segunda-feira, 1 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19640: (De)Caras (126): Capitão de Infantaria Francisco Meireles, cmdt da CCAÇ 508, morto em Ponta Varela, Xime, em 3/6/1965 - Parte III (Jorge Araújo)


Foto 1 > Guiné > Região de Bafatá > Xime Z Ponta Varela > 3 de Junho de 1965 >  CCAÇ 508 (1963 / 65) > Momento da explosão em que vitimou o Cap Francisco Meirelles, o 1.º Cb José Corbacho, o Sold Domingos Cardoso e o Caç Nat Braima Turé, todos da CCAÇ 508 [foto gentilmente cedida pelo Cor Morais da Silva].




Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 

(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018



A COMPANHIA DE CAÇADORES 508 [CCAÇ 508] - (1963-1965) E A MORTE DO SEU CMDT CAP INF FRANCISCO MEIRELLES EM 3JUN1965 NA PONTA VARELA - A ÚNICA BAIXA EM COMBATE DE UM CAPITÃO NO XIME (PARTE III)

1. INTRODUÇÃO

Dando continuidade ao publicado nas duas primeiras partes sobre o tema em título – P19597 e P19613 – os actuais conteúdos seguem na linha das estruturas anteriores, com a divisão em três pontos. (*)

No primeiro, recuperaram-se mais algumas imagens da história colectiva da Companhia de Caçadores 508 [CCAÇ 508], com recurso ao álbum de Cândido Paredes, natural de Favaios, Vila Real, actualmente a residir em Ponte de Lima, com quem falámos recentemente ao telefone, dando-lhe conta deste trabalho de investigação.

No segundo, continuaremos a citar o que de mais relevante retirámos das narrativas publicadas no livro elaborado em memória do capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles (1938-1965) pela sua família, cuja morte ocorreu por efeito do rebentamento de uma mina (a que chamamos de "bailarina") accionada em Ponta Varela, Xime, no dia 3 de Junho de 1965, 5.ª feira.

Por último, daremos conta dos resultados obtidos nos contactos tidos com o Departamento de Arquivos da RTP, visando recuperar algumas das imagens recolhidas, naquele fatídico local, e naquela data, pela equipa da TV: Afonso Silva e Luís Miranda, cuja reportagem filmada foi transmitida por aquele canal televisivo em 16 de Setembro desse ano. (Vd. Foto nº 1, acima)


2. SUBSÍDIOS HISTÓRICOS DA COMPANHIA DE CAÇADORES 508 (BISSORÃ, BARRO,  BIGENE,  OLOSSATO, BISSAU, QUINHAMEL, BAMBADINCA, GALOMARO, PONTA DO INGLÊS E XIME, 1963-1965)

2.1. A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG

Mobilizada pelo Regimento de Infantaria 7 [RI 7], de Leiria, a Companhia de Caçadores 508 (CCAÇ 508) embarcou em Lisboa, no Cais da Rocha, em 14 de Julho de 1963, domingo, sob o comando, interino, do Alferes Augusto Cardoso, seguindo viagem a bordo do cargueiro "SOFALA" rumo à Guiné (Bissau), onde chegou a 20 do mesmo mês, sábado. À sua chegada, juntou-se aquele que seria o 1.º Cmdt da CCAÇ 508, o Cap Mil Inf João Henriques de Almeida (n?-2007), tendo sido, também, Cmdt da 4.ª CCAÇ, a qual, em 01Abr1967, passou a designar-se por CCAÇ 6.

Considerando que não existem registos desta Unidade, conforme consta no livro da CECA [Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 7.º Volume, Fichas das Unidades], algumas da informações sobre as quais temos trabalhado são de fontes orais, obtidas através de contactos telefónicos com camaradas desta Unidade. Mesmo correndo o risco de ter de corrigir o já publicado, em função desta metodologia, julgo não haver outra forma de o fazer, uma vez que todas elas estão a uma distância de mais de meio século.

Quadro cronológico da presença da CCAÇ 508, no CTIG, por localidades



2.2. SÍNTESE OPERACIONAL

Na historiografia do contingente da CCAÇ 508 estão contabilizadas, durante a sua comissão de dois anos no CTIG (1963-1965), importantes missões em dez locais diferentes, a saber: Bissorã - Barro - Bigene - Olossato - Bissau - Quinhamel - Bambadinca - Galomaro - Ponta do Inglês e Xime, conforme se indica no quadro acima.


Foto 2 > Guiné > Região do Oio >  Bissorã > CCAQÇ 508 (1963/65) > 1964 > Um dezena de militares da CCAÇ 508. [Foto do álbum de Cândido Paredes, com a devida vénia] i


Foto 3 > Guiné > Região do Oio >  Bissorã > CCAQÇ 508 (1963/65) > 1964 > Militares da CCAÇ 508. [Foto do álbum de Cândido Paredes, com a devida vénia]

No início de Março de 1965, com dezoito meses já contabilizados, foi atribuída à CCAÇ 508 uma nova missão em zona operacional, sendo transferida para Bambadinca, onde ficou instalado o Comando, assumindo, desde logo, a responsabilidade do respectivo subsector, com Gr Comb destacados em Xime e Galomaro e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 697, designado a partir 11Jan65 por Sector L1, sediado, à época, em Fá Mandinga, sob o comando do Tenente-Coronel Mário Serra Dias da Costa Campos.

Em 16 de Abril de 1965, a CCAÇ 508 foi substituída pela CCAV 678, sendo deslocada para o Xime, tendo assumido a responsabilidade do respectivo subsector, criado nessa data, com grupos de combate destacados em Ponta do Inglês e Galomaro.

Em 6 de Agosto de 1965, após a chegada da CCAÇ 1439 para treino operacional, a CCAÇ 508 foi rendida no subsector do Xime por forças da CCAV 678, recolhendo imediatamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso ao Continente, após dois anos de comissão, onde contabilizou uma dezena de baixas.

