sábado, 7 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12407: Tabanca Grande (412): Joaquim Pinto Carvalho, ex-alf mil, CCAÇ 3398 (Buba, 1971/72) e CCAÇ 6, Onças Negras (Bedanda, 1972/73), grã-tabanqueiro nº 633



Lourinhã > Atalaia > Porto das Barcas > 13 de agosto de 2010 > Natural do Cadaval, o Joaquim Pinto de Carvalho, ou simplesmente, Pinto de Carvalho, tem de há muito amigos e casa no concelho vizinho da Lourinhã. Esta foto foi tirada num convívio de amigos na sua casa do Porto das Barcas, sobranceira ao grande oceano Atlântico. Ele e a Céu são pessoas que gostam e sabem receber, com arte & (de)coração...Com uma filha arquitecta, meteram-se agora num projeto de turismo rural que está a ser um sucesso: Artvilla: Casas de Campo, no sopé da Serra de Montejunto, em Vila Nova, Vilar, Cadaval.

Foto (e legenda) © Luis Graça (2010). Todos os direitos reservados


Óbidos > 16 de Agosto de 2011 > O António Teixeira (1948-2013) e o Pinto Carvalho, uma grande amizade que vinha já da Guiné, e mais concretamente de Bedanda... Graças também ao nosso blogue, os bedandenses fizeram, ainda em 2011, o seu primeiro encontro, alargado.

Foto (e legenda) © Luis Graça (2011). Todos os direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 (1972/73) > Legenda: "Nesta foto está o Figueiral em frente (ao meio) de óculos escuros e a comer uma cabritada com a garrafa de Casal Garcia á frente. Eu estou do lado esquerdo da fota, com o frigorifico atrás de mim. De costas para a foto está o Pinto Carvalho. Do lado direito da foto, em primeiro plano está o Alferes Bastos, o homem do obus (Alf de Artilharia) e logo a seguir, portanto à esquerda do Figueiral,  está um segundo tenente de que não me recorda o nome. Era habitual haver um abastecimento via barco por mês e que vinha sempre escoltado pela Marinha, ficando o Oficial instalado lá no quartel [, em Bedanda, na margem esquerda do Rio Cumbijã]"

Foto (e legenda): © António Teixeira (1948-2013) / Blogue Luís Graça & Caramadas da Guiné (2013). Todos os direitos reservados




Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 (1972/73) >  Ao centro, o Mário Bravo, ladeado pelo Figueiral (à sua direita) e o Pinto Carvalho (à sua esquerda)...

Estas duas fotos, a preto e branco, publicadas acima, são do meu amigo Pinto Carvalho,  que em 13/8/2010, me  autorizou a "violar" a sua privacidade em Bedanda, metendo o bedelho - e a máquina fotográfica - no seu álbum fotográfico do seu tempo de menino e moço.

Mostrei-as ao Mário Bravo e a outros camaradas bedandenes que não tiveram, na altura,  dificuldade em reconhecer o alf mil Pinto Carvalho, de estatura meã, magro, que usava bigode  e patilhas, às vezes barbas....

Foto: © Pinto Carvalho / Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 (1971/72) > Foto, sem legenda, do álbum do ex-alf mil Pinto Carvalho, hoje jurista, sendo especialista em direito laboral,...  O Pinto Carvalho é o primeiro do lado esquerdo da segunda fila, de pé.

No primeiro  plano, o segundo a contar da direita é o Mário Bravo, grande craque da bola e grande camarigo... Recorde-se que o Mário esteve em Bedanda, desde finais de 1971 até aos primeiros meses de 1972. A CCAÇ 6 era companhia baseada em soldados do recrutamento local, o seu pessoal metropolitano (incluindo quadros e especialistas) era de rendição individual.

 Estas duas fotos, a preto e branco, publicadas acima, são do meu amigo Pinto Carvalho,  que em 13/8/2010, me  autorizou a "violar" a sua privacidade em Bedanda, metendo o bedelho - e a máquina fotográfica - no seu álbum fotográfico do seu tempo de menino e moço.

Mostrei-as ao Mário Bravo e a outros camaradas bedandenses que não tiveram, na altura,  dificuldade em reconhecer o alf mil Pinto Carvalho, de estatura meã, magro, que usava bigode  e patilhas, às vezes barbas....
Foto: © Pinto Carvalho / Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados




Capa do jornal de caserna "O Seis do Cantanhez", criado e dirigido pelo Cap Gastão e Silva, da CCAÇ 6, tinha como redator-coordenador o alf mil Pinto Carvalho e, entre outros membros da redação, o saudoso alf mil António Teixeira (1948-2013).

Fonte: Cortesia da Biblioteca do Exército (2013)


1. Em  comentário, de 16/6/2012, ao poste P10033 (*), eu escrevi o seguinte:

O êxito do 2º encontro dos nossos camaradas bedandenses deve-se a dois pares de razões… Por um lado, às qualidades de comandante do António Teixeira (Tony, para os amigos), à sua capacidade de liderança motivacional e de organização, qualidades que eu topei logo quando o conheci, o verão passado, na Lourinhã, por intermédio de um amigo comum, o Pinto Carvalho, o mais lourinhanse dos cadavelenses que eu conheço…

O segundo par de razões, apresentou-as o próprio organizador, no início do seu relatório de mais esta operação “saudade”, levada a bom termo… Tem a ver a com o “bom irã” de Bedanda, essa terra mágica:

(,,,) “muitos dos presentes neste encontro não se conheciam, visto terem pisado naquele chão em alturas muito diferentes. Mas aquele chão, aquela terra, é mágica, e exerce sobre nós um poder fantástico, poder esse que nos move e nos transcende. Assim, e já depois do grande êxito que foi o nosso primeiro encontro, este ultrapassou todas as expectativas, conseguindo juntar 48 convivas, que por lá passaram entre 1963 e 1974. E nem o dia cinzento, com uma chuva miudinha à mistura, arrefeceu o nosso entusiasmo. Logo ao primeiro abraço era como se sempre nos tivéssemos conhecido”. (…)

 (...) A propósito, estou a tratar dos papéis para “legalizar” a presença do Pinto Carvalho na Tabanca Grande… Tem nada mais nada menos do que sete referências do nosso blogue, e ainda não consta da lista alfabéticas dos nossos mais de 560 grã-tabanqueiros! Imperdoável, mas o lapso é meu...

Tive pena de, mais uma vez, de não poder partilhar, ao vivo, as alegrias deste encontro de “bedandenses”… Mas prometo que à terceira é de vez, e que por nada deste mundo vou perder a sardinhada, marcada para Peniche, em Setembro, até por que vai ser organizada por um profissional de saúde, que eu conheço, se não me engano quando ele era diretor do centro de saúde de Peniche, no século passado… Agora, o que eu não sabia que ele era um grande camarada da Guiné e um ainda melhor bedandense (...).

Na realidade, só este ano, no passado dia 28 de setembro,  é que eu pude ir a ao convívio dos bedandenses, à tal sardinhada que, julgo eu, só nessa altura veio a ser concretizada. Infelizmente, já não pôde comparecer, por motivo de doença,  o nosso Tony. Na realidade, a primeira e última vez que o vi foi no verão de 2011, na Lourinhã, nuns dias maravilhosos que passamos juntos, vários casais de amigos. Um ano depois morria a Cindinha, sua esposa. E agora foi a vez de ele, Tony Teixeira, nos deixar... No poste em sua memória eu prometi:

"Tony, vais ficar aqui, junto dos nossos corações. Não te vamos esquecer, prometo! E o Joaquim Pinto Carvalho vai tomar o teu lugar, sob o poilão da nossa Tabanca Grande. Descansa em paz, meu "onça negra"! (LG)".

