sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21921: Tabanca Grande (515): António Afonso de Melo Graça, ex-Fur Mil Cav do EREC 2641 (Bula, Nhamate, Mansabá e Bachile, 1970/72) que se senta no lugar 837 da nossa Tertúlia


1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano António Afonso de Melo Graça(*), ex-Fur Mil Cav do EREC 2641 (Bula, Nhamate, Mansabá e Bachile, 1970/72), com data de 13 de Fevereiro de 2021, com a sua apresentação à Tertúlia:

Boa tardw,  Camarada

Aqui vai a minha inscrição. Anexo as duas fotos.

Especialidade: Reconhecimento Panhard (EBR) na EPC, Santarém no último trimestre de 1969. 
Colocado no RC3, Estremoz, início Janeiro 1970 para o IAO, com mobilização para os Dragões de Angola.

Apresentado a 7 de Janeiro 1970 são dados 6 dias de licença a BFIE, finda a qual redireccionado para o RC7, Lisboa. Já não ia para Angola, porque a Guiné precisava de nós...

Em Fevereiro de 1970 fui "encaminhado" para a Escola Prática de Engenharia, em Tancos, para fazer um curso em Minas e Armadilhas. Regresso a Lisboa (onde residia) ao RC7 para nova especialização, agora nas AML Panhard.

Em 8 de Agosto 1970 parte o EREC 2641 (2.ªfase) no n/m "Carvalho Araújo" para a Guiné. Escala no dia 14 o Mindelo, Ilha de S. Vicente, Cabo Verde. Chegados "quais periquitos" a Bissau no dia 17 de Agosto 1970. No mesmo dia, sediados em Bula.

Durante a comissão de serviço fiz destacamentos em Nhamate, Mansabá e no Bachile.

Regresso a Lisboa a 24 de Junho 1972, voo num 707 da Força Aérea.

Após a chegada da Guiné fiz a licenciatura em Economia no ISE (ex-ISEF). Durante 36 anos fui professor, os últimos 24 no activo a desempenhar funções de Presidente do Conselho Directivo da Escola Secundária Alfredo da Silva, no Barreiro.

Actualmente estou reformado.

Saudações.
António Afonso de Melo M. F. Graça

Parada do Quartel de Bula, Setembro de 1970 > Com a Panhard distribuída

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2. Comentário do editor CV:

Caro Afonso de Melo, sê bem-vindo à Tertúlia.

Permite-me que seja portador de um abraço de boas-vindas para ti, da tertúlia e dos editores deste Blogue, que te desejam boa estadia entre nós.

Permite-me um apontamento pessoal porque pertenci à madeirense CART 2732, unidade de quadrícula em Mansabá entre Abril de 1970 e Fevereiro de 1972.

Devo-te portanto muito, porque muitas foram as vezes que nos fizeste segurança nas inúmeras colunas auto que fazíamos para Sul, Mansoa, e para norte, K3, principalmente durante as obras de asfaltagem do itinerário entre o Bironque e o Rio Cacheu, em frente a Farim. Acredita que para além da segurança efectiva que nos proporcionava, o EREC 2641 muito contribuiu para o nosso conforto emocional nas deslocações quase diárias que éramos obrigados a fazer.

Tenho bem na memória aquela trágica noite de 12 de Novembro de 1970, com alguns estragos dentro do aquartelamento, como a enfermaria atingida, produto das armas pesadas do PAIGC, mas com piores consequências na tabanca onde arderam algumas moranças e pereceram 14 civis.

Como tu, também fiz um Curso de Minas e Armadilhas em Tancos, o meu o XXXIII, que decorreu entre Outubro e Dezembro de 1969.

Contamos contigo para registares aqui as tuas memórias e a actividade do teu EREC, não só na minha área de acção mas também nos outros locais onde os teus préstimos foram garantidamente importantes.

Deixo-te o meu abraço
Carlos Vinhal

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Notas do editor:

(*) - Vd. poste de 3 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21846: O nosso livro de visitas (208): Afonso de Melo, ex-fur mil cav, EREC 2641 (Bula, 1970/72)

Último poste da série de 18 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21914: Tabanca Grande (514): Eduardo Ablu, ex-fur mil, CCAV 678 (Ilha do Sal, Bissau, Fá Mandinga, Ponta do Inglês, Bambadinca, Xime, 1964/66): senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 836

Guiné 61/74 - P21920: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (6): O soldado dos pés inchados

HM 241 de Bissau

1. Do projecto de livro autobiográfico do nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74) a lançar oportunamente, publicamos aqui mais uma estória, a sexta.


6 - O SOLDADO DOS PÉS INCHADOS

O rapaz apareceu-me tão cedo, na enfermaria, que me tirou da cama. Aquele assunto era mais do que urgente para ter que esperar pela hora oficial da abertura dos serviços. Dentro de poucos minutos ele tinha que estar na formatura, incorporado no seu grupo de combate, ali junto à árvore grande dos passarinhos, bem no centro da tabanca, fardado, com a arma, cartucheiras, cantil e ração de combate. A saída para o mato incutia-lhe algum receio, porque tinha já ouvido o alferes, no dia anterior, à noite, avisar que iriam montar uma emboscada num carreiro, onde era altamente provável a interceção de um grupo inimigo.
Há dias assim, em que mesmo o combatente mais afoito, nas suas elucubrações, tem uma premonição que o adverte para uma desgraça fatal. E foi isso mesmo que o atormentou a noite toda. E como havia ele de se livrar do mato, pelo menos naquele dia que lhe parecia poder ser o último dos seus verdes vinte anos? Tinha que engendrar um plano. E quando acordei, atordoado, com aquelas pancadas repetidas na janela, ao mesmo tempo que chamava por mim como se estivesse com muitas dores, foi só o tempo de calçar os chinelos e abrir-lhe a porta.
- Então, que se passa Sousa, perguntei-lhe?
- Olhe para os meus pés. Acha que eu estou em condições para sair para o mato, assim, com os pés inchados?

O problema parecia-me grave, até porque ele não me ajudava mesmo nada a diagnosticar o mal. Na verdade isso era o que menos lhe interessava. Que não estava em condições de cumprir aquela missão era a única certeza que eu tinha. E era isso, apenas, que interessava ao Sousa. Apressei-me a comunicar ao Alferes que aquele homem não estava operacional, partindo o grupo para a operação, sem ele.

Não me achando capaz de debelar aquele mal, nem lhe conhecendo a origem, encaminhei-o para o médico, colocado na sede do batalhão que, por sua vez, na ausência de meios complementares de diagnóstico o fez evacuar para o Hospital Militar de Bissau. Ao fim de alguns dias regressou o Sousa a Mampatá, já sem inchaço.

Só há meia dúzia de anos o Sousa me contou como me enganou, assim como ao Alferes médico. Naquela noite ele tinha aplicado uma espécie de garrote em cada perna, que desapertou imediatamente antes de me bater à janela, “aflito”.

Não fiquei agastado com o Sousa, nem tinha que ficar. Afinal, na operação em que ele não participou correu tudo bem, mas podia ter corrido mal.