A viagem de regresso iniciou-se a 7Ago1965, sábado, a bordo do vapor «Alfredo da Silva», com a chegada ao cais de Alcântara, Lisboa, a ter lugar sete dias depois.


3. A MORTE DO CAPITÃO FRANCISCO MEIRELLES EM 03JUN1965 – DESCRIÇÃO DE ALGUNS FACTOS E DO SEU AMBIENTE

Nas duas partes já postadas – P19597 e P19613 – procedemos à descrição possível dos factos relacionados com a morte do Cmdt [o 2.º] da CCAÇ 508 – capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles (1938-1965), tendo para o efeito utilizado, como principal fonte de pesquisa, o livro publicado em sua memória pela sua família (pp 8-11).


Foto 4 > Guiné > Região de Bafatá > Xime >A  Ponta Varela >  CCAÇ 508 (1963 / 65) > 3 de Junho de 1965 >Momento antes da explosão com o Cap Francisco Meirelles em primeiro plano [foto gentilmente cedida pelo Cor Morais da Silva].


3.1. SÌNTESE DO JÁ PUBLICADO (*)

Em 3 de Junho de 1965, 5.ª feira, foi o capitão Francisco Meirelles, Cmdt da CCAÇ 508 desde Jul1964, incumbido de mostrar aos operadores da RTP como se fazia a detecção de minas, muito frequentes naquela zona [Xime-Ponta Varela], pois em menos de três meses tinham sido levantadas mais de 40. 

Perto do meio-dia, a umas centenas de metros da tabanca de Ponta Varela, rebentou repentinamente uma mina ("bailarina") dando origem à morte do capitão Francisco Meirelles e de mais três militares da CCAÇ 508. Os operadores da TV [RTP] Afonso Silva (operador) e Luís Miranda (realizador), que ficaram ilesos, começaram a filmar a cena poucos momentos após a explosão, havendo um documentário fotográfico da operação e das consequências do rebentamento.

Na madrugada de 4Jun65, os corpos foram levados para Bafatá, onde ficaram sepultados o 1.º cabo [José Maria dos Santos Corbacho] e os soldados [Domingos João de Oliveira Cardoso e Braima Turé, e onde um avião foi buscar o corpo do Capitão Meirelles.

Trazido para Bissau, ficou depositado na capela militar de Santa Luzia. No dia seguinte, pelas 10 horas, houve missa de corpo presente, rezada pelo Tenente-Capelão Padre Nazário, finda a qual o cortejo fúnebre dirigiu-se para a capelinha do cemitério onde o caixão permaneceu até ser removido para a Metrópole. Aqui chegou no vapor «Manuel Alfredo» na madrugada de 18 de Julho de 1965, precisamente quando se perfazia um ano depois da partida para a Guiné" (Op. cit. pp. 10-11).


4. NA BUSCA DE IMAGENS CAPTADAS PELOS REPÓRTERES DA RTP

Influenciado pela descrição produzida no parágrafo "com um sangue-frio impressionante, os operadores da TV Afonso Silva e Luís Miranda, que ficaram ilesos, começaram a filmar a cena, poucos momentos após a explosão, havendo assim, além das testemunhas sobreviventes, um documentário fotográfico da operação e das consequências do rebentamento", segui em frente na busca dessas imagens, na medida em que soube que parte dessa reportagem filmada fora transmitida pela RTP, em 16 de Setembro desse ano.

Assim, em 29 de Novembro de 2018, procedi a um primeiro contacto com a Radiotelevisão Portuguesa no sentido de saber da possibilidade de ter acesso a tais imagens. Decorridos quatro dias recebi a confirmação de que tinham localizado as imagens referenciadas, solicitando a indicação sobre o destino a dar às mesmas, a fim de me enviarem o competente orçamento relativo a este serviço.

Nesse mesmo dia, pelas 23h15, seguia a competente resposta, merecendo relevância o fundamento que levou à criação, em 23Abr2004, do blogue da «Tabanca Grande», constituído por ex-combatentes tendo por objectivo supremo a reconstrução do puzzle da memória da guerra colonial na Guiné. Através da partilha de testemunhos na primeira pessoa, quer escritos quer em imagens, foi possível construir um espólio riquíssimo que, pelo seu valor histórico, cívico, pedagógico e sociocultural, continua/continuará disponível a todos aqueles que queiram conhecer, compreender e aprofundar, o que foram os "Anos da Guerra do Ultramar" (1961-1974), como provam os mais de onze milhões de visualizações/visitas.

Porque a narrativa com fins didáticos, e não comerciais, estava relacionada com a morte do Capitão Francisco Meirelles, verificada em 03Jun1965, na Ponta Varela (Xime), nada mais natural seria poder contar com algumas imagens dessa fatídica ocorrência onde, quis o destino, se encontrava, em "serviço público", uma equipa da RTP.

Segue-se, para conhecimento do fórum, os conteúdos dos últimos contactos estabelecidos entre nós.


4.4. A RESPOSTA DO ARQUIVO DA RTP

Em 04Dez2018, 3.ª feira, pelas 13h57, recebi o seguinte e-mail:

Exmo. Senhor

Jorge Araújo

As Relações Institucionais e Arquivo da RTP agradece o seu contacto e terá todo o gosto em prestar o serviço solicitado, de acordo com a tabela de preços em vigor na RTP. Passamos a informar que para a aquisição de imagens da RTP, para os fins referidos no seu e-mail, o orçamento é o seguinte:

Orçamento Indicativo para utilização na Internet

- Imagens / por minuto: 400,00 Euros

- Pesquisa / por hora: 30,00 Euros

- Visionamento / hora: 50,00 Euros

- Transcrição / por hora: 100,00 Euros

Valores acrescidos de 22% de IVA

Mais se informa que as imagens serão cedidas em formato Mp4 (H264 a 4Mbit/s) e as mesmas serão enviadas por Dropbox.

Este orçamento é para utilização das imagens na Internet em vários países por um período de 3 Anos, ilimitado.

