quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5209: Ser solidário (41): Obrigado, Catarina Furtado, Sra. Embaixadora da Boa Vontade, no Gabu (Torcato Mendonça)

1. Mensagem, com data de 1 de Novembro, do nosso histórico Torcato Mendonça, que vive no Fundão, mas já construiu e habitou bunkers (em Mansambo, sector L1, Bambadinca, Zona Leste, Guiné, 1968/69, no tempo em que foi Alf Mil Art, CART 2339, e em que andava na guerra colonial):

Meus Caríssimos Editores, camaradas e amigos:

Não sei ao certo se viram o documentário que eu acabei de ver, Dar a Vida sem Morrer. (*)

É o segundo que vejo. O primeiro foi há bastante tempo. Este agora visa fundamentalmente dar à mulher Guineense melhores condições de vida, visando reduzir a mortalidade materna e neonatal.

A esperança média de vida é de 47 anos, vive-se com um Euro e Meio por dia e acredita-se, olham as câmaras com os olhos de antigamente, olham-nos fundo, tão fundo e nós arrepiamo-nos por dentro, bem lá no fundo e vemos o hoje, recordando o ontem de há décadas.

Pergunto a mim se este Povo, esta Gente não vive hoje pior. Mas acredita, canta, sorri e do pouco faz a esperança. Com tão pouco, tão pouco e uma Mulher, Catarina Furtado, continua a dar esperança, a contactar directamente no terreno com Técnicos e com o Povo. Eu espero que olvide caciques e certas organizações e beneméritos.

E o Homem Grande falava e as suas palavras eram traduzidas para a língua oficial, o português, e mais uma menina nascia, uma Catarina, e a mãe olhava com o olhar de sempre, o agradecimento nesse olhar e a cesariana feita porque o Hospital de Gabu tem um gerador. Raio, um gerador...e a a mulher dá uma vida sem morrer.

Eu só agradeço à Catarina Furtado (**) e a todos os que partilharam neste projecto, portugueses, guineense e sei lá quem mais.

Sinto aquele Povo de uma maneira muito minha e nem palavras encontro. A escrita que fique para outros mais dotados, mais frios e menos emotivos.

Eu fico agora quieto, vou ficar um pouco só e, á minha maneira, vou estar com eles na penumbra de minha varanda.

Fico por aqui, espero que tenham visto o que eu vi... A Guiné mexe connosco, não mexe?

A cada trinta segundos uma morte com malária? Eu percebi bem? Oxalá - queira Alá, o Deus da maioria daquele Povo - tenha percebido mal!

Não vos aborreço mais, não vou reler e espero que tenham visto o documentário.

Um abração do Torcato


2. Mensagem de hoje, novamente do Torcato:

Assunto - P5204 (sem critica - só dar "razão" à não publicação do e-mail. E daí...) (**)

Era noite de lua cheia. Diz-me o relógio. Vantagens de viver no interior. Mas:

Meu Caro Carlos Vinhal (e Editores mesmo não sabendo da conversa por nós tida) : como vês, eu tinha razão. A idade traz, como tudo na vida, a vantagem e a desvantagem ou o bem e mal...

Sempre apareceu um texto sobre o tema, uma reflexão, um chamar de atenção e, qual cereja em cima do bolo, Beethoven e Sonata Moonlight.

Eu, se estivesse na varanda a varrer fantasmas, como (te ou vos) escrevi, preferia a 5ª Sinfonia. Mais chama, melhor no aplacar da raiva então sentida. Raiva? Não! Ia na 9ª, isso, a nona.

Pensava então nas mulheres, nos meninos, na doença, na carência, no esforço da Catarina Furtado e tanta gente de bem a aplacar a ignomínia...e pensava também nos "Senhores e dos seus Amores" a virem a Lisboa pôr o botox, tratar do calo ou de outro mal e, porque não, a Paris, La Belle, ou logo ali a Dakar.

Ah, eu vi através destes documentários e não esqueço. Questiono-me: Independência para tanta dependência e traição - palavra talvez forte demais - antes negação... aos ideais dos que lutaram pela Liberdade e muitos por ela deram a vida.

Pois é, camarada e amigo no singular ou com sss no plural, pois é...

Por uma Guiné melhor, por um Mundo mais justo e fraterno.

Um abração para ti e para todos do Torcato (acabei por fazer cc)

3. Comentário de L.G.:

Por ti, pelos guineenses, nossos irmãos e amigos, sobretudo por essas Extraordinárias e Heróicas Mulheres Guineenses, por todos nós, amigos e camaradas da Guiné,pela Catarina Furtado e tantos outros homens e mulheres de boa vontade, o teu mail deveria ter sido automatica, instantaneamente publicado... Just in time... Mas a gente ainda não tem essa capacidade, técnica e humana... Os mails ficam na fila de espera, na linha de edição, à espera de um editor de serviço...

José, não é tarde. E eu fico sensibilizado por, dentro da nossa Tabanca Grande, haver pessoas como tu e o António Matos, e tantos outros, capazes de ter tempo e sensibilidade para escutar os outros, que sofrem, que estão doentes, que precisam de ajuda, lá nessa terra vermelha que também é um pouco nossa, pelas memórias e afectos, e para ser solidários, quanto mais não seja através da escrita, do testemunho, da indignação...

Num mundo, numa sociedade (na Europa, em Portugal, na Guiné-Bissau) onde impera o individualisno, o cinismo, a infiderença, o eu-eu-eu-e-o-resto-que-se-foda, eu só posso, José, enviar-te daqui um quebra-costelas valente, daqueles que são mesmo para consertar os ossos e mexer com as nossas emoções e os nossos neurónios... Também estive a ver o programa com o meu filho, João, médico, que vai à Guiné em Dezembro, quinze dias, dedicando uma semana à assistência médica da população de Iemberém. Temos a obrigação de passar o melhor dos nossos valores (e ainda temos alguns!) aos nossos filhos e netos... Um Alfa Bravo. Luís

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 29 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5181: Ser solidário (40): Dar a vida sem morrer, Domingo, 1 de Novembro, na RTP1, às 21h30 (Torcato Mendonça)

(**) Embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA)
Vd. UNPF > 24 June 2009 > Goodwill Ambassador Catarina Furtado Finds Progress on Maternal Health during her Visit to Guinea-Bissau

Vd. também Africanidade > 2/6/2009 > Catarina Furtado, embaixadora da Boa Vontade, visita a Guiné-Bissau

(***) Vd. poste de 3 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5204: Controvérsias (34): Os guineenses têm uma esperança de vida de 47 anos! (António Matos)

Guiné 63/74 - P5208: Da Suécia com saudade (14): Spínola, uma história de h pequeno dentro da História com H grande (José Belo)

1. Mensagem de José Belo (*), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, com data de 14 de Setembro de 2009:

Assunto - Análise das mentalidades dos nossos oficiais superiores. O Aspirante António de Spínola, uma pequena "história" para a História!


Para evitar as mínimas dúvidas de interpretação(!), gostaria de esclarecer alguns dos camaradas que fui Spinolista incondicional na Guiné. Tive o profundo desgosto pessoal de acabar por vir a lutar,literalmente de armas na mão, nos muros do RALIS contra o General Spínola de um projecto político com que me não identificava.

É uma pequena história que diz algo do carácter do General,que gostaria de compartilhar com os camaradas, pedindo desculpa dos detalhes "pessoalistas" da mesma, a que sou obrigado para a situar.

O meu pai era então médico particular do General reformado Pereira Coutinho,e tinha por ele grande amizade e respeito. Ao saber-me mobilizado para a Guiné, o General desejou despedir-se de mim. Em conversa em sua casa, surge o facto de Spínola ter sido Aspirante no Regimento então comandado por Pereira Coutinho. Creio que era o Regimento de Lanceiros, na Calçada da Ajuda, em Lisboa.

Chegado de novo ao Regimento, e como oficial menos antigo, foi, por escala, nomeado responsável pelo rancho da Unidade. Aparentemente, sempre aconteceu muito "à volta" dos alimentos e respectivas verbas, que os Srs. Coronéis-Comandantes, pairando ás alturas que pairavam, tinham dificuldades prácticas(!?) em resolver. Facto é que o Aspirante Spínola, passadas as quatro semanas no cargo, e depois de por todas as maneiras ter tentado lutar contra tais... moínhos de vento, apresentou, por escrito, ao seu comandante, o pedido de demissão de Oficial do Exército.

Este, como mais experiente nas tais lutas contra moínhos de vento, tentou demovê-lo de tal requerimento, logo no início da sua carreira militar. Perante o categórico "não" de Spínola, resolveu acabar por guardar o papel na gaveta da secretária,sem lhe dar seguimento.

