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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23013: Notas de leitura (1422): “Descolonizações, Reler Amílcar Cabral, Césaire e Du Bois no séc. XXI”, é coordenadora Manuela Ribeiro Sanches; Edições 70, 2019 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
A promessa desta professora universitária, Manuela Ribeiro Sanches, que tem currículo em estudos do Império Português, era a de questionar o legado europeu numa altura em que o continente conhece novas divisões e racismos, em que a crise financeira e económica global, as pressões migratórias, introduziram confrontos e posições defensivas, em perfeito contraponto com uma tradição de abertura e ocupação ou presença noutros territórios, para comerciar e fazer vanglória deste modo de viver em democracia liberal, nos tempos atuais. Escolheu bem os pensadores que criticaram o processo colonizador europeu, muitas décadas atrás. Esperava-se que esta forma de visita trouxesse clarificações. O que aconteceu é que se juntaram à molhada intervenções por vezes muito dissonantes, falta-lhes qualquer forma de conexão. Isto a despeito de haver alguns textos de gritante qualidade. Uma ocasião perdida para retomar a análise das descolonizações, as de ontem e as de hoje.

Um abraço do
Mário



Questionar o legado europeu muito depois das descolonizações

Beja Santos

A obra intitula-se “Descolonizações, Reler Amílcar Cabral, Césaire e Du Bois no séc. XXI”, é coordenadora Manuela Ribeiro Sanches, Edições 70, 2019. O livro pode ser considerado como a conclusão de um projeto que envolveu esta investigadora e outros, iniciado há 14 anos. Começa por questionar a oportunidade de avaliar o legado europeu no momento em que a Europa conhece novas divisões e racismos, clivagens ideológicas nos quatro pontos cardeais. O projeto reflete sobre a deslocalização da Europa, deslocar até aos lugares em que produzimos saber, ocupámos em diferentes continentes, ouvir de novo três influentes pensadores do antigo colonialismo, que deram suma importância, pela crítica veemente ao colonialismo europeu e às desigualdades a nível mundial. São contributos vários, há entre eles dissonâncias, diria mesmo que há reflexões um tanto descabidas para o objetivo primordial do projeto. Alguém pergunta, no início: “Na nossa era, caraterizada pela ocupação de territórios, pela destruição do meio ambiente, por uma nova política de espoliação, por novas formas de escravidão, novas formas de colonização, que podemos aprender com a geração dos anticolonialistas? Que dizem eles que possam ainda ecoar em nós e nos ajude a imaginar novas formas de emancipação?”.

E clarifica mais adiante: “Cabral, Césaire e Du Bois participaram nos movimentos dos povos não-brancos do século XX que estabeleceram ligações transfronteiriças entre línguas, culturas e identidades nacionais/coloniais. Fizeram parte do longo século XX, da história das lutas em todo o mundo, ligando a negritude, os movimentos anticoloniais e feministas, os movimentos políticos e culturais pan-africano e pan-asiático, os movimentos de independência na Ásia e em África, a Conferência de Bandung de 1955, o Movimento dos Não-Alinhados, o Movimento dos Direitos Cívicos, o Black Panther Party, a luta palestina”.

A Europa delineada pelo Tratado de Utreque, de 1713, idealizava uma paz perpétua para toda a cristandade, um equilíbrio entre potências rivais, o comércio livre e os teóricos vaticinaram que esta comunidade se ligaria pela lei, pela moral e até pela colonização. Era um sonho eurocêntrico que, como bem sabemos, acabou em graves disputas na ocupação dos territórios, graças à avidez de matérias-primas. Césaire, em 1956, censurava o espírito que estava enraizado na Europa, da extrema-direita à extrema-esquerda de dispor e pensar pelos colonizados, exigia-se uma verdadeira revolução coperniciana, cortar com esse pensamento do dominador sobre o dominado.

A Guerra Fria, o confronto direto entre as duas superpotências, assumiu matizes específicos, ambas queriam influenciar os novos Estados independentes e os ainda colonizados, o pregão comum era o desenvolvimento, explorar todos os recursos. Ambas as superpotências apregoavam representar uma civilização superior. Assim se plantou o novo equívoco, o conceito de um desenvolvimento universal, as necessidades fundamentais, materiais e espirituais definidas como o comum a qualquer povo. Daí a resposta dos pensadores do anticolonialismo, exigindo uma nova atitude cultural dos povos libertados. Um estudioso angolano de Amílcar Cabral, António Tomás, reflete sobre o conceito de cultura do pai fundador da Guiné-Bissau. Para o estudioso, fica demonstrado que Cabral tinha um entendimento da cultura que chocava com a realidade da Guiné no tempo da guerra revolucionária. Cabral foi voluntarista, agia como que cabo-verdianos e guineenses se encontrassem em situações idênticas, a unidade era assumida como um dogma. “Cabral contava com os cabo-verdianos para fornecer os quadros para os escalões mais elevados do partido. Contudo, durante a guerra, só cerca de uma centena de cabo-verdianos trabalhava para o PAIGC. Só aos poucos eram atribuídas funções relevantes dentro do partido, além de tarefas burocráticas básicas. A maior parte vivia no quartel-general do partido em Conacri, trabalhando em escolas, hospitais, escrevendo panfletos e guiões radiofónicos, mas raramente se aventurando a ir para a luta no mato”.

No tempo da luta armada já era evidente que os grupos sociais apresentavam caraterísticas culturais manifestamente distintas. Cabral forjou a «cultura nacional», conceito englobante que abarcaria todas as diferenças e contradições das culturas particulares. Tomás observa um grupo étnico balanta, a sua coesão e ambições. E recorda que a política de Spínola assentava numa representação étnica onde os cabo-verdianos tinham um papel dominador, a Guiné Melhor refutaria tal privilégio, a Guiné era dos guinéus, com os antecedentes históricos existentes e com o exacerbamento destes novos quadros cabo-verdianos, a separação radical foi uma questão de tempo. Tomás conclui que a teoria de Cabral se baseava em explicações de fenómenos sociais que não davam conta do contexto real em que se encontrava.

Noutras intervenções deste trabalho é analisado o conceito de povo, ideologia e ciência em Amílcar Cabral, o pensamento de Du Bois e de Frantz Fanon, que estabeleceram um diálogo à distância. Inusitadamente, aparece um texto completamente fora do baralho intitulado “A política da tradução de conceitos deslocados”, bem curioso mas que no contexto só serve para encher papel, não liga com o antes nem o depois. Fica-se com a sensação que houve uma ideia arrojada, de voltar a pôr na linha da frente três figuras de proa da luta anticolonial mas o projeto entrou em desnorte ou por falta de colaborações apropriadas ou por se considerar que tudo ao molhe e fé em Deus, uma sala de conversa cacofónica era uma boa maneira de repensar a Europa, o Ocidente quando se reclamam novas formas de descolonização. Ideia arrojada para arranque de projeto, uma deceção nos resultados.

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23007: Notas de leitura (1421): “Declarações de Guerra, Histórias em carne viva da Guerra Colonial”, por Vasco Luís Curado; Guerra e Paz Editores, 2019 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22726: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte VIII: A lenda da canoa papel (...ou a maldição da pátria de Cabral)




A lenda da canoa papel: 
 ilustrações do   pintor guineense Lemos Djata (pp. 55 e 57): Lemos Mamadjã Hipólito Djatá, de seu nome completo,  conquistou a Medalha de Ouro para a Guiné-Bissau em Paris, França, numa exposição coletiva organizada pela “Associação da Amizade e das Artes Galego Portuguesa”, que decorreu na capital francesa entre os dias 5, 6 e 7 de Outubro 2018, na sala de exposições do "Carrousel du Louvre". 

Nascido em Bafatá, em 1981, filho de Hipólito Djata e de Mariama Foli Baldé. é licenciado em Línguas Estrangeiras Aplicadas, pela  Universidade de Évora. Só em 2000 é que descobre o seu talento artístico. É pintor e escultor.


1. Transcrição das págs. 55-57 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)


J. Carlos M. Fortunato >
Lendas e contos da Guiné-Bissau



O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga



Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5


A lenda da canoa papel  
(pp. 55/57)


Segundo reza a lenda transmitida oralmente pelos papéis, quando os portugueses chegaram à Guiné, os contactos que estabeleceram com os papéis da ilha de Bissau foram amigáveis e estes até lhes cederam um terreno para se poderem instalar e negociar. 
Podem ficar com este terreno  disse o Rei Insinhate (31). 

Nesse terreno está hoje o Forte da Amura, mas naquele tempo era um antigo curral, o que serviu para os papéis se divertirem, fazendo troça dos novos moradores. 

