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quarta-feira, 25 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23290: Historiografia da presença portuguesa em África (318): “Por Terras da Guiné, Notas de um Antigo Missionário, Padre João Esteves Ribeiro” publicado em "Portugal Missionário, reunião havida no Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim em 1928"; edição da Tipografia das Missões em Couto de Cucujães em 1929 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2021:

Queridos amigos,
A remexer papéis que têm a ver com o Conselho Ultramarino, falou-se em missionação na Guiné, assim cheguei a um inventário intitulado Portugal Missionário, uma reunião para a qual convergiram missionários de todo o Império e deu origem a depoimentos do maior interesse, e foi aí que recolhi o testemunho do Padre José Eduardo Ribeiro que nos dá um quadro da vida da Guiné na época nas suas diferentes dimensões. Ainda se vivem grandes sublevações, mas já na ordem decrescente, chegou a pacificação e institui-se a administração. O padre Ribeiro fez amizade com o tenente Graça Falcão que escapou milagrosamente a ter sido massacrado nas sublevações do Oio de 1897, ele aqui descreve ao pormenor a recuperação de Graça Falcão em condições quase milagrosas, levado meio morto para Farim onde recuperou, Graça Falcão faz parte das figuras muito controversas da Guiné, militares de bravura indiscutível que se meteram em negócios que deram para o torto.

Um abraço do
Mário



A Guiné vista por um missionário em 1928

Mário Beja Santos

Bisbilhotava numa publicação os diferentes colégios missionários que existiram em Cernache do Bonjardim, Bombarral e Tomar (hoje em Couto de Cucujães), dei pela existência de um volume intitulado Portugal Missionário, reunião havida no Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim em 1928 e que deu edição da Tipografia das Missões em Couto de Cucujães em 1929. Foi aí que encontrei este testemunho intitulado “Por Terras da Guiné, Notas de um Antigo Missionário, Padre João Esteves Ribeiro”. Há fundadas razões para tomar nota, mesmo que abreviadamente, do que ele escreve. Sobre o solo guineense observa: “A pequena, mais riquíssima, colónia da Guiné Portuguesa, parece formada por terrenos de aluvião. Terreno silicoargiloso, havendo húmus em alguns pontos. É desprovido de calcários. Não se conhecem minérios na Guiné" (falso).

Quanto à fauna, diz que é variadíssima, refere animais ferozes como a onça, a pantera (?), o leopardo (?), a hiena, o búfalo e o elefante (diz que em vista de desaparecimento). Refere a gazela, a fritambá (antílope de porte pequeno), as cobras, os diferentes tipos de macacos. Há cavalos e burros mais pequenos dos que na Europa, o boi, a cabra, a ovelha (?) e o porco. Nos rios abundam os hipopótamos e os jacarés. É enorme a versatilidade de aves. Sobre os insetos, diz que os maiores inimigos do homem são os mosquitos e as formigas. Passando para a flora, alude a árvores de grande porte e reconhecida utilidade (cibe ou palmeira de leque, pau-ferro, pau-sangue, bissilão – uma espécie de mogno –, o incenso, a cabaceira, o poilão e o pau-carvão. Enumera árvores de fruta: laranjeira, mangueira, goiabeira, limoeiro, tangerineira, coleira…), diz haver pequenas quantidades de café e cacau, quanto às grandes culturas só o amendoim e o arroz, e observa: “A falta de capitais tem impedido o desenvolvimento da agricultura”.

Vê-se que dedicou observação à árvore étnica, fala em Baiotes, Banhuns, Felupes, Fulas, Sossos, Mandingas e Cassangas, Beafadas, Nalus, Bijagós, Balantas, Cobianas, Brames e Mancanhas, Manjacos e Papéis. Alarga-se nas referências aos Grumetes, dizendo que era nome dado aos descendentes do cruzamento dos soldados cabo-verdianos com os Papéis de Bissau e Cacheu e que na atualidade em que escreve este nome era dado a todos os indígenas que falam crioulo e andam vestidos com calças, camisa e casaca, habitando nas povoações europeias ou arredores.

No tocante à região, nada adianta que não se saiba, mas traz informações a ponderar. Os Grumetes de Cacheu são católicos. Os Grumetes de Bissau batizam os filhos e exigem enterro religioso. Os Grumetes são geralmente uns bêbados inveterados, gastam tudo quanto ganham na bebida e tabaco. E daqui passa para uma leitura das igrejas da Guiné: há três com um só padre residindo em Bissau. “O benemérito missionário Padre José Pinheiro, pároco de Bissau, está na Guiné há perto de 20 anos, deve retirar-se brevemente ficando a Guiné sem um único padre. Este estado vergonhoso constitui também um problema político porque os muçulmanos pregarão livremente a sua Guerra Santa, incutindo no espírito de todos os indígenas sentimentos de ódio e rebelião para com as autoridades portuguesas”. E depois dá-nos uma nota sobre a administração civil dizendo que a Guiné que ainda há poucos anos apenas era nossa em Bolama, e dentro das vilas de Bissau e Cacheu, e povoações de Farim, Geba e Buba, está hoje completamente ocupada e pacificada. Refere os dois concelhos e oito circunscrições em que se dividia a administração civil, observa que há em Bolama bons edifícios particulares, sendo o mais aparatoso o do Banco Nacional Ultramarino e diz que Bissau é a principal cidade da Guiné. Dá-nos ainda notas sobre o correio, o comércio, a indústria e a força militar.

O autor agradece a ajuda de informações que lhe deu o seu amigo Jaime Augusto da Graça Falcão, que fora militar brioso, que se envolveu em diferentes e polémicos processos que lhe custaram a carreira militar e contendas com a autoridade. E entende, por gratidão com o amigo Graça Falcão fazer uma memória de uma situação extrema que este militar vivera. Tudo acontecera em 1897, houvera revolta dos povos do Oio, houve necessidade de organizar uma exposição contra os sublevados e foi nomeado comandante dessa força Graça Falcão. Vale a pena extrair alguns parágrafos do testemunho deste padre missionário:
“Além da força de tropas regulares, foram incorporadas na expedição bastantes auxiliares indígenas, de raça diferente, e que ofereciam alguma esperança de fidelidade. Foi uma ilusão que nos custou bem cara. Estes auxiliares, ao primeiro embate com o inimigo, não somente recuaram cobardemente, como fugiram e até se bandearam com os revoltosos”. Seguiu-se o pânico, os que ficaram defenderam-se como leões, resistiram até serem trucidados. A notícia do desastre chegou a Farim, logo seguiu rio acima uma canhoneira, não havia notícias do comandante, passaram-se os dias, perdiam-se as esperanças de que ele tivesse sobrevivido ao combate. Quatro dias depois, porém, chega à feitoria da casa alemã Otto Schacht um mensageiro que em grande segredo mostra ao gerente da casa um papel: “Estou vivo, mandem bote Jafaná. Falcão”. O padre Ribeiro foi chamado, o gerente da feitoria e o missionário partem à procura do amigo. Entram numa região rebelada, meteram-se num pequeno bote tripulado por quatro remadores levando algumas provisões. O rio Farim que tinham de subir até Jafaná era a linha divisória do campo revoltado. Doze horas demorou a viagem até chegar a terra firme e embrenharam-se no mato. Caminharam e assim nasceu o sol. Pelas nove da manhã deram com Graça Falcão, de aspeto cadavérico, foi reanimado com marmelada e um cálice de vinho do Porto. Assim arrastaram o doente para o porto de embarque, tinham-se passado cinco dias após o desastre do Oio. Foi-se sabendo a história: Graça Falcão defendeu-se como um bravo, animando a todos até ao último momento, ferido gravemente, encobriu-se com os arbustos, os inimigos afastaram-se do campo de batalha, Graça Falcão cuidou ele próprio das feridas, arrastou-se pelo mato, fugiu dos povoados e ocultou-se com o capim sempre que pressentia alguém pelos caminhos; três dias errou à fome e a perder sangue; providencialmente as feridas não se infetaram. Uma vez no pequeno bote largaram rio abaixo e com o coração aos saltos chegaram a Farim. Este depoimento do padre missionário irá coincidir com relatos coevos de outros testemunhos.

Quem teve a paciência de ler o meu livro Os Cronistas Desconhecidos do Canal de Geba: O BNU da Guiné, recordará certamente os comentários pouco abonatórios feitos a Graça Falcão, alguém que foi um militar valoroso e de comportamento heroico que caiu nas malhas de negócios menos claros.

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23273: Historiografia da presença portuguesa em África (317): Anais do Conselho Ultramarino: Curiosidades da Guiné (4) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22640: Notas de leitura (1389): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Por uso e costume, circunscreve-se a história da luta armada a um conjunto de intervenções, faseadas no tempo que esta durou, trazendo à cena protagonistas guineenses e cabo-verdianos. No início da guerra, como se viu no chamado Congresso de Cassacá, houve que punir líderes que agiam sem freio, era uma prepotência que aterrorizava as próprias populações coniventes com o PAIGC. Foram severamente punidos, embora não se saiba quantos e como. O PAIGC adquire um formato rígido: todos os comissários militares dependem de uma cúspide pública onde pontificam Cabral, Aristides Pereira e Luís Cabral. A questão cabo-verdiana não se põe, a sua presença é ténue, passará a ser um problema quando os cabo-verdianos chegarem em massa a Conacri, ir-se-ão distinguir como artilheiros e técnicos, viverão à margem dos guineenses, eram outros preceitos culturais. Com este livro, temos pela primeira vez uma linha sequencial do que foi o PAIGC na linha cabo-verdiana, como Cabral teve que gerir problemas de tomo como a unidade Guiné-Cabo Verde e o sonho de uma invasão que era totalmente inviável. Uma obra que deixa claro o papel incontornável dos cabo-verdianos na guerra da Guiné, se dúvidas subsistissem.