Algumas conversas exaltadas terá havido sempre que Spínola lhe perguntava pelo despacho do requerimento, até que um dia, por rotação normal, Spínola acabaria por ser colocado noutra Unidade.

Muitas vezes a HISTÓRIA com "H" seria bem diferente, se estas histórias de "h" pequeno tivessem outros finais.

Um abraço amigo do José Belo.

Estocolmo, 3/11/09

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 28 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5024: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (13): Portugal é um país de tolerância e humanismo

Vd. também poste de 29 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5178: Humor de caserna (16): Ui!Ui!... A minha despedida da Tabanca Grande... com saída pela porta do cavalo! (José Belo, Suécia)

(**) Esta história deve-se ter passado por volta de 1933/34... Vd. poste de

4 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2239: Tugas - Quem é quem (2): António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe (1968/73)

(...) Colocado inicialmente, em 1928, no Regimento de Cavalaria 4, irá exercer as funções de instrutor, durante seis anos, no Regimento de Cavalaria 7, a partir de 1933, já como alferes.

Em 1939, exercerá as funções de ajudante-de-campo do comandante da GNR (Guarda Nacional Republicana), general Monteiro de Barros, seu sogro, e dará início à sua colaboração na Revista de Cavalaria de que é co-fundador. (...)

Guiné 63/74 - P5207: Agenda Cultural (40): Os nossos camaradas Giselda Pessoa, V. Barata e M. Rebocho, hoje, 16h, RTP1, Portugal no Coração

1. Reprodução, com a devida vénia, de notícia do blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74 > 30 de Outubro de 2009 > VOO 1248 OS ESPECIALISTAS DA FAP NA RTP


Companheiros:

A convite da RTP 1, programa 'Portugal no Coração' vamos estar presentes na emissão do dia 4 (próxima 4ªFeira), pelas 16H.

O Programa reporta-se as Combatentes da Guerra Colonial e tem como participantes,a Ex Sarg Enf Paraq Giselda Pessoa,os Ex-Esp FAP Victor Barata e Nuno Almeida(Poeta),Ex-Sarg Mor Paraq Prof Dr Manuel Rebocho, Ex-Cor Exer Silvério e Ex-Cap Méd Exer Dr Américo.

Como se pode observar,os ZÉS ESPECIAIS vão estar presentes e representados pelos nossos companheiros Victor Barata e Nuno Almeida.

É pena que o programa seja tão curto, pois muito havia para dizer,mas talvez a curto prazo esse momento nos chegue.

Victor Barata

Guiné 63/74 - P5206: Efemérides (31): as eleições de 26/10/1969, as oposições democráticas (CDE e CEUD) e a escalada da guerra (João Tunes)