Com o tempo, o poder dos portugueses foi crescendo, e começaram a exercer o seu domínio sobre todas as terras circundantes (32). Os papéis ficaram revoltados, porque os estrangeiros diziam que agora era tudo deles, e decidiram partir para a guerra. 
– Os estrangeiros querem roubar o nosso chão, querem cobrar impostos, temos que os expulsar! – diziam os papéis. 

Travaram-se muitas batalhas, mas nelas os papéis perceberam que nunca conseguiriam vencer pelas armas o inimigo. Então os papéis recorreram aos espíritos para os expulsarem, e dirigiram-se aos baloberos (33),  pedindo auxílio. 

Os baloberos responderam: 
–Podemos lançar uma maldição, que irá lançar a infelicidade nas terras da Guiné, e os estrangeiros ir-se-ão embora. 

Mas acrescentaram: 
– Cuidado, porque não haverá mais paz nem prosperidade na Guiné, enquanto os estrangeiros não se forem embora e não for feita uma cerimónia para acabar com esta maldição. Será tanta a desgraça, que ninguém aqui quererá viver, mas vocês têm que aguentar o sacrifício, se querem a vossa terra de volta.
– Nós aguentamos, façam a cerimónia para expulsar os estrangeiros  responderam os papéis. 

Foi feita uma canoa em madeira, e os baloberos, reunidos em cerimónia, invocaram todos os espíritos malignos, fazendo-os entrar na canoa. A seguir enterraram a mesma. Na altura a canoa foi enterrada no mato, mas nesse mesmo local foi mais tarde construído o palácio do Governador, sendo presentemente o palácio da Presidência da República. O local preciso onde a canoa foi enterrada, foi mesmo em frente do Palácio, no local onde está o monumento aos heróis. 

Depois da cerimónia do enterro da canoa, os baloberos lembraram mais uma vez: 
– Quando os estrangeiros se forem embora, esta canoa tem que ser desenterrada, e feita uma cerimónia para acabar com esta maldição, senão nunca mais haverá paz e felicidade na Guiné, por isso os pais têm que passar estas palavras para os seus filhos. Não se podem esquecer de fazer a cerimónia! 

Os baloberos ainda acrescentaram: 
– Esta canoa anda debaixo de terra. O poder dos espíritos é muito forte, ele faz a canoa mover-se debaixo da terra espalhando o mal por todo o lado. Só nós conseguiremos saber onde ela está. 

Quando Portugal reconheceu a independência da Guiné-Bissau, e retirou as suas tropas, os papéis correram a chamar os baloberos, pois chegara a hora de desenterrar a canoa, mas os baloberos disseram: 
- Os estrangeiros ainda não foram todos embora, o Presidente da Guiné-Bissau é Luís Cabral, um estrangeiro, um cabo-verdiano. 

A 14 de Novembro de 1980, o Presidente Luís Cabral é derrubado por um golpe de Estado encabeçado, pelo mítico comandante militar do PAIGC, o papel João Bernardo Vieira, mais conhecido pelo seu nome de guerra 'Nino' Vieira.

 'Nino' Vieira suspende a Constituição e fica a liderar o país à frente do Conselho Militar da Revolução, com nove membros. Os papéis rejubilaram, a canoa tinha expulsado os portugueses dando-lhes a independência, e agora expulsava os cabo-verdianos; todos os estrangeiros tinham sido afastados, e agora era um papel que detinha o poder. 

Tinha chegado a hora de desenterrar a canoa e anular a maldição, e os papéis correram novamente pedindo a intervenção dos baloberos. Poucos dias depois os papéis reuniram-se no centro de Bissau, na Praça A Lenda a Canoa Papel /  'Che' Guevara, pois era ali que os baloberos diziam que estava a mítica canoa. 

Juntou-se uma multidão à volta da praça, e asfalto, cimento, tudo foi arrancado, sendo aberto um buraco enorme em forma de canoa, mas para desespero dos papéis nenhuma canoa apareceu. 

Os papéis, desiludidos com os baloberos, esqueceram a canoa e deixaram de contar esta história aos seus filhos. O Presidente 'Nino' Vieira seria assassinado a 2 de Março de 2009. Perdida e esquecida, será que a canoa papel continua a navegar debaixo do chão, espalhando a sua maldição? 

Esta é lenda da canoa papel.
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Notas de Carlos Fortunato:

(31) Insinhate – O rei Insinhate deu autorização para construção de uma fortaleza e vendeu o chão para a sua construção, conforme documento celebrado a 2 de Janeiro de 1697, do livro “A Guiné do século XVII ao século XIX”, pag.76.

(32) Ocupação da Guiné  Portugal, à semelhança das restantes potências europeias, decide impor a sua soberania às suas possessões, pois sem uma ocupação real corre o risco de perder os seus territórios em África, é uma intervenção de difícil realização para Portugal face aos
poucos recursos de que dispõe, e que exige alianças locais, capacidade de comando e muita coragem.

A divisão da África pelas diferentes potências tem o seu ponto alto na Conferência de Berlim (1884-1885), e leva a uma maior intervenção das potências europeias nas suas colónias. Os papéis nunca aceitarão o domínio estrangeiro, e os seus ataques serão frequentes, infringindo várias derrotas ao exército colonial. Apenas com a derrota imposta a 20 de Julho de 1915 por Teixeira Pinto, Portugal consegue o domínio total sobre a ilha de Bissau (História
da Guiné II - René Pélissier, pag. 176).

(33) Baloberos é a designação dada em crioulo aos sacerdotes animistas que realizam cerimónias nos locais sagrados, as balobas. Cada balobero  coloca o seu pote com água na baloba, junto ao poilão sagrado, para receber os poderes do mesmo e a poder usar nas cerimónias que realiza. (**)

2. Como ajudar a "Ajuda Amiga" ?

Caro/a leitor/a, podes ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente o Projecto da Escola de Nhenque, que já foi inaugurada dia 8 deste mês, com pompa e circunstância), fazendo uma transferência, em dinheiro, para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26

BIC MPIOPTP


Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:

http://www.ajudaamiga.com
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terça-feira, 3 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20701: (D)o outro lado do combate (56): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte III (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)


Guiné-Bissau > Bolama > s/d  [ c. 2009] > Cais > Uma canoa nhominca, para transporte de passageiros. A sua lotação máxima são 100 passageiros...  E foram 100 "nacionalistas" ou "elementos subversivos" [, no dizer das autoridades coloniais da época, ao tempo do governador da Guiné, de triste memória, o oficial da marinha, António Augusto Peixoto Correia (1913-1988)],  que em 1 de setembro de 1962  foram tranferidos da Ilha das Galinhas, a ilha-prisão do arquipélago dos Bijagós, para o Campo de Trabalho de Chão Bom, no Tarrafal, ilha de Santiago Cabo Verde...

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(...) "Na madrugada de 1 de setembro [, depois da prisão, efetuada nas instalações do BNU em 15 de março de 1962, ainda ao tempo do governador, oficial da marinha, Peixoto Correia], foram buscar-nos em Mansoa para [nos] levar à ilha das Galinhas. Via João Landim, fomos levados no porão do barco Formosa. Chegamos à ilha das Galinhas cerca das 16 horas. De seguida, fomos levados para o acampamento, onde já se encontravam outros presos oriundos da Zona Sul. Na noite de 1 de Setembro, dormimos todos nós presos concentrados num pavilhão grande. Naquela noite tiraram dois irmãos e foram matá-los a tiro. (...).

"No dia 2 de setembro, de manhã cedo, tiraram-nos num total de 100 presos e encaminharam-nos para o Porto da Ilha das Galinhas, onde tínhamos desembarcado no dia anterior; meteram-nos no porão do mesmo barco Formosa, com o rumo a Estação de Pilotos em Pontom; de seguida, meteram-nos no porão do vapor África Ocidental com destino desconhecido por nós. Só viemos a saber onde estávamos quando chegamos ao Porto do Tarrafal, onde nos mandaram sair de porão como animais de carga. Passamos muito mal durante todo o caminho."(...)  

(Excerto de: Inácio Soares de Carvalho, "Memórias da Luta Clandestina", no prelo, 2020)


 Por Portaria nº 18539, de 17 de Junho de 1961, assinada pelo então Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, tinha sido reaberto o antigo campo de Tarrafal (que funcionou entre 1936 e 1954), agora designado Campo de Trabalho de Chão Bom, na Ilha de Santiago, Cabo Verde, originalmente destinado aos presos políticos de Angola. 

Em 1962, após uma série de vagas de prisões de nacionalistas guineenses, que sobrelotavam os ass prisões e os quartéis militares de então, o governador da Guiné pede. por um simples ato administrativo,  a deportação para o Tarrafal dos 100 mais... "perigosos".  Juntam-se aos angolanos em 4 de setembro de 1962.

O governador  António Augusto Peixoto Correia viria a substituir o professor Adriano Morerra no cargo de ministro do ultramar.