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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21912: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (5): Dormir com o inimigo

Guiné 61/74 - P21919: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (40): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Fevereiro de 2021:

Queridos amigos,
Há para aqui uma viagem solitária entre parques e edifícios das instituições europeias, avultam memórias daquele completamente inesperado primeiro encontro que mudou a vida de dois cinquentões bem maduros, ela não se cansa de tocar a tecla da saudade e desfia o rol dos seus trabalhos, faz o inventário de papéis que ele lhe manda com pendular regularidade. Ainda é segredo, Annette vai propor nas férias da Páscoa um passeio pela costa belga, pensou mesmo numa estadia numa bela ilha holandesa, tem igualmente um plano B, uns dias em Hasselt, a capital do Limburgo, Paulo do seu lado fala entusiasmado em duas grandes exposições que ocorrem em Bruxelas (uma retrospectiva de Chagall) e gostava de ir a La Louvière na província de Hainaut ver uma mostra de cartazes de propaganda soviética do tempo de Estaline, para Annette há tempo para tudo, aguarda as datas disponíveis de Paulo, em princípio é período coincidente com a ausência de trabalho de intérprete. Já lhe passou pela cabeça, num dia de profunda melancolia, de questionar Paulo sobre o que ele pensaria da ideia de ela criar uma empresa de interpretação em Portugal, depois retraiu-se, o filho, Jean Luc, continua errático em empregos da treta ou biscates aleatórios, parece que se habituou à ideia de viver da ajuda dos pais, para Annette, que saiu cedo de casa dos pais adotivos e conquistou a sua independência, faz-lhe muita confusão os problemas desta geração marcada por tantas desigualdades sociais, Jean Luc é um mileurista, um verdadeiro desassossego para uma mãe que não se importaria de ir viver lá nos confins do Ocidente Europeu com o seu amado.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (40): A funda que arremessa para o fundo da memória


Mário Beja Santos

Très adoré Paulo, capricho dos deuses, venho de uma reunião de uma sala ao lado daquela em que nos conhecemos, na Rue Froissart, uma tarde com algum sol, pelas quatro horas o presidente deu por encerrada a sessão, era a receção de uma delegação do Vietname, falou-se imenso de cooperação com base em acordos que estão a ser feitos ou confirmados naquela região do sudeste asiático, pelos resultados obtidos os vietnamitas saíram felizes e eu também, habitualmente abandono estas reuniões ao escurecer do dia. E deu-me prazer refazer passeios e sobretudo veio-me à memória o nosso primeiro trajeto em comum quando caminhámos para a estação de metro de Schumann. Ontem arrumei fotografias das nossas curtas férias em Lier e encontrei dois postais de um passeio que demos na Campina, em Averbode, espero que te recordes, estivemos ali de visita, está no limite do Brabante e das províncias de Antuérpia e Limburgo. Tem tudo ar muito novo por causa do incêndio de 1942, é um barroco faustoso, depois fomos para a praça beber cerveja local e naquele dia perguntei-te pela primeira vez: “Paulo, seguramente já fizeste um balanço destes dois anos da Guiné que estamos a arrumar por força do teu romance. Que significado atribuis, passadas estas décadas, ao que viveste, como se incorporou na tua vida uma comissão militar a que não faltou brutalidade, horror, mas também uma fraternidade sem limites?”. Demoraste a responder, ias rodando, ensimesmado, a caneca de cerveja e depois olhaste longamente os telhados de lousa da igreja de Averbode. Era percetível a tua emoção, um quase pirralho, moço inexperiente, lançado numa povoação nativa, com deveres e obrigações implacáveis. E falaste na educação recebida de três mulheres, a quem tu continuas a chamar as tuas madres fundadoras, nos valores religiosos, na ligação ao Outro, tratando-o com dignidade, e foste acumulando situações e casos que eu agora conheço bem por lidar com os papéis, melhorar a segurança dos aquartelamentos, introduzir-lhes algum conforto, apoiar a população com médico, abastecimento regular, professor para as crianças, cumprir as missões de vigilância em Mato de Cão, procurar conhecer os problemas dos militares que de ti dependiam… E foste encaminhando este discurso para a formação de um adulto que transportara para um pequeno país da Europa, a sua pátria, uma personalidade temperada por um tal tipo de experiência, feita de sobressaltos, de violências, de procurar mitigar a miséria dos outros, de viver acantonado num pequeno território cercado de terra de ninguém, sabendo muito bem que expressões como “zonas libertadas” não passavam de litanias da propaganda mas que acarretavam também o equívoco de serem territórios onde não se podia permanecer com qualquer tipo de segurança. E resumias, dizendo que trouxeras uma grande vontade de viver em paz, ter doçuras familiares e uma profissão onde te realizasses, como inesperadamente aconteceu, supunhas vir a ser um professor de História da Arte e por um acaso do destino navegavas agora num oceano chamado mercado do consumo, fazendo alguma batalha pelos direitos desses cidadãos cercados de uma crescente profusão de bens e serviços.

Meu adorado amor, viera até à Rue Froissart de transporte público, entrei no Parque Leopoldo, vi crianças ainda a brincar, parei junto dos choupos, senti profundamente a tua falta, recordei aquelas nossas conversas das tuas primeiras vindas a Bruxelas, aquela gare do Luxemburgo que tu conheceste tão desprezada e que hoje é um pequeno ícone do Bairro Europeu, os passeios que começaste a dar quando ias visitar nas ruas laterais da Rue de la Loi diferentes organizações relacionadas com o teu trabalho, e decidi caminhar como se tu estivesses a meu lado, medindo a evolução que teve esta área de Bruxelas desde a tua primeira viagem em 1977 até aos dias de hoje, em breve teremos um novo alargamento da União Europeia, o Bairro Europeu foi crescendo e tudo à volta se modificou. Lembro o que me disseste quando aqui passaste a vir com mais regularidade, a partir de 1986, a importância que na época ainda tinham diferentes associações europeias de consumidores, como eram poucas e de certo modo insignificantes as organizações de saúde, como começaste a pressentir que o futuro da política dos consumidores precisava de uma parceria com as políticas de saúde e do desenvolvimento sustentável, mas tu já antevias os fanatismos paroquiais que iriam obstaculizar a operacionalidade na conjugação de interesses comuns, estavas profundamente cético sobre o futuro da cidadania no consumo, já nessa altura previas que as associações iriam ficar reduzidas a um papel meramente colaborante, perdida a motivação de causas de interesse público, disseste isto mesmo no jantar na Rua do Eclipse, na companhia do Gilles Jacquemain, não me esqueci.

