legenda: "Guiné: Máscaras bandá (à esquerda) e nimba (à direita)"

Fonte: A arte popular em Portugal : ilhas adjacentes e ultramar (ed. lit Fernando de Castro Pires de Lima): Lisboa: Verbo, 1968. (*) (Com a devida vénia...)



1. Texto e imagens enviadas pelo Beja Santos em 4 de Fevereiro último:

Foi o último grande acontecimento editorial de envergadura, no campo da etnografia, etnologia e antropologia, abraçando todos os povos do Portugal do Império. A Verbo investiu muito, de colaboração com a Junta de Investigação do Ultramar e da Agência Geral do Ultramar: a direcção foi de Fernando de Castro Pires de Lima, a responsabilidade gráfica coube a Fernando Lanhas, o capítulo dedicado à Guiné foi escrito por Fernando Rogado Quintino (**).

As matérias versadas são as seguintes: técnica de construção, as formas arquitectónicas e os respectivos sistemas de vida; mobiliário e utensilidade, as camas, os bancos, banquetas e canapés, objectos de cozinha, peças de vestuário e equipamento agrícola; artesanato, com a riqueza de artigos em couro, olaria, cestaria e panaria; vestuário e adorno, com a espantosa versatilidade de amuletos; música e dança, danças recreativas, religiosas, o korá , as marimbas; pintura e escultura, onde predominam as geniais máscaras e feitiços de madeira, caso do Ninte-Kamatchol.

Vou entregar esta pequena preciosidade com uma tão cuidada descrição de manifestações, que vimos nas nossas comissões, ao blogue, para ser vendida em leilão para apoiar as nossas despesas de manutenção.

Beja Santos (***)
___________

Notas de L.G.:

(*) Ficha bibliográfica tal como consta no sítio
Memória de África:

[62036]
LIMA, Fernando de Castro Pires de
A arte popular em Portugal : ilhas adjacentes e ultramar / direcção de Fernando de Castro Pires de Lima. - Lisboa : Editorial Verbo, 1968 (Lisboa : Oficinas de Gris Impressores, S.A.R.L.. - 2 vol. : il., col., fotografia. - Esta obra foi publicada com o alto patrocínio da Junta de Investigações do Ultramar e da Agência Geral do Ultramar.
Descritores:
África lusófona Madeira Açores Timor Arte popular Artesanato
Cota: D 2136UCDA ¤ D 2137UCDA

(**) Fernando Rogado Quintino é, juntamente com António Carreira, um dos grandes especialistas da cultura da Guiné (colonial)... É autor de (entre muitas outras obras e artigos sobre a Guiné):

Eis a Guiné! : Breve notícia da sua terra e da sua gente
Lisboa : Sociedade de Geografia de Lisboa, 1946, 64 pp.

(***) Vd. postes anteriores desta série Antropologia [ a disciplina das ciências socais que estuda as estruturas e as culturas produzidas pelo Homo Sapiens Sapiens, a única espécie humana - raça, dizíamos nós até há pouco tempo - a que pertencemos todos nós: nharros, tugas, gringos, chinocas, etc... Na Europa também é sinónimo de Etnologia, incluindo a Etnografia]:

9 de Novembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2252: Antropologia (1): A guerrilha invisível ou o Poder da Invisibilidade (Virgínio Briote / Wilson Trajano Filho)

25 de Setembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3238: Antropologia (12): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.

14 de Setembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3206: Antropologia (11): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.

5 de Setembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3175: Antropologia (10): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.

29 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3154: Antropologia (9): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.

11 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3128: Antropologia (8): Exposição Bijagós no Museu Afro Brasil, São Paulo

23 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3089: Antropologia (7): As tabuinhas das escolas corânicas: tradutor de árabe, precisa-se (A. Santos / Luís Graça)

18 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3070: Antropologia (6): O povoamento humano da zona do Cantanhez: apontamentos (Carlos Schwarz)

2 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

12 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2434: Antropologia (4): Kasumai, bons augúrios na cultura felupe (Luís Fonseca / Pepito)

2 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2322: Antropologia (3): 1952: Mulher mandinga da... Colónia da Guiné (Luís Graça / Beja Santos)

20 de Novembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2289: Antropologia (2): A literatura infanto-juvenil dos anos 40 e os estereótipos coloniais (Beja Santos)

9 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2252: Antropologia (1): A guerrilha invisível ou o Poder da Invisibilidade (Virgínio Briote / Wilson Trajano Filho)

Guiné 63/74 - P3864: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (3): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 5-6

1. Continuação da publicação da revista mensal PAIGC Actualités, nº 54, Outubro de 1973, um número histórico de que nos foi enviado uma cópia, digitalizada pelo nosso amigo e camarada Eduardo Magalhães Ribeiro, mais conhecido na Tabanca Grande como o pira de Mansoa.