Um abraço do
Mário



Cabo Verde, os bastidores da independência (1)

Beja Santos

Trata-se do primeiro livro do jornalista e investigador José Vicente Lopes, construído a partir de entrevistas com mais de cem personalidades cabo-verdianas, guineenses e portuguesas, cruzadas com fontes documentais e bibliográficas: “Cabo Verde, os bastidores da independência”, por José Vicente Lopes, Spleen Edições, 3.ª edição, 2013.

A obra arranca no dia da independência de Cabo Verde, 5 de julho de 1975, tudo aconteceu no Estádio Municipal da Várzea, e vemos Abílio Duarte, líder do PAIGC, a ler a proclamação da independência, é um passeio íntimo, ouvem-se declarações de diferentes protagonistas. Segue-se um capítulo onde se procura interpretar as raízes da independência, destacam-se figuras nos chamados protonacionalistas e caímos na chamada fundação do PAIGC que, segundo a história oficial, teria nascido a 19 de setembro de 1956. A data é questionada por Abílio Duarte que declarou o autor que estranhou, estando em Bissau nessa data, não ter sido convocado para o encontro: “Pode ter havido reunião, mas não pode ser considerada a fundação do partido. A grande verdade é que Amílcar Cabral esteve em 1957 em Paris, onde se encontrou com Mário de Andrade e Marcelino dos Santos, e nunca falou da fundação do PAIGC com ninguém”. E ouve-se longamente o depoimento de Abílio Duarte que saiu de Cabo Verde em jovem e foi trabalhar para o BNU de Bissau. Fala-se da chegada de Amílcar Cabral a Bissau, em 1952, abre-se o proscénio da Casa dos Estudantes do Império, e é referida a atividade dos nacionalistas guineenses no período que precede a eclosão da luta armada.

Salta-se para Cabo Verde, é então governador o Major Silvino Silvério Marques, no período de 1958 a 1962 e entra em cena José Leitão da Graça, um dirigente nacionalista que se confrontará com Amílcar Cabral, Leitão da Graça nunca se conformará com a tese da unidade Guiné-Cabo Verde. E passamos ao Senegal, estamos em Dacar onde há inúmeros cabo-verdianos e guineenses, aqui emergem movimentos de libertação, igualmente como em Conacri. O autor dá-nos a conjuntura internacional, os ventos da História chegaram a África, os Estados Unidos, a esfera socialista e os países do Terceiro Mundo aparecem como os grandes aliados das independências africanas. Amílcar Cabral visita Londres, estivera em Tunes, na Conferência dos Povos Africanos, por enquanto ainda não se fala nas colónias portuguesas, é em Londres que Cabral faz a sua investida, conta com a ajuda de Basil Davidson, distribui documentação, dá conferências, concede entrevistas. Os movimentos nacionalistas procuram conjugar esforços. Amílcar Cabral contribui para fundar a Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas, era a herdeira do Movimento Anti-Colonial, surge a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), agrupando o PAIGC, o MPLA e nacionalistas de Moçambique e Goa, isto em 18 de abril de 1961. E Abílio Duarte parte para a luta, será representante do PAIGC em vários países.

O autor destaca o período do Governo de Alves Roçadas e explica porquê. Alves Roçadas foi governador de Cabo Verde entre 1949 e 1953. Deve-se-lhe um “Plano de ressurgimento de Cabo Verde”, que previa várias fases: colmatar as grandes crises alimentares e fase de reconstrução, ampliação e melhoramento do património cabo-verdiano. Os seus relatórios anuais eram diretos e desabridos: “As padarias, talhos, hotéis, fábricas, garagens, etc., são, regra geral, uma porcaria”. E noutro documento: “Neste Arquipélago, onde o nível de vida da grande maioria da população é baixo, chega-se por vezes a pagar soldadas miseráveis, como remuneração do trabalho humano, a que é preciso pôr, ou procurar pôr, o devido cobro”. Partiu desiludido, não lhe deram os meios suficientes em Lisboa.

Fala-se de Dulce Almada Duarte e das peripécias da sua vida itinerante ao lado de Abílio. A ascensão do nacionalismo é passada em revista, aqui se falará do alferes Pedro Pires, de Osvaldo Lopes da Silva, estudante na Crimeia, de Honório Chantre, que se preparou em Cuba, de Silvino da Luz, que andou pela Argélia, e de Onésimo Silveira e Olívio Pires. Olívio Pires parte para Paris em 1964, aqui se encontrará com Manecas Santos e outros, aqui se mobiliza emigrantes cabo-verdianos para o PAIGC, uns irão para a Argélia, outros para Havana, outros para Conacri. E fala-se igualmente do último encontro entre Leitão da Graça e Cabral, em 1962, em definitivo a unidade Guiné-Cabo Verde separou-os irremediavelmente.

Em 1961, surgem ofertas de armamento da RDA, promessa não concretizada. Serão os marroquinos que enviarão armamento, muita gente converge para Conacri. Nesse mesmo ano, o ministro Adriano Moreira retoma a tese da adjacência de Cabo Verde, não terá futuro. Começam a chegar a Conacri os quadros formados na China, a luta entra no nível da subversão, no segundo semestre de 1962, um pouco por todo o Sul. José Vicente Lopes disseca a agitação nacionalista em Cabo Verde, há prisões, a figura proeminente será Jorge Querido, a partir de 1968, ano em que Salazar deixa o mando e em que Spínola sucede a Schulz. Fala-se sinteticamente da evolução da guerra, de diferentes iniciativas conducentes a um cessa fogo. No Arquipélago, a situação continua controlada pelas autoridades portuguesas. E assim se chega ao assassinato de Cabral, de novo se retomam velhas teses quanto a hipóteses de quem mandou matar o líder do PAIGC, a tónica é sempre a mesma: o complô era conduzido exclusivamente por guineenses e aqueles que foram ameaçados de morte eram todos cabo-verdianos. Ventila-se um compromisso português com os sublevados, Valentino Cabral Mangana depôs a existência de um pacto entre eles e as autoridades de Bissau, barcos portugueses esperariam fora das águas territoriais guineenses os capturados, Cabral e Aristides Pereira, tese delirante, não há qualquer documento sobre envolvimento da Armada ou concentração de barcos no Sul da Guiné, naquela data. Um outro sublevado, Lansana Bangoura, revelara a existência de um plano de agressão em preparação contra a Guiné Conacri e contra a Tanzânia e Zâmbia, nestes dois casos por causa do apoio à Frelimo e ao MPLA, depoimento sem pés nem cabeça. Volta-se a falar do ambiente podre em Conacri sem explicitar em que se manifestava tal podridão. Depois de desfiar contas do rosário que vêm em muitos livros, o autor fala no culminar de rivalidades entre guineenses e cabo-verdianos. Em setembro de 1972, segundo Osvaldo Lopes da Silva que tivera com Cabral uma conversa tensíssima, nasce a ideia de destruir um quartel fundamental, era preciso sair do impasse já que Spínola pusera em andamento a reocupação do Cantanhez, ressuscitara gravíssimos problemas na liberdade de ação do Sul, com a evacuação de escolas e hospitais. Fala-se igualmente num possível envolvimento de Sékou Touré, um pouco de mais do mesmo. Segue-se a tomada de Guilege e retoma-se a velha questão de como invadir Cabo Verde.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22620: Notas de leitura (1388): Um acontecimento científico de renome: A Missão Geoidrográfica da Guiné (1947-1957) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22432: Historiografia da presença portuguesa em África (274): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (11) (Mário Beja Santos)

Durante anos, era este o aspeto do vestíbulo da Sociedade de Geografia, o quadro de Veloso Salgado estava à altura dos nossos olhos


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Este trabalho de Ângela Guimarães aparece temporalmente datado, circunscrito aos primeiros vinte anos da Sociedade de Geografia, o porquê da sua criação, surge um tanto tarde e a más horas, a cobiça de velhas e novas potências coloniais ronda espaço que os portugueses reivindicam mas não ocupam. Um tanto à moda nacional, cria-se a Sociedade enquanto o governo de Andrade Corvo cria estrutura semelhante nos quadros da administração, inevitavelmente surgiram conflitos e rivalidades. A capacidade científica da Sociedade prevaleceu, o escol científico e económico posicionou-se na Sociedade, basta recordar Chamiço, o detentor do Banco Nacional Ultramarino, e o industrial Alfredo da Silva, eles têm os seus interesses e a Sociedade não deixa de cultivar os seus heróis, primeiro os exploradores e depois os militares que triunfam nas campanhas de pacificação e ocupação. Os monarcas portugueses tinham que alinhar com este culto de heróis e socorrer-se dos diferentes estudos que a Sociedade carreava para apoiar as manobras diplomáticas do governo tanto na definição de fronteiras como no seguimento de políticas de apaziguamento e tratados de comércio com outras potências colonizadoras. Passada a pente fino esta obra de Ângela Guimarães, que a todos os títulos se recomenda, vamos continuar as leituras.