Chegou a  vez de eu, envergonhado pelo atraso,  cumprir a promessa que eu fiz ao Tony e que, no caso do Joaquim, era já uma ameaça que tinha quase 3 anos:  a de sentar mais um bedandense, e para mais meu amigo, à sombra do  poilão da Tabanca Grande. 

O Joaquim já devia cá estar pelo menos desde o dia 23/1/2011, aquando da entrada do Tony Teixeira. "Questões processuais" (que ele entende, até por que é advogado) impediram a sua entrada automática... Por outro lado, ele tem uma vida profissional muito ocupada e, em boa verdade, não é grande fã das redes sociais e dos blogues... Mas já cá está, finalmente: é o grã-tabanqueiro nº 633 (**). Trata-se apenas de reparar um lapso do editor...

PS - Durante um ano (1971/72), ele também foi alf mil at inf na CCAÇ 3398, em Buba. Quando regressou de férias, em meados de 1972, tinha "passaporte e bilhete marcados" para  Bedanda, sede ds africana CCAÇ 6.

Guiné 63/74 - P12406: Bom ou mau tempo na bolanha (38): Um silêncio abandonado (Tony Borié)

Trigésimo oitavo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



Já passava da uma hora da manhã, eram quase duas, no aquartelamento de Mansoa, felizmente nada se ouvia. O Cifra estava de serviço das suas tarefas, a temperatura era quente e húmida, como sempre não trazia camisa, mas transpirava mesmo, tinha consigo um púcaro dos do café, que alguém trouxe para o centro cripto, e que todos usavam, com alguma água tirada de um barril do vinho, que com o tampão de cima removido, servindo de tampa, era utilizado como depósito da água, que quase todos os dias alguém mudava. A garrafita da coca-cola, que era a sua companheira nos últimos meses de comissão, que continha tudo, menos coca-cola, estava lá dentro, vazia, ao lado do maço de cigarros “três-vintes”. Não corria nenhuma aragem, o Cifra estava cá fora sentado no patamar de cimento, que havia em frente ao centro cripto, o outro militar, que estava nas suas tarefas de receber mensagens, na porta ao lado, onde funcionava o centro de transmissões, ressonava, era bom sinal, não havia mensagens, e não havendo mensagens, eram boas notícias, era sinal de que tudo devia de estar a correr em silêncio, sem combates, feridos ou mortes.


O Cifra, olha em volta de si e, na escuridão, que não era muito acentuada nessa altura do ano, verifica que estava tudo num silêncio abandonado, não havia qualquer sentinela, estavam nessa altura na colocação do arame farpado no lado sul. Já havia alguns abrigos, mas o resto de onde iria ser o novo aquartelamento, era um deserto, aberto, livre e, se um guerrilheiro, com o mínimo de treino militar, quisesse entrar dentro do que iria ser o novo aquartelamento, não só entrava, como até podia ir ver se havia um bocado de pão na cozinha improvisada do Arroz com Pão, que era o cabo do rancho, onde o Cifra ia quase todos os dias roubar um naco de pão. O Cifra, como era um razoável militar, mas um fraco, mesmo fraco guerreiro, com estes pensamentos, por momentos ficou arrepiado, olhou em seu redor e fugiu para dentro do centro cripto, como que a proteger-se e, já fechado lá dentro, continuou a pensar na sorte que tinha e na improvisação que eram as instalações militares em seu redor.


Estávamos numa guerra, onde quase tudo era improvisado e que alguém, ninguém sabe quando e como, começou, sem saber quem e como, a ia acabar. Alguns de nós tivemos única e simplesmente sorte, em regressar a Portugal vivos.

Tony Borie, 2013.

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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12366: Bom ou mau tempo na bolanha (37): Temos boca, falamos (Toni Borié)

Guiné 63/74 - P12405: Convívios (553): Convite: dia 15, às 15h, no Centro Comunitário do Casal das Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras, para um abraço fraterno, natalício e de mata-saudades (João e Vilma Crisóstomo, vindos de Nova Yorke a caminho da Eslovénia onde vão passar o Natal)


Anúncio, original, mandado publicado no jornal regionalista "Badaladas" (Torres Vedras), pelo  nosso João Crisóstomo, butler (mordomo), de profissão, a viver a Nova Iorque desde 1975, e recém casado, em segundas núpcias,  com a eslovena Vilma Kracun (20/4/2012).  O casal, de passagem por Portugal, marcou  encontro com a família e os amigos do João, no Casal das Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras, no dia 15 do corrente pelas 15h.

Recorde-se que a  história de amor da Vilma e do João já tinha sido publicada em The New York Times, de 28/4/2012, e antes disso no nosso blogue. E chegou também, mais recentemente, à imprensa portuguesa (Expresso, 24/8/2013).

O João Crisóstomo...

(i) é  natural de A-dos-Cunhados, Torres Vedras;
(ii) foi alf mil, na CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/66);
(iii) vive em Nova Iorque desde 1975;
(iv) é um mediático ativista comunitário, tendo estado ligado à defesa de três causas que tiveram repercussão internacional e que nos  dizem muito, a nós, portugueses (gravuras de Foz Coa, independência de Timor Leste e memória de Aristides Sousa Mendes); e, não menos importante,  (v) integra a nossa Tabanca Grande desde 26 de julho de 2010.



1. Mensagem de 3 do corrente, enviada pelo nosso camarada e amigo João Crisóstomo:

Caríssimos amigos,

Desculpem este e-mail que apenas envio por me ser impossível telefonar directamente como eu gosto de fazer.especislmente nesta época do ano.

Seria alegria grande para mim poder dar um abraço a todos os meus amigos, mas ... não me é possível, como podem verificar. Envio pois cópia de um anuncio que pus e saiu no jornal Badaladas de Torres Vedras, minha terra natal, que espero seja elucidativo 

Seria presunção da minha parte esperar deslocações grandes dos meus amigos só para um abraço, embora isso fosse alegria grande para mim. Mas, para o caso de alguém estar por perto...

Não levem a mal este meu grito de saudação. Serve para dizer a todos, quer estejam presentes ou não, que os não esqueço nesta época festiva e a todos envio um grande e caloroso abraço de amizade e bons desejos. extensivos aos queridos de cada um. 

Boas Festas e um 2014 maravilhoso para todos vocês..... (E se puderem, apareçam por lá no dia 15, é um domingo!!!).

João e Vilma

2. Comentário de L.G.:

João,  conforme a nossa conversa ao telefone, hoje, está garantida a  nossa presença, minha e da Alice, no sítio combinado, dia 15, às 15h. E só espero que mais amigos e camaradas se possam juntar aos teus familiares e amigos para juntos podermos fazer uma pequena grande festa de Natal!... O Eduardo Jorge Ferreira, nosso grã-tabanqueiro e também teu conterrâneo, já respondeu afirmativamente á chamada. Um beijinho para a Vilma. Um abração para ti. Façam boa viagem até à nossa santa terrinha! Até ao dia 15! Luis

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12404: Condecoração de Ex-Combatentes em 04DEZ2013 no Depósito Geral de Material do Exército (Jorge Araújo)

1. O nosso camarada o Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger a, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74), enviou-nos a seguinte mensagem.