As páginas 5 e 6, agora transcritas, foram traduzidas do francês para português pelo Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, os Tigres de Cumbijã (1972/74).




O primeiro executivo do nosso Estado



Foto: (da direita para a esquerda)

- Comandante FRANCISCO MENDES (CHICO TÉ), membro do Secretariado Permanente do CEL, Comissário Principal;

- Comandante JOÃO BERNARDO VIEIRA (NINO), membro do Secretariado do CEL, Comissário para as Forças Armadas;

- Comandante PEDRO PIRES, membro do Secretariado Permanente do CEL, Comissário Adjunto para as Forças Armadas;

- Dr. VASCO CABRAL, economista, membro do CEL, Comissário para a Economia e Finanças;

- Chefe JOSÉ ARAÚJO, membro do CEL, Comissário do Secretariado Geral de Estado;

- Comandante ABDULAY BARY, membro do CEL, Comissário do Interior;

- Chefe FIDELIS CABRAL D’ALMEIDA, membro do CSL, Comissário da Justiça;

- VICTOR SAÚDE MARIA; membro do CEL, Comissário dos Negócios Estrangeiros.

O Comandante Francisco Mendes, membro do Secretariado Permanente do CEL, foi escolhido para presidir ao Conselho dos Comissários de Estado, na qualidade de Comissário Principal.

As atribuições do Conselho dos Comissários de Estado têm como objectivo a elaboração do programa político, económico, social e cultural do Estado, bem como a sua defesa e segurança. Dirige, coordena e controla os diversos Comissários de Estado, os outros Serviços Centrais, os Comités regionais de Estado e os Comités de Sector de Estado. Nomeia e demite os funcionários de Estado.

O primeiro executivo do nosso Estado


Foto: (da direita para a esquerda)

- Eng JÚLIO SEMEDO, Sub-Comissário para o Desenvolvimento dos Recursos Naturais;

- Eng MÁRIO CABRAL, Sub-Comissário para o Controlo Económico e Financeiro;

- ARMANDO RAMOS, membro do CSL – Sub-Comissário do Comércio;

- Comandante MANUEL SATURNINO, membro do CSL, Sub -Comissário para a Educação e Cultura;

- Eng ADELINO NUNES CORREIA, Sub-Comissário para a Juventude e Desportos;

- JOÃO da COSTA, membro do CSL, Sub-Comissário para a Saúde e Assuntos Sociais.


O engenheiro SAMBA LAMINE MANÉ, Sub-Comissário para a Agricultura e Pecuária, e o Dr. LUIZ SANGA, Sub-Comissário para a Estatística e Planificação, que não aparecem nas fotografias, completam a lista dos camaradas que constituem o primeiro executivo do nosso Estado.

Após o discurso de encerramento do secretário geral do PARTIDO, Aristides Pereira, e do hino nacional Esta é a nossa pátria bem amada, cantado por um grupo de pioneiros do Boé, um grandioso desfile das FARP e manifestações populares assinalaram o encerramento da primeira reunião da ANP


Numa mensagem dirigida à Assembleia por Sua Excelência o Presidente Ahmed Sékou Touré em nome do Comité Central do PARTIDO DEMOCRÁTICO DA GUINÉ, e do Governo guineense, lido pelo chefe da delegação da imprensa guineense, senhor Fodé Berété , a República irmã da Guiné reconheceu no terreno o nosso jovem Estado da Guiné Bissau, cujo aparecimento constitui um acontecimento sublime na história da libertação dos povos africanos.


Ao separarem-se, por entre a emoção, o entusiasmo, e a plena consciência das responsabilidades do Partido, os deputados á ANP, os militantes e responsáveis do partido mostraram mais do que nunca a convicção de que o caminho traçado ao nosso povo pelo nosso bem amado líder Amílcar Cabral, é o caminho da liberdade, da dignidade e da glória.