Um abraço do
Mário


O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (11)

Mário Beja Santos

A
primeira obra que aqui se recenseia intitula-se "Uma Corrente do Colonialismo Português", Ângela Guimarães, Livros Horizonte, 1984, trabalho realizado entre 1969 e 1972, partiu de um conjunto apreciável de interrogações sobre a criação do colonialismo, a sua natureza dependente e incapacidade de conversão e apurar o comportamento das diversas classes e grupos sociais face à questão colonial, ou seja, como se elaborou a ideologia colonialista e saber se esta se revestiu da mesma feição todo o tempo. Dada a vastidão de questões a autora escolheu o conhecimento da Sociedade de Geografia, um grupo de pressão de grande influência, estudou-o no período de 1875 a 1895, dizendo tratar-se do período crucial para o estabelecimento do colonialismo moderno na África Austral.

Começa por dizer que a fundação da Sociedade aparece em novembro de 1875, por decreto de Andrade Corvo, isto quando simultaneamente se cria no Ministério dos Negócios da Marinha e do Ultramar uma comissão permanente incumbida de coligir, ordenar e aproveitar todos os documentos que pudessem esclarecer a Geografia, a História Etnológica, a Arqueologia, a Antropologia e as Ciências Naturais em relação ao território português e muito especialmente às províncias ultramarinas – era a Comissão Central Permanente da Geografia, com tantas afinidades, estando a Sociedade sem subsídios nem lhe tendo facilitado o Governo uma sede condigna, ambas as entidades viveram num quadro de rivalidade e desgaste. A inversão desta situação deu-se em 1880 quando o Visconde de S. Januário, sócio fundador da Sociedade recebeu também como seu pelouro esta Comissão Central Permanente de Geografia. Atenda-se que quando foi criada a sociedade já existiam, um pouco por toda a parte, 40 sociedades do mesmo tipo.

A autora faz referência ao folgado conjunto de diligências para ligar Angola a Moçambique, destaca a travessia que Silva Porto efetuou em 1853-54, encontrou-se com Livingston, mas esta exploração não foi reconhecida pelo governo português. Estávamos em corrida para legalizar o território do III Império. Quando apareceu a Sociedade já Livingston tinha realizado a sua segunda viagem, Cameron já tinha regressado da sua travessia, Stanley e Savorgnan de Brazza também já tinham partido para as suas viagens estratégicas na África Central. Observa a autora que uma análise das atas e dos boletins da Sociedade, de 1876 a 1896, leva-nos a considerar três fases fundamentais de atividade: de 1876 a 1880, a Sociedade concentra todos os esforços em garantir o lugar de Portugal no movimento expansionista; de 1880 a 1882, a Sociedade esforça-se sobretudo para fazer um balanço das forças nacionais disponíveis para investir na competição; de 1882 a 1889, a Sociedade dedica os seus esforços a orientar a política e a gestão coloniais sobre o conjunto do Império, no entanto, o centro da sua atenção era Moçambique. Era uma corrida contra o tempo, recorde-se a citação de Luciano Cordeiro que consta da ata de 7 de julho de 1876, onde ele diz que umas das ideias principais que haviam presidido à fundação da Sociedade fora o reconhecimento da urgente necessidade e do imperioso dever imposto a Portugal pelas suas tradições e pela sua situação de segunda potência colonial na Europa.

Outra manifestação de rivalidade com a Comissão Central Permanente de Geografia e a Sociedade teve a ver com o envio de uma exploração científica à África Central, cada uma das entidades dava palpites sobre o sentido da viagem. Na opinião de Luciano Cordeiro e da própria sociedade, a expedição devia concentrar-se no reconhecimento das bacias do Zaire e suas relações com o Zambeze e os grandes lagos. Um outro protagonista entrava em cena, na corrida em África, Leopoldo da Bélgica. Para legitimar posições, o monarca belga promoveu em Bruxelas a Conferência Internacional de Geografia, Portugal não foi convidado. Em Bruxelas cria-se a Associação Internacional Africana e Portugal adere. Entretanto, a Sociedade cria a Comissão Nacional Portuguesa de Exploração e Civilização da África, que vemos tratada nas atas pelo nome de Comissão Africana. Nesta corrida de competição as velhas e novas potências colonizadoras andam no afã de criarem estações civilizadoras, isto é, pontos de fixação de colonos, missionários e comerciantes. Vendo-se cercado por estes competidores, Portugal agarra-se ao Direito Tradicional, que estava em vias de ficar ultrapassado, mas foi esta base histórica que permitiu manter a posse de Lourenço Marques por arbitragem internacional e é também nessa base que vai conseguir conservar tão vastos domínios reais e potências na Conferência de Berlim.

Vê-se claramente nas atas que a Sociedade fez um esforço enorme para se impor no estrangeiro, permutando publicações, angariando sócios, trazendo conferencistas, apresentando trabalhos em conferências internacionais e muito cedo o Museu da Sociedade passou a ser alvo da curiosidade científica. Passando em revista os grandes temas, a autora lembra-nos a questão das missões. Todos estavam de acordo sobre a utilidade das missões, mesmo os que pensavam que o Africano ainda não estava à altura de aceitar o verdadeiro cristianismo, e havia também uma corrente que considerava a religião como inútil ou prejudicial, no termo deste amplo debate fez-se apelo à reforma do ensino no seminário de Cernache do Bonjardim.

Questionando a ideologia imanente a este grupo, diz a autora:
“A fração da burguesia que constitui a corrente dominante da Sociedade de Geografia é extremamente criativa. Mas não detém o poder político nem possui força económica para, por si só, executar o grandioso projeto a que lançou mãos. Conta com um bom número de distintos intelectuais bem informados e lúcidos. Tem uma forte componente nacionalista. Sente-se nela um complexo de abafamento e uma enorme vontade de rebentar as cadeias. Para alcançar o seu objetivo, vai lançar mão dos meios de que dispõe para elaborar uma ideologia que por um lado a sustente e lhe dê o alento para que os grandes cometimentos e faz uma grande divulgação para as realizações”.
E escreve mais adiante:
“Na Sociedade de Geografia dos anos 1870, e mesmo 1880, discute-se muito. Fazem-se exposições sobre os mais diversos temas, seguem-se propostas, discutem-se, apoiam-se, mandam-se à respetiva comissão, redigem-se relatórios”.

Exaltam-se os caminhos-de-ferro, é premente levar a civilização aos lugares mais remotos. Reconhece-se um papel crucial às explorações, é preciso definir os limites do território português. O governo diz que sim às estações civilizadoras, falta o dinheiro essencial para as criar. Teima-se em formar quadros administrativos capazes, daí o curso colonial português, Teixeira de Vasconcelos irá sugerir a criação de um instituto em que se ensinariam as línguas africanas, os alunos de Cernache do Bonjardim também deveriam ter acesso a tais disciplinas. Uma proposta que deu grande polémica, se deveríamos impor a nossa língua, se se deveria apoiar uma espécie de língua crioula destinada a ser a língua comercial da África Austral. Barbosa do Bocage introduz um outro elemento nesta discussão, a sua interpretação da colonização, é cru e diz verdades com punhos:
“Na África servimo-nos dos negros como auxiliares para o trabalho. Temos gasto uns poucos séculos a não fazer nada, deixando as hordas africanas entregues a si e aos seus bárbaros usos, contentando-nos apenas com uma mudança exterior nas suas crenças religiosas, tratando-se de espoliar os povos e enviando-lhes o refugo da nossa população como elemento civilizador”.

Este importante livro aqui invocado para ajudar a conhecer melhor o pensamento dos homens que fundaram e viveram intensamente os ideais do III Império vai finalizar com o capítulo dedicado à crise do Ultimatum. Deixa-se claro que nas atividades da Sociedade participaram personalidades dedicadas de diversos modos à colonização. Temporalmente a obra termina quando Moçambique já está no olho do furacão das rivalidades imperialistas. E vamos continuar com outra bibliografia.

(continua)
Vitral (1922), representando Pedro Álvares Cabral (descoberta do Brasil, 1500) e Gago Coutinho e Sacadura Cabral (primeira travessia aérea do Atlântico Sul, 1922). Sociedade de Geografia de Lisboa.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22412: Historiografia da presença portuguesa em África (273): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (10) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22199: Memória dos lugares (421): O Café Ronda (que também era pensão... e "casa de câmbio"), e outras "espeluncas" de Bissau (João Candeias / Valdemar Queiroz)


Guiné > Bissau > Café Ronda > Esplanada com cobertura de chapa de zinco > s/d> Fotos de Francisco Carrola (, da página do Facebook), recolhidas por Hélder Sousa, com a devida vénia. O Cafe Ronda situava-se na Av da República, um pouco mais abaixo do cinema UDIB e do lado contrário ao deste, segundo informação do Abílio Magro (*).


1, Comentários de João Candeias e de Valdemar Querioz sobre o Café Ronda (*)


(i) João Candeias Silva  [ ex-fur mil at inf, CCAV 3404 (Cabuca, 1972), CCAÇ 12 (Bambadinca, 1973) e CIM Bolama, 1973/74]

O Café Ronda não era apenas café, era também pensão com quartos colectivos, tipo caserna, onde pernoitavam muitos militares de passagem a caminho da metrópole, de férias, ou de regresso à província. O que foi o meu caso em Novembro de 1972.

