sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5221: Parabéns a você (38): O nosso Alfero, Jorge Cabral (Cabral só há um, o de Fá e mais nenhum)(Editores)

1. O Jorge Cabral faz hoje anos (*) e eu, assim de repente - perante a ordem do editor de serviço, o nosso querido Carlos Vinhal, para ser eu a bater-lhe a chapa, fazer-lhe o retrato e botar-lhe o discurso - ainda não sei que prenda dar-lhe... Para mais num dia em que tenho de ler um calhamaço de mais 300 páginas de literatura gestionária, um petisco que é bem pior do que uma viagem de ida-e-volta ao Mato Cão...

Pensando bem, nada como organizar-lhe, por ordem numérica e cronológica, a lista das quase seis dezenas de postes que ele já publicou, no nosso blogue, sob a série Estórias Cabralianas (**)... Pois será essa a nossa prenda, a de todos nós, editores e leitores, na esperança de, muito em breve, podermos reler esse fabuloso material em suporte de papel. E que este meu texto seja a versão nº 1 do prefácio que ele me encomendou e que eu vou escrever com todo o gosto.

Mas quem é o Jorge Cabral ? É advogado de barra, desde há quase quatro décadas, com escritório em Lisboa. Foi durante muito tempo docente do extinto Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, todas as meninas (e meninas) do serviço social, que passaram por aquela escola, o conhecem e falam dele com ternura, apreço, respeito e admiração, onde quer estejam, dos centros de terceira idade às empresas do Séc. XXI....(As que vou encontrando por aí, todas me falam dele, com grande carinho e apreço, como um professor excepcional, que as marcou intelectual e afectivamente... É um sortudo, este Jorge. Um sedutor, um senhor... Sempre bendito entre as mulheres... Ontem como hoje, lá como cá).

É, além disso, docente da na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, sendo o coordenador do curso de pós-graduação em Criminologia, presidente do Instituto de Criminologia, especialista na área da infância e direito penal, e last but not the least, um membro sénior (e viril) da nossa Tabanca Grande, já com direito ao estatuto e tratamento de senhor e senador...

Dizem que era descendente de militares e que, na sua rica e frondosa árvore genealógica, há cabrais e... cabrais. Na Guiné ele reivindicava ser o único e legítimo Cabral, mesmo que o outro, o usurpador, defendesse os seus pergaminhos de Kalashnikov na mão...

Apesar da sua linhagem ilustre, posso garantir que nunca o vi, nas terras de Badora e do Cuor, cantar de galo... Mas que sempre prezou a sua linhagem, isso é indesmentível e eu disso sou testemunha: costumava garantir, a quem o queria ouvir, que "na Guiné, Cabral só há um, o de Missirá e mais nenhum"... Ou de Fá, conforme o sítio onde estava (um ano em cada lado). À força de ser propolada e levada pelo vento, de bolanha em bolanha, a histórica e temível frase deve ter chegado aos ouvidos do Corca Só, o chefe da barraca de Madina / Belel, que no seu tempo não mais voltou a meter-se com a malta de Missirá...

Em Missirá, um destacamento mais exposto às morteiradas e roquetadas do IN do que Fá Mandinga, contava-se que o Cabral, mais do que temido, era respeitado pelos camaradas do PAIGC, desde o famoso dia em que foi atrás deles, na bolanha, a apaziguá-los e a tranquilizá-los:
- Vocês não fujam, não tenham medo! Sou o Cabral!

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXII: Vocês não tenham medo, não fujam, sou o Cabral (Fá, 1969/71)

2. A par da imensa tragédia que foi (com perdas e danos irreparáveis) aquela guerra, toda e qualquer guerra, a da Guiné foi também palco (hilariante) de muitas peças do Teatro do Absurdo (envolvendo as NT, o IN, os nossos oficiais superiores, os nossos camaradas, os comerciantes da mancarra, do arroz e do coconote, a população local, os seus régulos, os seus homens e mulheres grandes, os gilas, os chernos, os proxegenetas e as fanatecas... Sem esquecer as bajudas... E sobretudo as bajudas, as lindas bajudas da Guiné...

Jorge Cabral é um dos poucos, da nossa Tabanca Grande, que tem o engenho e a arte de nos conseguir falar (e comover), com um subtil toque de humor, de maneira descomplexada e antropocêntrica (isto é, não etnocêntrica), das nossas relações com as mulheres locais... Veja-se essa fabulosa história da compra, num grande armazém de Lisboa, de trinta e muitos sutiãs (os corpinhos,como ele lhes chama), todos do mesmo número, que ele levou consigo, na bagagem, de regresso a Fá Mandinga, para oferecer às suas queridas bajudas, da primeira vez que veio passar férias à Metrópole... Que ternura!... E depois, vocês estão a imaginar o grande ronco que foi o seu regresso a casa, à sua verdade casa, a tabanca de Fá, de que ele era o Régulo e o Comandante Militar, o Juiz e o Irã Tutelar...

Não sei se as bajudas eram a menos e os corpinhos a mais, mas a primeira imagem que me vem à cabeça, umas das vezes que fui à sua morança, era a confusão total que ia no seu ninho, com sutiãs espelhados pelos lençóis enrodilhados à mistura com papéis, muitos papéis, e... garrafas de água de Vichy vazias.

Mas não se pense, malevolamente, que o nosso Alfero tinha um harém com bar e tudo: há muitos mitos a desmontar acerca do Cabral... Estória a estória, ele tem vindo de certo modo desconstruir-se e a desmentir-se, a si próprio, escrevendo nas paredes do quartel a famigerada palavra de ordem, quase insurreccional, "Cabrais há muitos e... Cabrões ainda mais!"...

3. Só conheci o Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. Tinha dois ou três anos a mais do que nós. O que na época não se notava: éramos todos putos... Era estudante universitário, andava em direito quando foi convocado para a tropa ... Não sei o que terá feito, de bem ou de mal, para o chutarem para a Guiné...em rendição individual. É uma parte do seu currículo que ainda tenho que esclarecer com ele. Limita-se a comentar:
-Galo dos Cabrais!

O registo mais antigo que tenho dele é um poste de 21 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCIII: Bendito Cabral, entre as mandingas de Fá e as balantas de Bissaque

Luís, muito obrigado! Através do blogue, recordo. E sinto. Vejo os rostos dos camaradas, oiço os sorrisos das crianças, e até, calcula, consigo admirar de novo os belos seios das bajudas. Peço permissão para pertencer à Tertúlia, oferecendo o pícaro de alguns episódios que vivi. (...)

Ele veio pela mão, cúmplice, do nosso Humberto Reis, que privou com o Jorge em Bambadinca, na mesma altura que eu, quando ambos estávamos na CCAÇ 12 (Julho de 1969/Março de 1971)... O Jorge era ligeiramente mais novo, na Guiné, sendo o periquito comandante do Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirrá, 1960/71)...

Fizemos operações em conjunto, o Pel Caç Nat 63 e a CCAÇ 12. Ele visitava-nos em Bambadinca e a gente retribuía a visita em Fá, que em finais de 1969, princípios de 1970, passou também a ser um importante centro de instrução militar. Foi lá que foi formada a 1ª Companhia de Comandos Africana (CCA). Conheceu aquela malta toda e tornou-se particular amigo do Capitão Comando Barbosa Henriques, instrutor, da 1ª CCA.

Em meados de 1971 o Cabral (ou o seu fantasma) ainda penava pelo sector L1, enquanto nós já tínhamos regressado ao doce lar, em Março...

Eis a especial saudação que o Humberto fez ao novo tertuliano (como então se dizia), nas vésperas do Natal de 2005:

Jorginho: Desculpem os outros Tertulianos, mas entre mim e o Dr. Jorge Cabral existe uma certa cumplicidade. Por coincidência ele é o advogado a quem eu recorro quando preciso de qualquer coisa das leis e, que me lembre, até hoje, paguei de honorários manga de patacão', 2 ou 3 imperiais.

É assim o Jorge Cabral para os amigos. Alguns dão a camisa mas com ele, se for preciso, levam também cuecas, meias, etc.

Agora dirigido-me a ti, meu malandro. Estava a ver que não entravas nesta Tertúlia de 'periquitos' e 'velhinhos' dos Guiné-Bissau. Tu, que até já voltaste, mais que uma vez, a Bissau (imperdoável ainda não teres visitado Fá Mandinga), para colaborar com as autoridades locais ma implementação da nova Universidade, mal parecia não entrares nisto. Já te tinha dito que até tinhas aqui os mapas a 1/50.000 para descobrires o trilho para a morança da bajuda. Agora é só navegares. (....).

4. O que é que eu posso dizer do Jorge, que não tenha já sido dito, por mim ou por outros camaradas que são fãs das suas estórias, do Henrique Matos ao Joaquim Mexia Alves, dois comandantes de outro Pel Caç Nat, o 52 ? Que é um homem bom, um homem de princípios, amigo do seu amigo, um amigalhão, humaníssimo, justíssimo, um camaradão.... Esta sua apresentação diz muito ou diz tudo:

"(...) há muitos anos ensino que nenhum Homem é monstro, que os monstros se abatem, mas que os Homens se julgam".

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXIII: Ainda sobre os fuzilamentos (Jorge Cabral)



Fui eu - perdõem-me a lata - quem descobriu, acarinhou, alimentou... esse filão de humor do mais fino quilate que são as Estórias Cabralianas... Mês a mês, desde os princípios de 2006, com maior ou menor regularidade, como quem paga uma dívida a um amigo, o Jorge lá ia foi mandando o seu material ... Sai estória, aqui vai estória, para desanuviar, para desopilar... Uma estória aqui, outra estória acolá (sem h, como faz questão de sublinhar, que é para ninguém as confundir com a realidade e levar a sério o estoriador)... E, nesse ritmo de produção artesanal a que ele nos habituou, lá estamos a chegar às 60 ao fim de quatro anos...

São short stories que lhe vêm à cabeça e que ele passa a papel e depois a computador, entre duas aulas e duas audiências em tribunal. Um género literário que ele cultiva como ninguém... Enfim, são sempre um belíssimo pretexto para falar da sua querida Guiné e das suas gentes com quem ele, de resto, continua a privar de perto, na Lusófona: agora filhos de ministros, de combatentes da liberdade da Pátria, ou descendentes das mais puras estirpes das aristocracias fulas, mandingas ou manjacas...