Capa do livro "Memórias da Luta Clandestina", de Inácio Soares de Carvalho. Foto: cortesia de Expesso das Ilhas, 30/1/2020



1. Continuação da publicação de excertos do  livro "Memórias da Luta Clandestina" (que foi lançado, no passado dia 30 de janeiro, na Praia, capital de Cabo Verde, na Biblioteca Nacional.)  (*)

Dois meses antes, um dos filhos, do Inácio Soares de Carvalho , o  Carlos de Carvalho, arqueólogo e historiador, que coordenou o projeto editorial, pediu-nos autorização para reproduzir uma foto do administrador Guerra Ribeiro, da autoria de Paulo Santiago (***). Autorizou-nos, ao mesmo tempo, a reproduzir alguns excertos da obra, em fase final de acabamento.

Inácio Soares de Carvalho (ISC) (1916-1994)  trabalhou no BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, desde 1939,  até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. Vamos continuar a publicar alguns excertos das suas memórias políticas, até há pouco inéditas, com a devida autorização do seu filho, Carlos de Carvalho.

Nasceu na Praia (, temos dúvida sobre a sua data de nascimento: ele diz que em 29 de Abril de 1974, quando "terminou para sempre o nosso martírio e sofrimento na Ilha das Galinhas", ele completava "58 anos de idade"; terá então nascido em 29/4/1916 ).
 

Foi em criança para a Guiné com os pais. No seu tempo haveria 1700 cabo-verdianos no território, muitos deles tendo posições de destaque na vida económica, social, cultural e político-administrativa  da colónia portuguesa. Envolveu-se na luta política, filiando-se em 1956 no MLG– Movimento para Libertação da Guiné   (**) por influência do seu compadre e colega de Abílio Duarte.

Seria preso pela primeira vez  pela PIDE em 15/3/1962. É então deportado, com outros "suspeitos", para o Tarrafal (, a partir da Ilha das Galinhas). Três depois, em 16/10/1965, 
é transferido  para a  colónia penal da  ilha das Galinhas, no arquipélago dos Bijagós. 

Em 7/2/1967, é solto, pela primeira vez. Em 1972 e 1973, volta a passar pela experiência da prisão, em Bissau,  até conhecer a liberdade definitiva com o "golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 em Portugal". O seu nome na clandestinidade era Nassi ou Naci Camará. [O de Rafael Barbosa, de etnia papel (c. 1926-2007), era Zain Lopes.]

Nos final dos anos setenta, regressa à sua terra natal, Cabo Verde e afasta-se praticamente da vida política activa. Vem a falecer em 1994.

"Após incessantes insistências dos filhos, ISC resolve escrever suas 'Memorias', tendo-as dado por concluídas em 1992. Nelas o autor narra factos novos, desconhecidos da maioria dos militantes, pois, infelizmente, poucos foram os combatentes da clandestinidade, sobretudo na Guiné, que deixaram escritos sobre essa vertente da luta protagonizada pelo PAIGC." (Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho, nascido na Guiné, complementadas por LG.)



Assinaturas em Relatório do PAIG sobre o dispositivo militar português em Bissau, e nomeadamente o Quartel General a "norte da cidade" [Santa Luzia].  Data: c. 1961. Relatório datilografado, em duas páginas, em papel branco. É assiando pelos eesponsáveis do PAI em Bissau: Latranco da Costa [Pedro Ramos], Zain Lopes [Rafael Barbosa] e Naci Camará [Inácio Soares de Carvalho, acrescentamos nós. (LG)]...

Citação:
(1961), "Relatórios do PAI em Bissau", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41679 (2020-3-3) (com a devida vénia...)

[No Arquivo Amílcar Cabral, há vários documentos, como este,  com a assinatura de Zain Lopes e N. Camará, da Secção de Controlo e Defesa, do PAI, em Bissau,  datados de 1961. Rafael Barbosa e Inácio Soares de Carvalho serão presos em Março de 1962. Pedro Ramos (, irmão do Diomingos Ramos,) consegue furar o cerco militar à base clandestina onde estava escondido  o presidente do PAI,nio Rafael Barbosa, na Zona 0, em Bissalanca, nos arredores de Bissau. Sabe-se que o Rafael Barbosa teve, na época, um papel fundamental na mobilização dos jovens para a "luta de libertação". Era considerado uma figura carimástica e respeitada pelos mais jovens até à sua  prisão em setembro  de 1962 e posterior libertação, em 1969, ao tempo de Spínola. A sua evental participação no conspiração para prender e/ou matar Amílcar Cabral, em janeiro de 1972, é ainda hoje motivo de controvérsia. Tornou.se um dissidente do PAIGC, sendo a sua memória, hoje, na Guiné-Bissau,  objeto de uma relação de amor-ódio.  Leopoldo Amado entrevistou-o e fotografou-o em 1989. (LG)]


2. Excertos do livro - Parte III (*)

(Continuação)

Rafael Barbosa – o regresso a Bissau

Estando o Alfredo Menezes d’Alva ainda em liberdade faz todos os possíveis para entrar em contacto com o Rafael  [Barbosa] que se encontrava já nas matas no interior da Guiné, em campanha de mobilização, com a ajuda de um nosso companheiro [1].

Entretanto, esse companheiro nosso acabou por ser informado por nossos agentes de ligação do que se passou em Bissau. Dali então tomou a precaução de pôr o Rafael Barbosa na clandestinidade sob a vigilância de um dos nossos responsáveis em Bissorã que, do seu lado, tudo fez para entrar em contacto com o Menezes. 

Como não havia lugar seguro onde se podia esconder o Rafael, a única solução que foi encontrada foi metê-lo numa horta de mandioca enquanto, durante a noite, se procurava um lugar definitivo para o pôr a salvo da PIDE. Foi efectivamente muito complicado tirar o Rafael de Bissorã e pô-lo em Bissau, ainda mais sendo ele um deficiente físico [2].

Com a prisão de nossos companheiros, responsáveis do Partido, e crentes de que o Rafael se encontrava em Dakar, os agentes e informadores da PIDE deram uma festa para comemorar porque estavam presos todos os principais responsáveis do Partido no interior da Guiné e contavam que o Rafael estivesse em Dakar. Esta convicção dos agentes da PIDE de que o Rafael estava em Dakar foi uma grande sorte para nós.

A minha grande preocupação nessa altura era que a PIDE não soubesse que o Rafael já estava dentro da Guiné, porque se soubessem desencadeariam uma perseguição até o encontrarem, o que seria uma desgraça, pois seria um grande atraso para a nossa luta, sobretudo nessa fase muito difícil.

Estando o Rafael em Bissorã, o nosso maior problema agora é fazê-lo entrar em Bissau, tendo em conta o aumento do número de informadores que a PIDE fez em toda a Guiné, principalmente em Bissau, capital da província.

A entrada do Rafael Barbosa em Bissau só foi possível devido à vontade e muita coragem do Alfredo Menezes d’Alva e alguns jovens companheiros de luta como Nicolau Cabral [3], Mandu Biai [4] e Albino Sampa [5].

Amigos leitores, não fazem ideia da minha grande satisfação quando o Alfredo Menezes foi ao Banco [, o BNU, ]  dar-me a notícia de que o Rafael já se encontrava em Bissau e o sítio onde se encontrava escondido. Ele foi levado e escondido em casa duma prima dele que se situava na margem esquerda da ponte de Cobornel [6] ], para os lados do futuro Bairro da Ajuda ?, (LG)].  Informou-me ainda a forma como chegar ao local onde estava escondido.

Mas para ver o Rafael,  o Menezes recomendou-me para fazê-lo só a partir das 3 horas da tarde, pois, é uma zona muito movimentada e tinha que ter muita atenção. Mais me disse que o Rafael estaria à janela à minha espera, pois, já estava tudo combinado com ele. Assim, não foi difícil localizar a casa e encontrar o nosso companheiro de luta.

Tudo aconteceu num sábado à tarde e, caros leitores, passámos toda a tarde até às 9 da noite a conversar sobre os últimos episódios de nossa luta; mas, como tínhamos muitos assuntos a discutir, acertamos continuar a conversa no dia seguinte, visto que já era tarde e a vigilância da PIDE era apertada e não podíamos correr risco.

No encontro do dia seguinte, começamos logo a pensar na melhor maneira de recomeçarmos as nossas actividades e Rafael contou-nos como passou na vinda de Bissorã para Bissau, dado o seu estado físico.

Caros leitores, podem imaginar um indivíduo fisicamente deficiente e debilitado conseguir fazer um trajecto de aproximadamente 70 kms, tudo dentro do mato até chegar a capital porque não podia andar por via normal, controlada pelos agentes da polícia e da PIDE. Todo este episódio foi contado pelo Rafael na presença do Menezes, Nicolau Cabral, Albino Sampa e mais outros companheiros de luta.