1. Mensagem do nosso camarada e amigo João Tunes, um histórico da nossa tertúlia (está cá desde Setembro de 2005) (*). 

 Para os periquitos, que ainda o não conhecem , eu costumo apresentá-lo como engenheiro químico reformado, ex-Alf Mil Trms, do meu tempo de Guiné. De 1969 a 1971, andou por desvairadas terras: Pelundo, Canchungo (ou Teixeira Pinto), Catió, Guileje, Bissau... (Na foto, à esquerda, o João é o condutor do jipe... Pelundo, Dezembro de 1969). Está, todos os dias, no seu posto de trabalho, o blogue Água Lisa. Faz parte também da redacção dos Caminhos da Memória, juntamente com Diana Andringa, entre outros membros da Associação «Não Apaguem a Memória!». Caro Luís, Como te lembrarás bem, pouco tempo tinha passado desde que chegámos à Guiné em Maio de 1969, realizaram-se “eleições” para a Assembleia Nacional (a votação foi a 26/10/69, portanto há 40 anos), precedida de uma “campanha eleitoral” em que a oposição se apresentou dividida, através da CEUD (só concorreu em três distritos) e a CDE. A posição face à guerra colonial era um dos temas fortes que dividiam as posições políticas perante o “marcelismo” por parte das duas forças oposicionistas. Essa clivagem, bem analisada numa interessante entrevista com José Tengarrinha (http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/10/26/entrevista-com-jose-tengarrinha/), marcou não só a campanha como os “resultados” da CEUD e da CDE. Já nas últimas “eleições” realizadas antes da queda do regime, em 1973, a oposição, que então não foi a votos, se apresentou unida, sob a sigla da CDE, e com uma posição frontal de condenação da guerra colonial. Para quem, como nós, estava enfiado no mato durante um destes “períodos eleitorais”, esta problemática passava-se “longe” e dele só recebíamos eco pela correspondência da família, nas férias ou pela leitura de um ou outro jornal ou revista que, quando nos chegavam, era tarde e a más horas. No entanto, as campanhas da CDE (e os Congressos da Oposição em Aveiro, 1969 e 1973), particularmente no que concerne à guerra colonial, tiveram grande impacto significativo e progressivo sobre o posicionamento de vários oficiais do quadro permanente, o que foi ampliado pela influência de milicianos que tinham sido mobilizados para a guerra depois de fazerem o seu estágio político (antifascista e anticolonialista) nas lutas estudantis em Lisboa, Porto e Coimbra. E a génese do MFA, a sua radicalização e a acção revolucionária vitoriosa de 1974, como depois a descolonização, não são alheias a estas influências determinantes. Por tudo isto, o tema não me parece que deva passar ao lado de um blogue centrado nas memórias vivas e lúcidas de antigos combatentes na guerra colonial na Guiné. E julgo que seria interessante que os membros desta animada web-tertúlia dessem conta da forma como os ecos das “campanhas” de 69 e 73 chegavam (ou não chegavam) a cada um enfiado no seu “cú de judas” situado algures no mato da Guiné. Na linha do que disse, se os editores considerarem interessante o post que dediquei a este tema no meu blogue (http://agualisa6.blogs.sapo.pt/1573943.html), estão desde já autorizados a dele fazerem transcrição. E outros que digam o que lhes aprouver pois a memória não deve ser amarrada com tabus. João Tunes. 2. Água Lisa, blogue de João Tunes > 1 de Novembro de 2009 > 1969, as "eleições" e a guerra Os curiosos sobre as “eleições” de 1969, particularmente acerca das razões porque a “oposição” se apresentou dividida (CDE/CEUD), têm disponível para consultarem aqui uma entrevista com José Tengarrinha, então um quadro do PCP e da cúpula da CDE. As fracturas tiveram sobretudo a ver com as expectativas existentes relativamente à “abertura” de Marcello Caetano, marcando depois e naturalmente os discursos eleitorais. A guerra colonial, então particularmente acesa em Moçambique e na Guiné, era o principal separador das posições das duas agregações oposicionistas – a CDE reproduzia o posicionamento do PCP e apostava forte na denúncia máxima e possível da guerra colonial com partido implícito pelos movimentos de libertação, a CEUD evitava referir o tema e quando este era incontornável procurava um posicionamento não radical sobre a guerra e punha em cima da mesa a quimera retórica de defesa de “autonomias”. Nas “eleições” seguintes, as de 1973, já a oposição se apresentou unificada e o posicionamento acerca da guerra colonial, entretanto agravada, retomou o essencial das posições da CDE de 1969. A guerra colonial era, para o regime, a grande questão política tabu. Caetano, por convicção e pela pressão dos ultras nacional-colonialistas entrincheirados atrás do Presidente Tomás, continuava o dogma-mito herdado de Salazar: “não discutir o Ultramar”, continuar a guerra. Então, colocar sequer a questão da guerra colonial, discutindo saídas para ela, mesmo que tímidas, configurava uma traição à pátria. Tal não era sequer permitido durante as “campanhas eleitorais” (se tal fosse feito, e normalmente era-o no último discurso, o representante das “autoridades” intervinha e fazia terminar a sessão, a que se seguia, por regra, uma carga policial). Mas Caetano não só prosseguiu a guerra colonial, como o fez recorrendo a “operações sujas” e outras em larga escala perante o progressivo agravamento das situações militares em Moçambique e na Guiné, gerando uma dinâmica de “tudo ou nada”. E, nesta via, aprofundou-se a “fusão”, na máquina de guerra colonial, entre a polícia política (PIDE) e o exército colonial. Logo no início de 1969, pouco tempo depois de Caetano suceder a Salazar, o então líder da Frelimo (Moçambique), Mondlane, foi assassinado na Tanzânia através de uma encomenda-bomba, o que desencadeou não só uma crise na Frelimo como uma atribulada luta pela sucessão na liderança. E, no ano seguinte, Kaulza de Arriaga (comandante-chefe) montou uma das operações militares mais gigantescas e recheadas em meios humanos e militares ocorridas na guerra colonial, a operação “nó górdio”. Em resultado final, a Frelimo expandiu a sua área de intervenção guerrilheira em Moçambique. Na Guiné, Caetano deu luz verde a Spínola e à PIDE para uma das mais vastas e custosas operações de tentativa de aliciar e corromper uma das frentes do PAIGC, ocorridas no norte no “chão manjaco”, e que terminou em Abril de 1970 quando os guerrilheiros atraíram a uma cilada um grupo de elite dos oficiais do exército português, massacrando-o. Spínola e a PIDE, com o acordo prévio de Caetano, reagiram no final de 1970 através de uma operação com grandes meios (“mar verde”) de invasão da Guiné-Conacry e que tinha, entre os objectivos, assassinar o Presidente deste país (Sekou Touré) e colocar um “partido amigo” no poder, assassinar Amílcar Cabral e o núcleo dirigente do PAIGC (sediado em Conacry), destruir a força aérea e a frota naval guineense, libertar os prisioneiros militares portugueses. Só o último objectivo foi alcançado. Em 1973, como culminar de uma operação de infiltração da PIDE, foi conseguido o velho objectivo de assassinar Amílcar Cabral. A este desaire, a perda do seu líder carismático, o PAIGC respondeu, através de novo e sofisticado armamento, com a prática neutralização do domínio do espaço aéreo pelo exército colonial e declarar a independência unilateral da Guiné-Bissau, rapidamente reconhecida por dezenas de países membros da ONU. Todos estes factos, na sua maioria iniciativas de “guerra suja” desenvolvidas em íntima colaboração entre a PIDE e as forças armadas e apoiadas por Caetano, pelos seus fracos ou nulos resultados, quando não fazendo pender a balança da guerra ainda mais para o lado dos guerrilheiros, tornaram grande número de oficiais profissionais não só descrentes quanto à possibilidade de saídas para a guerra e colocando as derrotas no horizonte, como receptivos a uma argumentação política contra a guerra colonial e que recebiam de duas fontes: uma, a das “campanhas” da CDE de 1969 e 1973; outra, a influência e agitação de muitos oficiais milicianos colocados na guerra colonial e que tinham adquirido posições frontais relativamente a estes conflitos nas referidas “campanhas da CDE” e nas lutas estudantis. O MFA e a Revolução foram questões de decantação e tempo. Afinal, a campanha contra a guerra colonial, limitada mas valentemente veiculada pela CDE, sobretudo nos “períodos eleitorais” de 1969 (**) e 1973, que a CEUD não quis em 1969 e Caetano mandou a PIDE reprimir sempre, acabou por chegar aos seus destinatários principais – os capitães e majores que faziam a guerra em África, transformando, num curto período de tempo, oficiais colonialistas em militares revolucionários. Nota pela memória: Um dos paradoxos cruéis deste contexto vivi-o em proximidade. Colocado em 1969 no “chão manjaco” da Guiné, conheci e tornei-me amigo do oficial mais brilhante da “nata militar” que Spínola tinha ali colocado na atrás referida operação de corrupção do PAIGC (Major Passos Ramos, oficial de Artilharia e do Corpo de Estado Maior). Era, não só um dos oficiais mais brilhantes do exército português, um homem culto, generoso e cordial, como um oposicionista declarado ao fascismo e ao colonialismo. Enquanto na metrópole decorriam as “eleições de 69”, sempre que nos encontrávamos em Teixeira Pinto, trocávamos as informações que cada um tinha disponíveis pelo correio com as famílias ou obtidas em férias sobre o andamento da campanha da CDE. Metidos no mato profundo da Guiné, alimentávamos assim uma espécie de tertúlia oposicionista que acompanhava a luta dos que na metrópole defrontavam o regime na “farsa eleitoral” e demarcados dos crentes nas “boas intenções” de Caetano. Passos Ramos foi um dos oficiais portugueses barbaramente chacinados pelo PAIGC em Abril de 1970 perto do Pelundo. Como profissional militar de elite, cumpria ordens de chefias que lhe repugnavam politicamente. Era contra a guerra e fazia a guerra, como tantos outros até que a resolução da contradição levasse até à conquista do Carmo. Estando desarmado, Passos Ramos, juntamente com mais três outros oficiais, baqueou de uma forma indigna que nenhum homem merece - arrastado, esfaqueado, retalhado e metralhado - às mãos do inimigo que profissional e militarmente queria vencer servindo um regime que politicamente combatia. Não só as revoluções, também a guerra procura devorar os melhores. João Tunes 3. Comentário de L.G.: Querido amigo e camarada João: Que bom saber de ti!... De tempos a tempo, vou espreitar o teu blogue ou os Caminhos da Memória. Estive há tempos, no DocLisboa 2009, com a Diana que me apresentou o José Augusto Rocha... Vou republicar, com autorização dele e da Diana, o texto sobre a Guiné, já inserido no blogue Caminhos da Memória... Quanto ao teu texto, estou inteiramente de acordo: Não podemos deixar de celebrar a efeméride... Tenho bem presente essa data: numa companhia de 50 mecos (brancos, da CCAÇ 12), só eu, o Capitão (do quadro, Carlos Brito) e o alentejano Quadrado, 1º Cabo Apontador de Armas Pesadas, é que estávamos recenseados (posso estar a cometer uma injustiça, omitindo alguém, mas julgo que não)... Votei em branco, claro, mas votei. Já estava recenseado desde 1965, quando a oposição democrática levantou, pela primeira vez, o tabu da guerra colonial... Caiu o Carmo e a Trindade... Participei, nessa época, com 18 anos, na minha primeira campanha eleitoral que foi abortada logo pela desistência da oposição, e o terror da repressão (estive ligado ao sempre combativo e corajoso Catanho de Menezes, advogado da família do Humberto Delgado, e amigo íntimo do Soares, e futuro fundador do PS, precocemente desaparecido depois do 25 de Abril e hoje miseravelmente esquecido: tem apenas o nome de uma avenida na minha terra, Lourinhã; na biblioteca dele, no solar da família, no Toxofal, tinha acesso, pela primeira vez, em 1965, a títulos da imprensa estrangeira como o Le Monde ou o Nouvel Observateur). Agradeço a tua gentileza. E fica também o teu desafio, para a malta deixar o seu testemunho dos eventuais ecos, no CTIG, da "campanha eleitoral" de 1969 (mas também das "eleições" de 1965 e de 1973)... Temos, além disso, esse dever de memória. Quanto a tabus, no nosso blogue, sabes que não os há (ou não devia haver...). Recordo-te um das dez regras de convívio da nossa Tabanca Grande: "(ix) liberdade de expressão (entre nós não há dogmas nem tabus)"... Um Alfa Bravo. Luís. ___________ Notas de L.G.: (*) Vd. poste de 22 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4722: Depois da guerra, o stresse... da paz (4): Os dois piores anos da minha vida (João Tunes) (**) Cartazes de propaganda política, da CDE - Comissão Democrática Eleitoral, usados na campanha eleitoral de 1969. Fonte: Cortesia de EPHEMERA, Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira

Guiné 63/74 - P5205: Convívios (174): 1º Convívio do BCAÇ 4513, 8 de Dezembro - Mealhada (Fernando Costa)



1. Mensagem enviada pelo novo Camarada Fernando Costa, ex-Fur Mil Trms da CCS do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (*):


1º CONVÍVIO
BCAÇ 4513

Subunidades: 1ª Cia (Buba). 2ª Cia (Nhala), CCS e 3ª Cia (A. Formosa)

Os ex-Combatentes do Batalhão de Caçadores 4513 - Guiné, (Aldeia Formosa, Buba e Nhala), vão realizar um almoço convívio no próximo dia 8 de Dezembro, na Mealhada.

Queremos ter o maior número possível de elementos das quatro companhias.

Para que tal aconteça, inscreve-te e passa a informação a outros camaradas de que possuas qualquer contacto.

As inscrições estão a cargo do Jaime Ramos (Ex-Fur Mil da 3ª Cia).


Abraço,
Fernando Costa
Fur Mil Trms
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5204: Controvérsias (41): Os guineenses têm uma esperança de vida de 47 anos! (António Matos)



1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem:



Os guineenses têm uma esperança de vida de 47 anos!

Camaradas,

Aqui fica uma reflexão minha:

Não sei se hoje é noite de luar mas as imagens ontem transmitidas no programa "Dar a vida sem morrer " da Catarina Furtado, suscitaram-me a sensibilidade e levaram-me a ouvir Moonlight Sonata de Beethoven que recomendo vivamente (ver link abaixo).