E da Guiné ele só fala com (com)paixão e ternura, através dessa criação única, e que já entrou na galeria dos imortais da blogosfera, que é o nosso Alfero, o seu alter-ego, romântico, apaixonado, arrebatado, esotérico, excessivo, quixotesco, rocambolesco, pícaro, delicado, temerário, extravagante, poético, sensível, absurdo - só não é brigão nem fanfarrão -, com uma vaga costela do pipi das Avenidas Novas e do Vavá, misturada com a máscara do furtivo irã do pensamento mágico que poisava nos poilões das tabancas balantas (Bissaque, Mero, Santa Helena, Nhabijões...).

Desconcertante, sempre, o nosso Alfero!... Há tempos perguntou-me se não queria comprar, a meias com ele, a Tabanca de Finete:
- Estás a ver, a bolanha, o Rio Geba, a rede preguiceira, uma bajuda para te enxotar as moscas!... O que é que um homem quer mais quando chega a SEXA ?!

Noutra ocasião, confidenciou-me que tinha voltar a Fá... Porquê ?
- Deixou lá uns escritos importantes, escondidos num buraco tapado por um tijolo, no alto do depósito de água, que ainda lá continua de pedra e cal!...

Nunca o ouviu queixar-se da triste sina, à boa maneira dos tugas, nem esconjurar Deus, Alá ou os irãs, sempre sabendo pelo contrário tirar o melhor prazer e sábios ensinamentos de cada momento: : "(...) Aqui estou novamente a falar dos meus tempos da Guiné. Tempos que não foram nem os melhores, nem os piores da minha existência. Foram sim, diferentes. Como se naquele período, eu tivesse vivido numa galáxia distante, onde fui outro Jorge, se calhar mais real, se calhar mais autêntico… Claro que essa experiência me marcou e muitas vezes aquele Alfero regressa e faz das suas… como aliás o prova a história de hoje. Abraços Grandes. Jorge Cabral (...)

Por outro lado, sempre discreto mas atento, paisano de corpo e alma, filho degenerado, desconjuntado na farda de Alfero do Mato que lhe enfiaram pela cabeça abaixo:

(...) "Caros Amigos, hesitei muito em mandar mais uma estória. Ainda por cima sobre esquentamentos... Mas que raio de ex-combatente sou eu, que não falo da guerra? Pergunto-me, às vezes, se lá estive? Parece que sim. Um ano em Fá, outro em Missirá (acreditem, o mesmo do Beja Santos...), doze dias em Bambadinca, e dezoito na Ponte do Rio Undunduma. Conheci muito pouco e sempre de passagem. Enxalé, Xime, Mansambo e Xitole, de partida para operações. De Bafatá, o Teófilo e as Libanesas, mais umas damas simpáticas que trabalhavam na horizontal... à entrada da cidade. Não transitei por Bolama. Nem tive IAO. De rendição individual passei em quinze dias dos cafés da Av de Roma para a Ponte do Rio Undunduma...

"Confesso que nunca percebi muito da guerra... Fui apenas um simples Alferes de Mato, que comandou Destacamentos e alinhou em todas as operações para as quais o Pel Caç Nat 63 foi escalado. Mas se não percebi então, hoje ainda percebo menos... Estou porém agora a tentar aprender no Blogue!" (...)


5. O Jorge nunca acentua o lado do bestiário guerreiro que há no Homo Sapiens Sapiens, que é um animal, primata, social, territorial, predador... mas sim o da sua humaníssima, frágil, quase tocante, condição de primata, de primus inter pares na ordem zoológica do mundo, dotado de coração e de razão... e de humor!

Desde o início que eu tenho feito a apologia das estórias cabralianas, como sendo um hino à idiossincrasia lusitana, à plasticidade comportamental dos nossos soldados, à enorme capacidade de resistência, de resiliência, de abertura de espírito, de voyeurismo, de imaginação e de adaptação da nossa gente...

Ninguém, em última análise, melhor do que ele, no nosso blogue, para descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, uma situação-limite, um personagem de carne e osso, um ambiente de caserna, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo, relativamente à nossa passagem pela Guiné:

(i) "Éramos [, na inspecção militar, ] mais de cem, altos e baixos, loiros e morenos, alguns mancos, pitosgas muitos, um quase corcunda, três gagos e dois tontos. Mandaram-nos despir e pôr em fila, numa literal e verdadeira bicha de pirilau." (...)

(ii)"Entre os dez militares metropolitanos do Destacamento de Missirá, apenas o Alferes era do Sul e de Lisboa – um rapaz de Alvalade, passeante da Praça de Londres e frequentador do Vává. Todos os outros, furriéis, cabos, e adidos especialistas, vinham do Norte ou das Beiras." (...)

(iii) "Eis-me assim feito sultão, aconchegado entre as quatro, tranquilo e em Paz. Rei e súbdito, protector e protegido, entre seios e ventres, negros e suaves, nunca dormi tão bem." (...)

(iv) "Na semana seguinte, encontrava-se no bar de oficiais em Bambadinca. Conversava e bebia o seu quarto uísque, quando o foram chamar para ir ao Posto de Socorros. Lá foi. Médico, Furriel e Cabo rodeavam um casal de Missirá, o Milícia Suma Jau e a mulher. Não os percebiam. Eles queixavam-se das... 'Trombas do Lopes'.O Alfero ouviu e muito sério informou:- É fula, quer dizer, esquentamento." ( ...)

(v) "Confesso ter ficado preocupado. Um filho–homem na idade de ser avô...Mandei-o vir ao escritório, e logo que o vi, suspirei de alívio. O vigoroso mulato tinha quase dois metros, e ...olhos azuis! Quanto ao local e à data de nascimento também não condiziam.
- Filho, não és! Serás primo! - afiancei-lhe - É que Cabrais há muitos, e Cabrões ainda mais!" (...)


6. Só tu, meu querido Jorge, consegues pôr a malta e o resto a tropa a fazer o pino, a dar cambalhotas de riso na parada!...Tu és a subversão total, o iconoclasta, o bombista-suicida, o terrorista intelectual, o anti-psiquiatra, o terapeuta-que-fala-com-os-irãs, o humorista-mor, o jogral castrense, o Ionesco da Guiné, o bobo da corte do nosso velho, longo, vasto e glorioso Império... O Spínola tinha razão, quando te visitou em Missirá, e deixou escapar um monumental "Porra, que não é só o Alferes! Estão todos apanhados!".

O teu humor é(era) subversivo, corrosivo, demolidor, dissolvente (como diria o Pide de Bafatá)... Depois de te ler, um homem, um tuga, já não é mais o mesmo... Tu devias ir a tribunal militar, porque tu tiras a tusa... a qualquer combatente... Depois de te ler, quem é o combatente (até mesmo o de Alá!) que se sentirá em boa forma e melhor condição para combater na guerra, na próxima guerra, mesmo na mais santa das guerras ?

Eu próprio me perguntava, quando me fazias um visita de cortesia ao nosso bar de Bambadinca:
- O que é que faz um gajo destes, de pingalim e cachimbo, neste cenário de guerra... à Solnado ?

Nunca respondi a essa auto-pergunta, mas para mim eras e sempre serás o... Nosso Alfero!

As estórias do Nosso Alfero, que o Cabral escreveu por nós e para nós, são pequenas obras-primas do humor em tempo de guerra, da irreverência e do non-sense que aprendemos a cultivar na Guiné, longe do Vietname, e que nos ajudou a resistir a tudo, do turra ao mosquito (sem esquecer o uísque, com ou sem água de Perrier). O absurdo (daquela guerra, do nosso quotidiano, das patéticas figuras de alguns dos nossos comandantes...) só se podia combater com o absurdo do nosso (quase sempre bom) humor...



7. Dele já aqui eu disse (e penso que é o maior elogio que lhe posso fazer, na qualidade de seu velho admirador, camarada, amigo e fã das suas estórias), que, para além de oficial e cavalheiro, era homem grande, pai, patrão, chefe de tabanca, conselheiro, não-inimigo (sem ser amigo) do PAIGC, poeta, antropólogo, feiticeiro, cherno, mauro, médico, cirurgião, terapeuta, sexólogo, advogado, e não sei que mais, um verdadeiro Lawrence da Guiné, que os pares de Bambadinca chegaram a recear (uns, os amigos) ou a desejar (outros, os seus inimigos) a sua total cafrealização...

Inimigos é uma força de expressão: em boa verdade, nunca lhe conheci nenhum... Talentos tinham múltiplos e alguns insuspeitados como o de... consertador de catotas. Não imaginam quanto me diverti, quando o Jorge me mandou mais uma das suas estórias malandras (sic), com o recado (expresso) de "é para animar as hostes".... Além do mais, ele está atento a (e zela por) o bem-estar e moral das nossas tropas...

17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba

8. Sobretudo, um dia, lá longe, nessa terra da cor da tez das lindas futas-fulas, o Jorge Cabral sonhou que podia ser fula entre os fulas, mandinga entre os mandingas, guinéu entre os guinéus, homem entre os homens, pobre entre os pobres, simples entre os simples, e até louco entre os loucos...

Afinal, a sua vida tem sido também uma lição, a de todos nós temos direito a um pouco de loucura e de humanidade, o que implica o difícil e desconfortável mas imprescindível exercício de nos pormo-nos na pele do outro. Um Alfa Bravo Especial, Nosso Alfero, no teu dia! Luís


PS - Jorge, sei que continuas "vivíssimo e para todas as curvas (mesmo que às vezes em piloto automático)". Fico muito mais tranquilo...

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Notas de L. G.:


(*) Último poste desta série > 28 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5169: Parabéns a você (37): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791 (Editores)


(**) Ver lista completa, por ordem numérica e cronológica:

28 de Outubro de 2009 >
Guiné 53/74 - P5172: Estórias cabralianas (56): Cum caneco, alfero apanhado à unha! (Jorge Cabral)

(..) Há uns dias telefonou-me o nosso Amigo Durães [, da CCS/do BART 2917, Bambadinca, 1970/72]. Estava em Setúbal, com um ex-cabo do Pelotão de Intendência de Bambadinca, o qual lhe jurava que o Alferes Cabral de Missirá havia sido, em 1971, apanhado à mão, quando regressava ao seu Destacamento.

Desaparecido durante dias, fora muito bem tratado pelo pessoal de Madina, passando a não ser incomodado pelos Turras. Garantia o homem da Intendência, a absoluta veracidade do evento, conhecido por todos os seus Camaradas. Queria o Durães saber se eu confirmava o facto. (...)