(As imagens serão cedidas com logo, e as condições especiais de licenciamento serão enviadas posteriormente).

Solicitamos, entretanto, que nos sejam comunicados, por escrito, a aceitação deste orçamento e das condições, assim como nos envie os seus contactos e respetivo NIF, para podermos dar seguimento ao processo.

O Visionamento será agendado em dia e hora a acordar para poder selecionar as imagens pretendidas.

4.5. A RESPOSTA ENVIADA AO ARQUIVO DA RTP

Em 06Dez2018, 5.ª feira, pelas 10h56, respondi o seguinte:

Obrigado pelo seu contacto.

Em resposta, solicito melhor esclarecimento sobre o(s) procedimento(s) a tomar, particularmente quanto ao significado dos quatro conceitos constantes no orçamento: imagens, pesquisa, visionamento e transcrição.

Grato pela atenção.

Com os melhores cumprimentos.

Jorge Araújo

4.6 . A RESPOSTA DO ARQUIVO DA RTP

Em 07Dez2018, 6.ª feira, pelas 15h09, enviou o seguinte e-mail:

Exmo. Senhor

Jorge Araújo

Serve o presente para enviar a pesquisa.

Passamos a informar que o programa têm cerca de 31m de duração, cada minuto adquirido o valor das Imagens é de 400,00 Euros, se pretender visionar para selecionar as imagens o valor do Visionamento é de 50,00 por cada hora, a Pesquisa é a localização das imagens por parte dos nossos documentalistas, 30,00 Euros por cada hora, por último a Transcrição é a passagem do original para o envio por Dropbox, 100,00 Euros por cada hora.

No entanto continuamos à sua disposição.

Em anexo, recebi a "Lista de Conteúdos", referente ao programa de 17-09-1965, com o título «Missão na Guiné», conforme se pode observar na imagem a seguir.




Resumo Sintético:

Programa sobre a intervenção das Forças Armadas na Guiné, que neste episódio se dedica aos fuzileiros navais.

Resumo Analítico:

Lisboa; jovens voluntários embarcam no cais em direcção ao Centro de Recrutamento de Fuzileiros; exames médicos; distribuição de fardamento; treino de exercícios de combate; Bissau; embarque de fuzileiros a fim de realizarem uma operação designada "Golpe de Mão"; barcos de patrulha e lanchas; desembarque; efectuam reconhecimento da zona; navios abrem fogo onde o inimigo está instalado; aviação faz a cobertura aérea; fuzileiros desembarcam na margem de um rio, embrenhando-se na mata; recolha do corpo de um fuzileiro atingido mortalmente em combate; acampamento inimigo destruído; regresso às lanchas após ter sido atingido o objectivo; soldados tomam banho com uma mangueira; desfile militar na Unidade de Bissau.


4.7. A RESPOSTA ENVIADA AO ARQUIVO DA RTP [A ÚLTIMA]


Em 09Dez2018, domingo, pelas 17h50, respondi o seguinte:


Obrigado, uma vez mais, pelo seu contacto.

Em sua resposta, e se entendi bem os seus esclarecimentos, o orçamento apresentado é constituído por quatro parcelas que, no final, corresponderá à soma do que se observar em cada uma delas. Será assim?

A ser verdade, não me é possível suportar os seus valores uma vez que o que fazem os membros (ex-combatentes) do blogue, para o qual continuam a escrever, é darem o seu contributo para a reconstituição das memórias: individuais e colectivas dessa guerra, como já referi anteriormente. 

Acresce a esse objectivo um outro que nos é muito querido: o de prestar a toda a comunidade/sociedade um verdadeiro "Serviço Público", disponibilizando o nosso vasto espólio historiográfico, escrito e imagens, onde as actuais e futuras gerações poderão recorrer para melhor compreenderem o passado vivido pelos seus familiares, em particular aqueles que lutaram pela Pátria, palavra-chave de então, mas que nem todos regressaram, infelizmente, por nela terem tombado nos combates.

Na impossibilidade de utilizar as imagens da RTP, neste meu trabalho de pesquisa, referentes ao capitão Francisco Meirelles, não deixarei de fazer referência à sua existência nos arquivos cinematográficos da Estação Publica, lamentando esse impedimento por razões económicas.

Com os melhores cumprimentos.
Jorge Araújo.

E que mais? ... Ficámos/ficamos por aqui.

Em função do acima exposto, lamento não ter tido sucesso nos contactos com a RTP de modo a concretizar os objectivos a que me propus no aprofundamento desta investigação. Tal facto ficou a dever-se, como constataram, à política de gestão dos "recursos audiovisuais", neste caso, da Guerra do Ultramar, em vigor na Televisão Pública, na qual participaram centenas de milhares de cidadãos portugueses nos três TO.

Haja esperança, pois ainda acredito que alguém de bom senso, e com responsabilidades na nossa RTP, após ler esta narrativa ou dela ter conhecimento, tome a decisão de connosco colaborar, prestando, tal como nós, um verdadeiro "serviço público".

Aguardemos!

Continua…


Fontes consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª edição, Lisboa (2014); p195.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); p321.

Capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles (s/d). Braga. Editora Pax.

Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

26Mar2019.
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Nota do editor:

Vd. postes de

23 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19613: (De)Caras (102): Capitão de Infantaria Francisco Meireles, cmdt da CCAÇ 508, morto em Ponta Varela, Xime, em 3/6/1965 - Parte II (Jorge Araújo)

18 de maro de 2019 > Guiné 61/74 - P19597: (De)Caras (101): Capitão de Infantaria Francisco Meireles, cmdt da CCAÇ 508, morto em Ponta Varela, Xime, em 3/6/1965 - Parte I (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P19639: Notas de leitura (1165): “A nossa guerra, dois anos de muita luta, Guiné 1964/66 – CCaç 675”, por Belmiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira, edição de autores, 2017 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Março de 2019:

Queridos amigos,
Este cartapácio é uma obra de paixão. Não há memória, em toda a literatura da guerra colonial, de uma devoção tão sentida por um coletivo ao seu capitão, são-lhe tecidos todos os encómios, é temerário e visionário, sábio e previdente, líder de tal envergadura jamais abandonou ao longo de mais de meio século, a consideração dos seus subordinados. É tocante ver-se a agenda dos encontros, a entreajuda, a presença nos eventos dos filhos de quem já morreu, divulgação de notícias de quem está a merecer cuidados e precisa de ser acompanhado.
E lendo de fio a pavio o cartapácio assimila-se o que foram os horrores do início daquela guerra, os casos de jogo duplo, um deles será contado no episódio seguinte, como se procurou arredar a guerrilha, ela recuou mas não desesperou, e a comissão da CCAÇ 675 decorreu ainda numa fase em que o Senegal não se comprometera a fundo em deixar passar homens e armamento, e este era cada vez mais sofisticado.

Um abraço do
Mário


Binta, Guiné, A Companhia do Capitão do Quadrado, novas memórias (2)

Beja Santos

O livro intitula-se “A nossa guerra, dois anos de muita luta, Guiné 1964/66 – CCaç 675”, por Belmiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira, edição de autores, 2017. A capa é surpreendente, como se escreve: “Uma bonita abatis na estrada de Farim. Esta não cumprira a sua missão: impedir a passagem; as viaturas passavam por baixo!”. No blogue, já tive oportunidade de me debruçar sobre três livros referentes ao historial da CCaç 675: primeiro, o galvanizante “Diário de JERO”, um relato feito pelo Enfermeiro da Companhia de tudo quanto se vai passando, e tudo quanto se vai passando gravita à volta de um oficial bem-amado, Alípio Tomé Pinto, que irá ficar conhecido pelo nome de “Capitão do Quadrado”, um documento publicado à sorrelfa em 1965, podia ter custado a carreira deste oficial que chegou a General; seguiu-se outra obra “Golpes de Mão’s”, se apresentava como o segundo volume do diário, leitura estimulante, mas não chegava ao sopro anímico do primeiro; terceiro, a biografia do General Tomé Pinto, da responsabilidade da jornalista e investigadora Sarah Adamoupoulos. O impulsionador deste quarto documento é um homem sentimental que ainda hoje nos impressiona tanto pela memória dos acontecimentos vividos, como pela sua arte de contar, não é a primeira vez que o oiço de voz embargada e lágrimas a bailar nos olhos, Binta e arredores não lhe saem do coração.

A CCaç 675, se atendermos à vertigem da atividade operacional dos primeiros meses, impôs-se pelo espírito ofensivo, pondo os guerrilheiros a respeito, limpou os caminhos, encetou obra em Binta, todo e qualquer local pertencente ao setor foi vasculhado. Área delicada, no entanto: muita população fugira para o Senegal, estava sujeita às ameaças do PAIGC, vinha cultivar, digamos que em terra de ninguém, aí se encontravam com as patrulhas de Binta, angústia como esta era possível nos primeiros anos de guerra, e em muitos pontos da Guiné. O primeiro ano da comissão espelhou essa capacidade ofensiva que foi sendo creditada nos guineenses que tinham fugido para o Senegal. No segundo ano da comissão, são frequentes os relatos de guineenses que se apresentam em Guidage intencionados para refazer as suas vidas na Guiné, confiam na Companhia do Capitão do Quadrado.

Com uma mão na espada, a outra no arado, combatia-se e procurava-se pôr Binta num brinquinho, a par das aulas regimentais, atendimento sanitário de populações da Guiné e do Senegal, e muito mais. Andam num virote, nesse primeiro ano, irão várias vezes à península de Sambuiá, percorrem Sanjalo, Ufudé, Fodé-Siráia, Genicó Mancanho, muitos cuidados entre a bolanha de Cufeu e Guidage, limpa-se a estrada de Farim a Binta, percorre-se Cansenha, Caurbá, os autores são incansáveis a dar-nos pormenores: golpe de mão a Canicó, os ferimentos do temerário Capitão de Binta, que andava sempre em movimento, vai-se a Lenquetó e Temanto, percorre-se a estrada até Bigene, emboscadas, patrulhas, nomadizações, destroem-se acampamentos precários, ruma-se a Banhima, faz-se ação psicossocial na fronteira, narram-se dramas de toda aquela população entalada entre dois fogos. Mesmo desalojado, o PAIGC não deixa de atribular a vida da CCAÇ 675, com abatises, queimando pontões, flagelando à distância.

Há um jornal de parede, nele em 8 de dezembro de 1964, alguém homenageia a sua mãe, aqui fica um fragmento:
“Nas circunstâncias actuais da minha vida, que por ser dura e difícil, mais maturidade me vai dando, em que melhor aprecio a formação que me deu, grato me é registar o amor, a personalidade, a pureza da minha querida Mãe que, diariamente, com as suas orações e as suas notícias, com as suas palavras amigas, me vai dando coragem para encarar com resignação cristã, esperança e optimismo, a separação, as dificuldades de uma guerra em terreno primitivo e selvagem.
É principalmente numa numerosa família como a constituída pelos 160 elementos de uma Companhia, que vivem em comum, que damos conta do que significa para cada um de nós a sua Mãe. Nos momentos mais difíceis, no perigo, na dor, na doença, um apelo mudo, a que nos agarramos com força, parte dirigido a quem nos deu a vida.
Num dia como este, em que todas as Mães sentem à sua volta todo o carinho dos filhos, eu, cá de longe, rendo-lhe o preito da minha estimada, da minha admiração.
Deus permita que continue assim, por muitos anos, a tornar felizes todos os que vivem perto de si. Transmita à minha querida Avó os parabéns, por ter dado ao mundo tal filha.”