Infelizmente, aquela é a realidade guineense e, julgo, todos nos deveremos ter sentido espezinhados nos nossos íntimos, amarfanhados nos nossos corações, sem que, contudo, esses tão cristãos sentimentos resolvam, por si sós seja o que for.

Aquelas caras daquelas mulheres-meninas;

Aquelas caras daqueles meninos(as) num inqualificável abandono aos mais elementares direitos à saúde;

Aquele médico "louco" que vai batalhando num campo de batalha onde o inimigo é incomensuravelmente mais poderoso;

A ternura que a repórter-embaixadora ia lançando em pequenos carinhos às crianças e às mães sofredoras;

Todo aquele cenário enfim, é demasiado indigno do séc. XXI, e a proximidade que mantivemos em tempos com aquela terra torna-nos mais ávidos de justiça e clamorosos por dignidade humana tão ausente na Guiné.

Em tempos de guerra assiste-se, por vezes, a verdadeiros actos de grandiosidade moral. Porém, são momentos raros pois aquela realidade sobrepõe, as mais das vezes, a preservação da integridade física do beligerante às necessidades primárias das vítimas inocentes.

Fica-me esta reflexão no intuito de provocar outras e outras e outras...

Abraços,
António Matos
Alf Mil Minas Arm da CCAÇ 2790

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Nota do editor

Vd. último poste desta série em: 30 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5184: Controvérsias (33): Carta Aberta ao Senhor Ministro da Defesa Nacional (José Martins)

Guiné 63/74 - P5203: Efemérides (30): 1 de Novembro de 1965 - Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)


1. O nosso Camarada António Paulo Bastos, que foi 1º Cabo do PEL CAÇ 953 (Teixeira Pinto e Farim, 1964/66), recebemos a seguinte mensagem, em 29 de Outubro de 2009:



CARNIFICINA EM FARIM

1 de Novembro de 1965

Camaradas,

No passado dia 1 completaram-se 44 anos, sobre um ataque que me marcou profundamente. Tenho duas fotos de uma das sobreviventes e lembrei-me de enviar para serem publicadas no blogue.

Tudo aconteceu em Farim, resultante do rebentamento de um engenho explosivo, em pleno batuque na tabanca do Bairro da Morocunda.

Eram 21h30, quando um elemento da milícia lançou um fornilho (uma granada embebida em pregos, lâminas e bocados de ferros), para o meio do pessoal presente.

27 mortos e 70 feridos graves, uma deles era uma senhora que podem ver nas fotos e que, nessa altura, era ainda uma criança de 10 anos. Chama-se Cáti, mora actualmente em Farim e, em Março de 2008, fui encontrá-la numa festa na Missão Católica em homenagem a um grupo de turistas “tugas”, que por ali passaram 2 dias.

Como tudo aconteceu:

Eu pertencia ao Pelotão Caçadores 953 e estava nesse dia de passagem por Farim, a caminho de Canjambari. No momento da explosão eu estava junto à porta da caserna do pelotão de morteiros. Logo de seguida, começaram a passar viaturas com corpos em cima, a caminho das enfermarias civil e militar.

A maioria das vítimas eram crianças e entre elas estava a Cáti. Foi chamado um Dakota e recorreu-se à iluminação da pista de aterragem, com os faróis das viaturas, para se evacuar aquela gente toda.

Agora, passados estes anos, fui encontrar uma das sobreviventes e, como não podia deixar de ser, estivemos a falar do assunto, tendo ela permitido que eu obtivesse as 2 fotos do seu cicatrizado corpo.

P.S. - Tenho em meu poder o Relatório Confidencial de tudo o que se passou nessa noite e o nome dos prisioneiros, posso emprestar à Tabanca Grande se acharem que é relevante.

Um abraço,
António P. Bastos,
1º. Cabo Pel Caç 953

Fotos: © António Paulo Bastos (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5202: História da CCAÇ 2679 (29): Um dia no calendário da Guiné (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel M. Dinis*, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 2 de Novembro de 2009, trazendo até nós mais um pouco da História da sua Unidade:

Carlos, bom amigo,
Faz o favor de publicar mais esta estórinha, só para entreter. Dela se extrai o elevado grau de camaradagem reinante no Foxtrot, e isso é que releva.
Um abraço para ti e para a Tabanca.
JD


Um dia no calendário da Guiné
Por JMMD

Acordei com a ruideira das actividades do princípio do dia. Competia-me ir a Copá, em coluna de duas viaturas, onde para além do Pelotão, também se transportavam munições, correio e uma dúzia de caixas de cervejas. Tratava-se de um pequeno reabastecimento, enquanto não se fazia uma transferência mais significativa. O Pelotão andaria por uma vintena de homens operacionais, e o trajecto não nos criava preocupações especiais. Sem irmos à vontade, cabíamos todos.

Levantei-me. Fui lavar-me antes do pequeno-almoço. Leite e pão com manteiga. Manteiga da Madeira, muito gulosa pela boa qualidade, um privilégio que o Santos me concedia, e tornava-se extensivo à furrielada. Um bocado de conversa, um bocado de reinação, e dava para constatar que a juventude apresentava-se bem disposta. Começavam a chegar os Foxtrot que me surpreenderam em chinelos e calções, de tronco nú, sentado à mesa da messe, anexa aos quartos, e atiraram-me umas graçolas, como se eu estivesse atrasado e eles à minha espera. A boa disposição era evidente, e juntava-se aos primeiros raios solares que me aqueciam.

Tinha tempo e, por essa altura, já sabia que as viaturas estavam prontas e alinhadas junto à enfermaria, na outra extremidade do edíficio. O dia claro, o céu azul e o calor crescente, dir-se-ia, convidavam à molenguisse, mais do que meter-me à picada, vestido de camuflado e de botas calçadas. Mas a tarefa não era exigente, e eu gostava de sair. Até que decidi aprontar-me. Fui ao frigorífico encher o cantil de água, que por algum bocado manter-se-ia fresca. Voltei ao quarto para me vestir mais apropriadamente. Que gaita, onde estaria o meu camuflado? Costumava deixá-lo sobre o armário, aproveitado de um caixote de bacalhau, género que fazia estilo na nossa tropa (1) , mas ali não estava. Porra! O que teria acontecido? Não me embebedara na véspera, não fizera disparates, e o camuflado, ainda que se aguentasse em pé por força da poeira cimentada pela transpiração dos últimos dias, só por si não deveria pôr-se a andar. Que merda é esta? Façam o favor de pôr aqui o camuflado, imprequei contra os presentes que me olhavam surpreendidos e recriminatoriamente. Com as minhas buscas e frustrações, gerou-se em mim a ansiedade por causa de cinco ou dez minutos entretanto perdidos. Tive sempre a preocupação com o cumprimento dos horários, no caso a hora que eu estabelecera, coisa inexplicável, pois não tenho ascendência inglesa e estarei mais próximo dos mouros madraços.

Vesti outras calças, outra camisa, material que tinha dobrado no armário, junto com livros, outras peças de vestuário, sapatos, alguma água de colónia Old Spice, material para a barba, cassetes com música gravada, pilhas para prover energia, toalhas, tudo misturado numa arrumação sem método.

Agastado com a situação descrita, peguei na arma e cartucheiras, e aproximei-me do pessoal. Estava tudo pronto para arrancar. A mercadoria carregada num unimog de taipais que, afinal, juntava-se aos outros dois de bancos corridos, onde o pessoal se dispunha para defender o coiro. Estavam todos, incluindo o Enfermeiro e o Transmissões. À pergunta se faltava alguma coisa, logo me responderam que não, podíamos sair. À falta de recado do Capitão ou da Secretaria, deduzi que não tinham mensagens para o destacamento. Subi para a primeira viatura, lancei um último olhar em redor, e iniciámos a marcha.

Atravessámos a pista na direcção da picada, para leste, que percorremos durante um bocado. Pouco depois mandei parar. Iniciámos a picagem, que deveria durar duas horas e meia, na extensão de cerca de doze ou treze quilómetros, já que o restante percurso era da responsabilidade de Copá.
Quatro picadores precediam-me. Depois as viaturas e o pessoal apeado. Na soalheira inclemente a que nos tínhamos habituado, progredíamos descontraídos, mas com as cautelas que a prudência exigia. No geral, quem iniciava a picagem, cumpria a tarefa até ao fim. O ritmo era bom, apesar do ronronar das viaturas que sugeriam um avanço preguiçoso.

Cruzámo-nos com o pessoal da picagem proveniente de Copá, que saudámos. Uma viatura, fora da picada, à sombra de uma árvore, garantia-lhes o regresso rápido à base. Entretanto eram eles que ficavam a esperar-nos no regresso, providenciando alguma segurança na picada para um resto de viagem mais acelerado.