Depois deste acontecimento entrei em contacto com D. Irene Fortes, esposa do Fernando Fortes, e informei das últimas novidades, sobretudo a entrada do Rafael em Bissau. Quando lhe contei toda a estória, ela ficou ainda mais contente do que eu próprio. De seguida, fui levar a mesma informação ao Sr. Rosendo que ficou muito admirado ao saber que o Rafael já estava em Bissau, pois ninguém esperava naquelas horas muito difíceis que isso pudesse acontecer.

Aproveitamos para falar, mas não por muito tempo, pois andava sempre desconfiado com a PIDE porque os companheiros estavam quase todos na prisão.

Com o Rafael já em Bissau, a nossa maior preocupação consistia agora em arranjar um sítio mais seguro para o esconder porque a casa da prima, como dito antes, ficava na beira da estrada e não nos oferecia segurança para montarmos a nossa base, mas sobretudo porque o marido dela já estava com medo porque a PIDE lançou a propaganda de que a casa onde for encontrado o Rafael, este seria preso com toda a família que o escondia.

Assim, para ultrapassar essa situação e encontrarmos um lugar com segurança, fizemos uma pequena reunião da qual saiu a decisão de encarregar Nicolau Cabral, Albino Sampa, Abdulay Bary, Martinho Balanta que é cunhado do Epifânio, Mandu Biai, Abdul Dja [7] e mais outros jovens de procurar um lugar seguro para instalarmos Rafael e “construir” a base para o recomeço de nossas actividades.


A primeira leva de prisões de responsáveis do PAIGC

Todo aquele desentendimento e confusão, em Dezembro do mesmo ano [, 1960 ?], originou a prisão de alguns de nossos companheiros, como o Quintino Nosoliny, o Estevão Tavares e o Lassana Sissé, todos eles responsáveis do Partido em Bissorã. Estes responsáveis faziam parte dos responsáveis que estavam de acordo para se trabalhar conjuntamente com os cabo-verdianos.

A segunda leva de prisões de responsáveis do PAIGC

Nesta leva de prisões [, em abril de 1961 ], foram presos, entre outros, Fernando Fortes, Inácio Júlio Semedo, Epifânio Souto Amado, Júlio d’Almeida e João Rosa. Só o Alfredo Menezes d’Alva escapou. (**)

Estes nossos companheiros foram levados e ficaram detidos nas celas na 2ª Esquadra da Policia. A situação deles como a de todos os prisioneiros políticos era desagradável porque eram sujeitos a muitas injúrias pelos agentes da PIDE portugueses e também de alguns dos nossos irmãos africanos que se encontravam ao serviço da Policia portuguesa na referida Esquadra. Depois da prisão destes companheiros, as actividades paralisaram quase completamente.

(Continua)

_________________

Notas do Carlos de Carvalho:

[1] ISC não explicita o nome desse companheiro. Mas, com certeza, trata-se de um dos muitos dirigentes / militantes que o Movimento/Partido tinha já espalhado em todas as zonas do interior da Guiné-Portuguesa, como se poderá constatar aquando das prisões ocorridas em [março de]  62.

[2] Rafael era deficiente da perna esquerda. Segundo a filha Helena Barbosa esse problema foi consequência duma deficiente administração de uma vacina, em criança, contra a meningite, tendo piorado já homem, após ter sido mordido por uma cobra.

[3] Nicolau Cabral foi seguramente dos mais activos militantes do PAIGC na clandestinidade. O seu nome aparece em todos os principais momentos da luta clandestina. Preso em 1962, foi enviado, como ISC, para a Colónia Penal do Tarrafal. Segundo ISC, era pedreiro de profissão.

Segundo informações de Almiro de Carvalho, depois da independência, Nicolau trabalhou na UNTG.

[4] Mandu Biai foi preso em [março de ] 1962 e enviado com ISC à Colónia Penal do Tarrafal, em Cabo Verde, donde terá saído em liberdade em 1969. Segundo ISC, Biai era Empregado Comercial.

[5] ISC fala do Albino Sampa durante todo o decurso da luta. É de se supor que Albino tenha sido mobilizado por Rafael para a luta, pois, na sua “Descrição Biográfica”, uma espécie de “Autobiografia Política”, fornecida por um sobrinho de nome Paulino, Albino escreve que: “Aderiu às fileiras do PAIGC em 1957 com idade muito jovem, tendo cumprido a sua primeira Missão de Serviço em 01/05/61, que lhe fora incumbida pelo Sr. Rafael de Paula Gomes Barbosa, no sentido de efectuar uma viagem para o Senegal, Dakar, portador de correspondências para Luís Cabral, naquela cidade, e para o Sr. Marcelo em Cundará”

Foi um dos principais agentes de ligação entre a Zona 0 e o exterior. Muito seguro e convicto, granjeou respeito no seio de seus companheiros de luta. Ainda após a luta ISC se lembrava com frequência desse incansável lutador pela independência da Guiné e de Cabo Verde.

Ainda segundo sua “Descrição Biográfica” e informações recolhidas junto de vários companheiros de luta (Paulo Pereira de Jesus, Brígido, Constantino, entre outros), Albino, depois da independência, trabalhou como Agente de Guarda nos Empreendimentos dos Serviços Portuários. Morreu em 2014, quase completamente abandonado pelos companheiros de luta. (Ver nos Anexos alguns documentos sobre este herói quase desconhecido da maioria de seus compatriotas).

[6] Cobornel era, na altura, um bairro em construção. Ficava a uns poucos quilómetros do centro da Cidade de Bissau, portanto, uma zona quase que desabitada. Na verdade, a cidade de Bissau quase que terminava na zona situada logo após a “Chapa-de- Bissau”. [Mais tarde ter-se-á construido ali o novo bairro da Ajuda; segundo o Leopoldo Amado, seria em Bissalanca. (LG).

[7] Sobre Abdul Djá,  ISC falará posteriormente.

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Postes anteriores da série

2 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20698: (D)o outro lado do combate (55): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte II (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

29 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20695: (D)o outro lado do combate (54): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte I (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

(**) MLGC ou só MLG?... Não confundir com o PAI (futuro PAIGC). Um e outro entram em rutura antes do início da luta armada..

Vd. poste de 25 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P569: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte

(...) Aliás, salvo raras excepções, d
e 1958 a 1961, numa amálgama inextricável, alguns destacados dirigentes do MLG e do PAI, indistintamente, partilharam, voluntária ou involuntariamente o mesmo espaço político (...)  coincidindo essa fase com o período em que ainda se acreditava ser possível, a breve trecho, sobretudo da parte do MLG, o início do processo que havia de conduzir a Guiné "dita portuguesa" à independência.

Na verdade, a criação em Bissau, em 1958, do MLG (Movimento de Libertação da Guiné), a par das perseguições das autoridades coloniais, constituiu-se no mais sério problema para os propósitos unitários que Amílcar Cabral postulava na luta contra o colonialismo português na Guiné. O MLG, que desenvolvia acções numa perspectiva política pouco elaborada, cedo hostilizou Amílcar Cabral, a quem alcunhou pejorativamente de "cabo-verdiano".

Este movimento acusava os cabo-verdianos de terem ajudado os portugueses na dominação colonial da Guiné e, perante a iminência de independência, pretenderem substituir os colonialistas. A miragem de uma independência prestes a concretizar-se, à semelhança do que ocorreu nas colónias francesas da Guiné "dita francesa" e do Senegal, precipitou nas hostes do MLG a tendência para a organização de um movimento que procurasse congregar no seu seio alguns poucos guineenses ilustres, dando assim primazia a necessidade de sublimação das inquietações mais personalizadas que colectivas, relegando para um plano secundário a preparação para a luta armada e a estruturação do movimento em termos populares. (...)

(...) Como quer que seja, é dado adquirido que o PAI, enquanto tal, até pelo hiato referido que caracterizou a sua quase inacção entre 1956 e 1959, não teve, pelo menos directamente, uma acção ou influência decisivas nas acções que viriam a desembocar em Pindjiguiti. Diferentemente do PAI, a mesma asserção já não pode aferir-se relativamente ao MLG que teve, de facto, uma assinalável e directa participação directa nos acontecimentos. Efectivamente, activistas do MLG tais como César Mário Fernandes (empregado do tráfego do cais de Pindjiguiti), Paulo Gomes Fernandes e José Francisco Gomes tinham-se há muito empenhado em acções de discreta mobilização e consciencialização política dos trabalhadores portuários em geral e dos marinheiros e estivadores do cais de Pindjiguiti em particular (...)