Eis, pois, porque a participação na luta pela liberdade total da Pátria e a defesa da sua soberania, constituem a honra e o dever supremo do cidadão do nosso Estado da Guiné Bissau.


Elevado número de jornalistas e cineastas africanos e estrangeiros assistiram aos trabalhos da ANP que também tiveram a cobertura da nossa RÁDIO LIBERTAÇÃO e de uma equipa de cineastas dos nossos serviços de informação.
_______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

2 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3828: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (1): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 1-2

5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3846: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (2): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 3-4

(**) Estes homens seguiram depois percursos diferentes: alguns conheceram a morte, a traição, o exílio... Eis alguns dados biográficos, muito sumários, de alguns dos elementos do Primeiro Governo da República da Guiné-Bissau:

Luís Cabral (n.1931)> Foi o primeiro persidente da Repúblcia da Guiné-Bissau, desde 1973 a 1980, altura em que foi deposto por um golpe de Estado. Vive exilado em Portugal.

Francisco Mendes, Chico Té (1939-1973) > Será assassinado em 7 de Julho de 1988;

João Bernardo Vieira, Nino (n. 1939) > Presidente da República desde 1 de Outubro de 2005;

Pedro Pires (n. 1934) > Presidente de Cabo Verde desde Março de 2001 (Primeiro-ministro, de 1975 a 1991);

Vasco Cabral (1926-2005) > Escapou, por um triz, ao atentado que vitimou Amílcar Cabral; não se opôs ao golpe do 'Nino' Vieira que depôs, em 1980, governo de Luís Cabral;

José Araújo > Caboverdiano, hábil jurista;

Fidelis Cabral de Almada > Terá sido ele quem, após a morte de Amílcar Cabral, propôs o nome de 'Nino' Vieira para secretário-geral do PAIGC;

Abdulai Bari > [ Não se dispõe de elementos];

Vitor Saúde Maria (1939-1999) > Exilado entre 1984 e 1990;

Manuel Saturnino da Costa (n. 1942) > Virá a ser secretário-geral do PAIGC e depois 1º ministro (1994-1997).

Outras fontes > Vd. blogue do Virgínio Briote > Guiné, Ir e Voltar - Tantas Vidas > 18 de Dezembro de 2008 > PAIGC: alguns dos protagonistas

Vd. ainda postes do Virgínio Briote:

18 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - P2114: Bibliografia de uma guerra (17): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte I)(V. Briote)

24 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2128: Bibliografia de uma guerra (18): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte II)(V. Briote)

27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2136: Bibliografia de uma guerra (19): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte III) (V. Briote)

Guiné 63/74 - P3863: Tabanca Grande (114): Libério Candeias Lopes, ex-2.º Sarg Mil Inf da CCAÇ 526 (Bambadinca e Xime, 1963/65)


1. Mensagem de Libério Candeias Lopes, ex-2.º Sargento da CCAÇ 526, Bambadinca e Xime, 1963/65, com data de 6 de Fevereiro de 2009:

Caro amigo

Junto, em anexo, um pequeno contributo para a historia da guerra da Guiné.
Se o mesmo tiver alguma utilidade queiram publicá-lo no respectivo blog.

Um abraço
Libério

2. Carta para Luís Graça

Libério Candeias Lopes
Ex-2.º Sarg Mil Inf
Guiné: Bambadinca e Xime
1963/65


Caro Luís Graça

Sou um assíduo leitor do teu blog e tenho acompanhado com grande interesse as inúmeras histórias descritas por quem as viveu e sentiu intensamente. São elas que estão a contribuir para que se escreva a verdadeira história da guerra da Guiné.

Cumpri o serviço militar obrigatório durante 48 longos meses. Quando estava para passar à disponibilidade, fui agraciado com um prémio: um cruzeiro (com tudo incluído) até à Guiné...

É normal que estes 4 anos acabassem por ser vividos intensamente, embora sem quaisquer contrapartidas no aspecto pessoal e profissional. É também natural que, embora tente esquecer os dois anos de Guiné, o não consiga fazer.

E, por isso mesmo, sempre que posso lá estou eu ligado ao teu blog.

Certamente que não irei contribuir ou acrescentar muito mais ao que tenho lido. Mas gostaria de deixar alguma coisa sobre os locais e a companhia a que pertenci.