Em Copá mantivémos uma breve confraternização com o Pelotão que guarnecia o Destacamento e regozijava com aquela carga que incluía umas cervejinhas, após o que iniciámos o regresso a Bajocunda para chegarmos a tempo do almoço.
Essa viagem decorreu sem problemas.

Durante a tarde, estava eu deitado sobre a cama, dedicando-me a congeminações de saudade da metrópole, num dolce fare nhienta, quando o Rodrigues assomou à porta, mesmo à minha frente. Trazia nas mãos alguma coisa que não identifiquei à primeira vista. Com um sorriso amistoso cumprimentou-me, e eu retribuí. Perguntei-lhe se precisava de alguma coisa. Que não, estava ali para me entregar o camuflado lavado, remendado, e com botões nos lugares onde faltavam. Foda-se, quase gritei, nunca mais faças isso, não és criado de ninguém, adverti-o.

Calmo, e mantendo o sorriso, respondeu-me que se sentia envergonhado por eu andar tão mal apresentado, e que todos me criticavam por isso, por dar mau exemplo, e todos os dias ser exigente.
A custo aceitou uma cerveja na cantina. Foi mais um gesto de um Foxtrot que me calou fundo.

(1) - Para ilustrar as palavras do camarada José Manuel, aqui está um belo exemplar de secretária e banco a condizer, estilo tábua e prego, variante da versão metálica chapa e prego, ambas muito em voga na época, nos buracos já mais evoluídos. Note-se a ausência do split do Ar Condicionado.

Foto de CV

__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5133: Direito à indignação (7): Esmiuçando o Complemento Especial de Pensão e o Acréscimo Vitalício de Pensão (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 14 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5106: História da CCAÇ 2679 (28): Mais visões quotidianas (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P5201: Blogues da Nossa Blogosfera (23): Pel Caç Nat 60 (S. Domingos e Ingoré, 1968/70), de Manuel Seleiro

Guiné > Região de Cacheu >S. Domingos > 1968 > Pel Caç Nat 60, formado em Maio de 1968.

Guiné > Região de Cacheu > Ingoré > 1968 > Pel Caç Nat 60 > 3ª secção > Ao centro, na 2ª fila, o 1º Cabo Seleiro (que foi ferido gravemente, em 13 de Março de 1970, com o Alf Mil Hugo Guerra, quando tentavam levantar uma mina: um das muitas histórias de antologia que temos publicado no nosso blogue).

Fotos: Cortesia de Manuel Seleiro (2009)


Blogue criado em Agosto de 2009, pelo Manuel Seleiro, 63 anos, rádio-amador, residente em Cascais, tendo-se publicado até à data 12 postes. O Seleiro tem também um blogue mais antigo, Luar da Meia Noite, desde Dezembro de 2008. (Aentejano de Serpa, interessa-se pelas coisas da sua terra e pela cultura da sua região).

O Pel Caç Nat 60 foi formado no sector de São Domingos, em Maio de 1968. Era seu comandante, o Alf Mil Almeida. Sargentos: Fur Mil Sousa, Leão e Fazendas. Outros quadros, de origem metropolitana: 1ºs Cabos Seleiro e Magalhães, mais o Sold Trms Guilherme.

Os soldados nativos eram cerca de quarenta, provavelmente oriundos de várias etnias (O Seleiro lembra-se de alguns nomes: Jalá, Agusto, Malam Seide, Cavaleiro, Pedro)...

Em Novembro de 1968 Pel Caç Nat 60 recebeu ordem de marcha para o Quartel de Ingoré, para reforçar a CCAÇ 1801 que contava com dois pelotões (mais tarde ficará só com um pelotão)... Esta CCAÇ guarnecia o destacamento do Sedengal (e mais tarde o destacamemto da Totinha).

O Pel Caç Nat 60 esteve em Ingoré até Setembro de 1969, altura em que voltou a S. Domingos, sendo então comandado pelo Alf Mil Gonçalves que em Novembro será ferido, gravemente em resultado de mina anti-carro (*).

Por essa altura, o nosso camarada Alf Mil Hugo Guerra veio render o Alf Nil Gonçalves, enquanto o restante pessoal metropolitano se começava a preparar para a sua rendição individual.

No dia dez de Março de 1970 o 1º Cabo Seleiro e o Alf Mil Hugo Guerra foram feridos com gravidade quando o primeiro tentava desmontar uma mina anti-pessoal.

Telemóvel do Seleiro para futuros contactos: 934020309. Endereço de e-mail: manuelseleiro@gmail.com

O Seleiro segue o nosso blogue. Os nossos parabéns por ele ter criado e manter o blogue do Pel Caç Nat 60.
______________

Notas de L.G.:

(*) Recorda o nosso camarada João Manuel Félix Dias, que foi Fur Mil SAM da CCAV 2539/BCAV 2836 (1969/71):

(...) "A 13 de Novembro de 1969 na estrada de S. Domingos-Susana, indo eu na GMC rebenta-minas apenas com o condutor Oliveira (Vasculho), próximo de Nhambalã aconteceu que a 3.ª viatura, Unimog, em que seguia o ex-Alf Nelson Gonçalves, do Pel Caç Nat 60, accionou uma mina anti-carro que o feriu gravemente; como consequência sofreu amputação de uma perna e ferimentos em todo o corpo.

"Além de outros, foi o acontecimento que mais me marcou durante os dois anos, e que profundamente marcou o meu comportamento desde então. Costumo pensar que se não foi daquela, vai ser difícil ser doutra. "(...)

(**) Hugo Guerra, ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)...Hoje Coronel DFA, na reforma).

Vd. poste de:

25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (19): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra)

(...) Cheguei a Bissau em Janeiro, salvo erro a 18, e queriam ficar comigo na cidade.
Bati o pé, fiz birra e lá marchei para S. Domingos, zona calma onde os periquitos faziam a sua adaptação ao clima e ao barulho da guerra.

Foi aí que dormi pela primeira vez numa cama normal com lençóis e tudo. Trocava todo o meu vencimento da Guiné por garrafas de whisky, que bebia até esquecer... mas as o 1º da CCS não se esquecia e lá vinha fazer contas comigo. Levava as garrafas, ainda intactas, e passados dias eu já estava a refazer o stock.

Fiquei a comandar o Pel Caç Nat 60 e ainda tenho algumas lembranças de coisas que por lá aconteceram. Adiante.

No dia 13 de Março de 1970, ia comandar um patrulhamento até à fronteira e eis senão quando detectámos uma primeira mina reforçada, mas em tal estado de conservação que não houve qualquer problema para a levantar.

Tinha no Pelotão um Primeiro Cabo, de nome Seleiro, já com um longo historial de levantar minas e, depois de a vermos, concordei que ele a levantasse, o que foi feito sem qualquer problema. Passámos o detonador para a bolsa do enfermeiro e continuámos a progressão.

Como eu era sempre o terceiro ou quarto homem depois das picas, vi perfeitamente que os picadores tinham localizado qualquer coisa. Montada a segurança lá chamei de novo o Seleiro para conferenciarmos sobre aquela.

Depois de nos certificarmos que estava isolada, tinha que decidir se abortava a operação, rebentando a mesma e regressando a São Domingos, expostos a alguma emboscada do IN. Se fosse entendido desactivar a mesma, poderíamos ir ao objectivo e no regresso levantá-la sem qualquer perigo.

Um e outro rastejámos até à mina que parecia nova e eu comecei a dizer ao Seleiro que a queria levantar. Ele acabaria a sua comissão dois meses mais tarde.

Comecei a suar por todos os poros e depois de olhar bem aquela malvada, disse ao Seleiro que não era capaz. Ele disse-me que não havia crise e tomou o meu lugar.

Deitado no chão a cerca de 5 metros, acompanhei todos os seus movimentos com angústia e só relaxei um pouco quando ele, de joelhos e com a mina na mão, prestes a desarmadilhá-la me chamou:
- Meu Alferes, olhe aqui.

Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto…

Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto.
Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo. (...)

Vd. também:

27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4255: Parabéns a você (6): Hugo Guerra, o homem que foi evacuado duas vezes e meia, faz hoje anos (Editores)

7 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2415: Uma guerra entregue aos milicianos: onde estavam (estão) os nossos comandantes ? (Hugo Guerra, Coronel, DFA, na reforma)

22 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2374: O meu Natal no mato (10): Bissau, 1968: Nosso Cabo, não, meu alferes, sou o Marco Paulo (Hugo Guerra)

29 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)

Guiné 63/74 - P5200: Blogues da Nossa Blogosfera (22): O Cacimbo faz 6 anos! Parabéns ao veterano Manuel Correia Bastos



1. No dia 2 do corrente, o Manuel Correia Bastos, nosso tertuliano, dos mais antigos, mandou-me um mail com a seguinte recordatória e convite:

"O Cacimbo faz 6 anos de idade o que faz dele um dos espaços na Internet mais antigos sobre a guerra colonial, e quase de certeza o mais antigo blog sobre esse tema, e o seu autor convida todos os visitantes ocasionais e todos os amigos a virem fazer uma pequena visita guiada. Visite o blog Cacimbo em http://cacimbo.blogspot.com/. Manuel Bastos ".