Das pessoas referidas pelo Elisée[Turpin] (...) recordo-me perfeitamente de:

- Benjamim Correia, que tinha uma loja de bicicletas e acessórios e era um conceituado comerciante muito estimado e considerado entre a população da Guiné, "colonos" incluídos;

- Rafael Barbosa, que era funcionário das Obras Públicas e tinha uma pequena deficiência numa perna que o obrigava a mancar;

- Quanto ao Inácio Semedo, o único Semedo de que me recordo era o guarda-redes do Sporting de Bissau, alcunhado de "Swift"; talvez não seja o mesmo;

- Luís Cabral, irmão do Amílcar, trabalhava na Casa Gouveia.

Porém, aqueles de quem melhor me lembro - por com eles ter lidado mais de perto - são:

- Fernando Fortes que era funcionário dos Correios em Bissau: tinha um irmão (Alfredo, salvo erro) que nos meus tempos de Farim (1953/55) era o Delegado Aduaneiro naquela localidade;

- João Rosa foi meu colega de trabalho na NOSOCO. Era o guarda-livros. Fui muitas vezes a casa dele no Chão Papel (...). Era muito meu amigo e fui visitá-lo ao hospital quando ali foi internado, já sob prisão da PIDE;

- João Vaz era o alfaiate dos serviços militares. A oficina era na Amura e era ele que fazia o fardamento para os recrutas e demais militares. Ainda tenho comigo um camuflado que ele me fez sob medida.(...)

Vd. também postes de:


segunda-feira, 22 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19706: Notas de leitura (1171): Um luso-cabo-verdiano que amou desmedidamente a Guiné (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,

Prossegue a análise da tese de doutoramento de Benjamim Pinto Bull sobre a obra de Fausto Duarte.

Como se recordam, Benjamim Pinto Bull foi o único dirigente nacionalista recebido por Salazar, Pinto Bull era o líder da FLING, organização que aceitou fazer parte de um governo de transição, em 1963. Como escreveu o embaixador Luís Gonzaga Ferreira, cônsul em Dakar, montou-se a Operação Camaleão, Silva Cunha e Pinto Bull, entre outros, estavam em Bissau, a aguardar uma declaração pública de Salazar sobre política ultramarina. Para surpresa de todos, Salazar definiu uma linha de intransigência onde não sabia uma governação com a FLING.
São coisas da história.

Pinto Bull veio a morrer em Lisboa de acidente rodoviário.

Um abraço do
Mário


Um luso-cabo-verdiano que amou desmedidamente a Guiné (2)

Beja Santos

Fausto Duarte pertence à vasta lista de escritores, divulgadores e investigadores injustamente esquecidos. Homem de uma cultura medularmente europeia, orgulhava-se das suas origens cabo-verdianas e vai revelar-se como o nome mais sonante da literatura colonial guineense e o investigador e divulgador de mérito das coisas guineenses. Continuamos a abordar a tese de doutoramento de Benjamim Pinto Bull sobre a obra de Fausto Duarte.

Torna-se conhecido em Portugal quando o seu romance "Auá" ganha o primeiro prémio da literatura colonial, em 1934. Como se disse em texto anterior, o tema do romance é um conflito permanente entre duas civilizações, conflito que é protagonizado por Malan, um jovem Fula que trabalha em Bissau como criado, e Abdulai que permanece enraizado nas suas tradições e convicções. Malan é um admirador de tudo quanto fazem os brancos e orgulha-se de oferecer a Auá novas lembranças compradas nas lojas frequentadas pelos brancos, em Bissau, como sejam lenços e pulseiras, e não se esquece de juntar folhas de tabaco e cola para conquistar a simpatia da família da Auá. A vestimenta de Malan é também esclarecedora: “Tinha na sua bagagem um belo par de sapatos que o administrador lhe oferecera. Sobre a sua camisa, pendia um amuleto em prata, contendo um versículo do Alcorão”. Em Fausto Duarte pareciam convergir estas suas forças, a Europa e África, trata-se de uma tensão que perpassa toda a sua obra literária.

Voltando a Auá, todos os Fulas da tabanca criticam Ançatu que, desprezando a lei muçulmana, aceitou não somente viver com um funcionário de alfândega, um português branco, e de ter dele um filho. Auá também vive dividida, sente o choque das duas civilizações. Dividida entre Abdulai, jovem Fula que ficou na aldeia e que lhe oferece presentes genuinamente africanos; e Malan, seu noivo, que lhe envia lembranças fabricadas pelos brancos. E Fausto Duarte escreve: “Sentia uma invencível inclinação por Abdulai, um moço Fula que habitava ali próximo, em Saré-Boilela, e que lhe trazia mel de abelhas bravas e leite coalhado em boas cabaças… Era, senão com desdém, pelo menos com indiferença que, de vez em quando, recebia de Bissau alguns presentes enviados por Malan, que se mesclara no convívio permanente dos brancos do governo”. Malan irá novamente trabalhar em Bissau, quando regressa à sua aldeia para se casar é já em desenraizado, um abismo separa os seus valores dos da aldeia, então decide emigrar para Dakar. Aqui sente o aguilhão da nostalgia.

Aquilino Ribeiro, no seu prefácio, exalta o romance Auá, é fulminante: “Está dito, o primeiro que viu a Guiné foi Nuno Tristão, o segundo o autor de Auá”. Na introdução, muito didaticamente, Fausto Duarte contextualiza a cultura dos Fulas à luz dos conhecimentos da época e trata o seu livro como um documentário etnográfico, um novo capítulo de psicologia indígena. Mas o contraste vem na escrita, Fausto Duarte é um homem de cultura europeia com uma testa da sua prosa inequívoca:

“Era meio-dia quando a camioneta chegou a Nhacra. As águas tranquilas do Impernal acariciando o debrum da paisagem dormente, anquilosada pelo sol adusto, áscua viva que se reflectia na opacidade plúmbea dos céus, espreguiçavam em torcicolos ocultando-se entre o tufo emaranhado dos mangais. A vazante tinha posto a descoberto a orla mádida e lamacenta do rio, e uma variedade abjecta de moluscos deslocava-se sobre a terra lodosa, aquecendo-se ao calor estuante de Novembro”.

Prosa mais naturalista não pode haver. A crítica literária do tempo embandeirou em arco com o romance Auá: “O primeiro grande romance português inspirado em motivos coloniais”; “A arquitectura da obra é um sólido equilíbrio e a cena do conselho dos anciãos coroa-se como cúpula magnífica”; “O escritor que entre nós melhor sabe traduzir o profundo mistério da alma negra”.

O romance conheceu três edições e hoje praticamente ninguém fala dele.

Passemos agora para a conferência proferida por Fausto Duarte no Porto, no âmbito da primeira exposição colonial, em 1934. Começa por referir a atitude dos escritores da sua época face a África e prossegue com comentários sobre a música dos negros, centrando-se na morna, dança tipicamente cabo-verdiana e aqui procura retratar o cabo-verdiano:

“Como poeta e músico, o cabo-verdiano é um eterno apaixonado. O amor, ponto de convergência desses dois estados de alma é tema que não cansa e antes rejuvenesce em cada morna, vai de aldeia em aldeia, surpreende epidermes virgens, sobe à cumeeira dos montes, transpõe o mar e abraça as ilhas no desejo insatisfeito de unir corações enamorados. E para fugir a uma vida de resignação e renúncia, o cabo-verdiano, poeta e místico, artista de provocação, baila e canta”.

A novela “Um crime” foge ao contexto africano. Versa o regresso de um prisioneiro da I Guerra Mundial, Hans Weiss, regressado do exílio da Sibéria. Perdeu toda a sua família. É num grande estado de revolta que comete um crime.

“O negro sem alma”, datado de 1935, publicado na Livraria Clássica Editora, é o regresso ao conflito entre duas civilizações. Bubacar Djaló recusa as pretensões de Songá à mão da sua filha Aminienta, porque Songá não é Mandinga. No final, vamos ser confrontados com a vitória dos princípios africanos sob os princípios ocidentais.

“O negro sem alma” também aborda o exílio e a separação. Momo deixa a sua aldeia no Tombali, atravessa a fronteira e entra na Guiné Francesa para vender dois sacos de arroz. Vive-se em plena I Guerra Mundial e todos os indígenas são apanhados para marchar em direção às trincheiras ocidentais. Momo, na confusão, é mobilizado à força, temos aqui um novo exílio forçado. Vemo-lo num campo de concentração com o uniforme soldado francês, irá combater nas trincheiras, será condecorado. No regresso, assistimos a novo choque de valores. Momo regressou com modos afetados, maneirosos, afrancesados. Atrai a curiosidade dos seus compatriotas, mas é nítido que há desenraizamento.