CONCESSÃO DE MEDALHA COMEMORATIVA 
DAS CAMPANHAS

Condecoração de Ex-Combatentes em 04DEZ2013 no Depósito Geral de Material do Exército

I– A CERIMÓNIA SOLENE

Na passada quarta-feira, dia 04Dez2013, participei na cerimónia solene de imposição de «Medalha Comemorativa das Campanhas», na qualidade de agraciado, na sequência da convocatória endereçada pelo Depósito Geral de Material do Exército, através de ofício datado de 13Nov13, no momento em que se aproxima a data do quadragésimo aniversário do nosso regresso da Guiné, ocorrido em Abril/1974.

Na cerimónia da concessão de medalhas, iniciada pelas 15:00 horas nas instalações da unidade militar acima citada, sediada na Estrada do Infantado, em Alcochete, marcaram presença três pelotões que, perfilados diante da tribuna, fizeram a Guarda de Honra aos que deram origem à realização do acto solene – os Ex-Combatentes.

A concessão da Medalha Comemorativa das Campanhas foi conferida a um total de vinte e quatro ex-militares que, por terem sido combatentes num dos diferentes T.O. [ou ex-Províncias Ultramarinas], a ela adquiriram, por direito próprio, a sua atribuição.

Presidiu à cerimónia solene o Exmo. Director do DGME, Cor Ad Mil. Rui Alexandre de Castro Jorge Ramalhete, que contou ainda com mais alguns Oficiais Superiores, todos eles participantes na imposição das condecorações, a saber: Subdirector do DGME, TCor Eng Mat António José dos Santos Martins; TCor Jorge Pereira; Major José Luís dos Santos Salsinha Ninitas; Cap Paulo Jorge Paulino Barata; Cap Alcino Fernando Cardoso Santos e Cap Carlos Manuel Fernandes Martins.

Na sua alocução de abertura, o CMDT do DGME, Cor Rui Ramalhete, saudou, em seu nome e no da sua unidade, todos os presentes designados para receber a condecoração, exaltando o papel dos ex-combatentes das diferentes armas, no seu superior desempenho além-fronteiras, particularmente aqueles que combateram nas ex-colónias.

Seguiu-se a cerimónia das condecorações, organizada segundo o T.O. onde foi prestada a comissão de serviço, de acordo com a seguinte ordem: Índia, Angola, Moçambique e, por último,Guiné. Concluída a cerimónia de condecorações, a força perfilada na parada desfilou diante da Tribuna onde se encontravam as Autoridades Militares, os Ex-Combatentes e alguns dos seus familiares que assistiram ao acto, conferindo-lhe um sinal de dignidade que o contexto justificava. 

Para encerrar a cerimónia, teve lugar uma pequena confraternização nas instalações sociais do DGME, onde interagiram os actuais Quadros Superiores do Exército daquela Unidade e os Ex-Combatentes, tendo sido servido um Porto de Honra.

II– OS CONDECORADOS

Como elemento meramente estatístico, procedemos à elaboração de um quadro de frequências, tendo por base a distribuição do universo dos Condecorados [vinte e quatro] por duas variáveis categóricas: a ex-Província Ultramarina onde foram combatentes e os anos [período] em que decorreu cada uma das comissões de serviço. 

Da análise quantitativa dessas variáveis, foi elaborado o presente quadro.

Como curiosidade, é de referir que o Condecorado da Campanha da Índia – o ex-Soldado Leonel Augusto Costa da Silva –foi feitoprisioneiro em Goa no dia 19Dez1961, ou seja, há cinquenta e dois anos.

Outra situação assaz curiosa, agora da Guiné, foi revelada pelo Condecorado ex-Soldado Joaquim Guerreiro Felicidade, da CCAÇ 622 [1964/1966], que, tendo estado no Xitole o tempo completo da sua comissão, nunca conheceu o Xime, pelo facto do seu desembarque, e depois embarque para Bissau, ter acontecido em Bambadinca a bordo de uma L.D.M. [Lancha de Desembarque Média]. Revelou, também, que as suas férias na Guiné foram passadas em Bafatá.

III– A MEDALHA COMEMORATIVA DAS CAMPANHAS

A medalha que abaixo se reproduz foi o exemplar distribuído na cerimónia. Trata-se de um desenho que foi aprovado em 2002, com imagens nos dois lados da medalha: anverso e reverso.

O anverso contém:

Emblema Nacional rodeado de um listel circular com a legenda «CAMPANHAS E COMISSÕES ESPECIAIS DAS FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS», em letras de tipo elzevir, maiúsculas, e a legenda cercada de duas vergônteas de louro, frutadas e atadas nos topos proximais com um laço largo, encimando este conjunto, uma coroa mural de cinco torres.

O reverso contém:

Um disco tendo, na parte superior, uma Bandeira Nacional; sobrepostas a ela, e medindo quase todo o diâmetro, as figuras de um soldado do Exército, à dextra, um soldado da Força Aérea, ao centro, e um marinheiro da Armada, à sinistra, de pé e firmados num pedestal; o disco rodeado da legenda «ESTE REINO É OBRA DE SOLDADOS», em letras de tipo elzevir, maiúsculas, num listel circular, rematado inferiormente por um laço largo; encimando este conjunto, uma coroa mural idêntica à do anverso.

IV– AS IMAGENS

Como reforço das palavras escritas, apresentam-se algumas imagens do desenrolar da cerimónia.

Foto 1 – Tribuna dos Ex-Combatentes do Exército condecorados [vinte e quatro].
 Foto 2 – Colectivo dos Oficiais do DGME presentes na cerimónia.
 Foto 3 – Grupo dos militares do DGME que fizeram a Guarda de Honra e o desfile.
 Foto 4 – Outro aspecto do grupo dos militares do DGME.
 Foto 5 – Outra imagem dos militares do DGME.
 Foto 6 – Os Ex-Combatentes já condecorados, assistindo ao desfile militar.

Foto 7 – Porta-de-armas do Depósito Geral de Material do Exército [DGME], sito em Alcochete.

Nesta oportunidade, aproveito para enviar a todos os tertulianos um forte abraço e votos de boa saúde.

Jorge Araújo.
06Dez2013.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste do mesmo autor em: 


Guiné 63/74 - P12403: O que é que a malta lia, nas horas vagas (9): O único título que lembro é o "Diário de Lisboa" (Vasco Pires)

1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72) com data de 4 de Dezembro de 2013:

Caríssimos Luís e Carlos,
Cordiais saudações.

Excelente a ideia: O que a malta lia..., para melhor documentar o nosso quotidiano em terras Africanas. Lamentavelmente, pouco posso colaborar, pois, apesar do meu pai se preocupar com a minha saúde, física e mental, enviando regularmente, alimentos, jornais, revistas e livros, o único título que lembro é o "Diário de Lisboa", também não encontrei no fundo do baú nenhuma foto lendo (também não tem nenhuma com canhão).