Era um ponto de encontro dos militares colocados em Bissau e também de malta como eu, vindos do mato. No tal balcão para o exterior, além das cervejas, café, etc,.  vendia-se  sorvetes muitos procurados por serem bons e porque o calor estimulava o consumo.

Sobre a explosão no café , em 26 de fevereiro de 1974 e no autocarro da Força Aérea , em 22, a notícia correu por toda a província causando alarido especialmente na tropa sediada em Bissau. O autocarro passou a ser vasculhado antes de entrar em serviço.

Embora sendo da Força Aérea,  o autocarro era muito utilizado pelo pessoal do Exército, principalmente por quem estava no QG e ia assistir ao cinema na base aérea [BA 12, Bissalanca]. O que foi várias vezes o meu caso.  receio de o usar não durou muito tempo.

O caso da piscina do QG   [, em Santa Luzia], numa sessão de cinema, foi uma consequência da estado de espírito dos militares. A piscina que podia ser utilizada, com condicionalismos, pelos sargentos,  era em algumas noites usada como cinema ao ar livre e foi numa desses sessões que o pânico se generalizou com a caixa de fósforos a arder. Uns diziam que foi uma brincadeira parva,  outros que foi um acidente a caixa começar a arder.

Como a malta tinha 20 e poucos anos,  em poucos tempo tanto o Café Ronda como a piscina voltaram à normalidade.

Ainda sobre o Café Ronda que eu conheci e frequentei, acrescento que  era um ponto de encontro de militares, do exército,  e paraquedistas, na sua grande naioria,  e em passagem de ida ou regresso à metrópole ou às respectivas unidades.

Mas destacava-se pelas dormidas tipo caserna,  onde fiquei umas noites em Novembro de 1972 a quando da minha vinda de férias a Portugal ao fim de 7 meses em Cabuca,  e por ser simultaneamente Casa de Câmbio. 

O dono cambiava a 110% o escudo da metrópole pelo "peso" da Guiné. No fim da comissão em maio de 1974 o câmbio já estava a 20%. Muitos militares usaram o estatuto e trocar em Lisboa, ali para o lado da Estefânia, a ela por ela. Eram os comerciantes que a troco da comissão  usavam os militares no negócio.

No fim da comissão com a entrega da guia de marcha,  recebiamos uma boa maquia de patacão que, no meu caso, usei uma parte para comprar bilhete na TAP, o restante cambiei em Lisboa.

Concluindo,  o Café Ronda não era um lugar muito aprazível em comparação com o Café Bento, batizado pelos militares como a 5ª REP onde, à sombra de árvores frondosas, passávamos algumas horas em tertúlia, bebendo enquanto nos engraxavam as  botas e os sapatos.

Noutro estilo, tínhamos o Pelicano, na orla marítima com ementa extensa e lugar obrigatório para jantar.


(ii) Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]

Candeias: em 1969 e 1970, também em passagem para férias, lembro-me de ficar numa Pensão em frente das instalações da  Metereologia [, devia ser o Chez Toi, sito na Rua Eng Sá Carneiro , (***) ] , mas julgo não ter nenhum Café-Esplanada, só se o Café Ronda era afastado da casa da Pensão ou era noutro sítio. Não me lembro desse Café Ronda, ou então ainda não existia. [O Carlos Pinheiro não menciona o Café Ronda no seu roteiro de Bissau, pelo que não deveria existir no seu tempo, 1968/70. (**)]

A Pensão parecia uns adidos da tropa: camas da tropa, lençóis da tropa, falta de almofadas como na tropa e o dono também era um tropa. Parece que funcionava como se fosse em comissão de serviço e quando acabava havia o "trespasse" a outro tropa interessado que chegava.

Sobre o câmbio do escudos do BNU (pesos),  também funcionava os 10%, mil escudos do BdP custavam mil e cem do BNU. No avião TAP no regresso, no fim da comissão,  foram esturradas as últimas notas de mil do BNU em compras no avião e julgo que o comissário de bordo não fazia acertos de câmbio no preço dos produtos.

Sobre Cabuca, por lá passei várias vezes e foram Pelotões da minha CART 11 "Os Lacraus" que, além de segurança a colunas e de operações na vossa zona, montaram a segurança durante o período de tempo da construção dos vários pontões da estrada que ligava até à de Nova Lamego-Piche.

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

(iii) João Candeias:

Valdemar.

Ao ler o teu comentário recordei - me que o dono  [do Café e Pensão Ronda ].era um militar de carreira, da marinha, nós milicianos dávamos-lhes outro nome. A espelunca e o recheio condizem, camas da tropa, os lençóis não recordo. Utilização era tipo cama quente e, como a malta preferia dormir na cidade, ia ficando e pagando.

Eu só fiquei dessa vez. Nas outras vezes que vim a Bissau,  fiquei na pensão no primeiro andar por cima da Casa das Ostras um pouco mais cara, sem ser luxo, mas nada tinha em comum. (****)

Um abraço, João Candeias 

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(**) Vd. poste de 9 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18908: Estórias de Bissau (20): A cidade onde vivi 25 meses, em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)... [Afinal o "Chez Toi" era a antiga casa de fados "Nazareno"...]

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21405: Historiografia da presença portuguesa em África (233): “Guiné, Alguns aspetos inéditos da atual situação da colónia”, por A. Loureiro da Fonseca; Sociedade de Geografia de Lisboa, 1915 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
Com a passagem dos anos, e no manuseio de papelada tão díspar sobre o que diferentes autores proclamam sobre a Guiné (e neste caso um pouco antes da I Guerra Mundial), vou-me convencendo que a comparação é um imperativo para se procurar alcançar a luminosidade certa para o palco histórico, naquela hora. O que ressalta na essência desta comunicação é que o oficial Loureiro da Fonseca fala de selvagens sem nenhum entrave na voz, nas boas contas da Guiné, nos números da exportação, e começou a sua comunicação dizendo que o povo tem todo o direito à verdade. Meditava nas convicções seguras de Loureiro da Fonseca enquanto lia os primeiros relatórios que a filial de Bolama do BNU enviava para Lisboa, são discursos distintos, são duas perspetivas da realidade. É preciso juntar todas estas vozes para saber na verdade o que era a Guiné daquele tempo, sem mistificações nem laudatórias. Recorde-se que exatamente naquele momento havia uma campanha de pacificação, e não há um só referência a toda a longa história de revoltas e insubmissões...

Um abraço do
Mário


A Guiné em números, um pouco antes da I Guerra Mundial

Beja Santos

Em 9 de Março de 1914, Alfredo Loureiro da Fonseca, antigo aluno da Escola Colonial, Primeiro-Tenente da Administração Naval e Vogal do Conselho Colonial, e que desempenhara funções na Administração da Guiné, profere na Sociedade de Geografia de Lisboa uma conferência intitulada “Guiné, alguns aspetos inéditos da atual situação da colónia”. Justifica-se perante o auditório de que tivera pouco tempo para preparar a sua comunicação, ainda por cima o Ministro das Colónias, Lisboa de Lima, tinha alistado recentemente a falar de Moçambique, mostrara à assistência estar bem preparado e conhecedor do que falava.

Optou, dada a escassez de tempo, pela análise de vários números. Considerava que o discurso colonial devia ser sem qualquer ambiguidade verdadeiro: “Se há assunto em que é necessário dizer-se ao público a verdade é em tudo o que se refere às nossas colónias, não acalentando ilusões nem lisonjeando vaidades, pois nada há mais perigoso de que vaidades e ilusões coletivas”. Apresenta a Guiné como a terceira colónia em dimensão, cerca de 40,5% da superfície de Portugal Continental. O policiamento é débil: “A Guiné habitada por tribos selvagens, onde o policiamento é feito por uma exígua guarnição militar – 15,5 homens por cada mil habitantes”. E lembra que na Metrópole cabe a cada administrador a média de 20 mil administrados civilizados e que na Guiné corresponde à média de 71 mil selvagens… Tomando como referência as receitas e despesas efetuadas em cada colónia desde 1900-1901 a 1910-1911, diz o orador que a Guiné bate recordes de progressos financeiros no período considerado. Mas há outros aspetos que o orador exalta como positivos. A Guiné, comparando os períodos de 1890 a cerca de 1910 no cômputo de todas as parcelas do império, batia o recorde no acréscimo anual médio de importações e exportações. O movimento comercial só mostrava depressões bruscas em períodos de guerra: 1891, desastre de Bissau, em 1895-1896, desastre da coluna Graça Falcão no Oio; e em 1908, com a guerra de Geba.

O orador moraliza quando fala de receitas e despesas. As receitas prendem-se sobretudo com o imposto de palhota, o imposto sobre o álcool e os direitos aduaneiros. Comenta acerca do álcool de Hamburgo que este é empregado como artigo de permuta com o gentio: “Não se me afigura muito para regozijar esta constatação, pois que assim se verifica ser a exploração de um vício dos indígenas a principal fonte de receita da colónia”. E debruçou-se seguidamente sobre as exportações, referindo que a mancarra estava a substituir desde 1909 a borracha como o principal produto de exportação, a mancarra revelava números prodigiosos, a exportação quadruplicara de 1903 a 1913. Mas não deixou de referir os impactos na agricultura de uma mancarra que dava sinais de uma quase monocultura, dizendo que a cada tonelada de mancarra corresponde um hectare de cultura, o aumento de superfície de produção estava a roubar interesse pelas culturas agrícolas que garantiam uma alimentação suficiente para os indígenas.