Paulo mon amour, foi um passeio cheio das tuas memórias, lá fui palmilhando até à Rua do Eclipse e tenho algumas notícias a dar-te quanto ao início do segundo ano da tua comissão na Guiné. Prosseguem obras no quartel, apareceu em Missirá um alferes sapador que por sua vontade tinha armadilhado quase tudo à volta, encontrei um aerograma teu em que escreves eufórico que estão a chegar algumas toneladas de materiais vindas de um batalhão de engenharia. Começaram as pequenas flagelações em Missirá, vão-se repetir de agosto a outubro, tu escreves que não matam mas moem, são um surdo confronto, grupos de guerrilha que se aproximam ao fim da tarde de Missirá e Finete e descarregam os morteiros e desaparecem. No meio de tanta azáfama, quando tu mais necessitavas de ter os teus efetivos completos, os Comandos de Bambadinca vão-te subtraindo secções de milícia, no pior momento, tens muitos homens doentes, tudo fruto da época das chuvas, que atrai a malária. E vejo também que vos mandaram numa operação à região do Xime, é para mim uma completa surpresa o nome que davam àquelas operações, Fado Hilário, Pato Rufia, o que retive é que os guias se desorientaram, havia muito nevoeiro e tu escreves que os helicópteros não puderam largar os paraquedistas, a operação será repetida no início de setembro, entretanto há nova flagelação em Missirá, os mesmos disparos de morteiro, e tocou-me profundamente o resumo que me mandaste da conversa que tiveste com Benjamim Lopes da Costa, aquele teu colaborador guineense que perdera a cabeça no decurso de uma emboscada, tu viras um vulto a avançar para ti e desfechaste com a arma, o Benjamim perdeu a cabeça e num desvairo chamou-te branco assassino, mágoa profunda, que sinto que ainda não digeriste completamente. O que interessa é que numa noite mais desocupada convocaste para o teu abrigo e lhe propuseste que passassem uma esponja sobre o assunto, sugerias o perdão mútuo àquela insinuação de racismo, o Benjamim prontamente te estendeu a mão e te lembrou o amor de Deus.

Estou agora a alinhavar os apontamentos que chegaram no fim da semana passada. Tu referes a chegada de um novo segundo comandante a Bambadinca, alguém que se chama Ângelo da Cunha Ribeiro e que lançará o crisma de Tigre de Missirá, estou agora a escrever os apontamentos da segunda edição da tal operação Pato Rufia, mas só penso na Páscoa e na tua companhia, mesmo com o lenitivo do correio que recebo diariamente, os teus belos telefonemas, o aliciante dos teus projetos, nada, conquistador do meu coração, absolutamente nada substitui a força dos teus braços, o ímpeto dos teus beijos, o calor do teu corpo. E suspendo aqui os termos de uma paixão que bendigo a toda a hora, arrimo inesperado e que estou segura me acompanhará pelo tempo que ainda tenho de vida. Despeço-me agora, tenho coisas para arrumar, saio pelas seis da manhã em direção ao Grã Ducado do Luxemburgo, mais um dia enfadonho com os peritos da Estatística divertidos e cheios de si e nós na cabine em desespero a soletrar aqueles números… Bien à toi, Annette.
Abadia de Averbode
Igreja da Abadia de Averbode
Parque Leopoldo, Bruxelas
Parque Leopoldo, Bruxelas
Gare do Luxemburgo antes da criação do bairro Leopoldo
Gare do Luxemburgo na atualidade
Edifício do Parlamento Europeu, Bruxelas
As instituições europeias e a Rue de la Loi, Bruxelas
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21890: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (39): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21918: Manuscrito(s) (Luís Graça) (199): Elegia para Isabel Mateus (Soure, 1950 - Lourinhã, 2021)


Isabel Mateus (Soure, 1950 - Lourinhã, 2021). Cortesia de Octávo Mateus (2021). Foto tirada no Museu da Lourinhã, em 2014.


1. Permitam-me, caros/as leitores/as, que evoque aqui a figura de Isabel Mateus (Soure, 1950 - Lourinhã, 2021), na qualidade de minha vizinha, lourinhanse de adoção, e minha amiga, "geálica", que foi cofundadora, em 1981, do GEAL- Grupo de Etnologia e Arqueologia da Lourinhã, de que eu sou sócio e a cujos corpos sociais já pertenci. Três anos depois, em 1984, ela Isabel e o marido, já falecido, Horácio Mateus (1950-2013), com outros "geálicos", criaram o Museu da Lourinhã.

A minha terra, Lourinhã (mas também Portugal,  a ciência e a cultura)  deve-lhe muito. Tomo a liberdade de citar aqui um excerto do elogio fúnebre que o seu filho Octávio Mateus, hoje paleontólogo de renome internacional e professor da FCT / Universidade NOVA de Lisboa, escreveu sobre a sua mãe, na sua página Lusodinos - Dinossauros de Portugal, no passado dia 16, terça-feira:

(..." Em 3 de Abril de 1993, descobriu o ninho e embriões de dinossauros carnívoros Lourinhanosaurus em Paimogo, um dos maiores e mais importantes, à data. É autora de três artigos científicos como primeira autora, entre os quais é publicado o ninho de ovos e embriões de dinossauro que tinha descoberto (1997). Este achado foi marcante na história do Museu da Lourinhã, levando o nome da paleontologia da região a patamares internacionais, motivando a Revista Expresso a eleger o casal Isabel e Horácio Mateus como Figuras Nacionais do ano de 1997. Dois anos depois, realizou no Museu de História Natural de Paris formação superior intensiva em palinologia fóssil, área da botânica que estuda pólen e esporos. Mais recentemente, foi autora do livro Podomorfos do Casal da Misericórdia (ed. Museu da Lourinhã, 2020).

"Em 1997, escreveu a proposta do “Parque do Saber e do Lazer”, que foi o documento precursor de vinte anos de esforços para a construção de um novo parque ou museu, desejos que culminaram em 2018 na abertura do DinoParque Lourinhã."  (**)

Outro dos seus filhos, o mais velho, Simão Mateus, director científico  do DinoParque Lourinhã, escreveu na sua página pessoal do Facebook:
 
(...) A minha mãe tinha um coração enorme, e isto não é uma figura de estilo. Está documentado em radiografias e ecografias. Tinha-o porque uma condição cardíaca assim o moldou. Ela própria o afirmava e por isso dizia que cabiam nele todos os filhos... e eram muitos. Biológicos nós os três, o Simão, o Octávio e a mais pequena, a Marta, mas os adoptivos eram dezenas. (...) 

(...) E acima de tudo, o meu pai que sempre foi a paixão da sua vida. Assim como o seu jardim e as suas inúmeras flores eram a sua grande paixão. 
(...) A outra paixão foi o Museu da Lourinhã e, intimamente ligado, a história da Lourinhã. (...)

(...) Hoje o coração tornou-se maior que o mundo, e decidiu abraçar-nos com o amor que só uma mãe sabe da".

A Câmara Municipal da Lourinhã reconheceu o seu importante contributo "para a projeção e afirmação da Lourinhã como a Capital dos Dinossauros" e para a valorização do "património paleontológico do concelho, transportando o nome da Lourinhã para os panoramas nacional e internacional", tendo sido atribuída, ainda em vida, em 2018, a Medalha Municipal de Honra, Classe de Ouro. O Município decretou um dia de luto, ontem, pelo falecimento da Isabel Mateus. Entreaht, e, 15 de novembro, de 2019 fora inaugurado o novo laboratório de conservação e restauro do Museu da Lourinhã, que passou a chamar-se“Laboratório Isabel Mateus”.