17 de Outubro de 2009 >Guiné 63/74 - P5117: Estórias cabralianas (55): Marqueses e murquesas ou... Peludas e Peluda... (Jorge Cabral)

(...) Há mais de 30 anos, que montei Escritório [de advogado] na Passos Manuel, entre o Jardim Constantino e o Intendente. Um bom local, com velhos da sueca, sem-abrigo alcoolizados e fanadas matronas em pré-reforma. Eu gosto. Aqui na Rua, já quase todas as lojas mudaram de ramo. Ultimamente, surgiram os Gabinetes de Fotodepilação. A propósito e não sei bem porquê, pois os pensamentos tal como as palavras são como as cerejas, lembrei-me primeiro de Pero Vaz de Caminha e do desembarque em Terras de Vera Cruz, quando os marinheiros depararam com as índias nuas, mostrando “suas vergonhas tão altas e cerradinhas”. E depois da Guiné. De uma espantosa conversa ao serão. O Alferes, os Furriéis, os Cabos, como de costume, falavam de tudo e de coisa nenhuma… Nessa noite, discutia-se um tema interessante – pêlos púbicos. Delas, claro está (...)

11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4938: Estórias cabralianas (54): O Alfero e as mezinhas (Jorge Cabral)

(...) Nem um mês tinha de Guiné e já andava a experimentar todas as mezinhas recomendadas pelo Nanque . Bem, todas não. Nunca bebeu a primeira urina da manhã, remédio infalível para o estômago mas ainda no outro dia o receitou a uma distinta senhora, que calculem, se zangou com ele, por se pensar gozada. Tomou porém todas as demais, desde afrodisíacos a um chá para a tristeza, que o deixou eufórico durante quase toda a comissão… Apesar de tantos tratamentos, a verdade é que o Alfero gozava de excelente saúde. (...)

28 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4750: Estórias cabralianas (53): A estranha doença do soldado Duá (Jorge Cabral)

(...) Quando uma noite, em Missirá [, o último destacamento de Bambadinca, a norte do Rio Geba, no Cuor,] o Alfero passava ronda, ficou estupefacto, ao constatar que todos os Soldados de Sentinela se encontravam acompanhados das respectivas Mulheres.- Mas que se passa? – indagou…- É por causa da doença! O Duá apanhou a doença do Victor!- Doença do Victor? (...)

22 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4723: Estórias cabralianas (52): Em 20 de Julho de 1969, também eu poisei na Lua... (Jorge Cabral)

(...) Na Guiné, há mês e meio, mas já em Fá, havia nessa tarde muito calor. O pessoal dormia e toda a gente procurara a aragem possível. Em silêncio, o Quartel repousava… Eu porém, em tronco nu, saíra, a caminho da fonte mais pequena. Resolvera isolar-me, para escrever, calculem, um poema… Lá chegado, ainda nem escolhera um poiso confortável, quando vejo surgir, não sei de onde, um vulto de mulher, apenas com uns panos, caindo da cintura. (...)

7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4651. Estórias cabralianas (51): Alfero esfregador entre as balantas (Jorge Cabral)

(...) Tanto nas Tabancas Fulas como nas Mandingas, o Alfero actuava à vontade com as Bajudas, perante a complacência dos Homens e Mulheres Grandes… Aliás não ia além de um acariciar voluptuoso, acompanhado com promessas de encontros no Quartel. Na altura teria merecido o cognome de Apalpador. (...)Em Novembro de 1969, visitou uma Tabanca Balanta, Bissaque [, a norte de Fá, ], e ficou deslumbrado com a beleza das Bajudas, designadamente peitoral…

3 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 – P4455: Estórias cabralianas (50): Alfero, de Lisboa p'ra mim um Fato de Abade (Jorge Cabral)

(...) - Meu Alferes! Meu Alferes! Já chegou o Senhor Abade! - O cozinheiro Teixeirinha, todo eufórico, gritava, à porta do meu abrigo.- Abade - pensei comigo - , o Puím?Magro, simples, humilde, o único Capelão que conheci na Guiné, viera de sintex e, antecipando-se, não esperara por ninguém, entrando no Quartel. Logo após o descanso, a missa foi celebrada, mesmo ao lado da Cantina, no local da Escola. Fiéis, sete, dois comungantes e o Padre, de paramentos verdes. (...)

12 de Maio de 2009> Guiné 63/74 - P4326: Estórias cabralianas (49): Cariño mio... Muy cerca de ti, el ultimo subteniente romántico (Jorge Cabral)

(...) Dois dias depois de chegado a Bambadinca em meados de Junho de 69, fui mandado montar segurança no Mato Cão. Periquitíssimo, cumpri todas as regras, vigiando a mata de costas para o rio, sem sequer reparar na beleza da paisagem.Mal sabia então, que ali havia de voltar dezenas de vezes, durante o ano que passei em Missirá. Pelo menos uma ida por semana para ver passar o Barco, no que se transformou numa quase agradável rotina.(...)

8 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4155: Estórias cabralianas (48): A Bandolândia ou uma aula de história em... 2092 (Jorge Cabral)

(...) O Cidadão – Aluno XI7 frequenta a décima semana do Curso Unificado – Primário, Secundário, Universitário, o qual segundo as normas da Declaração de Cacilhas, lher irá conferir o Diploma da Sabedoria.Claro que, quando entrou na escola, já dominava muitas das matérias que antigamente demoravam anos a aprender, pois logo em criança lhe implantaram um chip com todos os conhecimentos básicos. Porém XI7, hoje chegou à aula cheio de dúvidas. É que encontrou uma fotografia do seu trisavô, vestido com uma farda e empunhando um instrumento, talvez uma arma.(...)

2 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4129: Estórias cabralianas (47): A minha mobilização: o galo dos Cabrais... (Jorge Cabral)

(...) Calma, simpática, acolhedora, a Vila de Vendas Novas. Bom vinho, petiscos, raparigas bonitas. Que mais podia aspirar o Aspirante? No Quartel fazia tudo, isto é, nada. Acumulara cargos, Justiça, Acção Psicológica, Revista, Cinema e ainda os discursos da Peluda.Cumpria gostosamente um peculiar horário. Após o toque de alvorada, às vezes de ressaca, de cara por lavar e barba por fazer, corria para a Formatura Geral, onde... passava revista ao Pelotão. Meia hora depois, abancava no Bar e tomava um lauto pequeno almoço, antes de regressar à cama. (...)

31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4114: Estórias cabralianas (46): Inspecção Militar: E todos os tinham no sítio... (Jorge Cabral)

(...) Pois, também eu naquela manhã de Junho me dirigi à Avenida de Berna, ao Quartel do Trem Auto, onde hoje funciona a [Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da] Universidade Nova [de Lisboa].Éramos mais de cem, altos e baixos, loiros e morenos, alguns mancos, pitosgas muitos, um quase corcunda, três gagos e dois tontos. Mandaram-nos despir e pôr em fila, numa literal e verdadeira bicha de pirilau. (...)

2 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3963: Estórias cabralianas (45): Massacres e violações (Jorge Cabral)

(...) Corria o ano de 1968, quando prestes a concluir o Curso, não resisti ao convite do Estado – Férias pagas em África, com grande animação e desportos radicais. Primeiro o estágio-praia para os lados da Ericeira, findo o qual, tive um grande desgosto. Tinham-me destinado ao turismo intelectual – secretariado. Felizmente as cunhas funcionaram e consegui ser reclassificado em atirador, tendo passado a frequentar no Alentejo, o estágio-campo. Terminado este, ainda vivi muitos meses de tristeza e inveja ao ver os meus camaradas integrarem satisfeitos numerosas excursões, as quais iam embarcando (...).

27 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3808: Estórias cabralianas (44): O amoroso bando das quatro não deixou só saudades... (Jorge Cabral)

(...) O Amoroso Bando das Quatro deixou-nos muitas saudades. Mas que noite agradável ... até sonhámos com elas. Só que ainda nem três dias haviam passado, já recebíamos tratamento à fortíssima infecção que nos atingira o dito e adjacências. Graças à Penicilina, o caso seria em breve esquecido, pois afinal tinham sido apenas ossos do ofício, os quais segundo alguns até mereceram a pena... Porém, e estranhamente, os sintomas começaram a surgir nos africanos, soldados e milícias, os quais não tinham usufruído da benesse (...).

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3572: Estórias cabralianas (43): O super-periquito e as vacas sagradas (Jorge Cabral)

(...) Cumbá, a terceira mulher do Maunde, ainda uma menina, sentiu as dores de parto, ao princípio da noite. Às duas da manhã sou lá chamado. Está muito mal e as velhas não sabem o que fazer. Eu também não. Vamos para Bambadinca. Chegamos, mas Cumbá morre e com ela a criança não nascida. Amparo o Maunde, que chora e grita:-Duas vacas, Alfero, duas vacas! (...)

26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

(...) Eram calmas as noites do Alfero? Deviam ser, pois assim que pôs os pés em Missirá, cessou imediatamente a actividade operacional dos seus vizinhos de Madina. Chegou-se a pensar que o Comandante Corca Só entrara em greve, mas no Batalhão acreditava-se num oculto mérito do Cabral. Aliás, estando ainda em Fá e esperando-se um ataque a Finete, o Magalhães Filipe para aí o mandou, sozinho, reforçar o Pelotão de Milícias. Lá passou oito dias, dormindo na varanda do Bacari Soncó, que o alimentou a ovos cozidos (...).

13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

(...) De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho (...)

4 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3399: Estórias cabralianas (40): O meu sonho de empresário (falhado): a construção de uma tabanca-bordel (Jorge Cabral)

(...) Claro que lembro do Tosco! Havia pretas, mulatas e até uma chinesa. Todas, mais os copos, trataram-me da saúde. Entrava sempre a coxear, por via dos descontos… Mas o meu preferido era o Bolero, onde jantava no primeiro andar, antes do Tango em baixo, tocado a rigor por uma orquestra de cegos. Ainda lá fui após o 25 de Abril. A mesma orquestra, as mesmas putas, mas a música mudara – Todos em coro cantávamos a Internacional (...).

25 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3237: Estórias cabralianas (39): O Marido das Senhoras (Jorge Cabral)

(...) Todos nós tínhamos uma fé. Os africanos eram na sua maioria muçulmanos, os europeus católicos e eu era tudo. Frequentava a mesquita e a igreja, mas também prestei culto aos Irãs balantas. Porque não? O mais religioso de todos era porém o furriel Paiva. No seu abrigo–quarto construíra um pequeno altar, onde colocou quatro imagens das Santas da sua devoção e, entre elas, o retrato de Salazar. (...)

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3225: Estórias cabralianas (38): O Alferes roncador e a almofada (Jorge Cabral)

(...) Desde miúdo que adormeço rápido e de imediato inicío um ressonar fortíssimo,audível até pelos vizinhos. Dizem-me uns que são silvos assustadores, parecendo urros de touro ou de leão. Outros garantem que se assemelham aos sonoros sinais dos antigos vapores, quando iniciavam a marcha.Ora, ao segundo dia de Bambadinca, mandaram-me à noite montar segurança junto à pista de aviação. Claro que foi chegar, assentar, adormecer e ressonar… O Pelotão quase que entrou em pânico, com o Sambaro a empunhar a bazuca. (...)