Fui confirmar. É verdade, o Cacimbo é mais antigo que o Luís Graça & Camaradas da Guiné (I Série), (ex-Blogue-Fora-Nada). Foi criado em 2/11/2003. Acaba, portanto, de fazer 6 anos, o que na blogosfera é já uma provecta idade. O nosso camarada Manuel Correia Bastos está de parabéns. E todos os camaradas da Guiné estão convidados a irem lá ler algumas das melhoras páginas que se têm escrito sobre o quotidiano da guerra colonial. É um homem com talento e sensiblilidade, além de artesão das palavras.

Por mera curiosidade, é de referir que o ex-Blogue-Fora-Nada, mais tarde rebaptizado Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné até nasceu antes... O primeiro poste publicado tem a data de 8 de Outubro de 2003.

Nessa altura o autor tinha acabado de escrever a sua tese de doutoramento e encontrou, na blogaria, uma maneira, fácil e barata, de desopilar, depois de um longo retiro social, intelectual e espiritual... O seu primeiro escrito foi, imaginem!, sobre a importância de ter ou ter e-mail (**)...

Foi também um das primeiras pessoas, no meio académico, a ter uma extensa e completa página pessoal (Saúde e Trabalho), disponibilizando, em open access (acesso livre, avant la lettre) centenas dos seus textos e documentos . Em rigor, o primeiro poste sobre a Guiné data de 23 de Abril de 2004 (***), pelo que o nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné, I e II Séries) já tem, de facto, 5 anos e meio...

O nosso camarada de Moçambique é também autor de um notável livro sobre a sua dramática experiência de guerra, lançado em 2008. E, tal como o Fernando Pessoa, ele não esconde que é apenas um manipulador... de palavras, um fingidor:

A todos os visitantes deste blog, continuo a oferecer palavras apenas.
Mas é isto que sou aqui: palavras apenas; as imagens e sons apanham apenas boleia com as palavras. Mas não vos dou nada meu, que as palavras não têm dono. Eu sou apenas um apanhador de palavras. Apanho-as por aí e depois junto-as, tentando desenhar com elas o imponderável corpo dos sentimentos.

Mas não se iludam, nada do que digo é verdade. A Verdade é uma palavra prostituída; juntamente com o Amor, vendem-se por aí a quem prometer mais. O que digo é apenas o que ficou dentro de mim depois de excluídos todos os dados concretos que aproximariam demasiado as minhas palavras dos factos ocorridos e das pessoas envolvidas. É a recriação possível, depois de eu ter esquecido a verdade. São palavras. Palavras mentirosas, que inventam sentimentos e paixões, dores e alegrias, situações e atmosferas; mas, porque não são dirigidas à razão do leitor mas à sua emoção, são um convite à sua cumplicidade para o honesto embuste da ficção literária.

Moçambique > Cabo Delgado > Mueda > CART 3503 > 1972 > Levantamento de um mina anti-carro

Foto: Cortesia de Manuel Correia Bastos (2008). Vd.
Histórias da CART 3503 > 15 de Outubro de 2008 > O Dia em que comandei a companhia, por Manuel Bastos

Eis uma pequena amostra dos seus melhores textos, na perspectiva do próprio autor:

(i) Stress de Guerra - A Visita
(ii) Saudades de Azul
(iii) Homenagem às Enf Paras - A Enfermeira que Vinha do Céu
(iv) O prazer da palavra escrita - A Carta
(v) Tentar a poesia - 100 Versos do Mato
(vi) Memórias de Aguim - O Voo da Calhandra
(vii) O Último Verão da Minha Inocência
(viii) O Movimennto Nacional Feminino - Os Sapatos do Major
(ix) O 25 de Abril - Tão Tarde Pela Madrugada


Dos 110 Versos do mato, escolho eu o seguinte, como forma de prestar homenagem a este companheiro de estrada e aos demais camaradas que fizeram a guerra colonial, seja em Moçambique, em Angola ou na Guiné

O Cancioneiro do Niassa

Morremos tantas vezes em Mueda
Morremos sempre que uma voz se cala
por estarmos aqui
Às vezes até acordamos já mortos
Por isso à noite
os soldados bebem e cantam
para adormecerem vivos.



Título: Cacimbados – A vida por um fio.
Autor: Manuel Correia de Bastos
Editora: Babel
Ano: 2008
Nº pp: 192 Preço: 14,00 €
O livro está à venda na FNAC e na Bertrand.
___________

Notas de L.G.:

(*) Manuel Correia de Bastos:

É natural da vila de Aguim, concelho de Anadia (1950). Foi mobilizado para Moçambique, como furriel miliciano da CART 3503/BART 3876.

Esta companhia chegou a Mueda, em Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, no 12 de Fevereiro de 1972 com 153 militares; teve 6 comandantes, combateu a FRELIMO durante 26 meses e sofreu 58 baixas, de entre as quais 5 mortos, 1 desaparecido e 52 feridos, 16 dos quais muito graves, na maioria com deficiências permanentes.

Manuel Bastos foi gravemente ferido em combate em virtude da deflagração de uma mina anti-pessoal e deu baixa ao Hospital Militar Principal para convalescer da amputação de uma perna. Tem escrito crónicas sobre a guerra colonial especialmente no Jornal da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA).

Criou em 2003 um dos mais antigos Blogues sobre a Guerra Colonial, O Cacimbo. É autor do livro Cacimbados - A vida por um fio (2008).

Vd. postes de:

16 de Junho de 2009 > .Guiné 63/74 – P4537: Agenda Cultural (17): 2º Ciclo de Conferências “Memórias Literárias da Guerra Colonial”, na B.M.R.R., 18 de Junho (Manuel Bastos)

23 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3346: Bibliografia de uma guerra (36): Cacimbados, de Manuel Correia Bastos. Moçambique.

18 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3478: Bibliografia de uma guerra (37): Cacimbados, de Manuel Correia Bastos: CART 3503, Mueda, Moçambique, 1972

(**) Apresentação do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (I Série)(originalmente, Blogue-Fora-Nada) (De 8 de Outubro de 2003/31 a 1 de Junho de 2006):

blogue-fora-nada. homo socius ergo blogus [sum]. homem social logo blogador. em sociobloguês nos entendemos. o port(ug)al dos (por)tugas. a prova dos blogue-fora-nada. a guerra colonial. a guiné. do chacheu ao boe. de bissau a bambadinca. os cacimbados. o geba. o corubal. os rios. o macaréu da nossa revolta. o humor nosso de cada dia nos dai hoje.lá vamos blogando e rindo. e venham mais cinco (camaradas). e vieram tantos que isto se transformou numa caserna. a maior caserna virtual da Net!

ex-Blogue-Fora-Nada > 8 de Outubro de 2003 > Estórias com mural ao fundo - I: Ter ou não ter (e-mail) (Luís Graça)

Tenho por (mau) hábito perguntar às pessoas que vou conhecendo "se têm e-mail"... Mas depois de ler a história a seguir, não vou ter mais lata para o fazer: (i) é indelicado; (ii) pode ser embaraçoso; e (iii) até pode dar azar... Um dia houve alguém que me respondeu, com agressividade mal contida: "Não tenho... mas será que já é obrigatório ?"...

Nós, os ex-clérigos (durante séculos o pessoal universitário, incluindo os estudantes, estavam sujeitos ao direito canónico e só com o triunfo do liberalismo é que o reitor de Coimbra passou a ser um leigo!), temos dificuldade em imaginar um mundo sem livros, sem cátedras e, agora, sem Internet, sem blogues e sem e-mail...

Não sei se é obrigatório ter e-mail (ou se vai sê-lo em breve), mas a verdade é que todos os dias nos ameaçam com a infoexclusão, uma espécie de upgrade das labaredas do inferno. Há muito boa gente que hoje em dia teme ser acusada de infoanalfabeta e pensa que, "pelo sim, pelo não, sempre é bom ter e-mail, não vá o diabo tecê-las"... E quem diz e-mail, diz outras buzzwords horríveis tais como url, password, username, nib...