Concluiu com o apelo de que era necessário aumentar os investimentos e escolher funcionários com melhor qualidade. A seu tempo aqui se irá comparar a leitura destes números com outros olhares da realidade, será o caso dos relatórios anuais que a filial de Bolama envia para Lisboa, com apreciações por vezes cruas e pouco abonatórias tanto da classe política local como dos métodos da administração. Garanto-vos que haverá surpresas.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21385: Historiografia da presença portuguesa em África (232): "Madeira, Cabo Verde e Guiné", de João Augusto Martins; edição da Livraria de António Maria Pereira, 1891 (4) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21127: Historiografia da presença portuguesa em África (216): A imprensa na Guiné, numa tese de doutoramento de Isadora de Ataíde Fonseca, denominada “A Imprensa e o Império na África Portuguesa, 1842-1974" (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
Uma boa surpresa, todo o conteúdo desta tese de doutoramento referente à imprensa na África Portuguesa, entre 1842 e 1974.
Por razões compreensíveis, o foco foi sempre a Guiné, aparecem salientados os aspetos da sua imprensa insignificante e no Estado Novo em nenhuma circunstância molestou o regime. A autora recomenda que não se menorize o papel dos Boletins Oficiais. Como ela escreve, "a partir do século XX e até 1974, o papel primordial dos Boletins Oficiais foi manter a sociedade informada dos atos oficiais dos governos coloniais. Os Boletins foram uma fonte de informação privilegiada para os jornalistas, que através dos conteúdos oficiais denunciavam políticas e práticas governativas ou davam o seu apoio à gestão dos governos coloniais. Estes boletins contribuíram ainda para manter a população letrada das colónias informada".
E lembra ainda que "em Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e na Guiné, ao longo do Estado Novo, na maior parte do período, existiu apenas um jornal, quando em Moçambique e Angola existia uma diversidade de títulos".
Nas conclusões, a autora enfatiza os aspetos da semelhança de toda esta imprensa: era de perfil político, dirigido às elites e com a propriedade vinculada às forças sociais e ao Estado; a atividade jornalística estava articulada à militância política, a profissionalização jornalística foi sempre insipiente; no Estado Novo, a intervenção do Estado foi sempre forte.

Um abraço do
Mário


A imprensa na Guiné, numa tese de doutoramento do Instituto de Ciências Sociais (2)

Beja Santos

A tese de doutoramento de Isadora de Ataíde Fonseca, denominada “A Imprensa e o Império na África Portuguesa, 1842-1974" (acessível pelo link https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/15605/1/ulsd069555_td_Isadora_Fonseca.pdf), é um documento que revela estudo e tratamento seguro de uma temática que tem vindo a ser abordada fragmentariamente. A Guiné e a sua imprensa, pelo rigor de análise da autora, merecem aqui o devido realce.

No texto anterior, deu-se primazia à contextualização histórica proposta pela autora, foi referida a imprensa na Guiné na Monarquia Constitucional, e já na alvorada da República verificou-se que o Boletim Oficial continuava a ser o único canal de informação impressa na Guiné. Só em 1920 apareceu o Ecos da Guiné, Quinzenário Independente Defensor dos Interesses da Província, teve vida efémera; a Voz da Guiné surgiu em 1922, apresentava-se como quinzenário republicano independente. Observa a autora que o periódico vinha regularmente em defesa das medidas políticas do Governador Velez Caroço. Em 17 de agosto de 1924, em Bissau, saiu o número 1 do Pró-Guiné, Órgão do Partido Republicano Democrático, reproduzido na imprensa nacional, editou apenas quatro números, em todos eles usou sempre o tom elogioso com o Governador. Fazendo o ponto da situação da imprensa na Guiné durante a I República, a autora sublinha que a imprensa na colónia não se consolidou, ao contrário do que aconteceu nas demais colónias portuguesas em África, justifica o facto pela fraqueza das elites na Guiné, o incipiente desenvolvimento económico e social da colónia e o prolongamento das guerras de pacificação. E recorda que os três jornais foram iniciativas de funcionários públicos, pequenos comerciantes e políticos locais que dependiam da Imprensa Nacional para reproduzir os periódicos. Nunca apareceu um jornal africano que defendesse os interesses dos povos nativos, como veio a acontecer nas demais colónias portuguesas em África. Foi uma imprensa que nunca possuiu um espaço de expressão, reivindicação e negociação política, dado o facto de a propriedade da imprensa estar ligada apenas às elites portuguesas. É bem notório o controlo dos conteúdos pelo governador. Os jornalistas eram funcionários públicos, políticos e comerciantes, não auferiam rendimentos desta atividade jornalística.

Estamos já noutro patamar, o Estado Novo. Vale a pena ouvir a autora:  
“A partir de 1930, com as políticas centralizadoras do governo autoritário, os portugueses passaram a dominar o comércio, tendo à frente o BNU e a Casa Gouveia, fortemente ligados o primeiro à Sociedade Comercial Ultramarina e a segunda à CUF. No interior do território foram instalados postos estatais dedicados à compra do amendoim, do arroz e do óleo de palma, entre outros, produzidos pelos africanos. As finanças da colónia dependiam dos recursos metropolitanos e dos aumentos dos impostos. Os efetivos militares diminuíram a partir de 1928, correspondeu à necessidade de se limitar os gastos. Em 1930, surgiu em Bissau a primeira tipografia privada e entre 1930-1931 foram publicados vinte números do Comércio da Guiné, o último saiu a 18 de abril e coincide com a inclusão de um movimento insurreto na Guiné, ligado à resistência na Madeira, a designada Revolução Triunfante”.

A capital é transferida para Bissau, em 1941, e dois anos depois apareceu o Arauto, Dilatando a Fé e o Império, jornal mensal, dirigido pelo Padre Afonso Simões, com redação e administração na Residência Missionária de Bolama. Não faltavam conteúdos religiosos e informativos, tudo cuidadosamente elaborado para não haver sanções da censura. Vejamos agora a imprensa que surgiu depois. Entre 1950-1954, a Secção Técnica de Estatística publicou o mensário Ecos da Guiné, periódico oficial de divulgação das atividades do governo, com textos escritos pelos funcionários públicos que exaltavam a ação colonial portuguesa na Guiné. Em 1950, o Arauto tornou-se diário, mudou de diretor, passou a ser o Padre José Maria da Cruz, dava-se destaque às notícias da metrópole, todos os eventos do governo local e nacional eram destacados. A partir de 1958, o jornal passou a designar-se O Arauto. E assim chegámos à década de 1960, quando foi revogado o Estatuto do Indigenato, a atmosfera de descolonização geral em África obrigava o Estado Novo a maquilhar a sua política, O Arauto é um defensor intransigente da política do regime, aparecem comentários como este num número de setembro de 1962: É já conhecido o recente acordo, levado a efeito entre Álvaro Cunhal, Mário Pinto de Andrade, Marcelino dos Santos e um representante de Humberto Delgado, de que resultou a elaboração de um programa que prevê, praticamente, a entrega das províncias ultramarinas, com total independência, às organizações daqueles elementos comunistas e a criação de metrópole de uma república popular. Eram aproveitadas as opiniões nacionalistas de toda a ordem, caso dos artigos de Dutra Faria que visitara a Guiné e publicara um conjunto de textos no jornal ligado à política de Salazar, o Diário da Manhã. E a autora diz-nos que na sua última fase os conteúdos de O Arauto estiveram centrados no noticiário internacional, com textos de combate ao comunismo e em artigos sobre os países que apoiavam Portugal. Além dos boletins das Forças Armadas, não há mais notícias sobre a Guiné. A última edição conhecida de O Arauto saiu em abril de 1968, dois meses depois Spínola desembarcava em Bissau. Entre 1968-1970 circulou o semanário Notícias da Guiné, Boletim do Centro de Informação e Turismo, o jornal não apresentava ficha técnica a indicar os seus responsáveis e os seus textos não eram assinados. Tema permanente era a publicação do Boletim das Forças Armadas e repetidamente eram anunciadas no jornal as medidas governamentais. Por exemplo, em agosto de 1969, o jornal trazia uma longa reportagem sobre os “terroristas arrependidos”, entre eles Rafael Barbosa. As atividades do governador e comandante-chefe são uma constante informativa. A última edição conhecida do Notícias da Guiné é de 22 de março de 1970.

E a autora recorda o acontecimento cultural de maior significado, entre janeiro de 1946 e abril de 1963, o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa publicou o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, publicação de caráter científico, com estudos de divulgação no campo da História, da Etnografia, das Artes e da Literatura. Ainda hoje é de consulta obrigatória.

Procedendo a uma síntese da imprensa na Guiné durante o Estado Novo, a autora lembra que o regime não precisou de fazer uso da censura e da perseguição contra a imprensa e o jornalismo, pois não existia uma imprensa que questionasse, criticasse ou se opusesse às políticas autoritárias. Os jornais sucumbiam por falta de estrutura empresarial. Lembra que a colónia esteve treze anos sem um jornal até que surgiu o Arauto, que era propriedade da Igreja. “Não se sabe quem foram e quantos eram os jornalistas na Guiné, pois os textos dos jornais não eram assinados e os títulos não tinham fichas técnicas”.