9 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3040: Estórias cabralianas (37): A estranha 'missão' do Badajoz (Jorge Cabral)

(...) Em Missirá existiam sempre cinco ou seis adidos. Um enfermeiro, um cozinheiro, um motorista, dois soldados dos Morteiros e às vezes um mecânico, como o célebre Pechincha. Vinham de Bambadinca, cumprir uma espécie de castigo, pois Missirá representava o isolamento, o mato e o perigo.Chegavam receosos e um pouco atarantados, mas, passado algum tempo, parecia que o castigo se transformara em prémio e já ninguém queria regressar. Gostavam de ali estar, naquele quartel–tabanca, onde muitos nem sequer se fardavam e quase não existia hierarquia. (...)

20 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2862: Estórias cabralianas (36): Uma proposta indecente do nosso Alfero (Jorge Cabral)

(...) Um Pelotão mesmo à medida do Alferes, sem qualquer vocação guerreira e que apenas ali estava… porque sim. Para eles o Cabral devia ser rico pois lhe pediam tudo e às horas mais despropositadas… Às vezes no meio da noite, era acordado, porque durante o dia chegara um vago parente que era preciso presentear…Com infinita paciência lá ia aguentando. Já comprara oito pares de óculos escuros e cinco rádios para uso alternado, quando alguns soldados resolveram arranjar mais uma mulher, recorrendo mais uma vez aos seus préstimos. Impossível garantiu, mais mulheres custariam uma fortuna. (...)

14 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2841: Estórias cabralianas (35): A bajuda de Belel, os Soncó e o amigo dos turras (Jorge Cabral)

(...) Também eu entrei em Belel em Junho de 1971. De Missirá até lá e de lá ao Enxalé, percorri o trajecto na companhia dos Páras e do Comandante do Pelotão de Milícias de Finete. Saímos ao fim da tarde de Missirá, e pela manhã deu-se o assalto à Base. A resistência não foi muito forte, pois muitos fugiram. Ainda assim, alguns ficaram prisioneiros. Recordo um que ostentava umas divisas vermelhas de Cabo. Não se destruíram as instalações, armadilharam-se, designadamente, um depósito de arroz. (...)

10 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2623: Estórias cabralianas (34): O Alferes, o piano e a Professora (Jorge Cabral)

(...) Em Maio de 71, o apanhanço do Alferes excedera todos os limites. Os Amigos da CCAÇ 12 haviam partido e ele, com os seus vinte e três meses de mato, refinara a excentricidade, espantando agora os periquitos de Bambadinca.Naquele dia resolvera visitar a Professora (3). Com que intenção, não sei. Líbido? Mera curiosidade? Alguma aposta? Talvez de tudo um pouco… e se viesse à rede… pois então… (...)

4 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2612: Estórias cabralianas (33): Quatro Madrinhas de Guerra (Jorge Cabral)

(...) Madrinhas de Guerra? Pois também herdei uma. Uma não, quatro. Emprestado ao Pelotão, havia um Cabo velhinho, o Carvalho, que se correspondia com catorze. A bem dizer não fazia mais nada. Logo pela manhã, montava a banca e escrevia, escrevia…Acabada a comissão, Carvalho distribuiu as madrinhas. Das quatro que me calharam, três duraram pouco, o que não me admirou. Para cada uma, inventara uma estória, assumindo diferentes personagens e construindo cenários, nos quais a realidade da guerra surgia transmutada, mais parecendo um antigo romance de cavalaria. (...)

10 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2426: Estórias cabralianas (32): Nanque, o investigador (Jorge Cabral)

(...) O Alferes era calmo. Afável, prazenteiro, nunca se irritava. Naquela tarde porém explodiu. É que constatou que as valas estavam a ser utilizadas como retretes.Reuniu o pessoal e, no mais puro vernáculo de caserna, descompôs o Pelotão, furriéis, cabos, soldados, brancos e negros… Que vergonha! Pois não haviam assistido à valente piçada que ele sofrera, na semana passada, quando o Major Eléctrico (2), visitara o Quartel, e criticara tudo, desde a limpeza das panelas ao comprimento do seu bigode!? (...)

28 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2386: Estórias cabralianas (31): As milagrosas termas de Missirá (Jorge Cabral)

(...) A fim de prevenir abusos, a segurança à Fonte, no banho das bajudas, pertencia em exclusivo ao Alferes, o qual nos primeiros tempos guardou uma prudente distância, depois foi-se aproximando e acabou no meio delas, esfregador e esfregado com sabão vegetal, após o que branqueava os dentes com areia. Diziam que aquela água possuía propriedades terapêuticas, curando todos os males de pele, não havendo lica que lhe resistisse (...).

Vd. a restante lista das estórias numeradas de 1 a 30:

20 de Abril de 2007 > Guiné 63/7 4- P1682: Estórias cabralianas (1): A mulher do Major e o castigo do Alferes (Jorge Cabral)

(...) Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso. (...)

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1688: Estórias cabralianas (2): O rally turra (Jorge Cabral)

(...) Numa tarde de tédio convenci o motorista da viatura existente em Missirá, um humilde Unimog, a dar um passeio. Pretendia visitar o Enxalé, seguindo pela estrada de Mato Cão, pela qual não passava qualquer veículo há muito tempo. (...)

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)

(...) O Pel Caç Nat 63 esteve quase sempre em Destacamentos. Comigo em Fá e Missirá. Antes no Saltinho, e depois no Mato Cão. Para os Destacamentos eram mandados os especialistas que a CCS [do Batalhão sediado em Bambadinca] não queria. Assim, tive maqueiros que não podiam ver sangue, motoristas epilépticos e até um apontador de morteiros cego de um olho. Tudo boa rapaziada, aliás! (...)


18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos.


(...) Dos quatro Comandantes de Bambadinca que conheci, apenas o Polidoro Monteiro me mereceu consideração. Dos outros nem vou dizer o nome, e de dois a imagem que guardo é patética . Assim, no rescaldo do ataque ao Batalhão, lembro o primeiro, à noite, de G-3 em bandoleira, pedir-nos:- Se houver ataque, acordem-me (...).

23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra...

(...) Penso que, já em 1971, apareceu no Batalhão [de Bambadinca], um Alferes de secretariado, corrido de Bissau, por via de uns dinheiros. Chegou acompanhado de uma dama, sobre a qual corriam os mais variados boatos. Dizia-se, calculem, que ela tinha sido uma prenda de aniversário ao Alferes, enviada pelo pai, milionário do Porto. (...)

13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá

(...) Poucos dias faltavam para o Natal, e a tarde estava quente. Todo nu no meu abrigo, fazia a sesta, quando sou despertado por enorme algazarra misturada com os ruídos do helicóptero.-Alfero, Alfero, é Spínola! - gritam os meus soldados (...).

17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba

(...) Finda a comissão, calculem (!), fui louvado. O Despacho do Exmo. Comandante do CAOP Dois referia, entre outros elogios, a minha “habilidade para lidar com a tropa africana e populações”, a qual me havia “granjeado grande prestígio”. Esquecido, porém, foi o essencial – evitei a dezenas de Bajudas o repúdio matrimonial e a consequente devolução do preço. Essa tão meritória actividade, sim, teria merecido, não um simples louvor, mas uma medalha (...).

13 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCC: Estórias cabralianas (8): Fá Mandinga no Conde Redondo ou o meu Amigo Travesti

(...)Na década de 80, dava aulas nocturnas numa Escola na Duque de Loulé e costumava descer a Avenida para tomar o Metro. Eis que uma noite, me vejo perseguido por um Travesti que me grita:- Meu Alferes! Meu Alferes! Alferes Cabral!... Tomado de terror homofóbico parei, negando conhecer a criatura, de longas pernas e fartíssimos seios. (...)

20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXVII: Estórias cabralianas (9): Má chegada, pior partida

(...) Com destino à Guerra, viajei no Alfredo da Silva, quase um cacilheiro, durante doze dias. Em primeira classe, sete oficiais e uma dona puta em pré-reforma habitavam um ambiente de opereta, jantando de gravata, com a estafada dama na mesa do comando. Depois havia a valsa… Cheirava a mofo, a decadência, ao fim do Império (...).

3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro

(...) Desde que cheguei, e durante o primeiro ano, o Pel Caç Nat 63, foi pluriétnico. Mandingas, Fulas, Balantas, Manjacos, Bigajós, estavam representados. Pluriétnico e plurirreligioso, com um Manjaco, Pastor Evangélico, um Marabú Mandinga Senegalês, vários adoradores de muitos Irãs, e até alguns crentes na Senhora de Fátima, vivendo todos em Paz ecuménica, sob a batuta do Alferes agnóstico com tendências panteístas, que pensava que nada o podia surpreender (...).


4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

(...) À noite, após o jantar, nós os nove brancos do Destacamento, continuávamos à mesa, conversando. Falávamos de tudo, mas principalmente de sexo, mascarando a nossa inexperiência, com o relato de extraordinárias aventuras que assegurávamos ter vivido. O nosso motorista havia até desenhado num caderno as várias posições, indagando de cada um:- E esta, já experimentaram? (...)

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor

(...) No dia seguinte a ter ocupado Fá Mandinga, apresentaram-se no quartel as lavadeiras, cinco ou seis bajudas, todas alegres e simpáticas. Uma, Modji Daaba, chamou-me logo a atenção pelo seu porte e beleza. Bonita de cara e perfeita de corpo, possuía um ar nobre e altivo que me cativou. Imediatamente a contratei como minha lavadeira exclusiva, tendo acordado uma remuneração superior na esperança de algumas tarefas suplementares… (Periquito, ainda não sabia, que com as bajudas mandingas era praticamente impossível ir além de algumas carícias peitorais…). (...)



28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)

(...) Terminada a especialidade de Atirador de Artilharia, permaneci como aspirante, em Vendas Novas, na respectiva Escola Prática. Aí me atribuíram variadas funções, Justiça, Acção Psicológica e Cultural, Revista Literária, etc, etc, pelo que quase nunca fiz nada. Quando me procuravam num lado, estava sempre no outro…Na Justiça, creio que apenas dei andamento a um processo, enviando uma deprecada para Angola, a perguntar se o Furriel Patacas possuía três mãos. (...).