Antes de regressar à Guiné, Fausto Duarte escreve em 1936 novo romance, "Rumo ao degredo", publicado pela Guimarães Editora. Põe a seguinte dedicatória: “À minha mulher e ao meu filho”. Manuel da Gaita, inocente, é condenado ao exílio. Regressa 15 anos depois à sua aldeia, no Ribatejo. João Gaspar Simões, então sumidade da crítica literária, não foi meigo com Fausto Duarte, diz que "Rumo ao degredo" é um romance que ficou a meio o que devia ser. “Onde seria necessário pôr à prova o talento do romancista, Fausto Duarte sucumbiu”.

Veremos no próximo texto referências as seus últimos trabalhos literários e à sua atividade no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.

(Continua)


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Notas do editor:

Poste anterior de 15 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19682: Notas de leitura (1169): Um luso-cabo-verdiano que amou desmedidamente a Guiné (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série  de 19 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19697: Notas de leitura (1170): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19682: Notas de leitura (1169): Um luso-cabo-verdiano que amou desmedidamente a Guiné (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,
É tempo de tirar do limbo uma figura altamente representativa da cultura luso-guineense, Fausto Duarte, escritor singular, divulgador emérito e um desbravador de documentos históricos guardados na poeira dos arquivos. Tinha formação superior e revelou ao longo da sua curta vida uma enorme paixão pela cultura guineense. Impôs a temática logo em "Auá", romance premiado em 1934.
Deixou o seu nome ligado a projetos incontornáveis, os anuários da Guiné de 1946 e 1948 e o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.
Merecia ser melhor estudado por portugueses e guineenses.

Um abraço do
Mário


Um luso-cabo-verdiano que amou desmedidamente a Guiné (1)

Beja Santos

Entrei na Biblioteca da Gulbenkian para consultar uma obra sobre património africano, acabei nos reservados a ler uma tese de doutoramento de Benjamim Pinto Bull sobre o escritor Fausto Duarte, documento de leitura aliciante. Fausto Duarte não merecia o injusto silêncio que rodeia hoje o seu nome, foi grande escritor e investigador e deixou uma obra assinalável na Guiné.

A tese de Pinto Bull começa por contextualizar os ambientes de Cabo Verde e Guiné. Fausto Castilho Duarte nasceu na Praia, ilha de Santiago ou em 1902 ou 1903, não se sabe exatamente, era filho de padre. Passou a infância na Praia, foi enviado, concluída a instrução primária, para Lisboa, percorreu vários liceus, o Pedro Nunes, o Passos Manuel, o Camões, o Gil Vicente. Vivia no Colégio Universal, na Calçada de Santana n.º 180. Findo o liceu, inscreveu-se no Instituto Superior de Agronomia onde estudou principalmente Geodesia e Topografia. Em 1928, fez exame final do curso de Topografia e Elementos de Geodesia. Nesse ano viaja para a Guiné e trabalha para um empresário alemão, Frederick Karsten, como agrimensor. Entre 1929 e 1930 trabalha na delimitação das fronteiras da Guiné sob a direção do Tenente-Coronel Soares Zilhão, mais tarde o Governador da Guiné.
Ao percorrer a colónia, entusiasma-se com a natureza luxuriante e caprichosa, deixará as observações das suas descobertas na sua obra, caso dos morros de bagabaga que descreve no livro “Negro sem Alma”:
“A termiteira lembra uma pirâmide egípcia em miniatura. Um é habitação de vivos, outras jazida de mortos, mas ambas são fantasias de arquitectura ciclópica, ambas objectivam encarcerar a sombra e fazer dela o manto de um rei cujo corpo mumificado zomba dos cegos, ou de uma rainha-insecto extravagante – que governa com despotismo, porque perpetua a espécie, porque seu abdómen é um constante viveiro; ambas são ogivas de pedras trabalhadas por gerações inteiras. Numa falta a unidade interior, na outra há a fronteira religiosa. Desfeita a pirâmide, que resta da termiteira? Simples torrões, habitados por insectos que se refugiam instintivamente na treva, porque elas lhes extinguiu para sempre a luz dos olhos”.

Regressa a Lisboa em 1931, casa com Ilda Massano Sereno e volta à Guiné. No ano seguinte, temo-lo novamente em Lisboa onde vem frequentar o Curso Superior Colonial, que termina com brilho quatro anos mais tarde. Em 1934, publica "Auá", que obtém o primeiro prémio de literatura colonial desse ano. Tem 32 anos. Já deram pelos seus dotes Aquilino Ribeiro, Vitorino Nemésio, faz amizades, uma delas com um distinto médico, o professor Fernando da Fonseca, encontraram-se em Berlim. Nesse mesmo ano de 1934, na Exposição Colonial do Porto faz uma conferência sobre o tema “Da literatura colonial e da morna”.

Segue-se a novela “Um crime” e depois “O Negro sem Alma” e “Rumo ao Degredo”. Em 1936, regressa à Guiné, fora nomeado Secretário-Geral da Câmara Municipal de Bolama. Em 1942, publica “A Revolta”, que obtém o segundo prémio do concurso de literatura colonial. Em 1945, aparecem em Lisboa os contos “Foram estes os vencidos”. De 1946 a Janeiro de 1953, Fausto Duarte participa ativamente na redação do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, tem a seu cargo a secção “História da Guiné”. Em 1950, depois de uma longa estadia na Guiné, é colocado no Gabinete de Urbanismo do Ministério do Ultramar. Em 1952, descobre-se que tem um cancro no estômago. Escreve sem parar, nessa época a censura exige-lhe a supressão de parágrafos no seu livro mais recente “Mãe Joaninha”. É operado duas vezes e morre em 1953, com 51 anos.

Inegavelmente que foi o romance "Auá" que lhe deu notoriedade como escritor, a Guiné encontrara um narrador de altíssima qualidade. O tema do romance é o conflito permanente entre duas civilizações, a europeia e a africana, mais precisamente a civilização ocidental e a civilização arábico-islâmica. Quem personifica esse conflito? Entre Malam, jovem Fula, que vem trabalhar para a cidade de Bissau como criado de um casal alemão, e que se vai imbuindo de preconceitos e valores ocidentais, e outro jovem Fula, Abdulai, que permanece enraizado nas suas tradições e convicções. Malam volta à sua terra para casar com Auá que 10 meses depois dá luz um bebé “branco”. Malam rejeita a criança enquanto na povoação todos afirmam que “o filho pertence a Malam porque foi gerado no ventre da mulher que ele escolheu. É uma recompensa de Deus”.

Para o leitor ocidental, esta trama tem o poderoso ingrediente de uma escrita cuidada, que detalha perfis e situações. Mais adiante, dar-se-ão exemplos da cultura europeia deste escritor embevecido com as culturas guineenses onde se mostra com solidez os seus conhecimentos de etnografia e religião islâmica. Benjamim Pinto Bull aventa a hipótese de que este mestiço que tinha orgulho em ser cabo-verdiano e que tinha uma forte atração pelas linhas dominantes da cultura europeia sentia-se vexado pelos preconceitos raciais que experimentou, tendo sido a experiência mais dolorosa a sua visita à Alemanha, num período já de ascensão nazi, que nunca mais esqueceu. A sua resposta foi o desenvolvimento de um processo cultural singular, onde predominava uma linguagem cultíssima, quase de pesquisa laboratorial, e o apego à temática colonial, em diferentes situações. Revelou-se um estudioso de gabarito, qualidades que lhe foram reconhecidas por outros estudiosos, como Teixeira da Mota. O topógrafo transforma-se em homem de secretária e dedica-se a projetos de fôlego, caso de dois trabalhos de indiscutível qualidade como foram os anuários de 1946 e 1948, hoje obras de consulta obrigatória dado o acervo de informações que ele coligiu, apensando imagens elucidativas, muitas delas aproveitadas das edições do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.

Vejamos agora como "Auá" é um monumento literário referencial da Guiné colonial. Para o leitor mais interessado, recomenda-se o que sobre "Auá" já se escreveu no blogue:

Guiné 63/74 - P3716: A literatura colonial (2): Auá, novela negra, de Fausto Duarte, uma obra-prima (Beja Santos)

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19673: Notas de leitura (1168): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19246: Notas de leitura (1126): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (62) (Mário Beja Santos)

Sede do BNU - Lisboa


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Abril de 2018:

Queridos amigos,

Muito tem para dizer o gerente de Bissau, nesta fase que já preludia a subversão. O Ministro Adriano Moreira fez uma curta visita, os comerciantes aguardavam-no com expetativa para resolver o problema dos cambiais, problema eterno, nem novas nem mandados; estão a chegar efetivos à Guiné, os edifícios aprestam-se com medidas de segurança, o BNU mandou instalar em todo o quarteirão luzes elétricas, Bissau é patrulhada, e a questão cabo-verdiana vem claramente ao de cimo, um grupo rival do PAIGC, o Movimento de Libertação da Guiné, capitaneado pelo manjaco François Mendy anuncia em panfleto que nada tem a ver com Amílcar Cabral nem com a sua litania de unidade Guiné – Cabo Verde. O que há de verdadeiramente curioso neste panfleto que diz ser de março de 1951 mas era de março de 1961 é que se apresentava com alguma civilidade e etiqueta, deu provas com o que fez em Susana e Varela de vandalismo puro.