2. Éramos amigos de longa data, dela e do marido, Horácio Mateus (1950-2013). Somos amigos dos filhos, e sócios do GEAL. E quisemos, eu e a Alice, prestarmos-lhe, aqui,  uma singela homenagem, em forma de soneto. Até sempre, querida Isabel!


Elegia para a Isabel Mateus (1950-2021)

Que dizer, face à notícia da tua morte,
Tu que foste do GEAL a “alma mater”,
Mulher de grande coração, nobre carácter ?
Foi bom conhecer-te, tivemos essa sorte.

Partes ao encontro daquele que amaste,
Um lindo amor, único, trágico, profundo,
Mas a tua vida acrescentou mundo ao mundo,
E não esqueceremos as causas que abraçaste.

Da outra margem do rio que nos separa,
Ver-te-emos a cultivar as tuas flores,
Num jardim secreto, em tardes de luz clara.

E essa visão de paz que é agora tristeza,
Para os teus filhos e amigos, teus amores,
Também lhes traz algum consolo e beleza.

Lourinhã, 17 de fevereiro de 2021
Os amigos “geálicos” Luís Graça e Alice Carneiro
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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21917: Da Suécia com saudade (86): Portugueses ilustres que aqui viveram...antes de mim: 1º Visconde Soto Maior (Rio de Janeiro, 1813 -Estocolmo, 1893) (José Belo)







Suécia > Estocolmo > Um dos mais luxuosos e famosos restaurantes locais, o Salão Berns, Berns Asiatiska, onde o diplomata português Soto Maior tinha mesa privativa...

Fotos enviados pelo José Belo. Fonte: Berns Asiatiska  (2021), com a devia vénia

António da Cunha Sotomaior Gomes Ribeiro de Azevedo e Melo (Rio de Janeiro, 18 de Novembro de 1813 - Estocolmo, 19 de Janeiro de 1893), 1.º Visconde de Sotomaior, foi um diplomata português.O título de 1.º Visconde de Sotomaior foi-lhe concedido por Decreto de D. Luís I de Portugal de 12 de Maio de 1865.   Foi encarreado português de negócios na Suécia entre 1869 e 1892. Afeiçou-se tanto à Suécia que recusou nomeações para postos diplomáticos de maior importância. Morreu em Estocolmo, em 1893.(Fontes: Wikipedia e  Portugal > Portal Diplomático)


1. Texto e fotos enviados pelo José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia:

Date: terça, 9/02/2021 à(s) 00:58
Subject: Soto Maior

José Belo


A tabanca da Lapónia


Filho de um diplomata português da família Soto Maior no Brasil, foi primeiro militar e posteriormente político, membro da Câmara do Reino.

Tanto pelo temperamento como pelo espírito boémico,  tornou-se menos "conveniente" tanto para a família como para a alta sociedade portuguesa. Falou-se em aventuras amorosas com senhoras casadas pertencentes a famílias do mais alto nível no Reino. De qualquer modo, foi enviado como embaixador para a convenientemente distante Suécia.  

Dispondo a sua família em Portugal de avultados bens,  ele depressa se tornou uma figura de referência na boémia da mais alta sociedade sueca da época. Para além da impecável elegância com que sempre vestia, era também célebre pela sua generosidade económica tanto em festas como nos locais mais exclusivos das Noites de Estocolmo. Depressa as meninas da alta sociedade local lhe arranjaram um apelido exclusivo,  fazendo um trocadilho de Soto Maior para....."Söta Majorn"....ou seja : "Doce Major " em sueco. 

Frequentador assíduo de um dos ainda hoje mais luxuosos e renomados restaurantes de Estocolmo, o Salão Berns, Berns Asiatiska,  a sua mesa favorita ainda lá se encontra,agora adornada com elegante placa de prata com as suas referências pessoais.

Como uma das figuras centrais da sociedade local em fins do séc. XIX, acabou por vir a ser ainda hoje recordado nas ementas de restaurantes conhecidos em toda a Suécia que servem o seu, então, prato favorito, "Gös file Soto Maior" (Fileé de perca ou Lúcio, à Soto Maior).

Como elegante modelo do mais exclusivo vestuário da aristocracia inglesa,  fazia inveja com a sua infindável coleção das típicas gravatas de  1800,  sempre decoradas com alfinetes de peito feitos de jóias célebres pelo seu preço e trabalho de ourivesaria.

Nos numerosos jantares e festas na sua residência particular fazia sempre questão de se ausentar da mesa em cada intervalo dos inúmeros pratos servidos . Fazia-o para então mudar de gravata e respectivo alfinete de peito na busca de surpreender os convidados. Isto sucedia cinco vezes, ou mais, em cada banquete!

O seu temperamento não aceitava atitudes menos correctas e, apesar  da sua frágil estatura, com facilidade acabava em duelos.

Cita-se como exemplo um tal Sr. Baker, diplomata inglês, que se referiu de modo menos correcto quanto falava de uma amiga de Soto Maior. O Sr. Baker sobreviveu ao duelo mas.....sem uma orelha!

Acabou por falecer com 81 anos, só,  na sua residência de Estocolmo, sem qualquer família ou contactos próximos em Portugal.

J. Belo
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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21602: Da Suécia com Saudade (85): A base aérea de Beja e o apoio alemão ao esforço de guerra de Portugal em África (José Belo)

Guiné 61/74 - P21916: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (9): "O relógio do Matos", "Há homens que metem medo" e "Canquelifá"


1. Continuação da publicação das memórias, em curtas estórias, do nosso camarada José João Domingos (ex-Fur Mil At Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516 (Colibuía, Ilondé e Canquelifá, 1973/74):


25 - O RELÓGIO DO MATOS

Num qualquer domingo de janeiro de 1974, fomos a Bissau vários camaradas em cujo grupo se incluía o Matos, regressado na véspera da Metrópole, onde tinha gozado férias.

Perto da Amura, quando íamos descer a escada de acesso à esplanada do Pelicano, que dava para o cais, estava um guineense vivaço a querer vender um relógio vistoso a preço de combate.

Ninguém se mostrou interessado no artigo, com exceção do Matos, que, por acaso, trazia no pulso um relógio que lhe fora oferecido dias antes, durante as férias, mas que não era tão vistoso. Feito o negócio que, para além de dinheiro vivo, incluiu a transferência do relógio do Matos para o vendedor, descemos a escada para a esplanada a fim de tomar um refresco adequado ao final de tarde que se aproximava.

Sentados à mesa há poucos minutos, alguém repara que os ponteiros do relógio acabado de adquirir não tinham movimento e alertou o Matos. Este, subiu a escada num ápice à procura do vendedor para desfazer o negócio por incumprimento de uma das partes. Nunca mais o viu.

Também aqui a necessidade aguçou o engenho.