24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)

(...) Julgo que aconteceu em Março [de 1971]. O dia decorrera em Alegria. Chegara a Missirá uma arca frigorífica a petróleo, oferta do Movimento Nacional Feminino, e cedo começaram as libações.Seriam três ou quatro da manhã, sou abruptamente despertado. Tiros (?). Rebentamentos (?). Fogo! Saio do abrigo nu, e deparo com meio quartel a arder.Ataque nunca podia ser! O Tigre [Beja Santos] já estava na Metrópole, Missirá era agora um oásis de paz, vigorando um tácito pacto de não-agressão (...).


14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)

(...) Chamavam-lhe, os africanos, o furriel Barril, não sei se pela sua compleição física, se por via da fama e do proveito que ganhara como bebedor quotidiano e calmo. Estou a vê-lo ao serão, bebendo à colher, com paciência e estilo, enquanto o alferes declamava, e o maqueiro Alpiarça escrevia a uma das dezenas das madrinhas de guerra. (...)


14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa

(...) Aos Domingos vestíamo-nos à paisana e dávamos longos passeios à volta da parada, imaginando praças, avenidas, ruas, adros de igreja e até estações de comboio. Depois entrávamos na Cantina e invariavelmente pedíamos 'Um fino e tremoços' (...).


10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)

(...) Creio que foi em Fevereiro de 1971, que em Missirá, recebi a ordem de Bissau – um dos furriéis passava a ser Professor, com dispensa de toda e qualquer actividade operacional. Ponderada a situação, optei pelo Amaral , cujo porte rechonchudo e as maçãs do rosto vermelhuscas, lhe davam um ar prazenteiro e bonacheirão, nada condizente com as funções de comandante de secção combatente (...).


26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1463: Estórias cabralianas (18): O Dia de São Mamadu (Jorge Cabral)

(...) Entre os dez militares metropolitanos do Destacamento de Missirá, apenas o Alferes era do Sul e de Lisboa – um rapaz de Alvalade, passeante da Praça de Londres e frequentador do Vává. Todos os outros, furriéis, cabos, e adidos especialistas, vinham do Norte ou das Beiras. (...).


18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)

(...) Bambadinca era então para o Alferes, feito nharro de Tabanca, a Cidade. Para lá ir, fazia a barba, aprumava o seu único camuflado apresentável, munia-se de alguns pesos e, acima de tudo, preparava o relim verbal sobre ficcionadas aventuras operacionais, que iriam impressionar o Comandante. Antes de entrar no Quartel, habituara-se a abancar no Gambrinus local, o tasco do Zé Maria, bebendo, petiscando e conversando. Um dia encontrou o Senhor Zé Maria, muito preocupado. O filho adolescente que estudava em Lisboa, ia chumbar. (...)

20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1679: Estórias cabralianas (20): Banquetes de Missirá: Porco turra e Vaca náufraga (Jorge Cabral)

(...) Em Missirá comíamos, praticamente todos os dias, arroz acompanhado ora de pé de porco, ora de atum ou cavala, com muito pão e sempre altas doses do insípido vinho quarteleiro, o qual, segundo se dizia, era cortado com cânfora, para diminuir os ímpetos...



24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1696: Estórias cabralianas (21): O Amoroso Bando das Quatro em Missirá (Jorge Cabral)

(...) Nos Destacamentos em que vivi, todos eram bem recebidos, à boa maneira da gente da Guiné, cuja cativante hospitalidade foi muitas vezes confundida com subserviência ou portuguesismo. Djilas, batoteiros profissionais, artesãos, doentes, feiticeiros, alcoviteiros, parentes dos soldados, visitavam o aquartelamento e às vezes ali permaneciam, fazendo negócios, combinando casamentos, tratando-se ou tratando, ou simplesmente descansando. Desconfio mesmo que alguns guerrilheiros terão passado férias em Missirá (...)

12 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1752: Estórias cabralianas (22): Alfa, o fula alfacinha (Jorge Cabral)

(...) No final do ano de 1970, apresentou-se em Missirá um soldado fula – chamemos-lhe Alfa – vindo da prisão de Bissau, onde cumprira pesada pena. Razão da punição – ausência ilegítima durante cento e oitenta dias, quando após intervenção cirúrgica no Hospital Militar Principal, desaparecera em Lisboa. Impecavelmente fardado, com blusão e tudo, usava uma vistosa popa e farfalhudas patilhas, conservando sempre um palito dependurado ao canto da boca. Falava um calão lisboeta e aparentava ser um verdadeiro rufia alfacinha.(...)

5 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1816: Estórias cabralianas (23): Areia fina ou as conversas de Missirá (Jorge Cabral)

(...) Conheci muito bem o Alferes que esteve em Missirá nos anos de 1970 e 1971. Diziam que estava apanhado, mas penso que não. Era mesmo assim. Quem com ele privou em Mafra e Vendas Novas certamente o recorda, declamando na Tapada: No alto da Vela / Fui Sentinela / de coisa nenhuma / Quem hei-de guardar / Quem irei matar… (...).

19 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1857: Estórias cabralianas (24): O meu momento de glória (Jorge Cabral)

(...) Manga de ronco, Pessoal! Spínola veio a Fá, visitar os Comandos Africanos e praticamente toda a população das Tabancas vizinhas compareceu. Homens e Mulheres Grandes, belas Bajudas, e muitas, muitas crianças. A Pátria, pois então… E uma Guiné melhor. O Caco entusiasmou-se. Tanto, que optou por ir de viatura para Bambadinca. E lá partiu em coluna, comandada pelo Capitão João Bacar Djaló (...).

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1900: Estórias cabralianas (25): Dois amores de guerra e uma declaração: Não sou pai dos 'piquininos Alferos Cabral' (Jorge Cabral)

(...) E o Amor, existiu? Não falo de mulheres grandes a partir catota, nem de bajudas a partir punho, e muito menos das rápidas e alcoolizadas visitas às casas de prazer, para... mudar o óleo. Amor mesmo, paixão, dele para ela, dela para ele. Difícil, raro, mas aconteceu. Contaram-me que uma bajuda que tivera um filho do Furriel X, o seguiu até Bissau, e na hora da partida do navio entrou na água com o bebé, tendo morrido ambos (...).


27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2135: Estórias cabralianas (26): Guerra escatológica: o turra Boris Vian (Jorge Cabral)

(...) Fá Mandinga fora sede de Batalhão e de Companhia, possuindo muitas e boas instalações. Chegados em Julho de 1969, optámos por ocupar apenas dois edifícios. Quanto aos restantes, convenci o Pelotão, que o respectivo acesso estava minado, razão porque só eu lá poderia entrar. É que vislumbrara duas belas e isoladas vivendas, as quais intimamente destinara a uso próprio. Uma serviria para encontros amorosos. Na outra, utilizaria a casa de banho, lendo e meditando... E assim se passou (...).

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2204: Estórias cabralianas (27): Turra desenfiado encontra Alferes entornado (Jorge Cabral)

(...) Já é noite cerrada e o Alferes de Missirá continua em Bambadinca. Numa mão o copo, na outra, o pingalim, encostado ao balcão do Bar, declama. Trata-se do longo poema de Jacques Prévert, “L’orgue de Barbarie” (2). É interrompido, engana-se, esquece-se, volta atrás, mas não desiste. Moi je joue du piano / Disait un / Moi je joue du violon / Disait l’autre (...).

14 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2350: Estórias cabralianas (28): O Hipopótamo, as Formigas e o Prisioneiro (Jorge Cabral)

(...) Nem me lembro qual o Periquito que se apresentou naquele dia em Fá. Mas sei que ao anoitecer, saiu, equipado e armado, cumprindo a minha ordem. Objectivo: caçar um hipopótamo (...).

16 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2354: Estórias cabralianas (29): A Festa do Corpinho ou... feliz o tuga entre as bajudas, mandingas e balantas (Jorge Cabral)

(...) Porque estamos no Natal, recordas o teu de 1969 e um ataque a Bissaque. Eu passei o meu em Fá, e dias antes, noite dentro, quando já o comemorava por antecipação, acorri a defender a Tabanca de Bissaque, guiado pelo Marinho.Este era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá, desde os anos 50(...).

21 de Dezembro de 2007 >. Guiné 63/74 - P2369: Estórias cabralianas (30): Um Natal em Novembro (Jorge Cabral)

(...) Amanheceu igual, só mais um dia em Missirá. Para o Mato Cão, vai o Alferes, uma secção, e o maqueiro Alpiarça. É lá chegar, esperar, ver o barco e voltar. Não há tempo para o sonho – do outro lado nem Gaia, nem Almada…Já estamos de regresso, ouvimos restolhar. Vem aí gente. Neste lugar só podem ser os turras. Claro que, como sempre, o Alferes empunha apenas o seu pingalim e, em vez do camuflado, enverga camisa branca e calções de banho (...).

Guiné 63/74 - P5220: Agenda Cultural (42): Doces & Licores Conventuais em Alcobaça (José Eduardo R. Oliveira)


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos o seguinte convite, com data de 5 de Novembro de 2009:

DOCES & LICORES CONVENTUAIS EM ALCOBAÇA

Camaradas e Amigos,

É tempo de abrir a agenda e escrever: "Alcobaça. Doces. JERO".

Falta uma semana. A XI Mostra vai decorrer no Mosteiro de Alcobaça, de 12 a 15 de Novembro corrente.

Falta uma semana. É uma oportunidade única. Garanto à fé de quem sou.

Para quem vier cedo podemos ir aos doces e visitar, depois de almoço, o Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota que fica a cerca de 10 km de Alcobaça. Quem precisar de ajuda ou tiver alguma dúvida, contacte-me por favor - telef. 963147683.

Recordo que ALCOBAÇA é Terra de Paixão. E quem passa por Alcobaça...

XI MOSTRA INTERNACIONAL DE DOCES LICORES CONVENTUAIS - IMPERDÍVEL - de 12 a 15 de Novembro

Das cozinhas dos mosteiros e dos conventos surgiram as mais maravilhosas doçarias, confeccionadas à base de açúcar e ovos.

Durante muitos séculos essas receitas ficaram no segredo dos deuses, mas com a abertura ao exterior os segredos foram-se desvendando e, hoje, as melhores delícias podem ser degustadas na mais carismática Mostra Internacional de Doces Conventuais. Pelo XI ano consecutivo, Alcobaça e o Mosteiro de Santa Maria são o palco do evento que, anualmente, acolhe mais de 35 mil visitantes.

O amarelo-torrado é a cor predominante do mês de Novembro na cidade de Alcobaça, mais especificamente, ao longo das salas do Mosteiro de Alcobaça. O açúcar volta a ser, de 12 a 15 de Novembro, a mancha decorativa da Mostra Internacional de Doces e Licores Conventuais.