Este quinhão de memórias também destaca aspetos facetos, brejeirices, comicidades. Havia o 1.º Cabo Enfermeiro António Martins a quem os habitantes das aldeias senegalesas chamavam Dr. Martins.
Fazia-se acompanhar pelo Soldado Machado que sentia ganas de ser enfermeiro. O Martins dava-lhe a bolsa para carregar, um grande saco de lona, o Machado seguia-o docilmente.
Eis o episódio:
“Com o andar do tempo, o Machado começou a fazer curativos e até dava injecções aos nativos. Um dia, acabadas as consultas, o Martins conferiu o material de serviço, verificou que faltava uma agulha de seringa e fez o reparo ao Machado: ‘Falta aqui uma agulha!’.
O Machado esbugalhou os olhos, concentrou-se, deu uma palmada na testa, e saiu, correndo, em direcção à bolanha que marcava a separação entre a Guiné e o Senegal, abeirou-se de uma das últimas mulheres que haviam sido tratadas, levantou-lhe a saia e sacou-lhe do traseiro a agulha que ela levava ali espetada. Sempre a correr, voltou ao quartel e eufórico informou o Dr. Martins: Está aqui a agulha que faltava.”

Este outro episódio ocorreu no dia 18 de julho de 1964, houve patrulhamento ofensivo em Sanjalo, a tropa estafada seguiu-se para Quenejara, novo combate, esfalfados, pediram ao telefonista para que insistisse com as viaturas a chegarem rapidamente, o telefonista avisa que o informaram que estão prestes a sair, o capitão manifesta o seu descontentamento:
“- Diz-lhes que eu mando tudo bardamerda! O telefonista, um alentejano castiço que carregava nos ‘rr’ teve vergonha de usar aquela zombaria em frente do seu capitão, fazendo uso do seu sotaque, transmitiu via rádio: 
- Charly Óscar Mike Delta Tango deste está muito chateado! 
- Não estou chateado! Mando tudo bardamerda! 
O telefonista repetiu aquela mensagem um tanto envergonhado: 
- Charly Óscar Mike Delta Tango deste manda tudo borrdamerrrda!”

Um primeiro ano de arromba, passou-se meio século e estes cronistas passeiam-se permanentemente por esta região de Binta e não vacilam em dizer que a Companhia do Capitão do Quadrado não tinha rival. Esfalfaram-se, surgiram mortos e feridos e muitos doentes, o Capitão do Quadrado irá partir para fazer um curso do Estado-Maior, o BCAV 490 parte, surgirão problemas com a unidade que os vem render, as relações Farim-Binta vão ser muito tensas.

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 25 de Março de 2019 > Guiné 61/74 - P19621: Notas de leitura (1162): “A nossa guerra, dois anos de muita luta, Guiné 1964/66 – CCaç 675”, por Belmiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira, edição de autores, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 29 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19630: Notas de leitura (1164): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (79) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19638: Parabéns a você (1595): Carlos Pedreño Ferreira, ex-Fur Mil Op Esp do COMBIS e COP 8 (Guiné, 1971/73) e Gina Marques, Amiga Grã-Tabanqueira, esposa do nosso camarada António Fernando Marques


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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Março de 2019 > Guiné 61/74 - P19632: Parabéns a você (1594): António Graça de Abreu, ex-Alf Mil Inf do CAOP 1 (Guiné, 1972/74); Benjamim Durães, ex-Fur Mil Op Esp do BART 2917 (Guiné, 1970/72) e Rosa Serra, ex-Alferes Enf.ª Paraquedista do BA 12 (Guiné, 1969)

domingo, 31 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19637: Memórias de Gabú (José Saúde) (80): Momentos de pausa em Gabu. Vagueando pelo tempo sem tempo. (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 

As minhas memórias de Gabu

Momentos de pausa em Gabu
 Vagueando pelo tempo sem tempo

Numa viagem a memórias consumidas numa Guiné onde os conflitos fluíam amiudadamente, lá vou vagueando, enquanto a vida o permitir, pelas grutas de um tempo sem tempo, cortejando fidedignas imagens em papel, algumas a preto e branco, e recordando camaradas que sempre se dispunham para uma encantadora brincadeira.

Em Nova Lamego, Gabu, o quarto onde fomos colocados era composto por cinco camas de cor creme onde a ferrugem reinava e a coloração já mal identificava a sua originalidade, cinco camaradas, paredes revestidas com fotos de mulheres que ostentavam as suas magnificas virtualidades femininas, corpos aliás esbeltos que remetiam os soldados nas trincheiras a noites de sonhos amorosos, qual estrelinhas do céu caídas piedosamente em leitos famintos, pilotos de motas e de fórmula 1, de entre outros registos que na altura suscitavam interesse.

Todavia, a porta que dava acesso à “casa de banho” continha um dístico que simplesmente dizia “Do not disturb”. No seu interior da WC estava um modesto chuveiro ligado a um “luxuoso” bidão que dantes fora utilizado para gasóleo e era agora suportado por uma armação em ferro no exterior da “mansão”. Claro que a temperatura da água era aquela que o sol, sempre brilhante e calorento, registava.

O letreiro - “Do not distiurb” - teria, presumivelmente, alguma razão de existência. Pensávamos nós. Julgava-se que os camaradas que por lá passaram tenham tido a perceção que aquele recanto, além de abençoado para o encontro com as necessidades fisiológicas, era também um esconderijo quando um ataque do IN porventura acontecesse.

Sugere a curiosidade que perguntemos às nossas consciências o porquê de tal esconderijo e a razão do apelo ao silêncio? Pois é, aquele exímio espaço era nem mais nem menos um refúgio para o pessoal se abrigar de um possível ataque noturno uma vez que a cobertura estava sustentada por sacos de areia.

Sacos de areia? Ah, pois é! A vala, aquela feita de propósito e que visava um eventual salto para o escuro caso o IN nos presenteasse com mais um ataque noturno ficava ali por perto, no entanto nem todos tinham a conveniente agilidade para tentar a sorte, logo aquele esconderijo apresentava-se mais a jeito e fiel para a possibilidade de uma noite de estridentes sons de artilharia pesada.