Bissau: Esplanada do Pelicano (estou de costas) e, da esquerda para a direita: o Machado da 3.ª CCAÇ, o Cibrão, o Carmo, o Caetano e o Matos (já falecido)


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26 - HÁ HOMENS QUE METEM MEDO

Em janeiro de 1974, tendo já passado por Bolama e pelo Setor de Aldeia Formosa, ter feito uma dezena de colunas a Farim e uma a Guidaje, sem ter tido confrontos e baixas, o Cardoso, 1.º Cabo, resolveu pedir para o PIFAS a passagem de um disco dedicado à Companhia cujo cognome seria, no seu entender, “Há homens que metem medo”, verso retirado de uma cantiga interpretada por um conjunto musical na altura com alguma popularidade na Metrópole e cuja passagem ele solicitava.

Continuamos a fazer colunas a Farim sem qualquer problema. Porém, sempre que éramos substituídos, e isso aconteceu por duas vezes, a coluna tinha problemas.

No final de março de 1974 fomos para Canquelifá substituir a 3.ª Companhia do nosso Batalhão, que por lá passou um mau bocado, e o grande problema que enfrentámos foi sobreviver naquele buraco onde faltava quase tudo.

Perante isto, o tal cognome arranjado pelo Cardoso pegou entre o pessoal e até parecia que era ajustado porque nos 14 meses passados na Guiné apenas tivemos dois ou três militares evacuados por doença.

O facto de termos comandante e graduados muito atentos e rigorosos na forma cuidada como as tropas se deviam movimentar no terreno, ajudou certamente a evitar alguns conflitos. De resto, foi pura sorte, ou estivemos sempre à hora certa no local certo.


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Canquelifá - © Foto de Adão Cruz

27 - CANQUELIFÁ

No final de março de 1974, fomos para Canquelifá substituir a 3.ª Companhia do nosso Batalhão, que tinha lá passado um mau bocado onde, creio, ficamos em sobreposição com a CCAÇ 3545 que ainda passou um bocado pior.

Lá fomos de LDG até ao Xime e, depois, em coluna, passando por Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego, Piche e Canquelifá.

Entre Piche e Canquelifá a coluna parou várias vezes para se proceder à desativação de minas anticarro. O pessoal deslocava-se apeado, fora dos trilhos habituais. Mesmo assim, um dos paraquedistas que fazia segurança, a quem faltavam poucos dias para terminar a comissão, acionou uma mina anticarro e ficou quase desfeito.

O cheiro dos legumes frescos em decomposição chegava ao aquartelamento muito antes da coluna.

Lá chegámos ao destino. Um buraco com condições indescritíveis ocupado por jovens cujo recente sofrimento lhes estava estampado nos rostos e que, apesar disso, ainda conseguiam dar alguma alegria tocando e cantando, nomeadamente uma adaptação do fado do estudante às vicissitudes passadas naquela terra.

Os vários poços de água ficaram incapazes pois devido às constantes flagelações continham no seu interior animais domésticos em decomposição. A captação de água ficava a algumas centenas de metros e exigia forte segurança e, mesmo assim, a água tinha que ser filtrada. Ora, não havia filtros pelo que a purificação da água era feita num latão com uma torneirita no fundo e, de baixo para cima, com diversas camadas de pedras, areia e cinza. Por este processo conseguiam-se apenas poucos litros de água por hora o que em situação de carência de outras bebidas, como cerveja e leite, que era frequente, tornava o ato de matar a sede muito complicado.

Ao nível da alimentação as coisas também estavam más por escassez de reses e as que havia tinham tal magreza que era difícil tirar delas mais do que os ossos. Aliás, as vacas que por ali andavam mais pareciam mortas que vivas.

O ambiente naquele espaço era doentio e assustador. Vivíamos em abrigos onde mal nos podíamos mexer.

Fui encarregado de receber a cantina que a CCAÇ 3545 explorava e, suprema ironia, do seu conteúdo constavam três garrafas de espumante “Fita Azul” que ainda há pouco tempo vi à venda num supermercado.

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Nota do editor

Último poste da série de 16 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21907: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (8): "As colunas para Farim e Guidaje", "Os engraxadores" e "As ostras de Bissau"

Guiné 61/74 - P21915: Consultório militar do José Martins (60): Honras Fúnebres a que os Antigos Combatentes têm já direito, conforme o Art.º 19.º do Estatuto do Antigo Combatente


Com vista a esclarecer algumas dúvidas quanto às Honras Fúnebres a que os Antigos Combatentes têm já direito, publicamos o trabalho que se segue da autoria do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70):

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Nota do editor

Último poste da série de 6 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21857: Consultório militar do José Martins (59): Loures, o ano de 1961 e seguintes...

Guiné 61/74 - P21914: Tabanca Grande (514): Eduardo Ablu, ex-fur mil, CCAV 678 (Ilha do Sal, Bissau, Fá Mandinga, Ponta do Inglês, Bambadinca, Xime, 1964/66): senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 836


Foto nº 1

Foto nº 2


Cabo Verde >  Ilha do Sal > CCAV 678 > c. maio / julho 1964 > O ex-fur mil Eduardo Ablu




Foto nº 3

Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca > Fá Mandinga > CCAV 678(1964/66)
 
Da esquerda para a direita: Furrieis [Manuel] Bastos [Soares], [Eduardo]Ablu, [Jorge] Ferreira (pai do Rui Ferreira), Primeiro Sargento Alberto Mendes, Furrieis Frazão, Matos e Guimarães.


Foto nº 3

Elvas > 2021 > Foto atual do Eduardo Ablu, novo membro da Tabanca Grande, nº 836  (*)

Fotos (e legendas): © Eduardo Ablu (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Mensagem de Eduardo Ablu, ex-fur mil, CCAV 678 (Bissau, Fá Mandinga, Ponta do Inglês, Bambadinca, Xime,1964/66)

Assunto - Tabanca Grande

Data - domingo, 7/02/2021, 16:30

Boa tarde,  Luís.

Conforme pedido, para que possa entrar para a Tabanca Grande, aí vão os meus dados:

(i) sou o Eduardo dos Santos Roque Ablu,
(ii) natural e residente em Elvas, 
(iii) 79 anos de idade.
(iv) casado e 2 filhos,
(v)  e reformado da Banca.

Da vida militar, já sabem por onde andei:  Cabo Verde e Guiné.

Em relação às perguntas que me fazem..., pois não sei onde e como o Jorge Ferreira apanhou a bicicleta (**).

Se o Jorge, andou de LDM, também não posso dizer. Vê-se que fez, pelo menos, uma escolta [, a Catió] (**).

Enquanto estivémos em Bissau, houve colegas que fizeram escoltas e falaram em barcos de nativos a fazerem o reabastecimento. Foram e, só quando chegavam, estavam em segurança.

Envio as fotos pedidas, uma actual [, foto nº 4] e as outras [, fotos nº 1 e 2]  são da Ilha do Sal. Da Guiné já tinha mandei uma em grupo, tirada em Fá Mandinga [, foto nº 4](***)

Um abraço
Eduardo Ablu



Foto nº 5

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca > Julho de 1965 > Festa de 1º. aniversário da CCAV 678. Na mesa dos oficiais e sargentos, o 1º de frente e da esquerda é o Fur Mil At Manuel Bastos Soares, autor destas fotografias, natural de Vila Nova de Gaia e residente na Maia, Gueifães.