Mas, como disseste noutra data: "as palavras são como as cerejas", associado com a campanha do "NÃO ao Acordo Ortográfico", pensei na língua que a malta vai ler (escrever).
Plenamente consciente, que a minha opinião é minoritária, gostaria de fazer algumas perguntas.

Qual a língua que queremos, não diria para os nossos filhos, mas, para os nossos netos e bisnetos?
Uma língua que escreveremos "Orgulhosamente sós", como o homem de Santa Comba, mandou "martelar" os nossos ouvidos?
Ou pelo contrário, escreveremos numa língua de mais de 200 milhões de pessoas, praticada em todos os Continentes, uma das mais usadas línguas ocidentais?
Uma língua que pode ser ensinada em qualquer Universidade do mundo, simplesmente como LÍNGUA PORTUGUESA, e não mais como Português daqui ou dali?

"A minha pátria é a língua portuguesa", ao recusar o Acordo, não estaremos reduzindo a pátria do Senhor Nogueira Pessoa?
O acordo não é a "arte do possível"?
Ou será que que cinco Séculos depois, ainda pensamos que é nossa missão "dilatar a fé e o Império"?

A propósito, sou a favor do Acordo Ortográfico!
Alguns médicos médicos andam dizendo que a polémica, ajuda a afastar o "Doutor Alemão". Será?

Forte abraço a todos
Vasco Pires
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Notas do editor

Imagem do DL, com a devida vénia à Fundação Mário Soares

Último poste da série de 6 de Dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12398: O que é que a malta lia, nas horas vagas (8): As minhas leituras em Bajocunda (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P12402: Controvérsias (129): Pequena reflexão


1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem.

Pequena reflexão

Hoje venho exercitar a função de copy / paste dum texto meu no facebook mas que teve na sua génese um conjunto de opiniões que me pareceram pouco consistentes com uma postura mais digna de ex combatentes ao lado dos quais tive muito orgulho em combater e com quem, periodicamente, também relembro e conjecturo sobre o passado.

A tarefa é-me difícil pois pode criar mal-entendidos mas esse é o risco que quero correr.

Caríssimos camaradas, não misturemos as coisas!

No real confronto com um cenário de guerra, todos nós fomos actores de atitudes, gestos, opiniões enfim, das quais hoje não nos orgulharemos, mas que nem por isso deixaram de fazer parte do nosso ADN alterado com essa dura realidade. 

A temática "minas" é uma daquelas à qual não se passa indiferentemente quer na perspectiva de quem as montou, de quem as desmontou, de quem por elas cravou os dentes na terra e se retorceu com as dores, quer mesmo daqueles que viveram aqueles horrores apenas pelo som das detonações...

Tudo isso alterou o tal nosso ADN psicológico ( para não falar de outros ) mas temos que continuar a viver sem falsos pudores pois fomos coagidos a fazê-lo.

Não nos martirizemos com esse passado, de nada nos valendo agora atirarmo-nos como gato a bofe a gajos que não tiveram nada a ver com isso!

Os nossos políticos, por exemplo, são uma camada de putos imbecis que nem à tropa foram pelo que não podem ser intitulados de cobardes ! Refiro-me à enorme maioria que hoje engrossam as fileiras dos partidos desde a extrema esquerda à extrema direita!!

O nosso problema deve ser outro ! Por razões que os sociólogos melhor nos explicarão, o povo português tem nas suas características intrínsecas, coisas absolutamente extraordinárias mas também ostenta genes da mais baixa índole dentre os quais menciono a maledicência, a inveja perante o sucesso dos outros e a incapacidade total de elogiar o parceiro do lado e de o aplaudir.

Pelo contrário, somos mesquinhos e isso reflecte-se de geração em geração e agora, cá estamos a zurzir as nossas frustrações nas orelhas de inocentes... Para quem me estiver a ler, não confunda ! Estamos a falar de guerra e de minas e nada mais!!!

Confrontemos os nossos (des)governantes com as actuais políticas e sobre isso exijamos-lhes responsabilidade e punição pelas atitudes dolosas!

Tudo o mais, ao aceitarmos entrar numa discussão de culpabilização tipo caça às bruxas, põe-nos ao nível deles.

Eu não entro nessa.

Abraços para todos e bom Natal para cada um e respectiva família.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 



Guiné 63/74 - P12401: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (9): Fotos 6, 7, 10 e 12: rua do cinema, parque infantil, rua das libanesas, porto fluvial, Rio Geba



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 6 A


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 6


FOTO 6 > Uma das ruas principais, onde ficava o cinema. Legenda:

1 – Mercado.

2 – Monumento ao governador Muzanty.



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 7



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 7 A

FOTO 7 > Recinto com a estátua do 1º Tenente da Armada e Governador da Guiné, João de Oliveira Muzanty,  e um parque infantil. Atrás vêm-se os muros da piscina.



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 10



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 10 >

FOTO 10 > Rua onde se situava a sede do Batalhão [, na época, o BCAÇ 2856, 1968/70). Legenda:

1 – Sede do Batalhão.

2 – Café das libanesas.

3 – Casa do tal Sr. Camilo, empresário, que costumava oferecer uns lautos jantares a todos os oficiais de Bafatá.



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 12






Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 12 A


FOTO 12 > Porto fluvial e ponto de encontro das lavadeiras, na margem direita do Rio Geba. Legenda:

1 – A estátua do governador Muzanty.

2 – Piscina.

Fotos (e legendas): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12384: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (8): O café do sr. Teófilo (Parte IV): Um homem sempre bem informado.. (Manuel Mata, ex-1º cabo, Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71)

Guiné 63/74 - P12400: Blogpoesia (362): Homenagem a Nelson Mandela (1918-2013): Invictus, de William Ernest Henley (1849-1903)

[ Foto à esquerda: Frederik de Klerk e Nelson Mandela apertam as mãos no encontro anual do Forum Económico Mundial, em Davos, janeiro de 1992].

Copyright World Economic Forum.  (Cortesia de Wikipedia)
1. Invictus [, do latim, invicto, nunca vencido] foi o poema, da autoria do poeta inglês, vitoriano,  William Ernest Henley (1849-1903), escrito em 1872 mas só publicado em 1892, que ajudou Nelson Mandela (1918-2013) a sobreviver na prisão, durante 27 anos,  e a acalentar o sonho da liberdade e da justiça para todos os homens e mulheres da África do Sul, sem distinção.  Uma singela homenagem do nosso blogue à sua memória, e à sua grandeza como homem e como africano. L.G.

Invictus

Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

 Fonte: Poets.org, The Academy of American Poets   (com a devida vénia...)

Invicto

No coração da noite que me envolve,
Negra como a mina de carvão, de uma ponta à outra,
Agradeço aos deuses, se é que existem,
Toda esta minha alma indomável.

Perante as garras cruéis da adversidade
Eu não estremeci nem gritei.
Sob os golpes da má sorte,
A minha cabeça sangra, mas continua levantada.

Neste vale de lágrimas e gemidos,
Só o horror das trevas se descortina,
Mas eu não me vergo, nem me vergarei,
Apesar do peso dos anos em cima dos meus ombros.

Pode ser estreita a porta de saída,
Pode ser pesado o rol das provações,
Eu sou dono e senhor do meu destino,
Eu sou o capitão da minha alma.

(Tradução livre, e apressada,  de L.G.)