Desses e de outros acontecimentos falaremos seguidamente.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (62)

Beja Santos

Na documentação avulsa constante nos arquivos do BNU, merece todo o relevo o conteúdo da carta enviada em 8 de junho de 1961 de Bissau para Lisboa, conforme se pode ler:

“Conforme os desejos manifestados por V. Ex.ª, fazemos a seguir um relato resumido da situação geral da Província.

O acontecimento que nos últimos meses mais agitou a população, foi, sem dúvida, a visita do Sr. Ministro do Ultramar. Em especial o comércio (e não há outra actividade marcante no sector privado) alimentou esperanças de que Sua Ex.ª resolveria o mais melindroso problema económico que preocupa a Guiné – o problema cambial.

Não havia, porém, razões para tão eufórica expectativa. O problema cambial desta Província entronca-se noutros problemas igualmente complexos, que possivelmente só podem ser examinados e solucionados num vasto plano de conjunto.

Não era crível Sua Ex.ª o Ministro estivesse, na sua curta visita, apetrechado com as soluções que, no caso específico, o comércio infundadamente aguardava.

Outros e mais importantes problemas preocupavam, na altura dessa visita, estamos em crer, o espírito esclarecido de Sua Excelência. E foram certamente esses problemas que determinaram a sua presença nesta terra.

No aspecto político, a situação é estacionária. Os efectivos militares na Província têm aumentado, constando que são actualmente de 4 mil homens. Este efectivo deverá ser aumentado dentro de dias com mais 500 homens. Esta tropa está repartida pela área fronteiriça, com mais densidade na área da vizinha República da Guiné, havendo também fortes guarnições nas principais cidades (Bafatá, Farim e Bolama).

Em Bissau, além das forças de reserva aquarteladas, as de Polícia Militar, PSP e PIDE asseguram a ordem. Pelo que sabemos de fontes autorizadas, está completado o sistema defensivo com vista não só ao perigo exterior (incursões armadas penetrando pelas fronteiras) como ao perigo interno (acções subversivas com núcleos de terroristas civis).

Naturalmente que não conhecemos em pormenor o dispositivo de defesa e como ela se articulará. Temos, porém, informações que nada aconteceu, por hora, mas conta que do lado da República da Guiné se notam concentrações de gente indígena e de chineses. Internamente, em todas as cidades e vilas de maior importância, são rigorosas as precauções e nelas têm colaborado entusiasticamente a população civil e as empresas.

Nalgumas vilas mais distantes, organizaram-se milícias que policiam dia e noite e esta actividade é ‘coberta’ por patrulhas móveis de tropa. Aos que não dispunham de armas, o Comando Militar forneceu-as.

Na cidade de Bissau, as precauções são mais importantes. A Casa Gouveia, por exemplo, contratou na Metrópole paraquedistas de reserva, adquiriu armas automáticas em quantidade, além de isolar todas as suas instalações erguendo muros e montando novos sistemas de luz. A Sociedade Comercial Ultramarina e Barbosas & Cta. tomaram providências semelhantes.

No que se refere ao nosso Banco, como V. Exas. sabem, o nosso edifício e terrenos apenas tinham guarda da PSP das 19 horas às 8 da manhã. Só o edifício principal tinha lâmpadas de segurança. Todo o resto do terreno (pavilhões de pessoal, garagem, etc.) permanecia na mais completa escuridão. Por força das circunstâncias e da urgência, mandámos instalar em todo o quarteirão luzes eléctricas, e para esta despesa pedimos o acordo de V. Exas.

Ao mesmo tempo, oficiámos ao Governo da Província, através da Direcção de Fazenda, pedindo o reforço da guarda. Sua Ex.ª o Governador deu imediatas instruções ao Comando da PSP e o sistema defensivo ficou montado. Porém, há um óbice em tudo o que se conseguiu: os muros que, a partir da área do edifício principal são da altura de 1,20 metro, permitem a passagem de toda a gente. Impõe-se o levantamento desse muro, sem o que as precauções policiais tomadas não terão qualquer eficiência, de modo que toda a propriedade fique isolada, fazendo-se o acesso só pelos portões.

Pedimos ao construtor A. F. Parente um orçamento. Por indicação do Comandante da PSP, tivemos de adaptar uma parte dos baixos do Pavilhão n.º 1 para servir de caserna para 6 guardas, em caso de emergência. Iniciámos já esta pequena obra, mas temos de adquirir 6 camas de ferro completas. Também para este dispêndio solicitamos o acordo de V. Exas.”

A exposição muda agora de azimute, o gerente de Bissau vai informar Lisboa da subversão em marcha:

“A avaliar pelas impressões que temos colhido de pessoas responsáveis, a ideia dominante é a de que o indígena do interior está totalmente alheio a qualquer movimento de subversão e não mostra disposições para aceitar e acolher propagandistas.

Porém, nas cidades e vilas de certa importância existe em evolução um movimento clandestino de independência, dirigido de Conacri e de outros pontos fronteiriços pelo chamado Comité de Independência de Guiné e Cabo Verde, cujos mentores são na realidade cabo-verdianos, como cabo-verdianos são os cabecilhas-médios e propagandistas que têm sido presos pela PIDE, entre os quais figurava um empregado da Filial, já demitido por V. Exas.

Raros são os guineenses que estão no ‘movimento’, à parte o chamado ‘calcinha’, fauna de vadios que vive à custa da família e não quer trabalhar. Infelizmente a acção repressiva sobre esta gente tem sido muito tolerante, em obediência a conceitos e directivas de nível superior que, pessoalmente, consideramos prejudiciais. E assim pensa quase toda a população europeia.

Merece registo que a população nativa da Guiné de todas as raças detesta profundamente os cabo-verdianos. Há evidentes provas disso. Este facto, felizmente, contribui para tornar mais difícil a actuação criminosa dos homens do ‘movimento’, e concorre poderosamente a nosso favor. Como demonstração dessa má vontade dos guineenses pelos cabo-verdianos, parece ter-se criado já um outro ‘movimento’ exclusivamente guineense. Anexo encontrarão V. Exas. um panfleto clandestino que há dias foi enviado, por correio, a muitos cabo-verdianos na Província”.

É evidente que o tom usado pelo gerente no seu documento confidencial é de amenidade e confiança. Mas termina a sua carta não iludindo que começara um certo êxodo europeu:

“Desde Abril e mais intensamente em Maio estão a abandonar a Província quase todas as mulheres e crianças europeias. Têm seguido em aviões militares, em navios, que partem cheios. É um desgraçado sintoma do pânico que impera na Guiné. Também têm seguido alguns comerciantes, após terem liquidado os seus negócios ou deixando-os entregues a empregados interessados.
Este êxodo tem criado um agravamento da crise cambial, pois todos os que partem pedem transferências de dinheiros e a fixação de mesadas.”

A próxima missiva para Lisboa anunciará, em 21 de julho, o ataque a S. Domingos. E em junho de 1962 toda a documentação vai referir com clareza quem é o movimento que está a pôr a região Sul em turbilhão: o PAIGC.

(Continua)




Sala no BNU em Lisboa.
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Notas do editor

Poste anterior de 23 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19225: Notas de leitura (1124): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (61) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 28 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19243: Notas de leitura (1125): 38.ª COMPANHIA DE COMANDOS "Os Leopardos" - A História, coordenação de João Lucas (Belarmino Sardinha)

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19169: Notas de leitura (1117): “Racismo em português, o lado esquecido do colonialismo”, por Joana Gorjão Henriques; Tinta-da-China, 2016 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
O trabalho da jornalista Joana Gorjão Henriques apareceu inicialmente no Público, foi um projeto de cinco reportagens nas cinco ex-colónias africanas. Quarenta anos passados sobre a independência das ex-colónias, importava questionar até que ponto o racismo afeta ainda hoje as relações sociais, políticas e económicas nesses países. Reconheço o mérito do trabalho, mas confesso que o mesmo merecia tratamento caleidoscópico, por isso introduzi uma questão de peso para Angola e Moçambique, os brancos de primeira e de segunda. Acresce que também era útil questionar como é que a descolonização, ao olhos dos portugueses afeta as nossas relações com esses países, também tem que se medir o pulso aos antigos colonizadores e sua descendência para saber como se pôde descomplexar e erradicar as relações sociais em que o branco aparecia sempre em superioridade.