A talho de foice veio-me à ideia que foram muitas as ocasiões que eu próprio utilizei uma saca de areia debaixo dos pés aquando as saídas para o mato em ações de “psicó” ocorriam. À “boleia” de um Unimog (cabras de mato) e sentado no lugar ao lado do condutor, sentia-me quiçá mais seguro, ou menos sujeito a uma eventual catástrofe .

A princípio a malta, sempre distraída com os perigos da guerra, divertiam-se com os cuidados do furriel. Porém, no meu curso de Operações Especiais/Ranger, em Penude (Lamego), ensinaram-me conteúdos válidos que visavam a precaução a ter no palco do conflito. Assim, precavia-me sabendo, porém, dos iminentes contratempos que o conflito ditava.  

Na verdade a Guiné proporcionava momentos hilariantes. Ou era uma jogatana de futebol em tempo de lazer, ou instantes inesquecíveis passados no bar a saciar gargantas onde um Gin tónico caía que nem uma luva em corpos fatigados pela dureza que a situação impunha, ou em ocasiões onde a malta se divertia e inventava os mais divertidos disparates.

Em primeiro plano está o Rui Fernandes Álvares, um ranger, tal como eu, ao seu lado direito esta personagem chamada Zé Saúde, à esquerda o outro Fernandes, apelidado pela rapaziada de “Charles Bronson” face às suas parecenças com o ator de cinema americano, ao fundo o Rui, um rapaz de Coimbra e que assumiu a função de vagomestre.

Claro que o momento era de uma franca brincadeira. Cantava-se com entusiásticos micros, bailava-se, machos com machos, e a malta divertia-se. 

Estes divertimentos tinham, na teórica conceção que agora sustentamos, outras nuances. Bastava uma dica de um camarada para que desde logo se encontrarem fórmulas para paliativos que visavam somente a “cura” de males maiores.

Estava-se em pleno palco de guerra. A Gabu chegavam e partiam colunas que cruzavam toda a zona Leste. Esporadicamente reencontrava-mos amigos de infância que a guerra juntou nos corredores da peleja.

De Pirada vinham, designadamente, os “velhinhos” cujo final de comissão entretanto se prolongou. Aliás, recordo que o meu BART 6523 foi-lhe prognosticado a sua ida para Pirada em rendição desses camaradas. Lembro, também, que antes da minha partida para a Guiné fui informado que o destino era realmente Pirada, todavia ao chegar informaram-me que a minha via era uma outra.

Só que a rapaziada fixou-se em Nova Lamego e de lá não saiu. Não comento como o processo se desenrolou, visto que a minha chegada deu-se passados creio que cerca de dois meses depois, e não tive a oportunidade para esmiuçar o fundamente da razão.

O propósito deste tema, essencialmente a foto, passa pela óbvia procura em reencontrar estes velhos camaradas, sabendo, no entanto, que o Rui Fernandes Álvares, companheiro do mesmo curso ranger, 1º de 1973, reencontrámos-nos e reatámos a nossa velha amizade. Já me visitou em Beja e resta-me uma viagem a Norte a sua casa em Carvalhelhos, Boticas.

Goza da reforma, tal como eu, e contactamos amiúde via telemóvel. 



Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:

Guiné 61/74 - P19636: Blogpoesia (614): "De S. Bento à Régua e ao Pinhão", "Desaires" e "Nostalgia", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Estação de S. Bento. Neste mesmo local esteve instalado o Convento de S. Bento da Avé Maria
Com a devida vénia a Ncultura


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:

 
De São Bento à Régua e ao Pinhão

Anos cinquenta.
Uma constante romaria no átrio e nos cais da estação de São Bento.
A vozearia alegre daquela gente que ia e vinha de além do Douro.
Tanto açafate. Tanta cesta de vime. Tanta maleta.
Havia de tudo. Bela hortaliça.
Ridente fruta. Até galinhas.

Gente nova. Gente antiga.
Vestes largas. Saias bordadas.
Blusas com rendas.
Lenços campestres.
Rostos sadios.
Crestados de sol.

Andavam cheios todos os vagões.
Bancos de pau. Lugares à farta.
Nem se via o chão.
Coitados dos revisores.
Cada encontrão.

E a locomotiva negra, com porte altivo,
vomitando fumo e soltando gritos,
arrancava forte e se engalfinhava no túnel.
Tantas faúlhas. Lá se ia o chique.

Vinha Valongo. Gostosa regueifa.
Vinha Caíde d'El Rei. E mais um túnel negro.

Depois era o Douro. Em majestade verde.
Corria barrento.
Barcaças negras. Pejão à frente.
Que belas encostas, socalcos longos, cheias de vinho.
Casinhas perdidas. Rodeadas de hortas.
Casas fidalgas. Jardins à frente.
À custa das uvas. Vinho do Porto.

Estâncias termais. Caldas de Aregos.
Frente a Resende.
Lindas estações. Quadros campestres.
Em azulejo azul.

Por fim a Régua. Cidade ao sol.
Um céu azul.
Ó quem me dera voltar a vê-la!...

Berlim, 27 de Março de 2019
9h33m
Jlmg

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Desaires

Passadas em falso.
Quem as não deu.
Pareceram em vão.
Se aprende errando
E se erra aprendendo.

O progresso faz-se perdendo e ganhando.
Com humildade.
Quem tudo quer, num repente,
Se arrisca a tudo perder.

Quem caiu e voltou a levantar-se,
Mais perto ficou de chegar e vencer.
Desistir é próprio dos fracos.
Destes a história se cala ou lamenta.

Quem não arrosta a bravura do mar, só lavrador.
Marinheiro é que não...

Berlim, 30 de Março de 2019
6h26m
Dia nasceu com sol
Jlmg

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Nostalgia

Na senda da vida, surgem factos bons e outros não.
Trava-se um combate permanente, no nosso íntimo, entre a ordem do bem e do mal, mascarado sempre do que convém.
Tanta vez é este que sai vitorioso.
Se instala como rei.