Foto (e legenda): © Manuel Bastos Soares  (2008). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Comentário do editor:

Ok, Eduardo, obrigado por teres aceite o nosso convite. Precisamos cá de malta do teu tempo, do caqui amarelo!... Como te disse, não há quotas nem joias. Já pagaste, já pagámos o pesado imposto....

A tal Companhia de Caçadores Especiais (, a designação caiu depois em desuso,), nº 302, que vocês foram substituir, esteve na Ilha do Sal entre 25/4/1962 e 18/5/1964. Por sua vez, a vossa CCAV 678 desembarcou do T/T do Uíge, na Ilha do Sal, em 20/5/1964. E partiu para o CTIG, três meses depois, no Contratorpedeiro Lima, em 17/7/1964.

Gostávamos de saber, camarada, o que é andaram por lá a fazer e se ainda havia vestígios da presença dos expedicionários do RI 11 (Setúbal) que estiveram no tempo da II Guerra Mundial, vinte anos antes,,, E depois gostávamos de saber também das vossas andanças lá para os lados de Bambadinca, Xime, Ponta do Inglês, que alguns de nós irão conhecer uns anos mais tarde...

Pergunto-te também se manténs contactos com mais camaradas da tua CCAV 678... Na nossa Tabanca Grande o único representante da tua companhia era, até agora, o Manuel Bastos Soares (desde novembro de 2008) (****).

Natural de Vila Nova de Gaia, o Manuel Bastos Soares vive na Maia. (Ficou de me mandar um foto atual, quando lhe telefonei em 2011; não tive mais notícias dele, espero que esteja vivo e de boa saúde.)

Recorde-se ainda que a tua CCAV 678 foi mobilizada pelo RC 7, partiu para o TO da Guiné em 18/7/1964 e regressou à Metrópole em 27/4/1966. Passou por Bissau, Fá Mandinga, Bambadinca e Xime. Teve 3 comandantes, todos do quadro permanente: Cap Cav Juvenal Aníbal Semedo de Albuquerque; Cap Cav Inácio José Correia da Silva Tavares; e Cap Art José Vitor Manuel da Silva Correia.

Pronto, Ablum senta-te no teu lugar, nº 836, e espero que possas a partilhar connosco mais memórias do tempo em que andaste, quatro anos antes de mim, por estes sítios (míticos) do leste: Fá Mandinga, Bambadinca, Xime, Ponta do Inglês...

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21913: Tabanca Grande (513): Os últimos cinco camaradas de armas que ficam no talhão dos que da lei da morte já se libertaram: João Cupido (nº 831), Mamadu Camará (nº 832), Manuel Amaral Campos (nº 833), Marcelino da Mata (nº 834) e Paulo Fragoso (nº 835)


João Cupido (1936-2021), natural de Mira
ex-cap mil art, CCAÇ 2753, 
"Os Barões do K3" (1970/72) (*)



Mamadu Camará (c.1940 - 2021), 
ntural da Guiné-Bissau, 
ex-sold 'comando', 
 Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 
1966/70,  e 2ª CCmds Africanos, 
Bissau, 1970/74)
(**)


Manuel Amaral Campos (1945-2021), 
natural de  Vieira do Minho,
ex-Sold Rec Inf , 
CCS/BART 1913 (Catió, 1967/69) 
 (***)



Marcelino da Mata (1940-2021),
natural da Guiné-Bissau,
ten cor inf, reformado, (****).
Tem cerca de meia centena 
de referências no nosso blogue.




Paulo Fragoso (c. 1947-2021), 
natural de (ou residente em) Lisboa,
ex-Sold At Inf , CCAÇ 2616 (Buba, 1969/71) 
(*****)

Fonte: Blogue Luís Graça  & Camaradas da Guiné (2021)

1. Vários antigos combatentes da Guiné, nossos camaradas de armas, tombaram, recentemente, vítimas da pandemia de Covid-19 que está a ser o maior desastre sanitário  e demográfico do séc. XXI, tal como  o foi a pneumónica ou "gripe espanhola" em 1918/19. Ou a epidemia de cólera de 1833, em plena guerra civil.

Sabemos da morte de alguns, aqui já evocados no nosso blogue, na série In Memoriam, por camaradas, membros da Tabanca Grande, que os conheceram, que com eles combateram, ou quem conviveram nas nossas Tabancas. Só nas últimas semanas foram cinco. Recordeamos acima  os seus nomes, por ordem alfabética.

Outros mais  terão morrido,  sem o sabermos, vítimas de Covid-19 ou de outras doenças, nestes dois terríveis meses do ano de 2021.Todos estes nossos cinco camaradas, enquanto antigos combatentes no TO da Guiné, entram a título póstumo para a Tabanca Grande, sendo  devidamente lembrados no respetivo talhão, que dedicamos justamente àqueles de nós que "da lei da morte já se foram libertando", pelo lhes atribuímos os seguintes lugares, à sombra do nosso poilão, respeitando a ordem alfabética: 

João Cupido, nº 831; Mamadu Camará, nº 832; Manuel  Amaral Campos, nº 833; Marcelino da Mata, nº 834: e Paulo Fragoso. nº 835.

O último poste da série "Tabanca Grande", foi o P21875, de 9 do corrente (******).

Que Deus, Alá e os Bons Irãs nos protejam.
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:





Guiné 61/74 - P21912: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (5): Dormir com o inimigo


1. Do projecto de livro autobiográfico do nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74) a lançar oportunamente, publicamos aqui mais uma estória, a quinta.


5 - DORMIR COM O INIMIGO

Conhecia-os bem, porque passavam, de vez em quando, pelo nosso aquartelamento de Mampatá, a caminho do mato, sempre que as operações decorriam na área do sector atribuído à nossa companhia. A sua companhia era de intervenção, o que significava que não tinha apenas uma área fixa à sua responsabilidade operacional, mas intervinham às ordens do comando do batalhão, ora num subsector ora noutro. Era na verdade uma companhia muito prestigiada e com uma atividade operacional muito intensa a Companhia de Caçadores n.º 18, designada por nós a CCaç 18, a que aqueles dois furriéis pertenciam.

A maioria dos seus militares era natural da Guiné, e só a minoria composta pelo capitão, quatro alferes, 1.º sargento, alguns furriéis e uns tantos cabos especialistas, eram oriundos da então chamada metrópole portuguesa. Mas estes dois furriéis que viajavam comigo num batelão de mercadorias, em pleno rio Grande de Buba, eram guineenses de pele bem escura. E se nos conhecíamos de Mampatá e até de encontros fortuitos em Aldeia Formosa, durante aquelas longas horas entre Buba e Bissau, com escala na ilha de Bolama, falámos de tudo, mas especialmente da guerra e das previsões que dela faziam aqueles dois meus camaradas de armas. Sim parecia-me que entre nós os três havia muito em comum, embora não deixasse de considerar que eles estavam no seu solo e no seio da sua cultura.