A tese de doutoramento de Isadora de Ataíde Fonseca é uma investigação de grande significado, permite conhecer as dinâmicas da imprensa e do jornalismo nos territórios da África Portuguesa, arriscado era o desafio, o resultado tem o sabor de um bom acontecimento para a historiografia guineense.
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Notas do editor

Vd. poste anterior de 24 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21107: Historiografia da presença portuguesa em África (214): A imprensa na Guiné, numa tese de doutoramento de Isadora de Ataíde Fonseca, denominada “A Imprensa e o Império na África Portuguesa, 1842-1974" (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21123: Historiografia da presença portuguesa em África (215): o jovem Amílcar Cabral, finalista de engenharia agronómica, saudando o regresso das chuvas e da esperança, após quatro anos de seca, fome e tragédia, escreveu: "A bem de Cabo Verde, pelo bom nome e pela glória de Portugal" (sic), a rematar um artigo publicado no nº 1 do Boletim de Informação e Propaganda, outubro de 1949

segunda-feira, 2 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20698: (D)o outro lado do combate (55): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte II (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)



Guiné > Bisssau > Filial do BNU - Banco Nacional Ultramariono > Ofício para o Governador, na sede, em Lisboa, datado de 16 de março de 1962, em que se noticia a detenção pela PIDE, entre outros,  do funcionário,  "contínuo" do Banco,  Inácio Soares de Carvalho, por alegadamente pertencer ao clandestino  PAIGC. Cortesia do nosso colaborador permanente Mário Beja Santos (*).




Capa e contracapa do livro "Memórias da Luta Clandestina", de Inácio Soares de Carvalho. Foto: cortesia de Expesso das Ilhas, 30/1/2020. (**)

1. O  livro "Memórias da Luta Clandestina" foi lançado, no passado dia 30 de janeiro, na Praia, capital de Cabo Verde, na Biblioteca Nacional.  Dois meses antes, um dos filhos, Carlos de Carvalho, arqueólogo e historiador, que coordenou o projeto editorial, pediu-nos autorização para reproduzir uma foto do administrador Guerra Ribeiro, da autoria de Paulo Santiago (***). Autorizou-nos, ao mesmo tempo, a reproduzir alguns excertos da obra, em fase final de acabamento.

Inácio Soares de Carvalho (ISC) trabalhou no BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. Vamos continuar a publicar alguns excertos das suas memórias políticas, até há pouco inéditas, com a devida autorização do seu filho, Carlos de Carvalho.

Nasceu na Praia em 1916,  foi em criança para a Guiné com os pais. Envolveu-se na luta política, filiando-se em 1956 no  MLG – Movimento para Libertação da Guiné, e mais tarde no PAI (futuro PAIGC),  por influência do seu compadre e colega de Abílio Duarte.

Seria preso pela primeira vez em 15/3/1962. É então deportado, com outros "suspeitos",  para o Tarrafal, donde regressa em 1965. É depois colocado na ilha das Galinhas. Em 1967, é solto,  pela primeira vez. Em 1972, é de novo preso e encarcerado na 2.ª Esquadra de Bissau, sendo solto, 3 meses depois, sempre sem culpa formada. Em 1973, é de novo preso, para conhecer a liberdade definitiva com o 25 de Abril de 1974.  Nos finais de setenta, regressa a sua terra natal, Cabo Verde e afasta-se praticamente da vida política activa. Faleceu em 1994. O seu nome de guerra era "Naci Camará", mas nunca andou no mato, fazia parte do "back office" do PAIGC.

"Após incessantes insistências dos filhos, ISC resolve escrever suas 'Memorias', tendo-as dado por concluídas em 1992. Nelas o autor narra factos novos, desconhecidos da maioria dos militantes, pois, infelizmente, poucos foram os combatentes da clandestinidade, sobretudo na Guiné, que deixaram escritos sobre essa vertente da luta protagonizada pelo PAIGC." (Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho, nascido na Guiné)


2. Excertos do livro  - Parte II

(...) Em 1956, o Sr. Abílio Duarte, que trabalhava, como eu, no Banco Ultramarino em Bissau [1], foi à minha casa levando um volume contendo uns documentos que me entregou e pediu-me que os guardasse num sítio muito seguro e com muito cuidado, porque "tem uns papéis de muita responsabilidade".

Mas, não me explicou do que se tratava. Dado ser pessoa de minha grande confiança, tomei e guardei no sítio onde penso que era um lugar bem seguro. De vez em quando, ele ia à minha casa pedir tal volume e eu o dava; puxava de uma cadeira e sentava à mesa, fazia as suas consultas e depois amarrava de novo como estava e entregava-me outra vez; eu punha de novo no lugar do costume. 

Naquela altura, eu e o Abílio já éramos compadres, porque baptizara meu filho Celso; isso foi pouco tempo antes de me ter entregado tais documentos. O Abílio de vez em quando dizia-me:

– Compadre, tenho uma coisa muito importante para lhe dizer. 

Dizia-me isso sempre no Banco porque, além de trabalharmos juntos, trabalhávamos na mesma secção. Ele era Chefe de Secção de Correspondência e eu, naquela altura, era encarregado do Arquivo. Não sei se não sentia coragem para me dizer o que queria, mas, o que é certo, repetia-me isso várias vezes. Um belo dia, após ter-me dito a mesma coisa, voltei para ele e disse-lhe:

–  Compadre,  não sente receio de me dizer nada, tanto para o bem ou para o mal, porque além de sermos compadres, o compadre já me conhece muito bem, conhece a minha maneira de ser.

Ao tempo, éramos todos novos, embora sendo eu muito mais velho do que ele.

Quando resolveu abrir comigo e contar-me o que se passava, convidou-me um dia para irmos passar uma tarde no seu quarto. Foi um sábado. Voltei para ele e disse-lhe:

 – Está bem compadre, mas tem que me esperar ir à casa almoçar e dizer a minha mulher que tenho assunto muito urgente a tratar no Banco; e então compadre espera por mim, porque se eu não chegar à casa na hora do costume, ela fica muito preocupada, porque não é hábito chegar fora de hora, sem antes lhe ter avisado.

E  assim ficamos combinados. 

Depois do almoço, descansei-me como era de costume, e depois fui ao Banco ter com ele no seu quarto. Dali então começamos a nossa conversa que foi muito prolongada, e no fim disse-me.

 – Pois,  compadre, fica a saber que existe cá, em Bissau, um movimento muito importante que é para a Independência da Guiné e Cabo Verde. O inicial deste movimento é MLGC – Movimento para Libertação da Guiné e Cabo Verde [, confusão do Naci Camará: na época era o MLG - Movimento para a Libertação da Guiné, "tout court", (LG].

Mas, na altura, não me citou nomes dos responsáveis do Movimento. E depois disse-me que é uma grande responsabilidade para todos aqueles que aderirem ao referido Movimento. E disse-me ainda mais:

 –  Compadre,  deve pensar muito bem antes de tomar a decisão que entender, porque é de muita responsabilidade, e requer grande cuidado.

Naquela altura, eu era pai de 4 filhos,  todos menores. A mais velha, que era Fátima, tinha apenas 8 anos de idade. E realmente pensei muito bem e então decidi aceitar o convite. Isso foi em 1957.

O MLGC [, ou melhor, MLG,]  foi fundado por um grupo de alguns Guineenses e Cabo-verdianos, mobilizados por Amílcar Cabral, em 1956. Mais à frente encontra-se nomes de alguns daqueles fundadores.

Quando aceitei o convite, ele disse-me que agora devo ter muito mais cuidado ainda com tais documentos. Falamos muito naquela tarde, e eu então fiquei muito entusiasmado com tudo o que ele me falou sobre a Independência da Guiné e Cabo Verde, e de mais colónias que estão sob domínio português.

Dali então continuamos a trabalhar no sentido de mobilizar pessoas, o povo para a luta pela liberdade.

Depois da sua saída, então o Sr. Rosendo, que era também empregado do Banco, entrou em contacto comigo e dali então começamos a falar muito do nosso Movimento e começou a dar-me nomes de alguns responsáveis que fazem parte do referido Movimento, como: Srs. Fernando Fortes, de S. Vicente, Inácio Semedo, de Bissau, Aristides Pereira, de Boavista, Elisé Turpin, de Bissau, João Rosa, de Bissau, Ladislau Justado Lopes, de Bolama, Epifânio Souto Amado, de Tarrafal, Júlio Almeida, de S. Vicente, José Francisco, de Calequice, Alfredo Menezes d’Alva, de S. Tomé, Rafael Barbosa, de Bissau, Luís Cabral, nascido em Bissau, mas saiu daqui muito criança, mas toda a gente o conhece, e ainda o nome do próprio fundador do nosso Movimento, Sr. Amílcar Cabral, de Geba [2]. E há muito mais que já não me lembro dos nomes.

Dali então o Sr. Rosendo deu-me a responsabilidade de mobilizar todos os meus amigos e conhecidos, mas de minha grande confiança, lembrando-me sempre da grande responsabilidade que vou assumir no seio do nosso Movimento.