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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12361: Blogpoesia (361): "Ilusões" (António Eduardo Ferreira)

Guiné 63/74 - P12399: Notas de leitura (541): "Contos de Guerra", de Guilherme Alpoim Calvão e Sérgio A. Pereira (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Julho de 2013:

Queridos amigos,
Ainda hesitei se não devia prolongar esta recensão, tais e tantos são os bons parágrafos destes contos em que Alpoim Calvão escreveu na primeira pessoa, estão aqui os feitos das suas duas comissões da Guiné.
Tudo respira sinceridade: a agilidade dos homens a penetrar na mata, as sensações de sede cansaço, contagiantes, a vigilância de tigres antes do ataque, os redutos do inimigo que, afinal, não são inexpugnáveis.
Há para ali uma arte em saber abrir o conto, desenvolvê-lo e concluí-lo, uma exultação do comandante à vontade indómita dos seus homens. Palavra de honra, estão ali contos que mereciam ser reorganizados, tanta é a inspiração e o talento de quem o escreveu.
Que grandes contos!
Que desperdício cultural não os republicar!

Um abraço do
Mário


Alpoim Calvão na primeira pessoa (2)

Beja Santos

Um dos mais brilhantes oficiais da Armada, altamente condecorado e louvado, nomeadamente pelos seus feitos em duas comissões na Guiné, polémico, por vezes irascível, manifestamente dotado para a escrita, como já comprovara nos seus relatórios logo a partir dos acontecimentos em que esteve envolvido na Operação Tridente, andou décadas a prestar esclarecimentos sobre a Operação Mar Verde, o seu contributo no MDLP, operações avulsas, levando a crer que se recusava a redigir a versão dos acontecimentos. Faz comentários, dá entrevistas, colabora em livros escritos pelos outros, no entanto parece tímido em não se expor na primeira pessoa. E, no entanto, em 1994, numa edição de autor, Guilherme Alpoim Calvão falou de si, embora camuflado através de um alter-ego. Em “Contos de Guerra” podemos sentir que se perdeu um escritor, embora seja de admitir que Calvão temesse deixar-se subjugar pela onda emocional, caso tomasse a resolução de escrever, de fio a pavio, todas as suas memórias de campanha. Em “Contos de Guerra” sente-se que por vezes deixa essa emoção à rédea solta. Ele é o comandante que aparece em todos os contos. Esse comandante, à vista de Lisboa, no regresso da comissão militar, sente uma angústia a oprimir-lhe o peito: está a chegar a hora da separação. A memória parece uma hélice em vertigem, recorda tudo o que deve aos seus homens, recorda a sua bravura, o espírito de sacrifício, a sã camaradagem, a alegria do cumprimento da missão. Este relato será muito provavelmente a imagem que Calvão tem de si, no final da obra:
“Sorri, ao lembrar-se da irreverência respeitosa de alguns e da permanente boa disposição de todos. Vê-os mais uma vez, debaixo de fogo, os dentes serrados e avançando sempre. Quantas vezes, foi o exemplo dos homens que o fez seguir!
E sente-se unido a eles por laços imarcescíveis; sente-se amalgamado com eles, no indefinível espírito da unidade. Obrigado, meus amigos!
A noite caiu completamente. À popa, olhando a esteira luminosa que o navio ia tecendo, o comandante sentiu um ronco de choro a farfalhar-lhe na glote. Lágrimas de emoção rolaram-lhe pelas faces. Não sentiu pejo nelas. Porque às vezes as lágrimas não envergonham os homens. Antes os engradecem!”

Ao longo dos contos, a parte mais sólida da obra – já que as reflexões atribuídas a um capelão são mal confecionadas, muitas vezes desajustadas, chegando mesmo ao ridículo – os homens estão em combate, ou a caminho e por vezes na espera. E há combates que demoram horas. No rescaldo, o comandante sente-se recompensado, acredita na nobreza daquela guerra, a ela se entrega nos limites da generosidade. É provável que o que escreveu aqui se baseie em acontecimentos reais vividos na ilha do Como, faz todo o sentido: 
“No acampamento, o comandante contemplava o pôr-do-sol. Pinceladas mágicas enchiam de maravilhosos tons (ouro e vermelho) o céu lá, para as bandas do poente.
Alguns pássaros, saltitando e esvoaçando nos ramos das árvores, cantavam arrebatadamente as benesses e os encantos da criação. Olhou para as palavras que acabara de escrever em amarrotada folha de papel: nelas procurara exprimir toda a veneração, toda a fraternal amizade que lhe mereciam os seus homens. Chamou-os e fê-los sentar à sua volta: simples, humildes e bons. Mas também grandes, heróicos e generosos. Com a voz escurecida pela emoção do momento, leu os louvores que lhes concedera”.

É um contista exímio, tem a noção exata do que é um bom arranque e como se dá uma contextualização:
“A base estava muito bem escondida no meio da mata frondosa e verde. Mais de quarenta casas, alinhadas e vivas, enquadravam uma parada de terra batida, tudo completamente protegido pelas árvores, longe de olhares indiscretos dos aviadores que, como abelhas teimosas zumbiam às vezes por cima, num esforço de penetrar visualmente as massas da folhagem.
Era uma base de treino e de repouso. Situada na forquilha de dois rios, estava praticamente ao abrigo de ser atacada pela tropa. Além do mais, todos os acessos dispunham de postos de vigias, e só efetivos muito grandes poderiam criar dificuldades aos numerosos grupos de guerrilheiros que ali vinham a aprender táticas e armamentos novos e descansar”. O ataque à base será um êxito, levarão de vencida a resistência inimiga, indiferentes ao vendaval de fogo os fuzileiros irão vencer, encontrarão na base armas, munições, medicamentos e mantimentos. E assim se conclui:
“Fora violado o santuário e desfazia-se assim o mito. Esse ente sublime e belo, desejado porque difícil de encontrar, querido porque faz palpitar de alegria o coração dos homens, a vitória, sorrira mais uma vez à nossa gente”.

Haverá uma noite de Natal, celebrada na Guiné, dá nova oportunidade a que conheçamos a têmpera do comandante quando este faz uma alocução aos seus homens:
“A nossa unidade não é apenas mais um destacamento de fuzileiros. Não! A nossa unidade vive, palpita, respira e tem vontade própria! Tem um querer enorme, irresistível, poderoso, que vocês criaram, numa realização admirável! Vós, que vindos de todos os recantos da nação, sois bem os representantes do nosso povo, desse povo bom, sofredor, nobre e simples, capaz dos mais extremos sacrifícios e das mais belas ações! Vós sois o povo! Vos sois a Pátria!”.
Os fuzileiros rejubilam e gritam hosanas ao seu comandante.

Vejamos um outro conto e como arranca, tão fluído, logo a cativar o leitor:
“Agachados no capim, observavam os movimentos dos dois vigias que se aproximavam com ar atento e desconfiado. Deviam ter ouvido o ruído da lancha e vinham averiguar o facto. Os homens continuavam imóveis e alguns deles mantinham sob a visada das armas os dois inimigos que, a cada passo, encurtavam a distância que os separava do fim”.