Ambos eram manjacos, um dos grupos étnicos não islamizados, combatentes do exército português, tal como eu. Os três iríamos desfrutar de um mês de férias, eu em Medas-Gondomar, eles em Bissau. Pelo que tenho presente nenhuma reserva mental se interpunha entre o meu pensamento e as ideias que exteriorizava sobre aquele conflito sugador de bens, ávido de sacrifícios e predador de vidas. Parecia-me, pelo lado de ambos, algum desconforto na impossibilidade de me dizerem tudo o que lhes ia na alma. Sentir-se-iam eles de consciência absolutamente tranquila, cientes de que lutavam dentro do seu território contra, pelo menos, uma parte do seu próprio povo? Ou criam naquela ideia, utópica para uns, realizável para outros, de uma Guiné integrada num espaço pluricontinental e pluricultural, beneficiando da proteção de uma metrópole europeia capaz de assegurar a formação de quadros técnicos e apoio na construção de infraestruturas, num território delas tão carente? Mas como poderia Portugal, então sob um regime de ditadura, garantir a uma ou a todas as suas parcelas dispersas pelas mais diversas geografias, um governo autónomo resultante de uma escolha democrática?

Um era o Furriel Baticã, do outro já se me varreu o nome da memória, mas ambos me pareciam apreensivos quanto ao seu futuro, vestindo uma roupagem que não lhes assentava na perfeição. Mesmo assim, no decurso daquela viagem até Bissau, muito aprendi da sociologia da Guiné, dos usos e costumes, dos dialetos, do comércio esclavagista, do fluxo demográfico da Guiné para Cabo Verde e, posteriormente, da migração de cabo-verdianos para a Guiné.

Desembarcados em Bissau, combinámos beber umas cervejas no Café Bento, logo ali à direita, no início da avenida mais importante da capital guineense, onde daríamos os últimos retoques à conversa e nos despediríamos. E foi assim, na despedida, que os dois camaradas da CCaç 18 me convidaram para passar, na casa que tinham na cidade, os dois ou três dias que teria que esperar pelo meu embarque para o Porto, via Lisboa.
A casa era modesta, para os padrões europeus, mas boa no contexto da Guiné. Num amplo quarto estavam dispostas meia dúzia de camas de ferro ladeadas por uma mesinha de cabeceira. Tudo muito sóbrio num chão de cimento coberto aqui e ali por esteiras de confeção artesanal.

Naquela casa entravam e saiam, continuamente, familiares e amigos dos meus anfitriões, aceitando com naturalidade e até simpatia a minha presença. Por certo todos estavam informados de quem eu era. Pela minha parte sentia-me à vontade, mais seguro até do que se estivesse num local onde predominassem militares de pele clara. Bissau começava a ser um local pouco seguro, a que chamávamos a Saigão da Guiné, sobretudo desde o ataque, com foguetões, ao aeroporto.

Mais tarde, depois das férias que correram vertiginosamente na metrópole, e regressado ao mato, reencontrei estes hospitaleiros camaradas guineenses e até ao fim da comissão tive oportunidade de lhes reafirmar a minha gratidão pela forma simpática como me receberam em sua casa onde passei dois ou três agradáveis dias, num bairro onde só se viam pessoas de pele escura.
Alguns anos depois da independência da Guiné, vim a saber, com algum espanto, que o Furriel Baticã, foi integrado no governo do PAIGC, ao contrário de muitos outros guineenses que foram fuzilados por terem integrado as Forças Armada Portuguesas. Posso então dizer que dormi na casa do inimigo.

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21905: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (4): A vaca

Guiné 61/74 - P21911: Historiografia da presença portuguesa em África (252): "Kaabunké, Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance pré-coloniais", por Carlos Lopes; Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
A importantíssima tese de Carlos Lopes prende-se com o mundo Mandé e Malinké que ascende ao poder numa ampla região geográfica onde cabem a Gâmbia, o Senegal, o antigo Casamance, áreas do Futa-Jalo e parte essencial da Guiné-Bissau, entre outras. Houvera a queda do Estado do Gana devido à invasão dos Almorávidas que levou ao aparecimento do Império do Mali, no século XIII. Os Mandinka vinham do Império do Mali e invadiram a Senegâmbia e fundaram o Kaabú, com destaque para o povo Malinké. Este reino de cuja extensão já se falou, irá ter o seu centro político em Kansalá, situado na atual região norte do Gabú, Guiné-Bissau. Os Mandinka eram poderosos, maleáveis na administração, não hostilizavam frontalmente o animismo. Irão ser confrontados com a ascensão Peul ou Fula, serão estes os novos senhores mas, segundo Carlos Lopes, jamais se perdeu a coesão geográfica e cultural do Kaabunké com consequências que ultrapassam a lógica dos atuais países independentes da região.

Um abraço do
Mário


A Guiné antes e durante a presença portuguesa:
Kaabunké, trabalho admirável de Carlos Lopes, historiografia incontornável (1)


Mário Beja Santos


"Kaabunké, Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance pré-coloniais", por Carlos Lopes, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, continua a ser o estudo mais completo sobre o que terá sido o Cabo Malinké, com incidência na historiografia da antiga colónia portuguesa, e como exercício da interdisciplinaridade que deve existir nos estudos africanos, de leitura obrigatória. Afinal, de que trata? Diz o autor tratar-se de uma investigação aprofundada sobre a história do Kaabú, uma estrutura política Mandinga da Alta Costa da Guiné que sobreviveu a todas as tempestades da África medieval e unificou os povos de “Rios de Guiné durante seis séculos, do século XIII ao século XIX”. E adianta: “Foi em 1972, no Congresso de Estudos Mandingas em Londres, que tomámos conhecimento das primeiras comunicações sobre o que viria a constituir uma grande descoberta para inúmeros historiadores: o Kaabú, os Mandingas do Oeste, os verdadeiros herdeiros do Império do Mali e da época gloriosa de Sunjata Keitá. O Kaabú foi um Estado unificador de todas as etnias da região, e as suas diversas áreas de influência expandiram-se e abrangeram a cultura de toda a região do Sudão Ocidental. Para o conhecimento das relações de poder existentes no passado longínquo da Guiné-Bissau, mas também da Gâmbia, de Casamance, do Senegal Oriental e do Futa-Jalo guineense, é necessário interpretar as características dos Kaabunké, o alcance da sua civilização e, acima de tudo, a unificação ou conjugação interétnica por eles levada a cabo”.