Nos desvia para bem longe.
Se protege de muralhas ilusórias.
Simula horizontes de felicidade que nos atraem.
Cada queda nos deixa mais confuso e enfraquecido.
A resistência diminui a cada instante.

Uma onda dolorosa de desespero e nostalgia nos afoga a existência.
Até que chega a hora em que só a ajuda esforçada do pai ou dum amigo é capaz de nos valer...

Berlim, 27 de Março de 2019
8h14m
Dia cinzento e frio
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19618: Blogpoesia (613): "Estou pobre...", "Perceber o mar..." e "Abrir alas...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P19635: (In)citações (128): Honra ao cap pqd Tinoco de Faria (1927-1966), com quem estive na BA 12, em Bissalanca, a tomar café, uns dias antes da sua morte, no corredor de Guileje (Virgínio Briote, 1x-alf mil, CCAV 489, Cuntima e alf mil 'comando', cmdt Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67; nosso coeditor, jubilado)


Guiné > Região de Tombali > Mapa de Guileje (1956) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Guileje, Mejo o rio Tenhege, a nordeste de Mejo, em pleno "corredor da morte" ou "corredor de Guileje", onde perdeu a vida o cap pqd Tinoco de Faria.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)




1. Comentário de Virgínio Briote (ex-alf mil, CCAV 489, Cuntima e alf mil 'comando', cmdt Grupo Diabólicos, Brá ; 1965/67 [, foto à esquerda, 1965]; nosso coeditor, jubilado; vive em Lisboa)



Conheci uma das irmãs do cap pqd Tinoco de Faria, foi ela que preparou a minha admissão ao liceu Sá de Miranda,  em Braga. 

Na Guiné mantive contacto com o capitão em Bissau e, uns dias antes da sua morte,  tomámos café na base aérea [,em Bissalanca].

Soube da sua morte no dia a seguir ao acontecimento por um médico que nos tratava da saúde em Brá e contou alguns pormenores que agora, tantos anos decorridos, não tenho vontade de falar.

Mas posso transcrever um resumo de um documento então em poder da 3ª Rep.:



(...) Guileje, capitão pára-quedista Tinoco de Faria. 28 de Abril, operação "Grifo", “corredor” de Guileje. Às 00H30 saíu do aquartelamento do Mejo o pelotão de pára-quedistas comandado pelo alferes Ferreira da Silva, seguindo nele o capitão Tinoco de Faria. 

A corta-mato progrediram até um local onde montaram uma emboscada. Às 05H00 o dispositivo ficou armado num terreno ligeiramente inclinado e que oferecia boas possibilidades de defesa. 

Às 10H00 ouviram-se disparos de armas automáticas, a uma distância considerável. Como os disparos se repetiram e pareciam mais próximos, os páras calcularam que o IN estava a fazer fogo de reconhecimento e que vinham no trilho onde o pelotão estava emboscado. Uma dezena de guerrilheiros armados e fardados de calção e camisa amarela começou a entrar na “zona de morte”, enquanto mais atrás foi avistado um grupo mais numeroso. 

Aconteceu tudo em poucos segundos. Um cão ladrou, os guerrilheiros da frente recuaram, os páras abriram fogo de imediato sobre o IN e destes, os que puderam não perderam tempo a reagir. O capitão foi atingido gravemente. Todos os guerrilheiros que abriam a coluna acabaram por ser mortos. 

Estabelecido contacto rádio com um avião DO-27, o pelotão de páras ficou a aguardar indicações com vista à recuperação e transporte para Bissau do comandante de companhia. 

Entretanto, o grupo IN aproximou-se da mata ocupada pelos páras e abriu fogo sobre estes com metralhadoras pesadas, armas ligeiras e morteiros. Durante cerca de 30 a 40 minutos o pelotão respondeu, obrigando o IN a mudar de posições, aproveitando os páras para levar o ferido para um local mais adequado à evacuação. 

O inimigo perseguiu-os,  flagelando-os à distância enquanto os páras iam ripostando enquanto progrediam na direcção do rio Tenhege. A ideia dos páras era passar o rio, depois o risco seria menor e mais facilmente evacuariam o seu capitão, cuja situação se agravava a todo o momento.

Às 12H00, atingida a orla da mata do rio Tenhege, novo ataque do IN. Cerca de 20 elementos emboscados numa mata próxima abriram fogo e, de novo, os páras responderam com fogo da MG-42 e do lança-roquetes. 

Apesar de todos os esforços, por volta das 12h00, a hemorragia interna acabou por matar o capitão Tinoco de Faria. Às 12h10 os páras retomaram a marcha. O contacto rádio com o aquartelamento de Mejo nunca se conseguiu estabelecer, talvez devido à distância e à densa arborização. O corpo do capitão Tinoco de Faria foi evacuado para Mejo de helicóptero, apenas por volta das 18h00, junto a uma das margens do rio Lijol. O pelotão dos páras, completamente esgotado, entrou em Mejo às 19h30".

Honra ao Capitão Tinoco de Faria e à CCP.(**)

V. Briote, Guiné 1965/1967
30 de março de 2019 às 19:20 


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de março de 2019  > Guiné 61/74 - P19634: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XIX: cap pqt Luís António Sampaio Tinoco Faria (Braga, 1927 - Mejo, Guiné, 1966)

sábado, 30 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19634: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XIX: cap pqt Luís António Sampaio Tinoco Faria (Braga, 1927 - Mejo, Guiné, 1966)







1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à esquerda], instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972. Foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar. É membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 784, desde 7 do corrente.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P19633: Os nossos seres, saberes e lazeres (314): Viagem à Holanda acima das águas (18) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Os tempos são outros, podemos desenhar as nossas incursões, deitar contas à vida, escolher os voos mais baratos, quando necessário completá-los com comboios, isto da 3.ª idade tem muitas vantagens, Bruxelas-Antuérpia-Bruxelas ou Bruxelas-Namur-Bruxelas fica por menos de 5 euros, entramos e saímos em pontos centrais. O resto é organização.
Foi o caso deste regresso da Holanda, comboio para Namur, concerto coral em Barbençon, regresso, mais uma passeata pelo centro histórico, ala morena que se faz tarde, ir até Watermael-Bois Fort, na fímbria da cidade, gozar da companhia de um velho amigo, amanhã ainda temos muito para ver, em Bruxelas e na Valónia, como se mostrará.
Admirável mundo, admiráveis amigos!

Um abraço do
Mário


Em Bruxelas e Namur, numa certa repentinidade (18)

Beja Santos

Se o leitor ainda se recorda, o viandante andou à procura de uma solução baratucha para chegar aos Países Baixos, encontrou um voo low cost de Lisboa para Bruxelas, preço mais abordável não podia haver. Aproveitou uma breve estadia para visitar amigos do peito. Não se pretende ser enfadonho, Bruxelas é um chamamento encantatório pelos seus cafés, pelos seus monumentos, museus, igrejas, pela circulação multiétnica, não sei mesmo se neste último capítulo Bruxelas não ultrapassa Nova Iorque. O que o leitor está a ver é o átrio da gare central de Bruxelas, aqui se compram passagens para toda a Europa, para já não falar na Bélgica. O projeto deste edifício é de um dos nomes mais relevantes da arquitetura mundial do seu tempo, Victor Horta (1861-1947), arquiteto e decorador, o chamado pai da Arte Nova em Bruxelas, revolucionou a arquitetura privada utilizando materiais da arquitetura industrial, a começar pelo ferro, deu a esses novos materiais uma forma inédita, criando uma linguagem orgânica com curvas, inspirada na natureza, fez com que a estrutura metálica se identificasse à decoração. Parece que não chegou a ver toda esta gare ferroviária construída, mas o seu nome aparece bem destacado, é um edifício Victor Horta.


Em todas as circunstâncias, os belgas revelam esta constante do caráter, a gratidão por todos aqueles que combateram e tombaram nas duas guerras, aqui está a homenagem aos ferroviários caídos, é tocante e singelo.


Sempre o viandante ouviu dizer que Bruxelas é um estaleiro em perpétua evolução. Não haja ilusões, é uma cidade traumatizada por uma destruição do que era antigo em razão da especulação imobiliária, tudo começou nos anos 1960 quando passou a ser a capital da Europa e a acolher as instituições comunitárias, a NATO, os escritórios de uma quantidade mirabolante, assim se demoliram monumentos maiores da história da arquitetura, um dos casos mais escandalosos foi a Maison du Peuple, construída por Victor Horta em 1898 e destruída em 1965. Encontramos estas chagas e remendos em comunas como Ixelles, Saint-Gilles, Saint-Josse, Uccle, entre outros. É por isso que o viandante, mal chegado, anda por ali a circular e a registar fachadas irrepetíveis de simples prédios urbanos de outras eras.




Feito o reconhecimento e lavada a alma, volta-se à gare central, a viagem vai prosseguir, até Namur. E porquê? Há um festival de música intitulado o Verão Mosan. Desembarca-se na cidade e gente amiga leva-nos até à igreja de Saint-Lambert de Barbençon para ouvir o Ensemble Vocal de l’Abbaye de la Cambre, são obras corais com harpa e harmónio, entre outros de Fauré e Saint-Saens. Um belo passeio de Namur até Barbençon, diga-se de passagem. Barbençon data do século IX, teve o seu apogeu no século XVI, graças a numerosas indústrias, a vidreira, o mármore, as fundições, daí ter sido senhoria. Em 1815, depois de algumas andanças de mão em mão, regressou à posse dos Países Baixos, e depois à futura Bélgica.





Basta ver o exterior da igreja para sentir o peso do gótico. Um belo projeto de reabilitação permite que Barbençon seja uma povoação cuidada e senhora do seu passado. Por ali se deambula com prazer, e com mais prazer se fica vendo estes sinais de recuperação, estes toques de identidade de uma terra que hoje faz parte da Valónia, região federal onde pontifica o francês.




Imagens prévias ao concerto. Este conjunto que aqui se apresenta é apaixonado por repertórios esquecidos, com destaque para a música sacra do século XIX, vamos ouvir uma seleção de obras-primas românticas belgas e francesas entre o fim do século XIX e o princípio do século XX intercaladas pela história da povoação de Barbençon e da sua região por um declamador. Um belíssimo espetáculo, de Berbançon até Namur, e depois Bruxelas. Amanhã regressa-se a Namur para amesendar e cirandar, sempre com uma grande alegria, pois claro.


O burgomestre Charles Buls terá sido uma figura de enorme prestígio no final do século XIX. Era um tempo em que os políticos liberais tinham uma enorme preocupação com a economia social, o espaço urbano, a cultura e a defesa do património. O seu prestígio deve ser tão grande que tem outra placa memorial na Grand-Place. O que aqui importa é o cão fiel amigo, o ambiente fontanário, no meio de um espaço de feirantes, estamos em pleno centro, que grande ternura, esculpir assim alguém que foi intensamente amado pela obra feita em Bruxelas. De seguida, vamos até ao coração histórico da cidade, a Grand-Place, um dos mais belos conjuntos arquitetónicos da Europa, sem discussão.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de23 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19615: Os nossos seres, saberes e lazeres (313): Viagem à Holanda acima das águas (17) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19632: Parabéns a você (1594): António Graça de Abreu, ex-Alf Mil Inf do CAOP 1 (Guiné, 1972/74); Benjamim Durães, ex-Fur Mil Op Esp do BART 2917 (Guiné, 1970/72) e Rosa Serra, ex-Alferes Enf.ª Paraquedista do BA 12 (Guiné, 1969)



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Nota do editor

Último poste da série de 27 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19624: Parabéns a você (1593): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf do BCAÇ 2861 (Guiné, 1969/70); Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA da CART 2732 (Guiné, 1970/72); Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974) e Maria Dulcínea, Amiga Grã Tabanqueira