Há nomes que nunca esqueci ao longo destes 4 anos:

Amedalai, Samba Silate, Ponta Varela, Ponta do Inglês, Taibatá, Chicamiel, Xitole, Saltinho, Fá Mandinga, e, principalmente, Bambadinca e Xime.

Fiz parte do primeiro pelotão a instalar-se no Xime, no dia 1 de Julho de 1963. O resto da Companhia 526 ficou instalado em Bambadinca.

Vivi intensamente 9 meses no Xime.

Dias felizes e outros menos felizes, nem uns, nem outros foram esquecidos. Houve tempo para tudo.

Do Pelotão, de cerca de 30 homens, faziam parte o Alf Mil Correia Pinto (já falecido); os Furriéis Milicianos Tibério (falecido), Virgílio e eu próprio.

Para terminar, segue uma historieta passada comigo no Xime, e em separado, o resumo da história da Companhia 526, que por mero acaso fui guardando ao longo destes anos.

Aquartelamento do Xime

Ponte de Saltinho

Fur Mil Virgílio e Tibério, Alf Mil Correia Pinto e Fur Mil Libério

3. Um libanês no Xime

Além da casa onde nos instalámos no Xime, havia uma outra em frente, onde habitava um italiano. Indivíduo afável, que fazia, como ninguém, um frango à cafreal, e que tinha a profissão de alfaiate.

Em determinada altura arranjei uma cadeira onde poderia descansar e dormir alguma sesta, já que, durante a noite, pouco dormia. Faltava-me, porém, o tecido para a referida cadeira de encosto. Tiradas as medidas pelo alfaiate, vou à moradia mais acima, onde o libanês Amin tinha o seu comércio. Dei-lhe as medidas, escolhi o pano e entreguei-o novamente ao alfaiate, para o coser.

No dia seguinte vou colocar o pano na cadeira e, em vez de ficar abaulado, para nele me deitar, ficou esticadinho, resultando daí a sua ineficácia. Chamei o alfaiate para lhe mostrar a sua obra e fiz-lhe ver que se tinha enganado nas medidas. Jurou que não e que as medidas estavam correctas, pelo que deveria ir ao Amin ver o que tinha acontecido. Lá regressei novamente ao comerciante e pedi-lhe para rectificar as medidas do tecido que tinha comprado, tendo-lhe eu explicado o que sucedera com a cadeira. Pela reacção dele, vi logo que ali havia marosca, e que ele nem atava nem desatava. Perante a minha reacção, um pouco menos amigável, começou a titubear e acabou por me pedir desculpa, porque se tinha enganado no metro. Convidei-o a contar toda a história, e não é que o indivíduo tinha um metro para o branco e outro para o preto?! O do branco estava correcto, mas o outro tinha menos cerca de 20 cm.

Ao olhar em frente, vejo duas balanças decimais no meio do estabelecimento. Resolvi ir pesar-me em ambas. E eu, que pesava na realidade cerca de 75 quilos, pesei, numa, perto de 100 quilos e, na outra, sessenta e pouco! Cheguei à conclusão lógica de que uma era para vender e a outra para comprar os produtos locais.

Aí, a minha consciência é alertada e pensei: - Mas, afinal, o que andamos nós aqui a fazer? Os habitantes desta terra terão assim boas razões para se revoltarem...

Resumindo: Disse ao Amin que, se à noite ainda estivesse no Xime, eu iria ter com ele. Não foi preciso. Pegou na sua velha camioneta, carregou-a com o que pôde, e desapareceu de vez daquela tabanca.

Foi mais uma casa livre dentro do arame farpado...

À esquerda a nossa vivenda. À direira o comércio do libanês Amin

3. Comentário de CV

Caro Libério, cabe-me receber-te na nossa Tabanca Grande. Bem-vindo. És um dos pouco mais velhos do nossa Tertúlia e um dos ex-combatentes do início da guerra na Guiné, logo com direito a uma saudação especial.

Pelo modo como entraste, prometes ser um elemento activo, com muitas histórias para contares a nós, periquitos da década de setenta.

Instala-te, puxa da caneta e continua a escrever as tuas memórias que muito contribuirão para a memória futura da guerra colonial, da Guiné particularmente.

Em nome da Tertúlia, deixo-te um abraço fraterno.
CV
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3857: Tabanca Grande (113): José Manuel Moreira Cancela, ex-Soldado AM da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)