Definido o propósito do trabalho, o autor pronuncia-se sobre as diferentes fontes (tradições orais, fontes árabes, fontes portuguesas, fontes francesas e outras. Analisa o conceito de etnia, nação, Estado, sociedade e Mansaya, sente-se a complexidade de definir a etnia, mais fácil é encontrar o conceito de nação, que pressupõe um sentimento de solidariedade intergrupos na base dos mesmos princípios que os do conceito do grupo étnico, mas a nação carece de um espaço de expressão maior e de uma estrutura a que se chama Estado. O Estado no caso do Kaabú possuía uma estrutura política onde existia uma diferença entre governador e governado, a Mansaya, expressão de um poder estatal. “As Mansaya, criação Malinqué, foram o modelo de organização política mais importante do Sudão Ocidental, porque se adaptaram a uma estrutura produtiva assente num volume de trocas relativamente reduzido e de longa distância. Nas Mansaya, o poder tinha uma forte conotação clânica, e os direitos de sucessão eram geralmente respeitados. A Mansaya tinha um sistema de poder por representação das diferentes camadas sociais, adoptaram um modelo e um aparelho ideológico que aliava a fé animista a certas aquisições do Islão, nas quais o Kaabú introduziu um sistema de governo com modificações substanciais, como a sucessão matrilinear”. São equacionados grupos linguísticos (Sérèr), os Diola, Felupe, Baiote e muitos outros, como o Pajadinca, o Cassanga, o Brame, o Manjaco, o Balanta, o Beafada, o Bague, o Bijagó, o Nalu e o Fula, etnias e línguas que gravitavam no espaço Kaabunké com a língua Mandé.

Como situar a geografia Kaabunké? O autor responde: “O espaço geográfico onde se desenvolveu o Kaabú, é um conjunto ecológico homogéneo, ou melhor, integrado. Caracteriza-se pela existência de grandes rios (Gâmbia, Casamance, Cacheu, Geba, Corubal, Nunez e Pongo) e dos seus afluentes que descem em cascatas do Futa-Jalo até ao mar. Um estudo minucioso de algumas fontes dos séculos XV e XVI demonstra-nos que os navegadores chegados a esta região a distinguiam claramente do Norte da Gâmbia, devido à quantidade de chuvas, à sua duração e ao calor que fazia no interior do território”. Havia boas condições de navegação, a composição do solo permitia a rizicultura de tarrafo, os cursos de água constituíam um forte ponto de atração. O ouro que Bambuk e provavelmente da zona do Geba/Bafatá desempenhou um papel importante no papel da região. Há historiadores que não escondem os aspetos limitativos ligados à geografia, como o próprio autor observa: “Muitos historiadores consideram que esta região era uma espécie de beco sem saída do mundo Mandinga, pois não passava do ponto extremo ocidental do Império do Mali, longe dos eixos comerciais trans-saarianos. É certo que permitia a expansão até ao Atlântico, o que pouco servia o Mali propriamente dito. O isolamento relativo desta região – bloqueada para lá do Futa-Jalo – em relação ao Mali pode explicar a necessidade sentida no interior deste espaço de uma maior relação entre as diferentes estruturas económicas e, evidentemente, políticas. O Kaabú teria, assim, sido o intérprete deste desejo ou necessidade de desenvolver uma dinâmica mais independente”. Carlos Lopes discreteia em torno de um conjunto de lendas e socorre-se do Tratado de André Álvares de Almada para nos procurar dar um quadro do que era o Kaabú nos séculos XIV e XV. Citando outros autores, Carlos Lopes conclui que o Kaabú dos séculos XIV e XV é ainda uma província – Farim – do Mali, que é a referência de toda esta região; e diz que as fontes escritas refletem a importância do comércio exercido pelos reinos na zona de influência do Kaabú, acrescentando que a influência cultural do Kaabú nos leva a aceitar a ideia de que se tratava primordialmente de um espaço de alianças entre vários clãs, grupos de interesse, sobretudo Malinqué, não era pois um Estado forte, centralizador e com controlo territorial. Fala-se depois se Kansala era efetivamente o centro do poder, enuncia-se a estrutura social Kaabunké que incluía aristocracia, homens-livres, homens de casta e os escravos e agrupamentos étnicos dominados, tudo altamente desenvolvido no seu trabalho, tal como o espaço estatal, político e guerreiro.

Temos agora o espaço de trocas, e aqui Carlos Lopes releva as fontes portuguesas, qual a natureza das trocas, sobretudo nos reinos da costa. E adianta o seguinte: “O comércio de longa distância do Kaabú partia dos pontos de tráfico de escravos na costa, através dos Rios do Sul, passava pelas feiras de escravos e mercados de tradição antiga não longe da costa, depois pelo Futa-Jalo, e dirigia-se por fim para o Alto Níger. A rede tinha uma base no Kaabú, mas estava muito mais disseminada, constituindo-se as feiras como pontos de redireccionamento. Existia de facto um mercado longínquo centrado na troca desigual". Carlos Lopes desenvolve a noção de espaço cultural e linguístico, cita autores portugueses e estrangeiros, conclui que o espaço cultural e linguístico Kaabunké conheceu a sua primeira expansão no século XVII, é dado como um espaço homogéneo, predominando o Wolof a norte do Gâmbia e um território sob influência Malinké, do Gâmbia até à Serra Leoa. A questão religiosa é a mais complexa, no espaço Kaabunké coexistiam o animismo e o Islão, tinha tido um importante vetor de penetração no Sudão Ocidental. Quando os portugueses chegaram à Guiné defrontaram-se com este desidrato religioso, toda a história da missionação na Guiné tem que ser percebida pela hostilidade do clima, pela falta de comunidade apoiante das missões, pelo pequeníssimo nome de missionários, tudo somado a política de conversão não funcionou. O aspeto mais curioso do Cristianismo na Guiné é de que presentemente ele está a conhecer um crescimento sem precedentes face aos séculos anteriores.

Não se pode falar no Império do Cabo, mas sim numa constelação de reinos dependentes do Mansa-Bá. O controlo territorial europeu era praticamente nulo. Os portugueses apenas se dedicavam ao comércio. Mesmo quando o Kaabunké entrou em desagregação completa, em pleno século XIX, a presença portuguesa preferiu a neutralidade nas horríveis guerras do Forreá, fez o possível e o impossível para não se imiscuir perante os invasores Fulas e a reação dos Beafadas. Para terminar, resta dizer que havia uma profunda unidade natural da região, a generalidade dos investigadores assim o afirma. Seja como for, a administração Kaabunké, que tinha a concentração do poder na aristocracia, era muito maleável, procurava o melhor entendimento possível com os soberanos africanos. É neste contexto, e sendo o Kaabunké também um império traficante de escravos que os portugueses constituíram uma feitoria no Cacheu e no fim do século XVIII estavam implantados em Bissau. “Não se pode falar de administração portuguesa na Senegâmbia meridional ou na região dos grandes rios, antes do século XIX, como fazem os historiadores portugueses. Porém, é interessante saber que existiram tentativas, sem grande sucesso, para instaurar uma administração junto das cidades portuárias”.

(continua)
Mapa com Mansa Musa
A New & Correct Map of Negroland and Guinea - G. Rollos c.1770
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21883: Historiografia da presença portuguesa em África (251): A descoberta da Guiné, polémica violenta: Vitorino Magalhães Godinho versus Avelino Teixeira da Mota (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21910: Parabéns a você (1933): António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) e Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 1426 (Geba, Camamudo e Cantacunda, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21892: Parabéns a você (1932): Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845 (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70)