Um abraço do
Mário


Racismo em português, o lado esquecido do colonialismo: 
O testemunho da Guiné-Bissau

Beja Santos

“Racismo em português, o lado esquecido do colonialismo”, por Joana Gorjão Henriques, Tinta-da-China, 2016, é uma reportagem em que 40 anos depois da descolonização a jornalista foi perguntar até que ponto persistem ainda hoje as ideias de raças espalhadas por Portugal nesses países, como é que as populações dos países colonizados olham para o papel de Portugal enquanto colonizador, trabalho feito em cinco viagens às cinco ex-colónias portuguesas. A autora conta-nos como trabalhou: “Em cada país escolhi uma amostra de entrevistados, proporcional ao número de habitantes. O objetivo era reunir vozes que representassem as diferenças existentes: de classe social, de género, de situação profissional, de origem geográfica, de experiência pessoal, de interpretação. Interessou-me ouvir o passado e saber que marcas persistem desse passado ainda hoje”.

Como seria de esperar, há narrativas similares e naturais dissemelhanças decorrentes do processo descolonizador. Veja-se Angola: houve segregação racial em autocarros para brancos e para negros; havia brancos, assimilados e indígenas. A autora não entra em pormenores, mas havia duas categorias de brancos, os de primeira e de segunda, como Jerónimo Pamplona em “Angola Noutros Tempos, Por Terras do Golungo e de Ambaquistas”, Pangeia Editores, 2016, claramente refere: os naturais da colónia e os oriundos da metrópole, brancos europeus e brancos de segunda, estes nascidos nas colónias. A identidade de cada um fixava-se nos documentos oficiais, para os brancos com indicação do território colonial de origem e a menção de não indígena ou europeu para os nascidos na metrópole. E adianta: “O regime colonial português construiu uma hierarquia racial baseada no cruzamento de dois conceitos distintos – raça e naturalidade. Os brancos naturais de Angola foram oficialmente classificados de euroafricanos a fim de os distinguir dos metropolitanos, eram os brancos de segunda”. Os assimilados e indígenas assumiam a inferioridade que lhes era ditada pelo colonialismo. A partida do colonialismo não significou o fim da discriminação, continuam a existir os musseques e desenvolveram-se os arranha-céus para a classe dirigente.

Vejamos os testemunhos que Joana Gorjão Henriques recolheu da Guiné-Bissau. A primeira marca era ditada pela cidade onde podiam viver os civilizados e os assimilados e a periferia onde se espalhavam os bairros indígenas. Pelas seis da tarde, uma sirene recordava a todos que a cidade de Bissau passava a pertencer exclusivamente a brancos, mestiços, comerciantes, enfim, gente que comesse à mesa, que usasse garfo e faca, tivesse um salário ou modo de vida e um estilo de vida português. Quando uma pessoa requeria o estatuto de assimilado tinha de provar que se vestia como um europeu e que já não praticava as cerimónias tradicionais. Leopoldo Amado, diretor do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, lembra a época em que um sinal dava ordem de entrada e saída da população negra na cidade, no porto havia um muro para separar as populações africanas dos moradores. Os assimilados mudavam de nome, quem fosse Fodé ou Braima passaria a ser Fernando ou João.

A potência colonial nunca hostilizou a região muçulmana, pelo contrário, construiu mesquitas e apoiou financeiramente as peregrinações a Meca. Há muitas explicações para este comportamento de uma visível tolerância religiosa: o cristianismo claudicou logo nos primeiros séculos, o missionário sentia a adversidade do clima e a absoluta falta de meios; a colonização portuguesa só se torna efetiva depois das campanhas de Teixeira Pinto e da montagem de uma estratégia de convivência interétnica assente no acicate de clivagens entre elas, dando a certas etnias prerrogativas especiais, caso dos Fulas e dos Mandingas, sociedades verticais, pouco interessadas em aberturas políticas. A administração colonial recorria ao trabalho forçado para a construção de estradas, subtraía o sentimento de resistência junto das populações locais evidenciando os benefícios do avanço nos meios de comunicação.

Durante muito tempo pretendeu-se iludir a natureza e a proveniência dos colonizadores, com a luta armada fingiu-se que não havia uma profunda hostilidade do guineense face ao cabo-verdiano. Saico Baldé, atualmente a fazer um doutoramento sobre os migrantes guineenses em Portugal lança alguma luz sobre a questão: “Quem eram os administradores? Raramente eram os lisboetas, muitas vezes eram os cabo-verdianos. Aliás, 70% dos funcionários coloniais em 1971 eram cabo-verdianos: não lidámos com o colono diretamente, mas com o subcontratado. Isto deixou outra marca, a rivalidade entre a ala originária de Cabo Verde e a da Guiné. Os restantes 30% estavam cá em cima: quem lidava com o nativo não era o colono da metrópole era o cabo-verdiano vindo de S. Vicente ou da Praia”.

Chicoteava-se quem não pagava o imposto de palhota, o que nos remete para um outro colaborador do colono: o sipaio, que pressionava as populações para acatar as ordens ou para pagar o imposto, para trabalhar nas estradas e nas construções. E não podemos esquecer os grumetes, cristianizados, vistos como próximos dos brancos, também eles paus para toda a colher ajudando os colonos, combatendo ao lado dos portugueses em todo o período da ocupação.

A jornalista comete por vezes imprecisões graúdas, caso de atribuir os disparos do Pidjiquiti, em 3 de Agosto de 1959 à PIDE, foi a PSP quem avançou e disparou, a PIDE vem mais tarde.

O sistema educativo era irracional, os alunos eram obrigados a aprender de cor os rios e serras de Portugal (como nós aprendíamos de cor todos os principais rios e linhas de caminho-de-ferro do Império), a realidade local era praticamente obliterada. Nota comum aos inquiridos é ninguém acreditar que o colonialismo português tenha sido brando, é evidente que o governador Sarmento Rodrigues trouxe alterações de tomo, a seguir à II Guerra Mundial e que nomeadamente o período de Spínola foi marcante no desenvolvimento, mas era demasiado tarde. Há quem interprete a postura de Cabral em relação ao colonialismo defendendo que o inimigo do povo da Guiné-Bissau não eram os portugueses mas o sistema como o acontecimento decisivo para a harmonia no relacionamento entre portugueses e guineenses.

Na sua reportagem à Guiné-Bissau, Joana Gorjão Henriques refere a rota da escravatura que teve o seu ponto central no porto de Cacheu. Aqui a repórter comete outra imprecisão grave, diz que Cacheu chegou a ser a capital da Guiné-Bissau, a Guiné só teve duas capitais: Bolama e Bissau, Cacheu não foi que sede de capitania. Teve um papel importantíssimo no resgate de escravos. Era um comércio em que havia intermediários entre os armadores e os régulos africanos. E refere-se à Companhia de Cacheu e Rios de Guiné (1676), à Companhia de Cabo Verde e de Cacheu (1690) e à Companhia do Grão-Pará e Maranhão (1755). Na Igreja de Nossa Senhora da Natividade, criada no século XVI, chegou-se a converter 600 a 800 africanos num dia, afirma Leopoldo Amado. Com a abolição da escravatura, Cacheu definhou e a potência colonial teve que reorganizar a economia da Guiné, centrou-se na agricultura, findo o século do comércio de escravos. Leopoldo Amado lembra que a Guiné-Bissau foi uma colónia de exploração, não de fixação e acrescenta textualmente que era um território que alimentava o comércio de escravos de Cabo Verde, o arquipélago prosperou, a Guiné não. Os portugueses nunca tiveram uma política de conquista e de fixação e não se podiam medir com a resistência dos povos africanos. Era uma presença espúria, os portugueses nunca tiveram o domínio exclusivo do comércio de escravos dos rios da Guiné, nunca houve meios para dissuadir as investidas dos espanhóis, franceses e holandeses. Depois construiu-se a fortaleza de Cacheu, a seguir à Restauração, contribuiu para que o resgate de escravos pudesse florescer. Leopoldo Amado refere o número de 3 mil escravos por ano e conclui: “Se considerarmos que esse resgate durou cerca de 3 séculos, estaremos em condições de dizer que esse forte permitiu que pudesse sair cerca de um milhão de escravos de Cacheu e de povoações vizinhas. Por isso, a importância de Cacheu sobreviveu até aos nossos dias através da história lendária das suas grandes famílias que prosperaram e se multiplicaram”.

Importa não descurar que um dos objetivos do trabalho de reportagem de Joana Gorjão Henriques era o de questionar se os portugueses terão sido mais brandos e menos racistas do que as outras potências coloniais, igualmente questiona o silêncio que mantemos quanto ao trabalho escravo que existiu em parcelas do Império até 1974 e tece por último uma interrogativa que não é menos inquietante: “O que revela esta perspetiva de brandura de olhar sobre nós próprios, portugueses?”.
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19161: Notas de leitura (1116): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (58) (Mário Beja Santos)