O massacre de Pidjiguiti e o inicio da luta

A 3 de Agosto de 1959, aconteceu o massacre de Pidjiguiti.

O 3 de Agosto foi organizado por responsáveis do nosso Movimento, a fim de, por um lado, chamar à atenção do povo para a luta contra o colonialismo e, por outro, chamar à atenção do mundo para o facto de que os povos da Guiné e de Cabo Verde estarem sob o domínio colonial e de não aceitarem pacificamente essa condição. É nessa perspectiva que os militantes do nosso Movimento organizaram a greve e a manifestação que desembocou no grande massacre de Pidjiguiti.

[...] Com o acontecimento de 3 de Agosto, muitos guineenses e cabo-verdianos descobriram que alguma coisa estranha estava a acontecer na Guiné, o que muito nos encorajou e motivou a trabalhar com mais dedicação.

A fundação do PAIGC

No fim do mês de Setembro a Outubro de 1960, o nosso grande líder, Amílcar Cabral, decidiu mudar a denominação do Movimento de MLGC – Movimento para Libertação da Guiné e Cabo Verde,  para PAIGC  – Partido Africano para Independência da Guine e Cabo Verde. E para o efeito, mandou pedir que fosse à Dakar um dos principais responsáveis do Movimento a fim de contactar com ele, para poder trazer de lá um esclarecimento do motivo que lhe obrigou a fazer tal mudança do nome Movimento para Partido.

Para a designação do responsável que devia seguir para Dakar cumprir a missão, realizamos uma reunião de grande escala. A reunião, como não podia deixar de ser, foi presidida pelo Fernando Fortes visto ser ele o responsável máximo do Movimento que se encontrava dentro do território da Guiné-Portuguesa. Depois do Fortes ter esclarecido o motivo da reunião, ficou-se a espera da pessoa que se disponibilizaria para realizar a missão que era seguramente muito espinhosa. Depois de um largo silêncio, ninguém se oferecendo, o Rafael Barbosa levantou o braço e ofereceu-se como voluntário para ir contactar com o nosso grande líder em Dakar.

Naquele momento, todos os presentes ficaram muito contentes com o gesto do Rafael. A pedido do líder, todos deviam quotizar, conforme a possibilidade de cada um, para as despesas do Rafael na viagem à Dakar. Cumprindo as instruções de Cabral, tomamos todos o compromisso de cuidar da família do Rafael já que ele não tinha meios suficientes para manutenção da família, sendo ele um simples capataz e com um salário mísero que mal dava para aguentar a família.

Foi assim que se preparou a saída do Rafael e ele conseguiu ir à Dakar contactar com o líder do nosso Movimento.

(Continua)
______________

Notas de Carlos de Carvalho:

[1] ISC ingressa no BNU (Banco Nacional Ultramarino) em 1939. ISC tinha, na altura, 34 anos de idade. O BNU era das mais importantes instituições nas colónias portuguesas.

[2] As pessoas aqui referenciadas constituíram o núcleo inicial dos responsáveis do Movimento, MLGC.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19264: Notas de leitura (1128): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (63) (Mário Beja Santos)

(**) Último poste da série 29 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20695: (D)o outro lado do combate (54): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte I (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

(***) Vd. postes de:

16 de janeiro de  2020 > Guiné 61/74 - P20563: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (112): Vamos publicar, com a devida autorização da família, um excerto das memórias, ainda inéditas, de Inácio Soares de Carvalho, um nacionalista da primeira hora, militante do PAIGC, pai do nosso leitor (e futuro grã-tabanqueiro), o historiador e arqueólogo Carlos de Carvalho, cabo-verdiano, de origem guineense

15 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20559: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (67): pedido de autorização para uso de fotos de Guerra Ribeiro, em livro de memórias do "tarrafalista" Inácio Soares de Carvalho (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, Cabo Verde)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20665: Historiografia da presença portuguesa em África (200): “A Guiné Portuguesa, subsídios para o seu estudo”, comunicação de Carlos de Almeida Pereira, no 3.º Congresso Internacional de Agricultura Tropical, Londres 1914 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Fevereiro de 2019:

Queridos amigos,
O antigo Governador Carlos Pereira apresentou o seu trabalho num congresso de agricultura tropical, em Londres, 1914. Carlos Pereira é um republicano entusiasta, no seu livro "A Presença Portuguesa na Guiné", Caminhos Romanos, 2016, Armando Tavares da Silva revela a atividade do governador que se viu confrontado com hostilidades entre indígenas, uma epidemia de febre amarela, o nascimento da liga guineense, a chegada de Teixeira Pinto como novo Chefe de Estado-Maior, as primeiras operações no Oio e, sobretudo o seu nome fica associado à demolição da muralha de Bissau.
Esta obra tem o duplo interesse de registar na monografia, e com o maior rigor e precisão, a organização política administrativa, os dados económicos, não deixando de relevar as potencialidades da economia agrícola; além disso, é importante o seu acervo fotográfico, nenhuma obra da época lhe pode rivalizar com a qualidade das imagens, aptas para diferentes leituras.

Um abraço do
Mário


A Guiné aos olhos do antigo governador Carlos Pereira, 1914

Beja Santos

Carlos de Almeida Pereira
Carlos de Almeida Pereira, Oficial da Marinha, foi o primeiro Governador da Guiné na I República, esteve à testa dos destinos da colónia entre 1910 e 1913. Deve-se-lhe o derrube dos muros que protegiam a vila de Bissau das investidas dos Papéis, sempre hostis. Em 1914, Carlos Pereira apresenta uma comunicação no 3.º Congresso Internacional de Agricultura Tropical, em Londres, a sua comunicação intitulada “A Guiné Portuguesa, subsídios para o seu estudo” tem edição em francês em Lisboa nesse mesmo ano, existe igualmente a versão inglesa.

Destaca-se da leitura do documento o fenomenal e mesmo inusitado acervo fotográfico, de muito boa impressão, uma variedade que permite perceber a arquitetura e a vida sobretudo em Bolama, identificando diferentes etnias, postos administrativos, o estado da fortaleza de Cacheu, etc. O documento tem também a particularidade de um caráter monográfico em que se fala do território, da administração e das potencialidades para o desenvolvimento sem nunca aludir às vicissitudes das lutas da ocupação, Carlos Pereira não refere as operações do Capitão Teixeira Pinto, dele aparece uma fotografia bem curiosa investido como Chefe de Estado-Maior.

Aborda o território e os seus habitantes, dá-nos um quadro bem curioso das missões de demarcação de fronteiras entre 1888 e 1905, os nomes de quem participou logo na primeira demarcação, do lado português e francês e posteriormente. É categórico na superfície da colónia depois da última demarcação: cerca de 36 mil quilómetros quadrados. Descreve os recursos hidrográficos, a meteorologia e o clima. No estado atual da higiene diz sem rebuço que a colónia não se prestava à adaptação da raça branca. Quanto à fauna, recorda-nos que havia poucos elefantes e de pequena estatura, os paquidermes encontravam-se principalmente na circunscrição de Buba, Geba e Cacine. Fala também em antílopes de diferentes variedades, búfalos, leopardos (?), hienas, raposas e lobos. Lembra também a existência de hipopótamos, alude às numerosas variedades de primatas, pássaros, répteis e insetos. A população era estimada em 400 mil habitantes.

O antigo governador confessa não possuir elementos para fazer um estudo etnográfico dos povos da Guiné, sem prejuízo de elencar um número de grupos étnicos, bem próximo da realidade: Felupes, Baiotes, Banhuns, Cassangas, Brames ou Mancanhas, Balantas, Fulas-Forros e Fulas-Pretos, Mandingas, Beafadas, Nalus, Sossos, Papéis, Manjacos, Bijagós e Oincas, esboçando uma caraterização destas etnias. Há aqui um ponto curioso que é a referência a “indeterminados”, situando-os no regulado do Cuor, na margem direita do Geba, frente a Bambadinca, dizendo que viviam até 1908 os Beafadas chefiados por Infali Soncó, que foi destituído depois da sua rebelião, o Cuor foi entregue a Abdul Indjai, os Beafadas deixaram o regulado, uns dirigiram-se para o Oio e outros para Quínara, Abdul Indjai conseguiu atrair indígenas pertencentes a diferentes grupos étnicos exteriores (Turancas, Seruá, Saracolés, etc.). Dado que o território é pobre, Abdul não se interessou muito por ele, foi ocupado pelos Oincas. Este é o exemplo de indeterminados dado por Carlos Pereira.

Uma família Papel

Mulher Grumete -Papel

 Tecelões Grumetes

Mulheres Grumetes - Manjacas

OBS: - Todas estas fotografias pertencem à monografia que Carlos Pereira apresentou em Londres, em 1914.

Os brancos eram computados nalgumas centenas, funcionários, comerciantes, empregados de comércio e agricultores. É minucioso no enquadramento que faz da organização política e administrativa, elenca os respetivos órgãos. Na orgânica especifica os concelhos e postos militares: Bissau, Mansoa, Cacheu, Arame, Bissorã, Mansabá, Churo, Gole, Caranquecunda, Bambadinca, Buruntuma, Xitole, Boduco e Ilha Formosa.