“Contos de África” é um livro injustamente esquecido, quando possui parágrafos belíssimos, autobiográficos, vigorosos. Há sempre lanchas que percorrem os rios, desembarques, envolvimentos, tiroteios, assaltos. São contos dedicados a atos heroicos de fuzileiros. Por vezes, o comandante erra, descura regras de segurança e nesses momentos fica muito só. Aqueles militares são solidários. O autor, a propósito, explica ao leitor a especificidade daquela guerra, assim:
“Quem já andou na Guiné, quer por prazer cinegético, quer por obrigação militar, sabe o que significa andar no lodo. Põe-se o pé com toda a cautela na superfície escura e escorregadia e afundamo-nos até à coxa. Sente-se uma ventosa que suga as pernas e as prende ciosamente. O esforço necessário para dar um passo é violentíssimo e muitas vezes a prisão do lodo apodera-se das botas e há que caminhar descalço. Se por acaso o lodo é mais fluido e o homem se enterra até ao peito, é preciso desatolá-lo e ensinar-lhe a nadar no lodaçal que se agarra à roupa e à pele, cobrindo de uma estranha película que o calor do Sol transforma em carapaça quebradiça e a água tem dificuldade em lavar”.

Que bom seria que Alpoim Calvão refizesse e tonificasse estas memórias plenas de sinceridade e primorosamente escritas!
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12377: Notas de leitura (540): "Contos de Guerra", de Guilherme Alpoim Calvão e Sérgio A. Pereira (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12398: O que é que a malta lia, nas horas vagas (8): As minhas leituras em Bajocunda (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 3 de Dezembro de 2013, a propósito do que a malta lia nas horas vagas:

As minhas leituras na Guiné

Lembro-me muito bem do meu primeiro livro, que recebi com muito pouca idade idade, ainda não sabia ler. Intitulava-se "O Gato das Botas Altas", tinha braços e pernas que se destacavam do corpo do livro, que era muito bem ilustrado, e abordava qualquer coisa sobre cavalaria, mosqueteiros, afecto, honra e bravura.

Acompanhou-me durante muitos anos, porque era esteticamente muito bonito, e despertava em mim sentimentos de virtude.

Lembro-me de ter lido, ainda muito novinho, uns poemas do Afonso Lopes Vieira, com dedicatória na primeira página à minha mãe. Teve um qualquer descaminho que não identifico, mas deixa-me triste. Também me lembro de outro título da minha mãe, "O Cão dos Baskerviles" que me transportava para os mistérios dos campos de "cottages" e palacetes da "Old Albion". Pelos meus 14 anos passei por uma crise de intelectualidade, e com dois amigos (Almeida e Sousa e Solano de Almeida) tentámos escrever teatro, mas as performances eram tão más, que não concluímos nada. Por essa época, ainda tentei a literatura de cordel, talvez inspirado na colecção FBI, e foi outro desastre. Até à mobilização não voltei a experimentar a verve com pretensões de escrita.

Depois, com o despertar da atenção para o belo sexo, passei a sonhar ser estrela de futebol, e com os rios de dinheiro e a fama consequentes, a impressionar as garotas mais lindas. Quase não lia, nem estudava, nem cabulava, mais a mais convencido do risco cada vez mais próximo de levar um balázio que me mandasse p'rós anjinhos, levava uma justificada vida existencialista, com salpicos de "make love not war", pelo que registei um notório abrandamento nas leituras, quaisquer que fossem. E os chumbos passaram a adornar o c.v., até que o namoro com uma menina leitora de poemas e romances, fez com que encetasse nova incursão pelas letras para não ficar pior na fotografia.

Até que chegou a tropa, e a necessidade de viver intensamente, não fosse o diabo tecê-las. Ora, a intensidade de viver assentava no máximo aproveitamento das paródias que, a recruta primeiro, a especialidade e o curso de "mines and bloody tracks" depois, ainda nos permitia alguns devaneios e desafios físicos. Portanto, esse período correspondeu a novo interregno intelectual, coisa sem importância, tendo em conta que a proposta se refere ao tempo passado na Guiné.

Muitas bebedeiras e outros excessos, mais cinco dias de brandas correntes marítimas foram necessários para, a partir do Funchal, chegarmos a Bissau. E que grande era a cidade! Dos Adidos para a cidade e para os bares, com excepção de um dia de guarda a um posto de rádio, que não aproveitei no sentido do tema proposto, foi outra a dedicação, até que uns vinte dias depois fomos entregues em Piche aos cuidados do destino. O Zé Tito, companheiro da juventude, que fez o grande favor de me acompanhar ininterruptamente desde o assentamento de praça, descobriu um excelente quarto com duas camas vagas, comummente conhecido pela suite 3. Olá Águas! Olá Tubaco da Selva! Olá Costa! O Tubaco levou-me atrás de uns armários, abriu uma mala cheia de livros, que disponibilizou, mas alertou-me para o generalizado gosto pelas fotonovelas, e que tudo ficava ao dispor.

Se em Roma devemos ser romanos, eu, que levava uma vida operacional intensa, não tinha sobras de tempo para a valorização espiritual e intelectual, pois, que me lembre, durante os primeiros seis meses, e em Piche, não houve noite que me deitasse na cama, sem evitar o estado ébrio. Comia-se mal, mas, a respeito de bebidas... ficamos conversados. Ainda assim, li algumas coisas, de Remarque a Eça, de Amado a Gorki.

Lia, naturalmente, as cartas quase diárias da namorada, e outras mais espaçadas da família e amigos. Não era literatura, mas constituía consumo ávido. Entretanto, logo que me foi atribuído o número de SPM, assinei o jornal cor-de-rosa, onde esgrimavam os mais ferozes anti-situacionistas e revolucionários da época, de que destaco Sottomayor Cardia (já não arde) e António Barreto, que espingardavam contra quaisquer indícios de poder, ambos bem assimilados com os primeiros alvores vulgarmente confundidos com a democracia. Confundidos? Obviamente!

A Democracia exige atitude permanente, participação popular sobre as decisões que lhe diga respeito (à massa popular), e nesse estádio anémolas como Sócrates, Coelho e Portas não poderiam, sequer, imaginar o que andam por aí a fazer. Mas isso não se tem conseguido ler com a objectividade necessária.

Em Bajocunda, a tropa passou a viver outro intimismo, e já eram mais frequentes os períodos de leitura.

Pela minha parte li com especial proveito o "Porque Não Sou Cristão", de B. Russel, que foi determinante para consolidar a minha "fé" ateísta.
Também li Brecht, Barthes, Régio, Torga, E. Veríssimo, Buck, e o indispensável Larteguy, entre outros.

Havia, portanto, diferentes apetites de leitura, que podiam ser, tanto de índole formativa, como lúdica, com mais ou menos interesse literário.