Sobejamente conhecida a nível nacional e internacional, a XI edição conta mais uma vez com a presença de cerca de 40 participantes, onde estão incluídas presenças estrangeiras de países como: Bélgica, França e Espanha e Brasil. Este ano a Autarquia espera ainda receber uma representação da Polónia (fruto das geminações estabelecidas com a cidade de Belchatów).

A Autarquia, que se assume como pioneira do evento desde 1999, continua a apostar no acontecimento cultural que anualmente mais visitantes traz ao concelho. Uma aposta que alia os sabores da gastronomia à cultura e ao património deixado pelos Monges Cistercienses.

Horários: 10h30 às 23h00 (Dia 15 encerra às 21h00)
Local: Mosteiro de Alcobaça
Entrada: 1 Euro

Um grande abraço do,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5219: Agenda Cultural (41): Os nossos camaradas Gidelda Pessoa, V. Barata e M. Rebocho na RTP1 (António Dâmaso)

1. Mensagem do nosso tertuliano e camarada António Dâmaso*, Sargento-Mor da FAP na situação de Reforma Extraordinária, com data de 5 de Novembro de 2009:

Caro Carlos Vinhal,
Saudações muito especiais para todos os responsáveis pelo Blogue.
Também quero saudar todos os ex-combatentes, independentemente da Arma e do posto, que prestaram serviço no Ultramar.

Carlos,
Fiquei comovido pela forma como saudaste o Victor Barata pela sua intervenção no Programa Portugal no Coração, na RTP 1 no dia 4 de Novembro de 2009, pelas 16 horas.

O Victor comoveu-se, mas disse aquilo que sentiu e presenciou na altura em que, apenas com 19 anos, foi obrigado a viver.
Sabia que o Victor Barata ia ao programa e fui dar o meu passeio antes para poder assistir. Estive do principio ao fim, apesar de tudo e do Rebocho, por último, ter estado no Exército, pelo facto dos Pára-quedistas terem passado da FA para o Exército. Acho que deveriam ter estado elementos da Marinha e do Exército.
Também reconheço que eles não se esqueceram destes militares.

Fui contactado por televisões, mais que uma vez, para me pronunciar sobre a minha vivência no Ultramar, nomeadamente no caso Guidage, por eu ser na altura o Comandante do Pelotão dos 3 Páras que ficaram sepultados lá em Guidage.
Declinei sempre por não ser capaz de falar sobre o assunto frente a câmaras de televisão, sofro de stress pós traumático de guerra e isso diz tudo.

Graças a Deus que os restos mortais destes jovens já se encontram junto das famílias. Sempre que passo em Castro Verde vou fazer continência ao Vitoriano, não esquecendo os outros que naquele dia se despediram desta vida, em honra da Pátria. Quis o destino que eu não tivesse lá ficado com eles, pois corri os mesmos riscos.

Porque estive em Galomaro e Dulombi em 1969; em Guileje; na operação Nó Górdio em Moçambique em 1970; novamente na Guiné em Caboxanque e Cadique em 1972 e 1973; em Bigene, Binta, Guidage e Gadamael Porto em 1973, vivi em valas e abrigos que muitas vezes tive de cavar.

Não só por ter sofrido na pele tudo isto, embora por períodos que não ultrapassavam três meses, sei dar o valor ao que sofreram todos os que foram obrigados a longas permanências nestas condições, e por isso vou aqui citar o que em tempos escrevi.

"O meu pensamento hoje vai para aquele soldado desconhecido, digo eu, refiro-me aquele militar com ou sem patente, que estava lá, contribuía com o seu esforço para o conjunto, tal como formiga obreira, mas que por não ter cunhas, não ser engraçado nem engraxador, via as benesses passar-lhe ao lado, sem prémio Governador da Província, promoções, férias, etc, no entanto lá ia procurando manter-se vivo, com a agravante de ser obrigado a viver em buracos sem as condições mínimas".

Um Alfa Bravo do camarada António Dâmaso,
Sargento Mor Pára.


2. Comentário de CV:

Caro camarada e amigo Dâmaso
Por pudor não vou reproduzir aqui a mensagem que enviei ao Victor, a quente e na mais simples condição de ex-combatente anónimo. O tal anónimo que tão bem descreves.

Mandei uma mensagem semelhante à nossa querida amiga Giselda, dizendo-lhe que quem esteve no Primeiro Canal da RTP, representou cabalmente todos os militares que combateram na Guiné.

Pena que aquele programa, tendo um carácter tão aligeirado, não esteja vocacionado para tratar assuntos tão sérios. Prova disso, foi a reacção espontânea da Tânia, que não tendo preparação jornalística, não conseguiu esconder umas lagrimazinhas que por simpatia soltaram as minhas.

Fiquei também com a ideia de que conseguimos comover as pessoas, mas não nos conseguimos fazer entender. Como alguém lá disse, só um ex-combatente consegue compreender outro ex-combatente. E claro, as nossas famílias. A minha mulher ainda hoje diz que começou a namorar com um homem, e casou com outro totalmente diferente.

Realidades que cada um para si mesmo ou com o seu agregado, vai vivendo até ao fim do percurso terrestre. Aí voltará definitivamente a paz de espírito ou lá o que se queira chamar.

Para ti, um abraço fraterno.
CV
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4766: Notas de leitura (13): "Os Anos da Guerra Colonial" e as suas incorrecções (António Dâmaso)

Vd. último poste da série de 4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5207: Agenda Cultural (40): Os nossos camaradas Giselda Pessoa, V. Barata e M. Rebocho, hoje, 16h, RTP1, Portugal no Coração

Guiné 63/74 - P5218: Historiografia da presença portuguesa em África (29): Bolamense: Um mensário para tirar a ex-capital da Guiné do abatimento (Beja Santos)


1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2009:



Camaradas,

Este Bolamense foi para mim uma revelação, sobretudo pela qualidade das fotografias, muitas delas de elevada qualidade. Findo por aqui esta incursão pelos jornais guineenses, era bom que os outros tertulianos escrevessem sobre o Arauto de Bissau, não consegui encontrar nada de jeito, desapareceu ainda nos anos 60. Tendo o Bolamense findado em 1972, questiono que outras publicações regulares houve na Guiné, até 1974, para além do Boletim Oficial e do Boletim Cultural.


Foto 1 - Guiné-Bissau > Bolama > s/d > Cais > Uma canoa Inhominca, para transporte de passageiros

Bolamense: Um mensário para tirar a ex-capital da Guiné do abatimento


O mensário que começou por se publicar regularmente no primeiro dia de cada mês, em Bolama, em 1956, foi, a diferentes títulos, uma publicação periódica de grande significado no panorama editorial guineense, no último período colonial. Muitos dos tertulianos conheceram-no, sobretudo em Bolama e arredores. Apresentava-se como órgão de propaganda regional, de cultura e de turismo.

Tal como o “Arauto” de Bissau, não enganava quanto aos intuitos nacionalistas: reproduzia as idas e vindas do Governador, transcrevia na íntegra os discursos de Salazar, noticiava os grandes eventos civis e militares da província. Leopoldo Amado no seu indispensável ensaio “A Literatura Colonial Guineense” chama a atenção para alguns dos seus aspectos mais originais.

Se é verdade que o Arauto era um misto de divulgação missionária e de conúbio com o regime de Salazar e acolheu a opinião de figuras culturais da colónia como Fausto Duarte, Juvenal Cabral ou Caetano Filomeno Sá, o “Bolamense” teve o mais sério impacto cultural e literário, acolhendo poetas que aqui cantaram as delícias da velha cidade.

Quem viveu em Bolama lembra-se da sua bela arquitectura, com destaque para o Hotel do Turismo, o Palácio do Governador e os edifícios da Administração, isto para já não falar na praia de Nova Ofir e outros pontos de inegável beleza paisagística que interessava divulgar para captar potenciais turistas.

O Bolamense vendia-se a 2$50. Certamente que a redacção tinha bom entendimento com o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa pois reproduziu muitas imagens e algum texto do seu Boletim Cultural caso da imagem que agora se publica “Tatuagem de rapariga manjaca”.

À semelhança do “Notícias da Guiné”, tinha noticiário regional, com destaque para os principais eventos (que até incluíam a chegada de navios, palestras, inauguração de infra-estruturas e as formaturas e desfiles da Mocidade Portuguesa), noticiário desportivo, necrologia e publicidade.

Quando Raul Ventura foi Ministro das Colónias, fez uma grande cobertura à possibilidade de haver petróleo na Guiné. Publicava muitas vezes poesia de intelectuais locais, mas seguramente que o director gostava muito de Fernando Pessoa, numa altura em que este gigante da literatura era escassamente conhecido entre nós, teve muitos poemas seus publicados no Bolamense.

Extinguiu-se em 1972, Bolama ficou sem jornal. A Bolama que procurou resistir até ao fim para não ser um apêndice de Bissau, usara este mensário para saber que estava bem viva com os seus monumentos históricos e as suas atracções turísticas.

Folheando este mensário, descobre-se uma cidade hoje reduzida a um escombro, que viveu a nostalgia de ter acolhido os escritórios da Pan American e os seus hidroaviões, o mais rico património da região e que levantara o nosso orgulho pátrio quando um presidente dos Estados Unidos (Ulysses Grant) dirimiu a nosso favor a “Questão de Bolama”.



Foto 2 - Tatuagem de rapariga manjaca

Um abraço,
Mário B. Santos,
Alf Mil, Cmdt do Pel Caç Nat 52


Foto 1: © Mário Beja Santos (2009). Direitos reservados.
Foto 2: © Patrício Ribeiro (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5217: Blogues da Nossa Blogosfera (24): Do Tejo ao Rovuma (Cabo Delgado, 1971/73), de Carlos Vardasca



1. O nosso Camarada-de-armas Carlos Vardasca, que foi Soldado Condutor Auto na Companhia de Caçadores 3309 em Moçambique - 1971-1973 -, enviou-nos uma mensagem, convidando-nos a visitar o seu blogue, com o seguinte teor:


Do Tejo ao Rovuma


Caros amigos ex-Combatentes,

Gostaria de vos dar a conhecer o blogue http://dotejoaorovuma-cabel.blogspot.com, que retrata a vivência da Companhia de Caçadores 3309, durante a Guerra Colonial, mais concretamente no norte de Moçambique (Cabo Delgado), junto à fronteira com a Tanzânia e nos Aquartelamentos de Nangade, Nova Torres, Tartibo e, mais para sul, em Balama.

O presente blogue surgiu em 30 de Abril de 2007, tendo mantido uma actividade relativamente regular, descrevendo pequenas histórias e experiências, algumas delas dramáticas, da permanência da C.CAÇ. 3309 numa das zonas mais conflituosas de Moçambique, o Planalto dos Macondes.

A C.CAÇ. 3309 pertencia ao Batalhão de Caçadores 3834, que foi formado em Chaves, tendo embarcado no navio Niassa (Cais de Alcântara) no dia 24 de Janeiro de 1971 e regressado de Moçambique, por via aérea, em 06 de Março de 1973.

Sofreu 19 baixas (4 da C.CAÇ. 3309, 14 da C.CAÇ. 3310 e 1 da C.CAÇ. 3311) e 90 feridos (3da CCS, 23 da C.CAÇ. 3309, 44 da C.CAÇ. 3310 e 10 da C.CAÇ. 3311).

Na eventualidade de o consultarem e reconhecerem nele algum texto, que vos mereça algum interesse editar nas vossas páginas, tereis toda a liberdade de o fazer, pois a troca de vivências que nos foram comuns, nos diversos teatros de guerra, contribuirá decerto, para que não se apague da memória um conflito que “adiou o futuro de muitos jovens que nele participaram” e “interrompeu a de tantos outros que dele não regressaram”.

Um abraço a todos vós,

Carlos Vardasca
Ex-Soldado Condutor Auto
Da Companhia de Caçadores 3309
Moçambique 1971-1973
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5216: Tabanca Grande (185): Arménio Santos, ex-Fur Mil de Rec Inf, Aldeia Formosa, 1968/70

1. Mensagem de Arménio Santos, ex-Fur Mil de Rec Inf, Aldeia Formosa, 1968/70, com data de 3 de Novembro de 2009:

Senhor Luís Graça
Permito-me enviar-lhe duas fotos e alguns dados relativos à minha condição de ex-combatente da Guiné, esperando que correspondam à V/praxe, e candidato a entrar no V/blogue.
A recomendação é do Prof. Jorge Cabral, da Universidade Lusófona.

Um abraço
Arménio Santos


Arménio Santos - Apresentação

Foi Furriel Miliciano, especializado em Informações e Acção Psicológica, destacado em Aldeia Formosa – Quebo, entre Outubro de 1968 e Novembro de 1970.

Esteve em rendição individual e, como responsável pelo SIM - Serviço de Informações Militares, trabalhou com os, então, Major Carlos Azeredo, Tenente Coronel Carlos Hipólito e os Majores Pezarat Correia e Mexia Leitão.

Fez a recruta na EPC – Santarém, em Julho de 1967 e a Especialidade em Reconhecimento e Informações no CISMI, em Tavira, Setembro de 1968.

Bancário, do BPA e do Millennium BCP, foi presidente do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas.

Hoje é Deputado na Assembleia da República, pelo PSD, e Secretário-Geral dos TSD – Trabalhadores Social Democratas.

Reside em Oeiras.
Email: armeniosantosnaguine@gmail.com


Uma história

Aldeia Formosa era um aquartelamento onde se concentravam muitos efectivos militares. Primeiro era o COSAF – Comando Operacional do Sector de Aldeia Formosa e depois passou a sede de Batalhão, tinha várias unidades de milícias nativas e era placa giratória de tropas especiais envolvidas em operações na zona de GuilegeGadamaelSalancaur Sul.

Havia, portanto, muitos militares.

O rancho nem sempre era famoso. Pelo contrário. E quando havia oportunidade para fazer um churrasco, especialmente furtivo, para além de se variar do prato habitual, era uma oportunidade fantástica para confraternizar, esquecer os riscos e o isolamento em que se vivia e partilhar pedaços da vida pessoal e familiar de cada um.

Só que, o churrasco nem sempre era conseguido pelas melhores vias. Algumas vezes lá ia uma vitela, um porco ou um cabrito à “revelia” do dono. O que era furtado tinha outro gosto.

Num desses casos, o Cherno Rachid, o chefe religioso dos Fulas, cuja influência ultrapassava as fronteiras da Guiné-Bissau e era reconhecida desde a Gâmbia à Costa do Marfim, com quem eu trabalhava estreitamente mercê da minha função, e com o qual as tropas portuguesas tinham as melhores relações, mandou o Bubacar Jaló chamar-me que desejava falar comigo.

Pensei que se tratava de mais um dos muitos contactos que tínhamos sobre as actividades do IN ou sobre os problemas na Tabanca.

Quando cheguei percebi logo que o assunto teria de ser outro. O Cherno Rachid não estava sozinho, como era normal naqueles casos de trabalho, estava rodeado por um grupo de “Homens Grandes” e uma bajuda. Bastante bonita, por acaso.

Que assunto pretendia tratar o Cherno Rachid? Simplesmente que eu resolvesse o problema de um dos “Homens Grandes” presentes, que tinha ficado sem uma vitela no dia anterior e que tinha sido comida no quartel.

Que provas tinha o “Homem Grande”?

A bajuda foi a fonte da informação, ingenuamente. Era lavadeira do Delfim, que era dos lados de Matosinhos, a quem ele dera um enorme pedaço de vitela, para ela e para a família, e a quem se vangloriara da sua façanha.

A bajuda tentou dizer alguma coisa, mas os olhos do Cherno e dos outros mantiveram-na no silêncio, tal como eu também não a questionei. Ela estava ali porque o marido, um dos “Homens Grandes” presentes, também tinha comido do naco de carne que o Delfim deu à bajuda. Só que - e aqui é que está o problema - a vitela que o Delfim tinha desviado era, nem mais nem menos, do “Homem Grande” da sua lavadeira.

Postas as coisas neste pé, falei com o Delfim.

Não havia outra coisa a fazer senão remediar o que ele e os seus amigos fizeram. O Delfim não negou e pagaram o triplo do valor normal da vitela, para exemplo.
O Cherno Rachid esteve presente quando acompanhei o Delfim a sua casa, para ele entregar o dinheiro ao dono da vitela.

Esse sentido de justiça foi registado pelo chefe religioso, o Delfim não gostou de pagar aquilo que já considerava uma “conquista”, mas, por mais estranho que pareça, ficou amigo do “Homem Grande” a quem desviara a vitela e ainda mais amigo ficou da sua bajuda lavadeira.

Só a mim o Delfim passou a chamar-me o “turra branco”. Mas também por pouco tempo. Umas cervejas e a camaradagem trouxeram ao de cima os traços de amizade que só num ambiente daqueles são cimentados.


2. Comentário de CV:

Caro camarada Arménio Santos
Em nome da tertúlia e em particular dos editores do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, estou a receber-te na nossa caserna virtual.

Cumpriste as rigorosas formalidades para ingresso, as fotos da praxe e a jóia, uma pequena história para apresentação.

Dizes que és amigo do nosso camarada Jorge Cabral. Por si só essa qualidade acarreta uma grande responsabilidade. Se não conheces, aconselho-te a ler todas as (mais de cinquenta) Estórias Cabralianas de sua autoria, publicadas no nosso blogue, para teres a percepção do que foi o outro lado da guerra, coisa que poucos de nós ou ninguém conhecia, porque Jorge Cabral só há um. Quem tem um amigo assim, não precisa de muitos mais.

Deves ter reparado que por aqui, pela Tabanca Grande, andamos perfeitamente à vontade. Nada de senhores, você para aqui, doutor para acolá. Porquê? Porque somos verdadeiros camaradas, daqueles que pisaram o mesmo chão barrento, alagado e minado; que beberam a mesma água salobra; que comeram o mesmo peixe da bolanha; que transpiraram aquele suor pegajoso e foram mordidos por aquela imensidão de mosquitos. Que mais poderemos ter em comum? Aquela amizade que nos torna naquilo que define esta palavra só nossa, camarigos. O nosso camarada e amigo Mexia Alves inventou esta palavra para definir o laço que nos une em volta de um passado comum e inesquecível.

Suponho que saberás que o fim último do nosso Blogue é criar um espólio de histórias e fotografias da nossa experiência enquanto combatentes da Guiné. Trocamos ideias, concordantes ou não, respeitando as diferenças, sejam elas de opinião, religião, política e outras.

Respeitamos a soberania da Guiné-Bissau não interferindo de modo nenhum na sua política interna, desejando sempre o melhor para aquele povo irmão, tão sofredor.
Porque somos bem recebidos quando lá vamos, por gente comum e autoridades, desejamos a todos, que o país saia o mais rapidamente possível daquela situação.

Caro Arménio, a tua actividade não permitirá muito tempo disponível para colaborares connosco, mas faz um esforço e não deixes que outros contem as tuas histórias. É uma variante de serviço público, este blogue. Repara no número de visitas. Somos muitos e... bons.

Em nome da tertúlia e dos editores, envio-te um abraço de boas-vindas.

O teu camarada
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2009 > Guné 63/74 - P5188: Tabanca Grande (184): Belmiro Tavares, ex-Alf Mil, CCAÇ 675 (Binta, 1964/65)

Guiné 63/74 - P5215: Notas de leitura (33): Em Nome da Pátria, de João José Brandão Ferreira (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2009:

Carlos e Luís,
Já fiz o meu dever cívico de ler esta chumbada, um libelo indescritível, supunha que já não havia gente capaz de manipular a história contemporânea.
Ando a ler livros curiosos, mas peço-vos compreensão para o meu silenciamento nas próximas semanas.
Se, por acaso, houver algum tertuliano que tenha lido estas 500 páginas e me queira interpelar, esclareço que estarei disponível dentro de poucas semanas.

Um abraço de estima para todos,
Mário


Em Nome da Pátria:
A nostalgia e o nacionalismo patético dos órfãos do Império

Por Beja Santos

As teses de “traição” e “abandono criminoso” do Império Colonial são muito caras aos nacionalistas (civis e militares) de diferentes matizes. Não se pense que se trata de uma coqueluche da extrema-direita. Frequentemente, os defensores dessas teses dão clamorosos tiros nos pés, a pretexto de uma data ou até do desaparecimento de uma figura insigne, ligada à Guerra Colonial. Quando faleceu o brigadeiro Hélio Felgas vi escrito em blogues louvores ao seu portuguesismo indefectível, à sua crença inabalável pela integridade ultramarina. Seguramente que os autores de tais laudes não leram tudo quando escreveu o oficial general. Pegaram em livros antigos ou em lições que ele deu na Academia Militar, colaram-no à Pátria heróica atacada por inimigos de Portugal (os oposicionistas ao regime, pois claro). Em 1995, surgiu o livro “Os últimos guerreiros do Império”, da Editora Erasmos, com a coordenação de Rui Rodrigues. Afinal, a tal sustentabilidade da guerra não era aceite por Hélio Felgas, como ele depõe: “No final de 1968, enviei um relatório ao general Spínola onde defendia que a concessão da independência à Guiné Portuguesa, não iria agravar, antes pelo contrário, a situação em qualquer das outras Províncias Ultramarinas”. Ele fazia o seguinte diagnóstico: “O inimigo está demasiado bem armado, bem apoiado pela população, bem organizado e bem enraizado num terreno que lhe é favorável... Há que abandonar radicalmente largos pedaços do território e concentrar os meios em áreas reduzidas que deverão ficar totalmente passadas a ferro... Há que empregar largamente os desfolhantes e outros agentes químicos que destruam as culturas”. E profetizava: “Estamos à espera que o IN adquira suficiente estatura e capacidade militar para correr connosco”.

É longa a bibliografia de todos aqueles, mais ou menos estrénuos defensores do regime de Salazar e Caetano, que escreveram sobre a traição inerente ao processo de descolonização. De um modo geral, como a historiografia recente tem posto a nu, as teses de sustentabilidade da guerra ou de “vitória traída” estão desmascaradas. Ter a desfaçatez de pegar em literatura antiquada, retorcer a argumentação e falar em rendição incondicional, é um puro “chapéu velho” à procura de saudosistas e náufragos do nacionalismo sem mestre nem bússola.

Um tenente-coronel piloto aviador pega em literatura paroquial gasta e põe-na ao serviço da tese do abandono das nossas províncias ultramarinas, dá como demonstrado que Portugal fez uma guerra justa e de que não soubemos merecer os nossos antepassados, abandonando da forma mais iníqua alguns pedaços da Pátria (“Em Nome da Pátria”, por José João Brandão Ferreira, Publicações Dom Quixote, 2009).

Para o autor, a compreensão de uma guerra justa, como aquela que travou Portugal entre 1961 e 1974, exige enquadramento geopolítico e geoestratégico a partir do fim da Segunda Guerra Mundial. O argumento científico toma-se como sério, à partida. Nada se pode entender na contemporaneidade sem perceber como emergiu uma atmosfera anticolonial dominada pelas superpotências. No entanto, o autor escreve calmamente falando de 1974 e a nossa Guerra Colonial: “A situação militar em Angola estava resolvida; em Moçambique havia alguma actividade guerrilheira, sobretudo nos distritos de Cabo Delgado e Tete; e na Guiné tinham surgido algumas dificuldades”. Como estou a escrever para gente crescida, que até combateu na Guiné, não adianto mais nada. O que o autor descreve sobre a situação interna portuguesa, nessa altura, podia ter sido editado pelo SNI. O regime de Salazar descrito por este oficial da Força Aérea vivia no melhor dos mundos possíveis, tinha ordem e um Presidente de Conselho com músculo. Foi Marcelo Caetano quem veio desaustinar a coesão ideológica, trouxe a perturbação de conceitos, dividiu os bons portugueses, deu argumentos aos inimigos da Pátria (a oposição, obviamente). Como se estivesse a fazer um relatório para a tropa, fala de um Ultramar risonho e de movimentos subversivos acantonados nos países limítrofes. Não havia nacionalistas nesses movimentos de libertação, só agentes da subversão espicaçados por Moscovo. Tudo isto é dito e escrito com estrofes de Os Lusíadas. Toda esta guerra foi de baixa intensidade, de custo muito barato, progressivamente africanizada, isto sem minimizar que havia cansaço, cepticismo e a descrença que gradualmente se instalou na metrópole. O autor não diz, foi pena não se ter debruçado sobre esse ponto, mas as altas figuras do regime tudo fizeram para obstar que os seus familiares dessem com o corpinho no teatro de operações. Com honrosas excepções, adiante-se.

O capítulo “Da justiça e do direito da guerra” não se desenvolverá aqui, por se tratar de matéria cultural de incontestável valor mas que não abona nem desabona para o desfecho da Guerra Colonial. Era a mesma coisa que escrever a história exaustiva dos diferentes movimentos anticolonialistas para demonstrar que todos eles tinham legítimos direitos a obter a independência dos territórios reivindicados. Não basta dizer que o Ultramar veio sempre consagrado nas constituições portuguesas. Interessava explicar, por exemplo, porque é que as constituições do século XIX não falavam da Guiné, falavam de Bissau e Cacheu; goste o autor ou não, mesmo que o facto ofenda o seu acrisolado nacionalismo, a presença portuguesa na Guiné foi sempre mínima, houve rebeliões até 1936, a colónia teve as últimas fronteiras definidas em 1886, e em 1950, quando a população já era superior a meio milhão, pelo menos 97 % não falava português.
O autor devia recusar-se a falar do que não sabe ou, pelo menos, nunca falar na verdade histórica. Marcello Caetano tinha uma governação que, no campo económico e financeiro, atingiu no final de Março de 1974, o inviável, com a inflação em dois dígitos gordos, o mais trágico desequilíbrio da balança de pagamentos de sempre, o patronato à bulha, os sindicatos em greves, etc. Não se está a falar nas tensões em que se envolveram as Forças Armadas, a Academia Militar sem cadetes, a descolagem definitiva de Nixon e Kissinger, os aliados ocidentais que nos deixaram ao abandono. A economia caminhava para a ruptura, e quem o escreveu foi Dias Rosas, Ministro da Economia e das Finanças de Caetano.

Mas também a diplomacia portuguesa já não podia estar à altura do seu melhor porque a conjuntura internacional era totalmente desfavorável a Portugal, até a Espanha e o Brasil tinham desertado. É patético pôr em cima da mesa as relações amigáveis de Portugal com a Etiópia, a Tailândia, as Filipinas e o Paquistão. É inacreditável escrever-se que mantínhamos os apoios indispensáveis, que os nossos inimigos eram constituídos pelos comunistas e pelo bloco afro-asiático: basta ver quem reconheceu, até 25 de Abril de 1974, a República da Guiné-Bissau. Uma guerra é militarmente insustentável quando não se tem equipamento/armamento, contingentes, tecnologia, comparáveis aos do inimigo, nem a perspectiva de ter. Não tínhamos perdido só a supremacia aérea na Guiné, estava em marcha um plano de abandono ou retirada de um elevado número de quartéis e povoações que não podiam corresponder ao fogo mortífero dos morteiros de 120 mm. Está escrito, mas o autor não é capaz de tirar conclusões. A guerra deixara de ser sustentável, económica e militarmente. Um Presidente de Conselho que dá luz verde a conversações secretas com o PAIGC para chegar rapidamente a um cessar-fogo e ao reconhecimento da independência da Guiné não está propriamente a viver nesse melhor mundo que o autor desenha para gáudio da sua volátil teoria de traição e abandono. Não desistimos da guerra, como toda a historiografia recente tem evidenciado, por causa do PCP, dos dois mortos por dia, das despesas militares ou pela subversão do pensamento de Salazar. Desistimos porque a causa da libertação dos povos africanos foi muito mais poderosa que os erros políticos praticados. Quanto mais erros, quando mais cegueira política, menor é o campo de manobra para negociar de forma a acautelar interesses legítimos, e houve muitos interesses legítimos que foram mal tratados no turbilhão dos acontecimentos posteriores ao 25 de Abril.

Brandão Ferreira escreveu mais de 500 páginas de uma obra parada no tempo, manipuladora, desajustada à compreensão dos factos conducentes tanto ao 25 de Abril como à descolonização. Ninguém invoca a verdade histórica e condiciona os testemunhos; ninguém substitui a verdade histórica para escrever um manual de catequese, recorrendo ao testemunho do inspector da PIDE que até insinua a importância de Os Protocolos dos Sábios de Sião na política internacional (como se sabe, é uma das mais execráveis do racismo). Se veio à procura do escândalo, desiluda-se, o mercado livreiro está cheio de chapéus velhos e ele não será o último autor inconformado com a “perda das colónias”. Não combateu, não ouviu nem consultou as diferentes fontes. Pode dar-se por contente por ter andado a escrever um livro ressabiado para um auditório de ressabiados que lhe vão bater as palmas, sem pedir contas pela verdade histórica.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5198: Notas de leitura (32): A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, de John P. Cann (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5214: O nosso blogue em números (1): Os cinco postes mais comentados do mês de Outubro de 2009





1. Texto do editor L.G.:

No mês transacto, publicaram-se 150 postes (do P5038 a P5187), o que dá uma média de 5 postes por dia (4,8).

No ano em curso já se publicaram até hoje 1520 postes, mais 233 do que em todo o ano transacto (n=1287), e quando ainda faltam 53 dias para terminar o 2009.

A média diária de postes publicados em 2009 é de 5 (4,9), superior à ano passado (3,5) e muito superior à de 2007 (2,7).

No período de 27/9 a 1/11/2009, a semana mais produtiva foi a de 4 a 10 de Outubro, com um total de 45 postes (6,4 por dia) (Gráfico 1).

Tome-se como termo de comparação as duas semanas do ano em curso, em que atingimos o máximo e o mínimo:

29/3 a 4/4/2009 - 50 postes
30/8 a 4/9/2009 - 20 postes


Relativamente aos postes publicados, de 1 a 31 de Outubro (n=150), fizeram-se 565 comentários, ou seja, menos de 4 por poste (3,8) e 18 por dia (18,2)... Os cinco postes mais comentados (*) constam do Gráfico 2.

Claro que estes dados estatísticos, relativos à nossa produção bloguística, são uma mera curiosidade. Dão, em todo o caso, uma ideia do nível de participação dos amigos e camaradas da Guiné, sem contudo poderem revelar a qualidade dos nossos escritos e o elevado civismo, tolerância e camaradagem de que todos os dias damos aqui provas. É uma lição para a blogosfera lusófona e até para muitos sectores da vida política e social portuguesa... Um ou outro comentário mais destemperado é apenas a excepção que confirma a regra. E a verdade é que é raro os editores usaram a perrogativa que têm, de eliminar os comentários que não obedecem às nossas regras de convívio.

À nossa Tabanca Grande, aos membros do nosso blogue, aos nossos leitores, a todos os que nos visitam, lêem e escrevem, aos nossos editores: um especial OSCAR BRAVO (obrigado). Aos autores mais comentados, os meus parabéns. LG

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes:

6 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5058: In Memoriam (33): Alferes Henrique Ferreira de Almeida, morto em combate em 14JUL68 em Cabedu (J.A. Pereira da Costa)

19 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5132: Humor de caserna (13): Rambo uma vez, rambo para sempre (Joaquim Mexia Alves)

30 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5183: Notas de leitura (31): Notícias da Pátria e dos que a invocam, em vão ou não (António Matos)

12 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5098: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (25): As armas proibidas que nós utilizámos

3 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5046: Parabéns a você (31): Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF, Piche e Bissau (1970/72) (Editores)