Inevitavelmente, dá a sua leitura da economia agrícola, e começa por dizer que na Guiné o europeu não pode dedicar-se diretamente aos trabalhos da agricultura, a mão-de-obra deve ser indígena. Exprime o seu otimismo, a colónia é um imenso reservatório de produtos naturais de exportação, o único produtor é o indígena que trabalha por conta própria e em condições tais que não permitem a concorrência do europeu em empregar indígenas assalariados. Mas também observa que a mão-de-obra se obtém com facilidade para os trabalhos públicos, para as tripulações das embarcações, para trabalho doméstico, empregados das casas comerciais e particulares, para o trabalho de carga e descarga dos navios, etc., desde que o indígena seja bem tratado, pago com justeza e que lhe seja dada a garantia de poder abandonar o trabalho em certas épocas para se dedicar às suas atividades no seu chão.

Refere igualmente as obrigações do Banco Nacional Ultramarino com o Estado, em contrapartida dos seus privilégios, o banco exerce gratuitamente as funções de Tesoureiro do Estado, recebe os rendimentos públicos, os depósitos judiciais, emite dinheiro, pode fazer operações de crédito agrícola, empréstimos hipotecários, transferências, câmbios, etc.

Muito curiosas são as conclusões do trabalho de Carlos Pereira apresentado em Londres, dizendo que em 1909 o eminente colonial Mr. Messimy escrevia no relatório referente ao orçamento geral do Ministério das Colónias da França que a Guiné Portuguesa, inteiramente encravada nos territórios franceses, economicamente pouco desenvolvida, desprovida de todo o hinterland, não tem mais que interesse histórico para o reino lusitano.
E diz, com certa ufania:  
“Este meu trabalho mostra que não somente Mr. Messimy mas também outros homens de Estado portugueses do regime monárquico se enganaram nas suas previsões. A Guiné Portuguesa, depois da Implantação da República entrou numa fase decisiva de prosperidade, completamente assegurada pela riqueza do seu solo, pela situação geográfica e pelas aptidões dos seus habitantes”.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20641: Historiografia da presença portuguesa em África (199): Relatório da Província da Guiné Portuguesa, 1888-1889, pelo Governador Interino Joaquim da Graça Correia e Lança (2) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20563: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (114): Vamos publicar, com a devida autorização da família, um excerto das memórias, ainda inéditas, de Inácio Soares de Carvalho, um nacionalista da primeira hora, militante do PAIGC, pai do nosso leitor (e futuro grã-tabanqueiro), o historiador e arqueólogo Carlos de Carvalho, cabo-verdiano, de origem guineense


Guiné > Bissau > s/d > Edifício do BNU - Banco Nacional Ultramarino. Cortesia de Mário Beja Santos (2017).

Inácio Soares de Carvalho trabalhou aqui até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. Vamos  publicar, em breve, um excerto das suas memórias políticas, ainda inéditas, com a devida autorização do seu filho, Carlos de Carvalho. 

Nasceu na Praia, foi em criança para a Guiné com os pais. Envolveu-se na luta política. Foi preso pela primeira vez em 1962. É deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na colóiniua penal da ilha das Galinhas. Em 1967, é liberto pela primeira vez. 

Em 1972, é de novo preso e encarcerado na 2ª Esquadra de Bissau, sendo solto,  3 meses depois, sem culpa formada.  Em 1973, é de novo preso,  para conhecer a liberdade definitiva com o 25 de Abril de 1974, em Portugal.  

Nos finais de setenta, regressa à sua terra natal, Cabo Verde,  e afasta-se praticamente da vida política activa.  Já faleceu. (Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho)


1. Mensagem de Carlos de Carvalho (Pria, Santiago, Cabo Verde), com data de 22/11/2019, 19:13

Caro Sr. Luís Graça,
Boa tarde.


Confesso ter ficado surpreso com sua pronta resposta (*). Pensava que levaria dias a me responder. Confesso também ter ficado surpreso, claro pela positiva, com o conteúdo de seu email.

É verdade que é um dever de memória resgatar parte de nossa história comum. É o que faremos publicando a obra de nosso velho.(...)

Envio em anexo, extractos do Livro para sua apreciação e com autorização de o publicar no seu/nosso blogue, se assim entender. Será uma forma de divulgação do que será o livro.

Meus / nossos (da família) antecipados agradecimentos.
Carlos de Carvalho


2. Resposta do editor Luís Graça, com data de 23/11/2019, 18h23

Carlos, aqui tem a autorização do Paulo Santiago. Não se esqueça depois de o citar, a ele e ao nosso blogue. Obrigado pelo texto (resumo das memórias do seu "velho", a cujo memória me inclino), que me mandou e me autoriza a publicar no blogue, o que farei com todo o gosto.

Mas preciso que me dê mais alguns dados  biográficos sobre o seu pai. Gostaria de saber também o título do livro, a editora, o local e o ano de edição (se já tiver editora)... O seu pai deixou-lhe algum manuscrito ? Ou ainda teve tempo de o entrevistar, em vida ?... 

Diga-nos também algo mais sobre si: o que faz, onde vive...Claro que o gostaria de ter, na Tabanca Grande ("onde todos cabemos com tudo aquilo que nos une, e até com aquilo que nos pode separar")... 

Temos aqui diversos "amigos da Guiné", que não foram combatentes, nem de um lado nem do outro, e que são naturais da Guiné: desde o Nelson Herbert Lopes (os nossos "velhos" estiveram ainda juntos no Mindelo em meados de 1943) ao Cherno Baldé (Bissau)... passando pelo saudoso Pepito, mas também o Manuel Amante da Rosa (esse, sim, antigo combatente, fiz o serviço militar na sua terra, em 1973/74...). 

Se aceitar conveniente e oportuna a sua entrada neste grupo (somos 800)... Temos regras de convívio muito simples, de bom senso.

Não somos um blogue de causas (nem temos nenhuma agenda "político-iudeológica"), mas de partilha de memórias (e de afetos). Estamos "on line" há mais de 15 anos. E temos 11,5 milhões de visualizações... Um acervo enorme, plural, sobre a Guiné e a guerra colonial. 

Mantenhas. Bom fim de semana. Luís

3. Resposta do Carlos de Carvalho,  em 25/11/2019, 19:12

Caro Luís Graça

Boa tarde e minhas desculpas pelo atraso na resposta.

Meus imensos agradecimentos pela autorização dada pelo, já considero comum amigo, Paulo Santiago.

Aceito com muito gosto fazer parte da “rede de memórias” que conseguiram criar, sem remorsos, sem ressentimentos. O passado nosso, quer queiramos quer não, foi comum. Tive a felicidade de ter estudado com muitos colegas portugueses que hoje não sei por onde andam mas que na altura éramos amigos, jogávamos à bola juntos, sem perguntarmos donde cada um vinha e quem eram nossos pais.

De seus amigos da Guiné, que citou, o Nelson [Herbert], por exemplo, é meu grande amigo, nossas famílias se relacionam como autênticas famílias mesmo. Ele conhece grandemente a história das memorias e temos trocado ideias sobre o seu conteúdo no geral.

O Amante da Rosa idem. Fui colega de infância e de juventude de seu falecido irmão e ele é colega de serviço de meu irmão. Ambos são hoje Embaixadores.

Como vê,  este mundo é mesmo pequeno.

O triste de tudo é ver aquela linda nossa terra no estado em que se encontra. Dói mesmo!!

O meu velho deixou mesmo suas memorias, instigadas por nós, filhos. O manuscrito existe e algumas páginas irão no livro.

Envio, em anexo, Sinopse e Nota Introdutória das Memórias que permitirão publicar no seu/nosso blogue parte do que vai ser, sem dúvida, umas excelentes memórias sobre a luta clandestina. Segue também o que provavelmente será a capa do livro.

Eu vivo na Praia, CV, e sou historiador e arqueólogo de profissão. Trabalho no Instituto do Património Cultural de que fui Presidente largos anos. Faço mais é investigação no domínio da preservação do património e agora estou também me enveredando pela temática da luta de libertação.

Continuaremos o nosso contacto dentro das regras de convívio que estabeleceram para os amigos do blogue.

Aceite meu abrasu.


4. Comentário de Luís Graça, 26/11/2019, 21:43


É verdade, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca é... Grande. O Carlos já aceitou o meu convite para integrar a Tabanca Grande, onde, como eu lhe disse, cabemos todos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos pode separar... Autorizou-me a publicar excertos do livro que quer ver publicado, em memória e homenagem ao seu "velho"... Merece o nosso apoio. Gostava que ele me pudesse mandar uma foto, atual, tipo passe.

PS - Vamos oportunamente publicar, aqui no blogue, um excerto das memórias, ainda inéditas,  do falecido pai do Carlos de Carvalho, que foi um nacionalista da primeira hora, um Combatente de Liberdade da Pátria, de seu nome Inacio Soares de Carvalho: na clandestimnidade era o  Naci Camara, trabalhou no BNU - Banco Naciional Ultramarino, erm Bissau, foi várias vezes preso pela PIDE durante o tempo que durou a luta pela independência, conheceu o Tarrafal e a Ilha das Galinhas. As memorias abarcam o período de  1956 a 1974.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20559: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (67): pedido de autorização para uso de fotos de Guerra Ribeiro, em livro de memórias do "tarrafalista" Inácio Soares de Carvalho (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, Cabo Verde)