E havia, por vezes, algum debate sobre obras que nos sensibilizavam. Lembro-me de uma noite no meu quarto, onde o Jorge, todo nu, lá de cima dos seus quase dois  metros, declamava Brecht perante a atenção dedicada e surpreendida dos restantes furriéis, encontravam naqueles versos uma espécie de aliança pela paz.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12395: O que é que a malta lia, nas horas vagas (7): A prestigiada revista "Vida Mundial" (Manuel Mata, ex-1º cabo, Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71)

Guiné 63/74 - P12397: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (6): O casamento do Jaime e da Manuela, A macaca ciumenta e O dia de santo avião

ÚLTIMAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 6

Por Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65)

O casamento do Jaime e da Manuela 
E o caso da macaca ciumenta 

O Jaime Vieira Segura e a Manuela (Maria Manuela Gonçalves Moreira Eusébio), natural de Paredes, casaram-se na Catedral de Bissau, local muito frequentado pela muito devota mãe de Amílcar Cabral, no dia 13 de Abril de 1964, um mês após o regresso da maldita Ilha do Como.
Presidiu ao acto o Tenente Capelão do Batalhão 490, Padre Serafim Alves Monteiro da Gama. Foram padrinhos o alferes Rui Ferreira (António Rui Diógenes de Noronha Ferreira, meu grande amigo, a viver em Faro, no Algarve) e uma prima deste, também goesa, que vivia em Bissau.
Eu estive presente e fui mestre de cerimónias, ajudando-os a cumprir os rituais…
Foi possível a cerimónia, porque tanto o noivo, como o Rui e eu nos achávamos a repousar na fortaleza da Amura do ciclópico esforço e enorme e natural desgaste despendidos na operação “Tridente”, onde abundavam as rações de combate e a água que obtínhamos dos pocecos feitos, era salgada…

Catedral de Bissau
Foto: © J.F. Robalo Borrego. Todos os direitos reservados. [Edição: CV]

Não houve boda. Era dia de semana. Essa parte festiva decorreu no domingo seguinte em casa do Jaime Segura. Situava-se na Rua Principal de Bandim. mesmo defronte do buliçoso e ruidoso mercado indígena, numa enorme mescla de sabores e cores garridas, onde as mulheres negras e as bajudas de rijos seios empinando as floridas blusas vendiam de tudo um pouco.

Jaime Segura era um audaz combatente, um bom comandante de homens, cometeu alguns feitos na Ilha do Como, o que levou a ir, ainda nesse mês de Abril, para os Comandos, onde, entretanto, o havia de ir buscar o capitão Arrabaça, desafiando-o: “Abadone os Comandos e eu dou-lhe autorização para para formar um Grupo de Comandos dentro da minha companhia [488]. Você pode escolher quem quiser, mas peço-lhe que fique comigo!”. Lá seguiu para Jumbembem, onde esteve operacional, até que, em Junho de 1964, era transportado de helicóptero para Bissau. O destino final era o Porto, onde, no dia 10 de Junho, era condecorado com a Cruz de Guerra… mas recebia outro prémio. No aeroporto, surgiu-lhe o Brigadeiro Sá Carneiro (tio do falecido Sá Carneiro) que lhe fez este inesperado anúncio: o Governador e Comandante-Chefe tinha-o escolhido para seu Ajudante de Campo, de modo que, quando regressasse a Bissau, deveria ir ao Palácio do Governo falar com o então Brigadeiro Arnaldo Schulz, meses depois promovido a General.

Quando chegou a Bissau havia de ser acometido por fortes dores na barriga.Tendo ido ao hospital, os médicos extraíram-lhe o apêndice. A cirurgia correra bem. Só que, passados dias, ao retirarem os agrafes, estavam tão seguros que levaram atrás de si pedaços de carne. Resultado: uma infecção, que levou 30 dias a curar. Só após este período, se apresentou. Teve direito a dois gabinetes: um no Palácio, outro no QG (Quartel General). Serviço: todos os dias, até sábados e domingos, tinha de ler os perintreps, enviados pelas companhias, ver locais onde houve combates e assinalá-los com os diversos alfinetes de cor num enorme mapa da Guiné, que cobria as duas paredes da sala secreta de reuniões, onde todos os dias reuniam as altas esferas militares (coronéis) dos três ramos das Forças Armadas que decidiam o que poderia ser feito nos dias seguintes. Era o alferes das bandeirinhas, de uma guerra mais longe.

Quanto ao serviço de transportes, não era tarefa fácil para o Fernando Correia, que acabara por ser colocado no Quartel General como responsável pelo sector dos abastecimentos. Ou fosse na 2.ª Secção de Transportes da 4.ª Repartição, após a apresentação do relatório do médico que o operara. Isso permitiu que trouxesse para Bissau a noiva e fosse viver com o Jaime Segura e a Manuela, primeiro, numa casa na estrada de Bor, depois mais na baixa da cidade. Amigos de animais, tinham no pátio macacos e uma macaca ciumenta. Tanto que quando, de propósito, o Jaime e a Manuela se abraçavam, acariciavam ou beijavam, a macaca, enfurecida, qual fêmea traída, pegava no que tinha à mão, até merda, e arremessava-lhes.

Não era obra fácil o serviço de transportes, era necessário alugar os barcos e contactar os comerciantes, mas seguramente melhor do que eu estar em Jumbembem.

Um e outro não podiam estar melhor, viviam o ambiente da cidade, longe dos tiros. Mais tarde, o alferes Fernando Correia foi viver mais para o centro da cidade, junto ao Grande Hotel, com o Tony Magalhães, que trabalhava no sector da administração do QG.

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O Dia de Santo Avião

Eu era o mais antigo oficial miliciano da Companhia. Os outros eram por ordem decrescente: António José Orlando Bretão, Armando Graça da Cruz e Inácio Gonçalves Rodrigues Casinhas. Quando o capitão Correia Arrabaça baixou ao hospital, na sua ausência, era eu quem assumia o comando da Companhia, o mesmo acontecendo, posteriormente, relativamente ao Tenente de Cavalaria Lourenço de Carvalho Fernandes Thomaz. Uma das operações levou-nos à fronteira com o Senegal, onde contactámos com refugiados e familiares da tabanca que se havia acolhido à nossa sombra. Tinha como objectivo também capturar uma manada de vacas. Havia falta de carne e não havia a quem comprar. Carne não faltou então por longos meses, mas, sim, o correio. Tanto assim que enviava ao Comando uma mensagem algo áspera: “tropa sem correio, tropa sem moral”. Estava a gerar-se um certo mal-estar. O correio era como o melhor pão de casa. Dois ou três dias depois, era festejado o dia de Santo Avião. As dorniers voltavam a sobrevoar Jumbembem, lançando alguns mantimentos e correio.

Localização de Jumbembem. Vd. Carta da Província da Guiné (1961) - 1:500.000

Às vezes, orientávamo-nos na semana por dois dias: um era o implacável dia da resoquina, mas não julguem que se tratava de drogas para forjar coragem para suportarmos o esganiçar frenético da metralha, o esbrasear das manhãs espapaçadas de suor, sangue e capim, muradas de cacimbo e rasgadas pelos pios sinistros e agourentos que arrepiavam a pele da alma, de ponta a ponta. Eram apenas pílulas antipalúdicas. O outro era o dia do correio. Era dia de festa geral. Havia algazarra estridente, um sorriso no canto da boca, por vezes amarrotado pela secura dos dias e nos olhos uma alegria profunda e íntima. O correio esperava-se com a ansiedade de gente moça, roída pelo espinho da saudade que gotejava lágrimas, quando a solidão era maior. Uma carta que fosse, fosse ela da mãe, da noiva, da madrinha de guerra, de um amigo, fazia esquecer uma semana inteira de lutas e cansaços. Era um alívio, um conforto enorme. Ouvia-se o ronronar da Dornier e os olhos pregavam-se no céu em brasa.