Já assim pensavam, noutro contexto, os cristão novos de Trancoso que assinalavam, com uma cruz, as suas casas, não fossem os cristãos velhos desconfiar que eles eram judaizantes, logo ignorantes e inimigos da fé cristã (a única, a verdadeira, a dominante)... A cruz era a password e o e-mail daqueles tempos em que os portugas sucumbiram à tentação totalitária...

Por isso, "ter ou não ter e-mail: eis a questão" é uma história com moral... E com mural ao fundo. Ponderei seriamente se havia de a pôr a circular entre @s car@s ciberamig@s... Há sempre o risco de uma leitura demasiado literal, apologética, direi mesmo...primariamente neoliberal !!! Mas, pensando bem, o que conta são os factos, a narrativa (digna do melhor do Reader's Digest, diga-se de passagem). A moral, cada um que a tire. E quanto ao mural, cada um que o pinte... Moralistas e grafiteiros do meu país, divirtam-se! A minha (moral) é apenas a da filosofia baseada na evidência. E quanto ao mural, sempre preferi o branco-da-cal-da-parede. Com aviso: (i) pintado de fresco; (ii) por favor não encostar à parede; (iii) é expressamente proibido fuzilar (contra o muro).

Por azar o meu, recebi esta mensagem por e-mail, através de um amigo angolano (J.D.) que, coitado, também ele tem e-mail... Dei à história o meu toque pessoal. Vocês usem-na (e socializem-na)... para os devidos efeitos. Não posso evitar eventuais tentativas de branqueamento da história. A história é para se usar e branquear, dizem os historiadores oficiais. Mas esse não é o meu ofício. No fim, não se esqueçam do nosso trato: Ciber-humor com ciber-humor se paga...


Ter ou não ter e-mail: eis a questão!

Um homem respondeu a um anúncio da MicroDura com uma generosa oferta de emprego para desempregados de longa duração. O lugar era para empregado de limpeza. Um adjunto do Gestor dos Recursos Humanos (GRH) entrevistou-o, fez-lhe um teste (tão simples como varrer o chão, apanhar o lixo e enfiá-lo num saco) e disse-lhe:
- Parabéns, o lugar é seu. Dê-me o seu e-mail para eu lhe poder enviar a ficha. Depois de preenchida e devolvida, aguarde que a MicroDura lhe comunique a data e a hora em que se deverá apresentar ao serviço nos nossos headquarters.

O homem, embaraçado e nervoso, respondeu que não tinha sequer casa, e muito menos computador, e muito menos ainda Internet, endereço de correio electrónico e essas coisas todas. Aí o valente adjunto do GRH da MicroDura ficou branco como a cal da parede... Por essa é que ele não estava à espera!... Um cidadão norte-americano sem e-mail, o que era uma aberração sociológica, bloguissimamente falando !... O que iria pensar o Mr. Bill Gaitas ?!... Por fim, recompôs-se e disse:
- Lamento muito, mas se eu o senhor não tem e-mail, isso quer dizer que virtualmente não existe; e, não existindo, não pode ter o privilégio de pertencer ao admirável mundo novo dos colaboradores da MicroDura.

O homem saiu, envergonhado e, pior ainda, mais desesperado e desempregado que nunca. Tinha apenas 10 dólares no bolso. Em vez de ir ao McSandocha’s matar a fome, resolveu entrar num Bigmercado e comprar uma caixa de 10 quilos de tomate para revenda. Em menos de duas horas vendeu a mercadoria, porta à porta, num dos bairros mais próximos (habitado por negros e porto-riquenhos), tendo assim conseguido duplicar o seu capital. Repetiu a operação mais três vezes e obteve um lucro de 60 dólares.

No fim do dia, concluiu que podia sobreviver dessa maneira, pelo menos por uns tempos. Passou a trabalhar mais horas por dia. Rapidamente aumentou o seu pecúlio, e em breve comprou a sua primeira carrinha, em segunda mão. Uns meses depois trocou-a por uma camião.

O resto da história é fácil de adivinhar: ao fim de um ano e meio já era dono de uma pequena frota e ao fim de cinco estava milionário, ao tornar-se o principal accionista de uma das maiores cadeias de distribuição alimentar nos Estados Unidos... Como podes imaginar, caro leitor, esta história de sucesso só podia ter acontecido na Terra Prometida e já se tornou um casestudy nos mais famosos cursos de MBA.

Pensando no futuro da sua nova família, o nosso homem resolveu fazer um não menos milionário seguro de vida. Chamou um corretor ao seu escritório e acertou um plano. Quando a reunião estava praticamente concluída, o corretor de seguros pediu-lhe o e-mail para lhe poder enviar rapidamente a proposta de contrato. O homem-que-se-fez-a-si-próprio respondeu, com a maior naturalidade deste mundo, que simplesmente não tinha nem nunca tivera nem nunca provavelmente viria a ter um endereço de e-mail. O corretor não queria acreditar e comentou, em tom de brincadeira:
- Você não tem e-mail e construiu todo este império!... Imagine até onde poderia ter chegado, se tivesse e-mail!... Quem sabe se não poderia ter chegado inclusive até à Casa Branca!

O homem ponderou as palavras do corretor e respondeu-lhe, com a mais fina das ironias:
- Olhe, se eu tivesse e-mail, ainda hoje andaria, feito cão, a lamber o chão do escritório do Bill Gaitas!!!

Moral da história:

1. Ter ou não ter e-mail, eis a questão.

2. Se queres ser empregado de limpeza da MicroDura ou doutra grande empresa, procura antes de mais ter um e-mail.

3. Se não tens e-mail e gostas de trabalhar, ainda podes vir a ser milionário.

4. Se por acaso recebeste esta mensagem por e-mail é por que estás mais perto de ser empregado de limpeza do que ser milionário...


(***) Vd. post de 26 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXII: CCAÇ 1426 (Geba, 1965/67): Presente! (Belmiro Vaqueiro / A. Marques Lopes / Luís Graça)

Quando em 23 de Abril de 2004 lancei o primeiro post sobre este tema [ Guiné 69/71 - I: Querida(s) madrinha(s) de guerra] estava longe de imaginar que hoje poderíamos estar aqui a falar da nossa (minha e de outros camaradas) experiência como ex-combatentes na Zona Leste da Guiné, no período em que fiz parte da CCAÇ 12 (1969/71). No fundo, tinha uma vaga esperança de (re)encontrar gente do meu tempo e que tivesse andado pelos mesmos sítios (Contuboel,Geba, Bafatá, Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole, Enxalé, Mississirá, Fá...). Primeiro apareceu o Castro, mais novo (Xime e Mansambo, 1972/74) e depois o Guimarães (Xitole, 1970/72). A seguir veio o Lopes, mais antigo que todos nós (esteve na Zona Leste, em Geba, em 1967, onde foi ferido, na CART 1690; e depois na Zona do Cacheu, em Barro, com a CCAÇ 3, em 1968). Bom, e por aí fora: um a um, ou em grupo, começam apareceu os velhos tugas, não só da minha época (1969/71) como mais e mais novos, e que andaram pelas mais desvairadas terras da Guiné, do Cacheu ao Gabu...

Guiné 63/74 - P5199: O Nosso Livro de Visitas (69): António Marquês, ex-Fur Mil da CCAÇ 4810 (Moçambique, 1972/74)

1. Mensagem de António Marquês, ex-Fur Mil Mecânico de Armamento do BCAÇ 4810, Chipera e Tete (Moçambique, 1972/74), com data de 8 de Março de 2009:

Meu caro Luís Graça,

Incompreensivelmente, apenas hoje encontrei o seu blogue "luisgraca e camaradas...". E só hoje por duas razões pouco saudáveis: por um lado, o trabalho (na área dos projetos de engenharia cívil) que houve até há meia dúzia de meses atrás, não me deixava muito tempo disponível e isso servia como desculpa (a tal outra razão pouco saudável) para não me entranhar tanto na NET, onde, verdade se diga, também não sou um ás.

E quem sou eu? Sou o António Marquês, que foi Furriel Miliciano em Chipera, Tete, como Mecânico de Armamento no BCAÇ 4810, entre Outubro de 1972 e Outubro de 1974 (graças ao 25 de Abril, porque já estava decidido que seria até Março de 75).

Como também não quis passar ao lado dessa experiência única na vida de um jovem de então (e para ficar alguma coisa para os filhos e netos - que pouco já vão ligando a isso, não é verdade?) escrevi um diário que está a ser publicado por um jornal local aqui do Seixal (*), que é onde vivo.

Mas antes da publicação deste diário, já houve em 1981 um livro a várias mãos, mas em que aparece apenas na capa o meu nome, o do Josué da Silva (ao tempo redactor no Diário de Lisboa) e o do Carmo Vicente. O livro tem o título de Era uma vez... 3 guerras em África e, para além da introdução do Josué da Silva, tem os testemunhos meu, do Carmo Vicente e mais dez homens, que estiveram nas 3 frentes e, ao tempo, eram meus colegas na H. Parry & Son, em Cacilhas. O livro vem recenseado na relação existente no site Guerra Colonial 1971-1974.

Dito isto, caro Luís Graça, quero agradecer-lhe, a si e aos outros amigos que dão o seu tempo, a disponibilidade para criarem e manterem o vosso blogue, que, apesar de destinado apenas aos ex-combatentes na Guiné (será?), é um veículo absolutamente necessário para manter viva a chama daqueles tempos de camaradagem e mostrar a quem estiver interessado o que foram aqueles anos, de bom e de mau, na vida de milhares de jovens.

Cá por mim e mais uns quantos tudo fazemos para manter viva a chama, realizando desde 1984 uma confraternização anual (que já teve um máximo de 152 presenças - aberto à família, naturalmente - e agora se vai quedando entre as 90 e as 100 pessoas). O mais conhecido do grupo é o nosso comentador de casos policiais Barra da Costa, que foi o Furriel Miliciano Mecânico Auto da CCS do Batalhão.

Renovando mais uma vez o meu agradecimento pelo trabalho ímpar que estão fazendo no vosso blogue, sou

António Marquês


2. Resposta dos Editores

Caro camarada António Marquês

Em primeiro lugar queremos pedir desculpa pela demora na resposta à tua mensagem, que parecendo que não, mereceu a nossa melhor atenção. Aconteceu só que o volume de correspondência no mail pessoal do mentor do Blogue é tal que a tua mensagem ficou por lá perdida. Recuperada, não podia deixar de merecer a nossa resposta.

Estamos a agradecer-te as amáveis e reconfortantes palavras que nos enviaste. Não nos envaidecemos pelo reconhecimento público do nosso trabalho, mas sentimo-nos recompensados pelo nosso esforço e dedicação quando alguém se nos dirige, como tu o fizeste.

O envio regular de textos e fotografias pelos nossos tertulianos, maioritariamente ex-combatentes da Guiné, porque a este teatro de operações o nosso blogue se dedica em exclusividade, obriga-nos a um trabalho que ocupa algumas horas do nosso dia. Fazemos isto com prazer, na medida em que sabemos estar a compor um legado que no futuro alguém há-de tratar para poder refazer este pedaço da História de Portugal.

Caro camarada, desculpa o tratamento por tu, mas é a prática saudável da casa. És mais um camarada que tem a porta da nossa caserna virtual aberta para que sempre que queiras possas intervir.

Em nome dos editores e demais camaradas e amigos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, recebe um abraço.

Pelos editores
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4959: O Nosso Livro de Visitas (68): Ildefonso Alves, ex-combatente em Angola, que nos acompanha em Paris

(*) "Cadernos da Guerra Colonial", que tem vindo a ser publicados no semanário Comércio do Seixal e Sesimbra.

Guiné 63/74 - P5198: Notas de leitura (32): A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, de John P. Cann (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2009:

Malta,
Aqui vai a recensão de um livro muito digno. Temos que investigar se ao nível da Força Aérea há investigação deste tipo. Os nossos “pilotos” na tertúlia têm a obrigação de nos apoiar.

A partir da próxima semana irei andar mais mansinho, já estou a meio de um livro delirante que dá pelo nome de “Em nome da Pátria”, de um tenente-coronel chamado Brandão Ferreira que escreve habilidosa e ardilosamente fora do tempo, e até da investigação histórica e política.
Paciência, temos que viver com os ressabiados e atormentados do império, dialogar até ao ilimite e desmascarar as mistificações.

Um abraço do
Mário


A Marinha na Guiné, durante a Guerra Colonial:
Um relato relevante para uma missão não menos relevante


Por Beja Santos

John P. Cann, comandante da Marinha dos Estados Unidos, professor auxiliar da Universidade da Virgínia, membro associado da nossa Academia de Marinha, é um investigador de prestígio com provas dadas nos seus trabalhos dedicados à contra-subversão em África e às operações fluviais da marinha portuguesa na Guerra Colonial. O seu estudo “A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, Campanhas Fluviais, 1961 - 1974”, é de uma grande importância e de leitura obrigatória, mesmo tendo uma tradução degradante e uma revisão abaixo de cão pelo que se sugere uma nova edição expurgada de disparates e gralhas que impedem toda a atenção que as aprofundadas investigações do comandante Cann merecem (“A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, Campanhas Fluviais, 1961 - 1974”, Prefácio, 2009).

São escusados quaisquer comentários à sua análise sobre a Guerra Fria e o impacto que ela teve nos movimentos de independência em África, trata-se de uma apreciação rigorosa e isenta, é credora da nossa atenção mas somos conhecedores de tais factos. Novidade poderá ser, para muitos de nós a reviravolta naval decorrente das missões da Armada nos diferentes teatros de operações e sobretudo na Guiné. O autor dá conta dos procedimentos adoptados noutras guerras de guerrilhas e a adaptação que se procedeu ao nível da Armada portuguesa. Está lá tudo, desde os navios, aos fuzileiros especiais, à reserva naval, a todos os equipamentos que se usaram em África.

Depois de apresentar as actividades da Marinha em Angola, o estudo centra-se na Guiné, que o comandante Cann apresenta da seguinte maneira: “Dos três teatros de operações, a Guiné era o mais complicado e o mais difícil. Era também o mais importante teatro para a Marinha, porque aqui as suas actividades eram vitais não só a nível táctico como estratégico. A razão era bem simples. Cerca de 80 % de toda a carga e do pessoal dentro deste teatro movimentava-se por mar ou via fluvial. Somente 18 % passava por terra e cerca de 2 % por via aérea. Nos anos finais da guerra, quando o trânsito por estrada se tornou difícil, cerca de 85 % era por via aquática. O transporte através dos rios e braços-mar era também importante para o PAIGC, e por esta razão o policiamento do tráfego fluvial pela Marinha era tão importante para a tarefa de transporte”. Mais adiante, o autor debruça-se sobre a estratégia militar referindo as diferentes aplicações possíveis para o Exército e para a Armada. Porque os conceitos de ambas as armas foram altamente litigiosos durante todo o conflito: a Armada queria aproveitar-se da morfologia da Guiné e imobilizar o inimigo nas diferentes vias fluviais, travando a progressão do PAIGC dissuadindo a movimentação das suas tropas e populações e destruindo a sua logística; o Exército tendia a favorecer a estratégia tradicional de teatro, usando tropas acantonadas e apoiadas por forças de intervenção e de reacção rápidas. O comandante Cann observa que o PAIGC manifestou sempre uma quase cegueira relativamente à dimensão naval, caso se tivesse apetrechado para uma série ofensiva de guerra de minas, teria com facilidade bloqueado os cursos de água, conduzindo o esforço de guerra ao caos.

O empenhamento naval na Guiné aparece minuciosamente descrito neste livro: tipo de embarcações, forças, patrulhamentos, serviços de manutenção, instalações, rotas principais. Destaca-se o esforço de guerra no Sul, já que o PAIGC contava com o apoio da Guiné Conacri, tendo estabelecido quatro bases principais na zona da fronteira Sul (Kadigné, Boké, Kandiafara, Sansalé). Para combater o inimigo as forças portuguesas lançaram uma ofensiva através de operações como a Tridente, golpes de mão no Rio Camexibó, a operação Hitler, as operações “Via Láctea” (esta na área do Cacheu).

O autor dá igualmente um grande destaque à operação “Mar Verde”, sobejamente conhecida de todos nós. Nas conclusões, o comandante Cann procede à avaliação do legado da Marinha nas diferentes frentes da Guerra Colonial, reafirmando que a Marinha se adaptou perfeitamente aos novos cenários e soube reflectir sobre as experiências anteriores de guerra na selva. Recorda igualmente que a Marinha devotou um grande esforço à produção de cartas hidrográficas que iam sendo corrigidas e anotadas a partir da experiência e utilizadas como quadro de referência. Foi este conhecimento de campo de batalha que constituiu a chave da sobrevivência e dos sucessos. São lições que tendem a ser esquecidas por todos, menos pelos veteranos do conflito e pelos historiadores. Ora este legado é relevante não só pelas dimensões militares do conflito vivido como para conhecer a adaptação da Marinha aos novos desafios, actuais e futuros.

Apesar da tradução e revisão deploráveis, estamos face a um livro importantíssimo que convém saudar e recomendar.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5192: Historiografia da presença portuguesa (28): Notícias da Guiné, segunda série (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 30 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5183: Notas de leitura (31): Notícias da Pátria e dos que a invocam, em vão ou não (António Matos)