A Dornier era um anjo de asas acinzentadas, esvoaçando todo a tremer no seu coração pequeno, sobre pântanos, vestidos de algas, escondendo por vezes animais perigosos, ou sobre palmares infinitos, fechados, acabando por nos acariciar os olhos num redopiar manso sobre o aquartelamento ou sobre a trincheira, lançando-nos o saco azul, bordado a letras vermelhas. A carta era a oração de mãe, trespassada de dor e de viva esperança em Deus e nos santos da sua devoção. A carta era a fotografia, o sorriso, o coração grande da noiva, derretendo-se em palavras melodiosas, abrindo-se em sonhos e projectos, em beijos. A carta era o conselho e a força de um amigo. A carta era a seara verde em promessas de ouro e o vinho acetinado de uvas amadurecidas. A carta era o melhor sedativo para uma cicatriz ou um rasgão, uma couraça para um estilhaço. Uma couraça forte que podia salvar uma vida das garras terrivelmente aguçadas e sangrentas da metralha atroz. A carta era a terra e o arraial da romaria do padroeiro de cada um. A carta era a coragem e a fé, a força renascida, a esperança mais viva e mais larga, do tamanho da distância.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12386: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (5): Ilha do Como - Operação Tridente

Guiné 63/74 – P12396: Memórias de Gabú (José Saúde) (34): Uma ida ao matadouro de Gabu… Seidi, o magarefe

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.


As minhas memórias de Gabu

Uma ida ao matadouro de Gabu

Seidi, o magarefe

A memória, essa irrevogável rainha e protetora do ser humano, conduz-nos, amiúde, a excêntricas contemplações que nos transportam a tempos idos e que nos fazem reviver momentos únicos de um passado que jamais esqueceremos e tão-pouco voltará.

Hoje, invariavelmente, trago mais um tema de as minhas memórias de Gabu. Vasculhando a coleção de fotos que tenho em meu poder dos meus tempos na Guiné, e que guardo religiosamente na minha mesinha de cabeceira, detive-me perante uma imagem que me fez reviver mais um naco de recordações que permanecem intocáveis na minha mente.

Uma ida ao matadouro de Gabu e aviar uma boa dose de carne de vaca acabadinha de se ser esquartejada para delírio da malta, dava um prazer enorme a uma rapaziada que se deliciava a trincar a dita cuja, saboreando inevitavelmente a frescura da chiça com uma boa quantidade de cervejas que refrescavam gargantas e saciavam deliciosos prazeres de pomposos pratos devidamente ornamentados.

O homem do matadouro chamava-se Seidi, isto se a memória não me falha, mas julgo que estou certo, não obstante um eventual desencontro de nomes de pessoas com as quais convivi já lá vão 40 anos. O Seidi era um amigo que se desfazia em cortesias. Mas vamos à natureza do requintado local. Em formato de síntese, garanto que a instalação era francamente diminuta, ou seja, exígua. Um barracão com telhado de zinco, com paredes de barro mal amanhado, casa única e uma ou duas facas bem afiadas que faziam todo o trabalho da desossa.

O Seidi, ostentando normalmente o seu harmonioso chapéu, encarregava-se de arranjar a vitela. Seguia-se a ida da novilha para o calvário. Depois, lá vinha a batalha final. Lembro-me em apreciar a facilidade do Seidi no desmancho da carcaça do animal. Convém sublinhar que o homem congregava duas vertentes na arte: era magarefe e cortador da carcaça do bovino.

A faca do nosso amigo não dava mãos a medir. A sua rapidez, digamos estonteante, fazia-me lembrar o matadouro de Beja, a minha urbe de adoção, ou, enquanto puto, o da minha terra natal, Aldeia Nova de São Bento, onde os moços disputavam duras brigas pela conquista de uma bexiga de porco que, depois de cheia com ar de pulmões jovens, servia para mais uma jogatana de futebol num dos largos da aldeia de terra batida.

Como era da praxe levávamos um Unimog para transportar a carga. Comigo seguiam alguns camaradas que se deslumbravam com a peça adquirida. A sua cordialidade, dos camaradas claro, era cinco estrelas. A viagem, afinal, compensava. Uma vaca dava para um “batalhão” de gente que se predispunha então aos prazeres comestíveis.

Com a nossa chegada ao quartel a “encomenda” era distribuída irmãmente. Seguiam-se os maravilhosos cozinhados. Bifes com batatas fritas e arroz, costeletas fritas ou grelhadas, iscas com elas, cozidos com couve, vitela à jardineira, entre outros pratos magistralmente agendados pelo 2º sargento Martins, o gerente da nossa messe.

Dia de carne de vaca fresca era de arrepiar barrigas já fartas de outros manjares. O arroz com salsichas fazia, naquela ocasião, uma interrupção e dava lugar a um rancho substancialmente melhorado. A malta comia que se desunhava com a fartura apresentada sobre a mesa.

No recantado matadouro que se situava perto das tabancas, as vísceras do animal eram jogadas para um ermo onde proliferava um bando de abutres que, sempre à espreita, aguardavam calmamente pela hora do repasto. O Seidi, generoso, alimentava a passarada. Nada sobrava. Como os camaradas recordam os abutres, pássaros de grande porte, alimentavam-se, e alimentam-se, de carne por vezes já putrificada. Aquela porém não tinha esse rotulo. Era fresquinha e recomendava-se.

Mas os dias de matança eram também sintomas para uma espreitadela ao matadouro do Seidi por parte de nativos da população. Normalmente apareciam uns miúdos que regateavam algumas deixas deitadas à mercê dessas crianças por parte do nosso amigo Seidi. Ele, com um ar bondoso, não se fazia rogado aos desejos desses miúdos que imploravam uma pequena dadiva.

Curioso era a indumentária do Seidi nesses dias de intenso trabalho. Os calções e a túnica que resguardava o tronco, apresentavam-se encharcados de sangue do animal. Coisa que para ele não lhe causava problemas acrescidos. Tudo era natural. Estava habituado a lidar com a situação. Para nós não foi fácil adaptarmo-nos aquela vida do magarefe. Mas tudo passou.

Vamos ao preço da vaca mas… em silêncio, não seja a “boca” lançada motivo para uma “porrada” inscrita meticulosamente numa cédula militar que não acusa nenhuma infração: - Se a memória não me falha, creio que o seu custo original rondava os 500 pesos. 500 pesos que seriam depois multiplicados no interior do quartel, comentava-se. Cada cavadela uma minhoca. E lá se arranjavam pressupostos trocos para compor a fatia final ganha em mais uma comissão nas ex-colónias ultramarinas. Diziam as más línguas que o eventual sistema era seguro. E era. 

Mas, segundo se constava também, é que no orçamento geral do exército de então a questão do deve e do haver nas províncias do Ultramar era coisa de somenos importância, dado que os respeitosos profissionais, bem como os seus apaniguados submissos, tudo faziam para repor a verdade orçamental, deixando bem vincada que a contabilidade era selada a lacre e com saldos sempre positivos. Tudo corria maravilhosamente em termos de tesouraria. Nada falhava.

Era uma velha escola que perdurava naquele tempo. O Seidi, por outro lado, honrava os pedidos solicitados. A regra da multiplicação passava-lhe ao lado. A preocupação do talhante era servir a tropa “tuga” e receber, na hora, os “pesos” do trabalho feito.

Recordar é viver!...


Numa conversa com o Seidi, testemunhado pelos camaradas que me acompanharam ao matadouro de Gabu

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: