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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12161: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (1): Falando de colunas de reabastecimento e de amizade

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista*, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 27 de Setembro de 2013:


Colunas de reabastecimento

De fins de Março de 1970 a Setembro de 1971 estive na CCaç 2616 em Buba, para onde fui em rendição individual.

A companhia pertencia ao BCAÇ 2892 que tinha o comando em Aldeia Formosa a cerca de 32 km de Buba.
Na estrada, de terra batida entre Buba e Aldeia Formosa estava a CCaç 2614 em Nhala a 7 km de Buba e a Cart 2519 em Mampatá a cerca de 20 Km.
A sudoeste fora deste percurso, em Empada, estava outra companhia independente que pertencia ao mesmo comando. O acesso era mais dificil, só de avioneta ou de barco através do rio Grande Buba.
Com excepção de Empada, os outros aquartelamentos e tabancas eram reabastecidos através de Buba onde as LDG (lanchas de desembarque grandes) vindas pelo rio Grande de Buba, acostavam e descarregavam todo o tipo de mantimentos e consumíveis.
Entre muitas outras coisas lembro-me bem dos enormes sacos de arroz que eram a base da alimentação das populações. Os estivadores fortes e musculados pareciam pertencer a uma etnia diferente de todas as outras.


Na estação seca penso que ainda antes da hora do almoço chegava a coluna de reabastecimento de Aldeia Formosa, engrossada pelo pessoal de Mampatá e Nhala. Nós fazíamos proteção à coluna entre Buba e Nhala, penso que com 2 pelotões. Dois bombardeiros T6, aviões antigos que pareciam pássaros enormes e lentos a sobrevoar a coluna, a baixa altitude, normalmente também faziam proteção.

A coluna em si era enorme. De Aldeia Formosa vinham militares da CCaç 2615 e da CArt 2521 (não sei quantos pelotões), o pelotão Fox do alferes Maia, mais pessoal dos vários serviços, manutenção, auto e outros.

De Mampatá e Nhala vinham mais pelotões. Muitas viaturas para o transporte da tropa e para levar os mantimentos de volta. Camiões Berliet, robustos e relativamente novos, as velhinhas camionetas GMC, que pareciam da 1.ª guerra mundial, mas que apesar disso resistiam sempre, unimogues, jipes só com tropa, outros com auto-metralhadoras. A coluna estendia-se por 1000 metros à vontade. Tinha bastantes militares e um potencial de fogo razoável, talvez por isso nunca tenha sido atacada, pelo menos que eu me lembre.
De tarde depois de carregados os camiões os nossos camaradas regressavam às suas origens.

Vila de Buba, 1969 - Foto de José Teixeira

Na época das chuvas porém tudo se complicava. A estrada era de terra batida e nalguns sítios passava perto de bolanhas. A água que escorria do céu longos dias a fio, abria crateras e valas na estrada, noutras acumulava terra solta e movediça, noutros sitios formava grandes charcos.
As viaturas atascavam avariavam, ficavam empanadas. Depois para as desatolar e pôr operacionais era o cabo dos trabalhos. Nessa época as colunas chegavam já tarde, por vezes já noite cerrada, com os camaradas todos molhados e cansados dos percalços da viagem. Comiam Ração de combate ou rancho.

Conviviam um bocado connosco, enquanto bebíamos umas bazookas (cervejas grandes) pois apesar do cansaço, todos estávamos interessados em conhecer o dia a dia de uns e doutros. Com meios de comunicação quase inexistentes a palavra falada era quase a única forma de comunicação possível e a melhor forma de nos sociabilizarmos. Deitávamo-nos muitas vezes já tarde, tendo os camaradas da coluna ter que dormir em cima do cimento nos nossos quartos e camaratas.
No dia seguinte levantavam-se cedo para o regresso, tal como nós para lhes fazer proteção. Regresso aos respectivos aquartelamentos que seria uma odisseia igualmente difícil.
Desses dias recordo sobretudo a grande camaradagem que se estabelecia entre todas as Companhias do Batalhão e sob o seu comando. Conheci muitos e bons amigos. Cada qual tomou o seu próprio caminho, levados pela vida profissional e familiar, e fomo-nos perdendo de vista uns dos outros. Mas as boas recordações desses convívios continuam vivas na minha memória.

Hoje quando alguém me fala que esteve na Guiné nalgum sitío por onde andei, como aconteceu há dias com o Arménio Estorninho que me deu ainda notícias do José Grade que esteve comigo em Buba, fico sempre muito sensibilizado. Esses lugares, lá longe, onde estivemos, durante meses foram a nossa terra, a nossa casa. Aprendemos a amar aquelas florestas, aquelas bolanhas, o enorme espelho de água do Rio Grande Buba, em frente ao quartel onde o sol ao nascer, se reflectia com todo o seu esplendor, e os pores-do-sol produziam no céu ao longo do rio uma aguarela com todos os cambiantes de rosa e vermelho. No diálogo que fomos estabelecendo com o rio, com as árvores, com as gentes e essa grande terra africana, trouxemos um pouco do seu espírito e da sua beleza.
Houve também o outro lado desagradável da moeda, a guerra, que nos deixou algumas mágoas.
É isso Arménio e José que nos irmana e aproxima.

É a mesma disposição animica que senti quando encontrei o Carlos Vinhal, o Inácio Silva e o Jorge Picado, que estiveram em Mansabá. Por uma razão semelhante à evocação que acabei de fazer, vou recordar desses tempos das colunas o 1.º Cabo Paulo da CCS, em Aldeia Formosa, que se bem me lembro era o encarregado da cantina lá. Éramos, espero não errar, os únicos naturais do nordeste transmontano, do mesmo concelho, eu de Brunhoso e ele de Brunhosinho
Não nos conheciamos antes mas ele soube da minha chegada e procurou-me. Quando havia colunas ele por vezes vinha e e encontrávamo-nos sempre, para cavaquear um pouco.

Aquele encontro era muito saudável, era um pouco como se voltássemos aos montes e vales de Trás-Os-Montes, esse reino maravilhoso de que fala Miguel Torga. Ele regressou, de barco, com o Batalhão, sete meses antes de mim. Fez-me o favor de me trazer uma grande caixa de madeira com garrafas de whisky que entregou em minha casa na aldeia.

Hoje, pensando que ele de certeza terá ido de Lisboa para a terra de comboio, tendo que mudar 3 ou 4 vezes de linha, não sei se o maior parvo fui eu em lhe fazer esse pedido ou ele em ter aceitado. Pela vida fora temo-nos encontrado muitas vezes tanto no Porto como na sede do nosso concelho. Ele já foi polícia, dono de restaurantes e por fim construtor civil e sempre soube orientar bem a vida dele.
Eu tenho sempre uma enorme satisfação quando o encontro.

Atenção que o rigor do relato sobre as colunas de reabastecimento é diminuto. Não tenho certezas sobre a sua periodicidade, sobre o número de pelotões que lhe faziam escolta e sobre outros pormenores importantes.
Verdade se diga que isto não é história, isto, pela imprecisão de dados, é uma estória.

Peço desculpa por essa razão e agradeço qualquer comentário que torne o texto mais conforme a realidade.

Um grande abraço a todos os camaradas
Francisco Baptista

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11168: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (2): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte II): Buba-Aldeia Formosa, 39 horas dolorosas para fazer uma picada, de 35 km, em 24/25 de julho de 1968

1. Mensagem de 25 do corrente, do Zé Teixeira, que vive em Matosinhos, gerente bancário, reformado, e cidadão ativissimo em prol dos outros e das causas solidárias [, foto à esquerda, Farosadjuma, Cantanhez, Região de Tombali, Guiné-Bissau, 2011]


Grande Régulo Luís.

Apanhaste-me na curva. tens insistido comigo para repor “O meu Diário” (*).  Resisti à tentação porque não sinto que tenha o valor que lhe dás e sobretudo porque há vivências de tantos camaradas que merecem muito mais que eu serem valorizadas... Mas já que insistes, vamos lá...

Com tempo pude vasculhar a correspondência com a minha ex-namorada e atual companheira de vida, bem como da minha família, o que me despertou para outras situações vividas e que não foram passadas para o “Diário”, talvez por perguicite, medos, etc.

Assim, tomo a liberdade de reenviar “O meu Diário” acrescido com letra em itálico para não se confundir com o que escrevi em cima dos acontecimentos em que procurava falar para mim mesmo, de partes de aerogramas e recordações que o tempo não consegue apagar. Se vires que tem interesse podes publicar.

Junto algumas fotos para enriquecer toda esta “tramoia”que me pregaste.

Abraço fraterno do Zé Teixeira

Comentário de L.G.:

Grande Zé: Just in time!... Vou reformular os postes... Assim há um motivo acrescido para ler ou reler o teu diário (que é, sem favor, um notável documento)... Tu mereces esta pequena gentileza e muito mais!... Um xicoração. Luis



2. 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (2): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Os Maioriais, Buba e Empada, 1968/70) (Parte II):  Picada Buba/Aldeia Formosa, 24/26 de julho de 1968

Fotos: © José Teixeira (2005): Todos os direitos reservados


Continuação da publicação do "diário" do José Texeira (ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70), agora aumentado com correspondência:

Aldeia Formosa,  24/26 de julho de 1968

Comecei a guerra. Saí de Buba dia vinte e quatro às seis da manhã e cheguei a Aldeia Formosa dia vinte e cinco às vinte e uma, depois de durante dois dias batalhar com o IN, com o tempo e ultrapassar outras dificuldades.

A estrada (picada) está num estado lastimoso: buracos de minas, pontes destruídas e outros obstáculos que a muito custo se venceram. Os primeiros sete quilómetros, foram percorridos em oito horas e meia.

O primeiro ataque foi de abelhas. Eram tantas que mais pareciam uma pequena nuvem e era ver quem mais corria a fugir da sua picada. Eu fiquei quedo como um penedo,  sentado na berma, entre os arbustos, a conselho de um africano que estava a meu lado e não sofri uma picada. Assustado e perturbado pelo zumbido à minha volta e pela cor que o meu corpo foi tomando na medida em que se fixavam à minha roupa, na cara e na cabeça. Neste estado pude apreciar a confusão de uma fuga precipitada um tanto hilariante. Se o IN tivesse atacado nesse momento era um desastre total, tal foi a desorganização gerada

Depois... Veio aquela mina roubar mais uma vida e pôr duas em perigo... Inimigo cobarde!... frente a frente não consegue atingir os seus objectivos e ataca à traição, num pequeno descuido dos picadores.

Que culpa terá aquele jovem que me morreu nas mãos, que os homens não se amem? Que culpa tenho eu?

A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho! Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h) ficamos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista. Isto é guerra...

Quando nos dispúnhamos a montar acampamento o RT morreu. Com o impacte do rebentamento tinha ido ao ar e caiu de peito, rebentando por dentro. Eu e o Catarino [, o outro 1º cabo aux enf, ] nada pudemos fazer.

Esperávamos que o IN atacasse de noite pois tinha sido detectado pela aviação durante o dia. Felizmente durante a noite não houve surpresas e eu entregue totalmente ao ferido que sobrou para mim, o condutor da viatura sinistrada, um pouco mais conformado recomecei, melhor recomeçamos a marcha com toda a cautela, pois no dia anterior, além da mina que rebentou, foram localizadas mais três.

Para alimentação deste dia não tínhamos nada. A ração de combate, mal chegou para o primeiro dia. À frente havia elementos do IN,  "manga dele", havia buracos, pontes interrompidas; havia minas, só não havia comida.

Ainda não tínhamos percorrido três quilómetros, quando caímos na primeira emboscada. Dois bi-grupos esperavam-nos. Felizmente a Milícia do Candé (Aliu Candé) que protegia os flancos descobriu-os e sem compaixão, todas as máquinas de guerra funcionaram. O meio e a retaguarda da coluna embrenhados no mato aguardavam prontos a intervir o que não foi necessário. Quinhentos metros à frente é a vez da retaguarda ser flagelada e obrigar o soldado português a mostrar as suas capacidades de luta. Deste segundo encontro há registar dois feridos.

A coluna recompôs-se e continuou a sua marcha de 30 viaturas carregadas de mantimentos e armamento (três obuses de 140 mm, entre outro material). A meio da manhã chegaram os Fiat. Com a aviação sentimo-nos mais seguros e confiantes. Os feridos foram evacuados de Hélio. Uma coluna que normalmente se faz em oito horas, demorou dois dias.

Agora que sinto o barulho do matraquear das armas, que sinto o sibilar das balas assassinas sobre a minha cabeça, começo a sentir um tremendo ódio a tudo o que seja guerra. Sim. Odeio os homens que em vez de se amarem se guerreiam. Que culpa tenho eu que os homens não vivam o amor?

Quando abriu a emboscada escondi-me debaixo de uma viatura e senti bem perto as balas a assobiarem, pois um IN. estava em cima de uma palmeira à minha frente a fazer fogo. Ainda tentei usar a arma que tinha comigo, mas esta encravou à primeira tentativa e ainda bem. Fui apenas um espectador.

Senhor!, que eu jamais faça guerra!... Que eu ame sempre!

Hoje, 26, recebi uma carta, a que tanto precisava para acordar o meu espírito... Dou-te graças, Senhor,  porque me deste um anjo, porque me deste um amor que está sempre comigo, até nos momentos mais difíceis.

Aldeia Formosa, o meu novo poiso, também foi atacada ao anoitecer . O IN teve fraca pontaria e não meteu uma dentro do Quartel. A mesma sorte não foi para Gandembel,  há cerca de quinze dias, quando atacaram aquele Destacamento com 11 canhões sem recuo, mataram um Alferes e feriram vários militares.

[Foto à esquerda: O Zé Teixeira, em Empada, junto ao pau da bandeira, em 1970, a escrever o seu diário]

Extrato do bate estradas que escrevi à minha namorada

A lição que a G3 me deu, ao recusar disparar e,  ao mesmo tempo, não rebentar o cano em tiras, o que possivelmente me mataria, levou-me a pensar no pedido que minha mãe me tinha feito na minha despedida e ao compromisso que assumi perante mim mesmo de não dar um tiro, nesta guerra. Ser enfermeiro curador de feridas e nunca causa de dor ou morte. Quero ser só e apenas enfermeiro durante o resto da comissão. Afinal é a minha missão.

Entreguei a arma ao quarteleiro e nunca mais quero ter uma G3 na mão. Senti que Deus esteve comigo naquele momento.

Mas aquela vida. Aquele olhar a apagar-se e nós sem lhe poder valer. A sede que o fazia agonizar. Os gritos de desespero de quem sente a vida a fugir-lhe. Depois o adormecer suavemente para sempre.

Meu Deus, que jamais eu faça guerra, nesta missão ingrata de viver em guerra, quando apenas quero viver em paz. Construir a paz.



MATARAM O FUTURO

O destino, no tempo o marcou.
Aquela hora!
A mina escondida!
Aquela viatura!
Quando a quinta passava, deflagrou,
Uma vida cheia de vida,
A morte a levou.
Destino cruel.
Demasiado duro.
Deixou de ser a esperança, no futuro.
Para sempre partiu,
Aquele jovem.

Cheio de saudades de um tempo,
De quem nem sequer se despediu.
Um tempo, para com garra viver,
Mas. . .
Ficou sem tempo, para o conhecer.
Já não vejo!
Já não vejo!
Vou morrer!
Com ténue voz.
Balbuciou.
Tremendo grito.
Eu quero viver!
E . . .
Ali se ficou.
Até morrer.
Sede.
Muita sede.
Aquela vontade danada de viver,
E um corpo a arrefecer!
Vida.
Quase sem vida.
E eu. . .
Sem lhe poder valer.
Tremendo momento.
Num mundo mais pobre,
Um futuro em sofrimento.


(Continua)
_____________

Nota do editor:

(*) Vd. poste anterior da série > 25 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11150: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (1): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte I): Buba, julho de 1968

terça-feira, 17 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9763: In Memoriam (117): Recordando o dia 17 de Abril de 1972 e a trágica emboscada de Quirafo (Juvenal Amado)

 

1. Em mensagem do dia 4 de Abril de 2012, o nosso camarada Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), enviou-nos este texto de homenagem aos camaradas da CCAÇ 3490 que morreram na emboscada de Quirafo, no dia 17 de Abril de 1972:





Pintura de autoria de Juvenal Amado para oferecer à Tabanca do Centro a fim de ser leiloada e assim ajudar alguém através daquela Tabanca.

"António Ferreira"

Homenagem do nosso camarada Mário Migueis ao 1.º Cabo TRMS António Ferreira morto durante a emboscado do Quirafo
Acrílico: © Mário Migueis da Silva (2010). Direitos reservados


COMO SE FOSSE UM FILME

Hoje nas suas fotos parados no tempo, olham-nos com uma censura muda. Os olhos parece que nos seguem. Perguntam-nos porque não aproveitamos para criar algo mais justo, mais fraterno, quando tivemos a oportunidade, que lhes foi negada a eles na flor da idade.

Se fosse nos States far-se-ia um filme, talvez um épico. Nunca podia ser com o John Wayne como actor principal, pois ele nunca morria nas fitas. Normalmente ele era o herói, que namorava a dona do Saloon e dava porrada em todos “maus”. No fim partia sempre rumo ao Sol poente, deixando a pobre com água na boca.
Por outras palavras ela casava com o cavalo, dizíamos nós a brincar.

Bem segundo parece, nunca esteve em combate de verdade, só usava a sua “bravura” para a propaganda militar, dando assim azo à fanfarronice e egocentrismo tão americano.

Uma bela imagem do Rio Corubal, no Saltinho. 

Foto retirada da página Encore de L'audace do nosso camarada Paulo Santiago, com a devida vénia

Escolhemos uma data?
Talvez 17 de Abril de 1972, numa picada repleta de sol numa Segunda-Feira.

Vão-se recomeçar os trabalhos interrompidos na Sexta-Feira na abertura da estrada, que talvez não fosse dar a lado algum, a não ser à sede de protagonismo de chefes militares.

Para que seria aquela estrada que ia na direção de locais em que nós não éramos visita desejada há muito tempo? Tinham-nos mandado fazer aquele serviço, para o qual talvez não tivessem sido devidamente avisados dos perigos, que era “cutucar a onça com vara curta”, como é uso agora dizer-se, que temos o português das telenovelas brasileiras, a assaltar-nos os sofás várias vezes ao dia. Depreciar o perigo resulta na sua duplicação como se viu.

Mas se fosse um filme nós sairíamos para a rua no final da sessão com os ouvidos cheios de tiros, explosões, a visão cheia actos heróicos e muitos mortos. Embora não tivéssemos visto, os “mortos” no fim de cada cena levantam-se, retocam o “sangue das feridas”, ajeitam os buracos nas fardas, pois talvez seja preciso repetir as filmagens naquela ou na outra cena de matança, quanto mais realista melhor para o êxito da fita.

Sabemos nós que há 40 ou 50 anos provámos da nossa própria angústia, que não se passa assim, que os mortos ficam mesmo mortos e o sofrimento é real para além do intolerável.

As viaturas roncam carregadas com soldados, trabalhadores, granadas, motosserras, gasolina e farnéis. A curva feita e desfeita tanta vez, desta vez albergava uma mortal surpresa.

A bocarra da morte estava ali à espera deles, como quem ri com escárnio da sua juventude, porque não se era jovem demais para morrer naquelas terras vermelhas e de sol impiedoso.

Apanhados de surpresa, as balas e canhoada atingem viaturas e rasgam as carnes, só escapa quem foge, quem se tenta refugiar é apanhado à mão. Sorte incerta para ele, certa para quem ficou estendido varado pelos tiros e metralha. A gasolina arde numa enorme fogueira, onde se mistura viatura e corpos sem vida.

Que sabemos nós dos seus últimos pensamentos?
Ter-se-ão apercebido da grande tragédia em que foram o actores principais?

As notícias do desastre chegam longe.
Quantos caixões?
Muitos!
Nem todos são brancos mas quais? E quem são?
Perguntámos nós.

Mais a cima as preocupações eram outras e perguntou-se “quantas viaturas”? Os homens substituem-se o equipamento compra-se.

Só muito mais tarde, se soube quem era quem, no desenlear as teias tecidas pela morte daquele dia. Mês de Abril das flores dos dias claros e pujantes, em que a natureza morta pelos rigores do Inverno, revive num ciclo imparável de Séculos. É a diferença, os homens que nos deixam, só regressam na nossa memória.

As romagens às suas campas, normalmente de exaltação patriota em data previamente marcada, não de introspecção, só servem alguns fins para o qual, nem eles nem as famílias foram tidos nem achados.

Resisto a olhar os olhos das fotos para sempre jovens, pois aquele olhar corta.

O silêncio, as flores, algumas de plástico, dão um ar de desolação e a certeza, de que há um fim até para saudade presente e dolorosa, porque a vida tem que seguir em frente para os ficam.

Despeço-me parafraseando aqui o titulo do poema do canto-autor Geraldo Vandré que "É P´ra Não Dizer Que Não Falei das Flores".

Dedicado aos camaradas da Companhia de Caçadores 3490,  mortos naquele dia fatídico de 17 de Abril de 1972, Saltinho.

Alferes Miliciano Armandino Silva Ribeiro - Magueija / Lamego
Furriel Miliciano Francisco de Oliveira Santos - Ovar
1.º Cabo Sérgio da Costa Pinto Rebelo - Vila Chã de São Roque / Oliveira de Azemeis
1.º Cabo António Ferreira [da Cunha] - Cedofeita / Porto
Soldado Bernardino Ramos de Oliveira - Pedroso / V. N. Gaia
Soldado António Marques Pereira - Fátima /  Ourém
Soldado António de Moura Moreira - S. Cosme  / Gondomar
Soldado Zózimo de Azevedo - Alpendurada / Marco de Canaveses
Soldado António Oliveira Azevedo - Moreira  / Maia (**)
Milícia Demba Jau - Cossé / Bafatá
Milícia Adulai Bari - Pate Gibel / Bafatá
Trabalhador Serifo Baldé - Saltinho / Bafatá
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9685: Estórias do Juvenal Amado (41): Um drama causado pelo esquecimento dum carteiro

Vd. último poste da série de 8 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9716: In Memoriam (116): O senhor Luís Henriques (pai do nosso editor Luís Graça), faleceu hoje, dia 8 de Abril de 2012, aos 91 anos, na Lourinhã (Tertúlia)

Sobre a emboscada de Quirafo, entre outros, vd. postes de:

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

(**) Originalmente dado como "desaparecido em combate", confundido com o António da Silva Batista (dado como morte)

domingo, 9 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7580: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (20): Coluna auto de Aldeia Formosa ao Saltinho

1. Mensagem de Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381,Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 8 de Janeiro de 2011:

Camarigo Carlos Vinhal, cordiais saudações guinéuas.
Comentando “estórias” da sorte e das vicissitudes do Soldado Alzira que fez parte dos efectivos da CCaç 2381, Guiné 1968/70, e que teve
presença efémera no Teatro Operacional.

Com um forte abraço do tamanho do Rio Corubal.
Arménio Estorninho
Ex-1º Cabo Mec. Auto, C.Caç.2381 “Os Maiorais”


AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUERRA (20)

Coluna auto de Aldeia Formosa ao Saltinho

Situações passadas durante uma coluna, efectuada no segundo semestre do ano de 1968 no troço Aldeia Formosa – Contabane – Saltinho - Aldeia Formosa. Com a valia de imagens de parte do que eu vi, em que o seu uso foi devidamente autorizado, pelo ex-Capitão Carlos Nery, Cmdt da CCaç 2382 e pelo ex-Fur Mil Mec José Luís Reis, CCaç 2701, Saltinho 70/72, que foi meu colega de Curso na Escola I. C. de Silves.
Sendo o dispositivo das forças de 01 GRCOMB da CCaç1792, 01 GRCOMB da CCaç 2381, 01 Esq do Pel Mort 1242, 01 Sec Fox 2022 e 02 Sec do Pel Caç Nat.

A deslocação ao Aquartelamento do Saltinho tinha o fim da entrega de uma viatura, de um motor e de equipamento diverso.
A operação deu-se num dos primeiros dias do mês de Agosto, quando eram cerca das 07h e 30m, saindo de Aldeia Formosa pela estrada que tinha inicio na pista de aviação e na coluna seguiam 06 viaturas. A escolta militar dispunha-se de forma em que na frente seguiam 02 Secções a picar, 02 Secções nos flancos conjuntamente com guias Caç Nat e os restantes distribuíam-se na protecção às viaturas.
A progressão decorria cadenciadamente com as viaturas a trilharem a picada, que desde o abandono de Contabane pelas NT e população, a mesma não era usada. Assim, havia forte suspeição da existência de engenhos explosivos.

Foto 1 - Guiné> Região de Tombali> Contabane> 1968 > Parte da Tabanca de Contabane, verificando-se a estrada que passa de permeio e em direcção ao Saltinho.
Com a devida vénia para a Enfª Pára-quedista Ivone, por ter obtido este recorte fotográfico e assim como ao Camarigo ex - Cap. Carlos Nery, Comandante da CCaç 2382, por autorizar a extrair a foto do P6489 e facilitando o seu uso.

Deu-se a passagem por Contabane, que apresentava um estado de destruição das instalações militares e da Tabanca, após o ataque IN, em 22/06/68. Tendem ficado quase reduzidos a escombros, ainda se viam de pé a Mesquita e algumas moranças. Ao tempo, a defesa era composta pela CCaç 2382 e por Caçadores Nativos, que após os acontecimentos efectuaram a total evacuação para Aldeia Formosa.

Foto 2 – Guiné> Região de Tombali> Contabane> 1968 > Como eu vi as moranças incendiadas e reconhecendo-se a Mesquita.
Com a devida vénia, para a Enfª Pára-quedista Ivone e para o ex - Cap. Carlos Nery, pela autorização de extrair a foto do P6479 e facilitando o seu uso.

Antes de chegarmos ao Saltinho, ao prosseguirmos por uma clareira deu-se um estrondo seguido de um matraquear de batidas e com imenso fumo na frente de uma viatura. Fica no ar uma suspeição, que a viatura teria accionado uma mina AP. A coluna fez alto.
Foram tomadas as providências, seguindo próximo da viatura imobilizada fui dos primeiros a chegar junto e verificando que o Soldado Alzira era quem a conduzia.
Logo, chega o Cabo Enfermeiro, não havia feridos mas dois militares estavam todos sarapintados de negro. Os picadores que seguiam na frente de imediato compareceram, para tornarem precauções e confirmaram não haver necessidade.

Foto 3 – Guiné> Região de Bafatá> Saltinho> 1970 > Vista para a margem oposta ao Quartel, Ponte Craveiro Lopes sobre o Rio Corubal.
Foto gentilmente cedida pelo o ex-Fur Mil Mec José Luís Reis, CCaç 2701.

Como estávamos próximo do Saltinho, parte do dispositivo da coluna estacionara enquanto a outra parte seguira para o objectivo e feita a entrega, suponho, que à CCaç 2406. Iniciando-se o retorno com o reagrupamento, chegamos a Aldeia Formosa. A coluna realizou-se sem outro qualquer outro incidente, não sendo detectado engenho explosivo e nem havendo contacto com o IN.

Foto 4 – Guiné> Região de Bafatá> Saltinho> 1970 > Belo recorte que eu apreciara do Rio Corubal, tende pela dirt. a Ponte submersível, pela esq. a Ponte Craveiro Lopes e na margem direita o Aquartelamento do Saltinho.
Foto gentilmente cedida pelo ex-Fur Mil José Luís Reis, CCaç 2701.

A causa da avaria foi, ter-se desapertado os parafusos da chumaceira da cabeça de uma biela do motor obrigando esta a desprender-se da cambota. No movimento de rotação, a cambota levou a biela ao impacto no bloco, partindo-o. Da fenda emanava óleo que em contacto com as peças mecânicas da zona do motor que estavam a alta temperatura, dai adviera uma fumarada e que exalava imenso cheiro a óleo queimado.

A viatura estava distribuída a um Soldado, que no momento não a conduzia, devido a que o Soldado Alzira tinha-lhe solicitado para o substituir na condução e aquele não se fazendo rogado cedeu-lhe o lugar (tendo-me apercebido da situação).
Lembrando, que numa coluna auto o lugar do condutor era deveras dos mais perigosos, dadas entre outras situações as minas AC e/ou os fornilhos.

Foto 5 – Guiné> Região de Bafatá> Mampatá – Saltinho> 1970 > Sentado na cabine o Fur Mil Mec José Luís dos Reis, de pé o Fur Mil Pires e a clicar para recordar, ambos são da CCaç 2701.

E agora a moral da “estória". Pela situação de avaria da viatura, teria de haver relatório e quem a conduzia não estava habilitado para o efeito. A fazer-se participação da ocorrência, seriam levantados processos disciplinares a ambos os militares por indisciplina e uso com prejuízo da fazenda militar.
Tendo eu feito ver a ambos o acontecimento, que o mesmo iria proporcionar uma situação gravosa, por isso teríamos de dar a volta ao texto. Assim, fazíamos um pacto em que eu nada vi e o relatório da avaria era feito de forma de quem tinha a viatura distribuída era quem a conduzia. Tudo acertado e ficamos mais amigos.
Da minha parte o segredo ficara até hoje, ao Comandante da CCaç 2381 ao tempo, Capitão Jacinto Aidos (hoje Coronel na Reserva) que desculpe o seu subordinado pelas “trocas e baldrocas” e dado que aquela avaria se daria em qualquer momento.

O Soldado Alzira ficou feliz, como gostava de cantar o fado e então era o ex-1.º Cabo Franklin (paz à sua alma) dando os seus belos acordos de guitarra portuguesa e havendo festa rija. Eu, com a minha guitarra dava uns toques e só atrapalhava o andamento da música.

Foto 6 – Guiné> Região de Bafatá> Saltinho> 1970 > Ponte Craveiro Lopes sobre o Rio Corubal, zona balnear do Saltinho em que o ex-Fur Mil Mec José Luís dos Reis, CCaç 2701, está a saltar para a fotografia.

27 de Agosto/68:
Durante uma coluna Aldeia Formosa – Nhala - Buba, foi accionada uma mina AC por uma viatura que ficou destruída,  provocando ainda um ferido às NT.
Quando se procedia à reparação do pontão de Uane, foi deflagrada uma mina AP por um elemento das nossas forças, que o feriu gravemente. Tratou-se do Soldado Alzira, que pisara e accionara a dita mina, tendo-lhe causado a perda de um pé.

Solicitada a evacuação por meios aéreos (Helicóptero Alouette III), chegado, o piloto disse que  não havia condições (tecto) naquele local para a evacuação dos feridos (TEVS) e que a mesma só seria possível em Nhala. Dado que se estava em época das chuvas, nas bolanhas as viaturas ficavam em atoleiro diversas vezes o que retardava a progressão da coluna.
Era premente a evacuação do ferido devido à perda de sangue, tendo por isso 01 GRCOMB da CCaç 2382, que dava apoio logístico, vindo de Nhala ao encontro da frente da coluna e imediatamente regressara levando os feridos.

E assim, se salvou o Soldado Alzira, que posteriormente foi evacuado para a Metrópole. Ficou grato à Companhia irmã, a CCaç 2382 e à Força Aérea por assim ter saído daquele inferno.
É do conhecimento, que o Alzira continua alegremente a cantar o Fado pelas Casas de Lisboa.

Com um forte abraço do tamanho do Rio Corubal.
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto,
CCaç 2381 “Os Maiorais”
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7369: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (19): Factos mais importantes da CCAÇ 2381 no Subsector de Aldeia Formosa

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7551: (Ex)citações (124): O Fur Mil Armindo de Matos André, faleceu no dia 26 de Outubro de 1971, vítima de ferimentos em combate, durante uma emboscada a uma coluna de reabastecimentos, em Oco Maunde, na estrada Nova Lamego - Piche (Luís Borrega)

1. Introdução

Jurei a mim mesmo, depois da pausa que fiz no Blogue, não me aborrecer nunca mais com as trocas de mimos entre camaradas, porque parece fazer parte de um certo ritual, a modos de como se faz na AR onde se insultam, mas almoçam tranquilamente a falar da primeira derrota do FCP, das intermitentes vitórias do SCP ou dos voos rasantes da "águia". Tudo assuntos de primordial importância.

Chegou o fim de ano, e com ele mais uma tempestade num copo de água, com recurso à G3, que raio de tique, apetecendo-me logo ir buscar a minha fisga para o que desse e viesse. Mas pensei, calma rapaz, não te esqueças do que prometeste a ti mesmo. Deixa arder, o palheiro não é teu.

Houve alguém que querendo repor a verdade, cometeu a falta grave de se esquecer de assinar o comentário. Caiu-lhe o Carmo e a Trindade em cima. Por acaso o camarada em causa até nem insultou ninguém, olha que coisa rara, mas mesmo assim...

Entretanto o Luís deu-me instruções para publicar os comentários que tentaram repor a verdade sobre a morte do nosso malogrado camarada Armindo Matos André, cujo poste 7536* acabou por originar o tal empunhar de G3, pelo que aqui estou de peito às balas, salvo seja.

CV

Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Pormenor da carta de Nova Lamego (1957)> Escala: 1/50000 > Foi na região de Oco Munde, na estrada Nova Lamego - Piche que foi foi morto o nosso camarada André e mais dois milícias


2. Esta foi a polémica afirmação do nosso camarada Paulo Santiago dirigindo-se ao camarada Luís Borrega:

Só hoje li um teu comentário publicado no poste P7517, fiquei chocado, mas também aliviado. Aliviado porque consegui lembrar-me do Fur Mil André que tu evocas com emoção. Já tempos atrás, quando escrevi sobre os meus tempos de Bambadinca, falei sobre essa trágica emboscada que ocorreu logo a seguir ao encerramento do Curso de Milícias, que tivera início em Outubro de 1971. A data certa, também não a lembrava, sabia que tinha sido após o dia 24/12/71, data na qual houve a cerimónia de encerramento. Assim a tragédia aconteceu em 26/12/71 e não a 26 de Novembro como, certamente por lapso, escreves.



3. Série de comentários que tentaram fazer luz sobre o assunto:

i - Caros editores nem foi em Novembro nem em Dezembro que houve a emboscada a OCO MAUNDÉ mas sim em 26 de Outubro de 1971, pelas 06:40 horas.
(Comentário não assinado)


ii - Caros amigos, Na lista do Ultramar.terra.web vem mesmo indicada a data de 26-10-71, e a mesma data no site kimbas. Não se consegue qualquer informação no site da Liga dos Combatentes (o que é estranho). Mas isto não quer dizer que estas duas páginas tenham a informação correcta.
Um abraço,
Carlos Cordeiro


iii - Caros camaradas, No Livro 2 - Guiné, Tomo II dos Mortos em Campanha, na página 72, consta a morte, por ferimentos em combate, do Fur Mil At Armindo de Matos André da CCAV 2749/BCAV 2922, em Oco Maunde, na estrada Nova Lamego - Piche, no dia 26 de Outubro de 1971.
Só por curiosidade, neste mesmo dia, no mesmo itinerário, mas em Cambajã, morre também por ferimentos em combate, o meu conterrâneo Albino Maia de Jesus, 1.º Cabo At da CART 3332.
Um abraço e Bom Ano
Carlos Vinhal


iv - Após uma busca, fui parar ao P3189 publicado em 9/09/2008, no qual, em nota introdutória, pedia a algum camarada que me conseguisse identificar o Fur Mil morto na zona de Nova Lamego em data posterior, mas próxima, ao dia 24/12/72. Penso que o Zé Martins tentou mas não conseguiu encontrar qualquer Fur Mil morto nos dias seguintes aquela data.
Factos:
1 - houve um pelotão de Milicias, desarmado, emboscado na zona de Nova Lamego, procedente de Bambadinca, onde morreu o Fur Mil instrutor, e terminara a instrução a 24/12/72.
2 - o L. Borrega, não indica a data correcta, mas tudo o resto bate certo, incluindo o nome do Fur Mil André
3 - estando em Bambadinca a 24/12, não era possível o tal pelotão ter sido emboscado em 26/11 ou 26/10, sendo isto válido para o André.
Concluindo:
As datas indicadas em Outubro e Novembro, não podem estar correctas no que aqueles Milicias e respectivo instrutor dizem respeito
Abraço
Paulo Santiago


v - Caros amigos, No dia 26-10-1971, tombaram em combate na Guiné:
1º cabo - Albino Maia de Jesus
Furriel - Armindo de Matos André
Soldado - Francisco de Oliveira Ferreira
Soldado - Manuel da Silva Pereira
Alferes - Nelson Joaquim A. Pereira Soares
Um abraço e Bom Ano para todos.
José Corceiro


vi - O blogue que consultei (www.memorial.nositio.net) dá os mesmos resultados do José Corceiro. Na listagem não consta, para o ano de 1971, qualquer morto depois de 25 de Dezembro.
Abraço,
Carlos Cordeiro


vii - Caro Paulo Santiago, Após a data 24-12-1971, creio não estar errado se afirmar que o primeiro Furriel a falecer na Guiné foi:
Furriel Alberto Augusto Pica Sempão, em 03-01-1972, mas a causa da morte foi doença.
A seguir, em 15-01-1972, faleceu Furriel Virgolino Ribeiro Spencer, mas a causa da morte foi acidente.
Em 15-02-1972, Furriel Mamadu Saliu Djaló, em combate.
Em 26-02-1972, Furriel José Carlos Silva Pinto Ribeiro, em combate.
Em 15-03-1972, Furriel Jacinto Valentim dos Santos, de acidente.
Um abraço
José Corceiro


viii - Amigos, No dia 26 de Outubro de 1971, morreram em combate, além dos indicados pelo José Corceiro, os seguintes Sold.Mil.:
- Mamadu Jaló - Pel Mil 323 - BCav 2922;
- Mamadu Bari - Idem.
(ultramar.terraweb.biz/.../Monumento/Omissos/FBS_omG1.pdf).
Abraço,
Carlos Cordeiro


ix - Camarigos, A emboscada foi mesmo a 26/10/71, e para "mal dos meus pecados" era o dia de Aniversário da minha saudosa avó, enquanto ela foi viva, nunca mais festejei o seu aniversário, mas ela compreendeu porquê.
Quanto à emboscada:
Foi uma emboscada dupla, uma em OCO MAUNDE e outra em CAMBAJÃ sensivelmente à mesma hora (7.05)
O Fur Mil Cav André (meu camarada desde a recruta na EPC em Santarém) morreu em combate na zona de OCO MAUNDE, era uma coluna de reabastecimentos, que vinha de Bambadinca- Pitche e trazia o Pel. GE. Milicias 323. (DESARMADOS !!!!!!!!!)
Mortos: Fur Mil Cav Armindo André (CCav 749/BCAV 2922), Sold Mil Mamadu Jaló e Sold Mil Mamadu Sori (CCS/BCav 2922)
Desaparecido: Sold Mil Bobo Jaló.
As NT sofreram ainda 3 feridos graves (Milícias) e 1 ferido ligeiro (Milícia).
Em CAMBAJÃ foi emboscada a coluna Pitche-Nova Lamego.
Mortos: o meu amigo Alf Mil Art Nelson Soares, (que tinha sobrevivido comigo à emboscada da "Operação MABECOS" em 22/02/71), e com quem tinha tomado o pequeno almoço nesse dia (o meu GCOMB estava de folga), 1.º Cabo Albino Jesus, Soldados Francisco Oliveira Ferreira e Manuel Silva Pereira.
Feridos Graves: 1 Fur Mil e 4 soldados.
Feridos ligeiros: 1 Alf Mil, 1 Fur Mil, 3 Cabos e 8 Soldados.
Foi um dia negro para a CART 3332, pois este pessoal era dela, e também para o BCav 2922, a quem esta Companhia estava agregada.
Há poucos dias tive acesso a um documento confidencial da Repartição de Operações/QG/Bissau, que dizia o seguinte:

Emboscada à Coluna do BCav 2922 em Oco Maunde em 26OUT71
Há a referir:
1 - A emboscada ter sido montada relativamente próximo do Destacamento de Oco Maunde, sem ter sido detectada.
2 - Os Milícias do Pel Mil 323 que haviam terminado a sua instrução em Bambadinca iam na coluna desarmados.
Dadas as características de agressividade do Pel Mil 323, se fosse armado, talvez se tivesse verificado um sucesso para as NT.
Bissau, 10DEZ71
O Chefe da Repartição de Operações
MÁRIO FIRMINO MIGUEL


E agora pergunto, e o INCOMPETENTE Oficial que deu a ordem para os Milícias irem DESARMADOS, o que lhe aconteceu?
A culpa morreu solteira...
Que Deus nos proteja da INCOMPETÊNCIA...
Abraço Camarigo
Luís Borrega


x - Após ler o comentário do L. Borrega e um mail que me enviou, chego à conclusão que tinha uma enorme confusão na minha cabeça, que já existia quando escrevi o P3189. O que terá acontecido? Devo ter chegado a Bambadinca, um pouco antes, ou um pouco depois, do dia fatídico, 26/10/71, e certamente aquela emboscada era assunto, até poderá ser possível, ter contactado com o pelotão de milícias e respectivo instrutor. A Companhia que iniciou o curso em Outubro (não recordo o dia) também tinha um pelotão destinado à zona de Nova Lamego, outro a Cansonco (Saltinho) e outro que não recordo o destino.
Assim, quero crer, ao fim de quase 40 anos, quando escrevi o post referido acima, datei a emboscada para os dias anteriores à minha 2ª chegada a Bambadinca, o que não estaria certo. Mas também devo realçar que a ideia forte que permaneceu na minha cabeça, foi a ordem criminosa que alguém deu:
- enviar um pelotão DESARMADO no trajecto Bambadinca-Piche... foi isso que não esqueci.
Paulo Santiago


4. Comentário final de Carlos Vinhal

Caro Paulo, pela amizade e pela verdade que devem presidir no convívio entre todos os camaradas, vou finalizar pelo princípio. Se bem te lembras, tudo começou assim:

i - Caros editores nem foi em Novembro nem em Dezembro que houve a emboscada a OCO MAUNDÉ mas sim em 26 de Outubro de 1971, pelas 06:40 horas.
(Comentário não assinado)


ii - Peço desculpa, hoje ripo da G3, este C... ANÓNIMO, não merece resposta.
Paulo Santiago
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7536: In Memoriam (67): Fur Mil Cav, CCAV 2749 (Piche, 1970/72), Armindo de Matos André, natural de Gavião, morto em emboscada na estrada Nova Lamego-Piche, em 26/12/1971,quando vinha em coluna, de Bambadinca, com os seus novos milícias... desarmados (Luís Borrega / Paulo Santiago)

Vd. último poste da série de 3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7545: (Ex)citações (123): Poderá um velho soldado como tu algum dia regressar a casa? (José Belo)

terça-feira, 6 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6117: José Corceiro na CCAÇ 5 (8): Primeiro rebentamento de mina entre Canjadude e Nova Lamego

1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos -, Canjadude, 1969/71), com data de 3 de Abril de 2010: Caros amigos Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães Desejo-vos uma Páscoa Feliz na companhia dos vossos familiares. Mais uma vez venho relatar um pouco da actividade operacional da CCAÇ 5, em Canjude, Guiné. Deixo ao vosso critério a publicação, ou não, da mesma, assim como a inclusão das fotos. Um Abraço José Corceiro José Corceiro na CCAÇ 5 (8) PRIMEIRO REBENTAMENTO DE MINA ENTRE CANJADUDE E NOVA LAMEGO Estamos no dia 31 de Agosto 1969. Na CCAÇ 5, as saídas para o mato, têm sido quase diárias e continuamos submetidos a muita tensão, pois são constantes as informações a dizer que vamos ser flagelados. A vinda de correio ultimamente tem sido inconstante, os intervalos de tempo sem receber cartas são muito espaçados. Eu, a última vez que recebi correspondência, entre aerogramas e cartas, recebi 19 unidades, foi normal, é que fiz 22 anos o dia 28 de Agosto. A falta de correio, que aparentemente pode não parecer um facto muito importante, deixa-nos a todos com os nervos em franja. Aqui, para o nosso equilíbrio emocional, é demasiado importante receber notícias da namorada, dos pais, amigos, pessoas que nos são queridas. Estamos no dia 3 de Setembro e mais uma vez já passaram oito dias sem correio. Até há frescos (comer mais mimoso) em Nova Lamego, para a CCAÇ 5, e não há coluna nem vem a DO trazer os mesmos e o correio! Dia 5 de Setembro, veio a DO trazer o correio e alguns dos frescos que estavam em Nova Lamego, eu recebi mais um montão de correspondência, o pessoal estava todo impaciente e ansioso à espera de notícias. Dia 6 de Setembro, Sábado, recebi o meu primeiro pré na Guiné, recebi 3.978$00 deve rondar 1.200$00 mensais. Se não fossem os meus queridos Pais a mandarem-me dinheiro todos os meses, só com esta quantia, seria bem mais complicado viver aqui. Eu vejo o que acontece com os meus camaradas, que são obrigados a impor muitas restrições nas suas despesas. Houve alguns que fizeram anos há dias e ocultaram a data, porque não tinham dinheiro para pagar uma cerveja, fiquei sensibilizado com esta conduta de honestidade e humildade, foi um comportamento que revela dignidade e apreço. Agora que receberam o pré, é que se abriram e propuseram que amanhã se fizesse um “petiscozinho”, porque já há dinheiro fresco para cervejas, são logo três nestas circunstâncias. Embora eu tivesse pago umas cervejas ao pessoal quando fiz anos, quero-me associar aos gastos deste elegantíssimo gesto, pois eu teria muita dificuldade em estar sem dinheiro e por isso mais valorizo e compreendo a atitude sincera e disponibilidade que manifestaram. Aqui em Canjadude, está-se a disputar um campeonato de futebol entre as equipas formadas pelos: 1.º, 2.º, 3.º, 4.º pelotão, a Formação, os graduados e as Transmissões, hoje Domingo jogaram o 1.º pelotão e a Formação. Foto 1 > Equipa de Transmissões > Frente lado direito: Fur Mil José Martins, José Carlos Freitas (jogador V. Guimarães), Alex, José Corceiro e Enfermeiro Soares (massagista). De pé lado direito: Nora, Rogério, Costa, Silva e Loupa Foto 2 > Equipas em campo: Transmissões e Formação > Da esquerda para a direita: Loupa, Soares (massagista), José Corceiro, Silva, Costa, José Carlos, Alex, Nora, Rogério, José Martins, Fur Mil Carvalho (árbitro), Fur Mil Gil (Delgado do Campeonato), João Monteiro (Formação), Martins (Formação), e ? (Formação) Dia 8 às 6.00h, saí para mais uma operação no mato, durante dois dias, de Transmissões fui eu e o Rogério. Foi sair do Aquartelamento e entrámos logo feitos patos dentro água, tivemos que atravessar rios em que a água nos dava pelo peito, este tipo de progressão é muito desgastante. A operação no mato foi rotineira, grande parte do tempo a caminhar com água até aos joelhos, acampar para comer a ração de combate, descansar um pouco, mandar mensagem a relatar estado e definir localização, progredir novamente, acampar para passar a noite. Foto 3 > José Corceiro em Operação no mato a repor rnergias para ir para os braços de Morfeu. A noite, tudo indica que vamos ter um manto de nuvens cinzentas a cobrir-nos, pois não terei oportunidade de observar constelações e, apressa-se a hora de escolher o poiso para entregar o corpo nos braços de Morfeu. Só que neste estado de alma e com este desconforto físico com a roupa toda ensopada, agora e, aqui neste lugar, a sonolência não vai chegar, para as minhas pestanas poderem fechar. Nada adiantaria que o leito fosse feito de ébano, com colchão macio engendrado com penas de pato, que a cama fosse feita com lençóis aveludados de cetim encarnado, que o cenário fosse dentro duma gruta toda decorada com flores e salpicada de pétalas de todas as matizes, que a iluminação fosse prismática dispersada por raios de luz cintilantes, em feixes de luminescência deslumbrante, de cromáticos arco-íris, nada, nem ninguém, consegue prender o meu espírito e a minha imaginação, que vagueiam por outras paragens, por outros aléns e não vão ser com certeza, as forças hipnóticas e sugestivas, ou as suas farsas “fantasiantes”, dos filhos de Hipnos, os Oniros (Oneiroi), nem a capacidade e ilusão das suas “morfinices” terão a inspiração e capacidade, para me transportar para mundos oníricos, ou sonhos demenciais, porque o momento não é de aconchego, o tempo promete tempestade, a brisa trará os endiabrados mosquitos que não me vão dar sossego, nem deixar descansar. Vai ser mais uma noite de vigia, tão propícia a divagações com projecções angustiantes de imagens fantasmagóricas, com devaneios assombrosos de sonhos irreais. Praticamente toda a noite choveu. Ao raiar da luz matinal, levantamo-nos do chão enlamaçado e, moldado pelos nossos corpos, que estavam encharcados, encolhidos e entorpecidos com a inactividade e, fresquidão que se sentiu durante a noite. Preparámo-nos para enfrentar mais uma jornada de progressão nas Bolanhas alagadas, a caminhar até Canjadude, onde chegámos por volta das 11.00h. Dia 10 de Setembro, houve informação que hoje o inimigo nos vai flagelar. Na parte de tarde choveu torrencialmente. Mudámos as frequências dos equipamentos de emissão recepção, no Posto de Rádio. O IN não nos flagelou, isto já começa a ser desmensurado, a continuar assim entra-se no foro do patológico, degenera em neurose, cria tensão e ao mesmo tempo, esta exacerbada emoção inibe o discernimento, alimenta o descrédito que nos pode levar a ser menos previdentes, quando nós precisamos de estar bem precavidos. Foto 4 > José Corceiro no abrigo do Posto de Rádio da CCAÇ 5 > Lado direito na vertical vê-se o AN-PRC-10 - Frente vê-se AN-GRC-9 com amplificador acoplado. - Lado esquerdo vê-se a Central Telefónica - Tinha extensões distribuídas que sinalizavam, accionando o Magneto por manivela, nos abrigos: Capitão, Morteiros 81 e Postos de Sentinela. Foto 5 > Posto de Rádio de Nova Lamego. O Mota, a ajustar os cabos de ligação, ele estagiou, como periquito, em Canjadude e a primeira vez que saiu para o mato, em Canjadude, foi comigo. Dia 12 de Setembro de 1969, há coluna de abastecimento a Nova Lamego, não era a minha vez de acompanhar a coluna, mas troquei por minha conveniência, para poder comprar com o dinheiro que me mandaram como prenda de anos, uma máquina fotográfica, pois preciso ter duas, uma para fotos a cores e diapositivos e outra para foto a preto e branco, para poder optar em função do momento a fotografar. Na última coluna que fiz, já andei a namorar uma máquina “reflex” na casa Caeiro, a rondar os 4.000$00, é uma óptima máquina da marca Canon. A filha do Sr. Caeiro bem me provocou para que eu a comprasse, mas não vim preparado com dinheiro suficiente, embora eles dissessem que isso não tinha importância nenhuma e pagaria o resto depois, mas esse facilitismo comportamental não se coaduna com a minha postura tranquila e harmoniosa de estar em paz com vida. Nas colunas que tenho acompanhado, cerca de uma dezena, nem sempre é habitual montar flancos e fazer picagem ao trilho, para passarem as viaturas, em algumas que fui, montámos em Canjadude e apeámos em Nova Lamego. Não foi o que aconteceu hoje, logo após termos saído de Canjadude a cerca de 4 quilómetros, apeámos, montaram-se flancos laterais e iniciou-se a picagem. Progrediu-se em picagem mais de uma hora. Ainda não eram 8.30h, subimos para as viaturas para avançar. Eu estava a estabelecer contacto via rádio com Canjadude. A viatura da frente arrancou, eu ia na segunda viatura, a última da coluna ainda não estava em movimento de progressão. Neste intervalo de tempo ouviu-se um violento rebentamento, tudo à minha frente voou pelos ares, envolto em cortina de fumo e terra, devido ao rebentamento de mina anticarro accionada pela primeira viatura. Não sei como saltei do transporte onde eu ia, só ganho consciência que estou no chão de pé e com uma G3 na mão, que não era minha, pois não tinha arma distribuída. Olho em frente e vejo a escassos metros uma viatura atravessada na picada, com a parte frontal toda destruída e, o chão assolado com corpos humanos, pensei o pior, aproximei-me ajudei alguns a levantarem-se, mas deparei-me logo com um ferido que me inspirou muito cuidado e preocupação, caso que nunca esqueci e me marcou. Estava caído no chão, inerte, desconsolado, a gemer desfalecido com muito padecimento, não havia mobilidade e a visão daquela fácies hipocrática com a sua fisionomia de músculos contraídos, atestavam bem o sofrimento e dor porque estava a passar aquele ser humano, imagem que já mais apaguei da minha mente. Verifiquei que não tinha contracções musculares nem sensibilidade nos membros inferiores, ajudei-o a apoiar a cabeça e pedi para que não o movimentassem, continuava a gemer desesperadamente e acabou por desmaiar. Nunca mais tive notícias deste militar nativo, presumo que tenha sido mais uma vítima da guerra que ficou paraplégica. Fui para a viatura de Transmissões para enviar mensagem a Canjadude, a pedir evacuações urgentes e apoio de enfermagem, pois havia muitos feridos deitados no solo e, em sequência, pediu-se a Nova Lamego que enviasse um grupo de protecção e um pronto-socorro para levar a viatura acidentada. (Do local do acidente a Nova Lamego eram aproximadamente 15km) O Comandante da CCAÇ 5, Capitão Pacífico dos Reis, também ficou ferido, mas aparentemente parece ser sem gravidade. Como enfermeiro acompanhava a coluna o meu estimado amigo António Manuel. Cerca das 9.30h, chegou ao local, vindo de Canjadude, numa viatura com uma secção de combate o Sarg Enfermeiro Cipriano, com o material auxiliar de enfermagem. Passadas quase 3 horas, após o rebentamento, chegaram reforços de viaturas e pessoal de Nova Lamego assim como pronto-socorro para levar a viatura acidentada. Passaram mais de 3 horas e meia após o rebentamento quando, chegou o primeiro heli para dar inicio às evacuações dos feridos. Feridos houve um total de quinze, ainda que outros viessem a sentir mazelas posteriores, evacuados foram nove, alguns com gravidade. Após concretizar as evacuações, o pessoal que veio de Nova Lamego ficou emboscado no local do acidente e a coluna de Canjadude seguiu o percurso normal, onde se reabasteceu. Regressámos e juntámo-nos com o pelotão que estava emboscado que nos acompanhou para Canjadude onde chegámos próximo das 17.30h. (Ver neste blogue P5987) Foto 6 > Heli a aterrar numa clareira, com sinalização com tela, para dar início às evacuações dos feridos da mina anticarro. Foto 7 > Heli quando aterrou na clareira. Foto 8 > Heli a efectivar as evacuações. O metropolitano que está com óculos escuros era o Enfermeiro meu amigo António Manuel, desde que veio da Guiné, há 40 anos, perdi-lhe o rasto. Foto 9 > José Corceiro, em primeiro plano, durante as evacuações dos feridos. A mina foi colocada debaixo de uma árvore, cujos ramos atravessavam a picada, quando rebentou e projectou o pessoal para o espaço, muitos deles feriram-se ao bater nos ramos da árvore, ainda que o impacto de compressão e descompressão no organismo, causado pela força aplicada que projectou a massa do corpo para o vazio, fosse causa mais que suficiente para ocasionar distensões musculares, provocar roturas de tecidos, ou fracturas ósseas. Após o rebentamento alguém se lembrou e, teve a ideia luminosa, de picar até mais à frente do local do rebentamento, 30 ou 40 metros, e, detectou-se e foi levantada mais uma mina, colocada com o mesmo engenho e manha da que rebentou, também debaixo de uma árvore. Dia 13 de Setembro, mais uma operação em que saíram para o mato os quatro grupos de combate da CCAÇ 5, por três dias. Ficou o pelotão de outra companhia, que ontem nos acompanhou, a proteger o Aquartelamento. Logo às 6.00h, as viaturas foram-nos levar a cerca de 4 quilómetros na direcção da picada do Cheche, apeamos e começamos a progredir para a esquerda obliquamente, orientação Siai, a caminhar como habitual em terreno pantanoso, algumas vezes com água até à cintura. Acampamos para comer a ração de combate e descansar cerca de duas horas. Na parte de tarde progredimos constantemente dentro de lodaçais e por duas ou três vezes tivemos que fazer paragens, para repor energias, pois há pessoal estoirado visto ser muito desgastante caminhar em zonas alagadas. Acampamos para passar a noite que felizmente pouco choveu. O pessoal de Transmissões juntamente com Enfermagem, ficámos próximo do Capitão, como é normal. O Capitão, provavelmente ainda resquícios dos ferimentos da mina de ontem, passou a noite com dores e lamentações, possivelmente mialgia muscular. Ainda estava o alvorar envergonhado, já toda a companhia caminhava dentro de lamaçal, em direcção a Ganguiró, com os corpos amarfanhados e friorentos devido à noitada agreste. O pessoal chegou exausto a Ganguiró e tivemos que pedir meia dúzia de evacuações, entre as quais a do nosso Comandante Capitão Pacífico dos Reis. Depois das evacuações, progredimos durante 2 horas, sempre em terreno hostil e a circundar na zona, fomos acampar junto da margem do rio Bauro, (deve ser afluente do rio Corubal) onde passámos a noite, não muito longe de Ganguiró. A passagem da noite não foi muito agradável, pois ainda choveu. Ausente ainda, o alvorecer, pois vinha a aurora a subir a encosta de Madina de Boé, já nós estávamos todos a pé, um pouco encharcados, enlameados e conformados a palmilhar terrenos alagados em direcção ao objectivo, Siai. Chegámos a este sem nada digno de registo, nada de vestígios. A partir daqui tomámos o rumo de Canjadude, onde chegámos por volta das 16,30h, com todo o pessoal extenuado. Está-se a tornar impossível a mobilidade das viaturas para nos ir levar ou buscar ao mato, porque ficam atoladas nos trilhos e só o guincho, com corda amarrada ao tronco de árvores, as consegue libertar para avançar. Dia 16, houve coluna a Nova Lamego a levar o pelotão que estava aqui a manter segurança, mas algo de estranho aconteceu, porque só regressou a coluna dia 17, nunca aconteceu regressar no dia seguinte. Veio um capelão para Canjadude. Dia 19, logo de manhã, foram dois pelotões para o mato. Ao meio da tarde recebeu-se uma mensagem Zulu, a pedir que fosse imediatamente um pelotão da CCAÇ 5, para Nova Lamego. Foi enviado o pelotão e mandaram-se regressar as forças que estavam no mato, que chegaram ao Aquartelamento por volta das 23.00h. A vinda inesperada dos dois pelotões, que estavam no mato, sem se ter dado conhecimento ao resto do pessoal que estava no aquartelamento, provocou uma enorme confusão e celeuma, pois os ausentes não estava previsto regressarem neste dia e, quando chegaram às suas casas encontraram algumas das suas mulheres envolvidas com outros homens, na sua própria habitação. Dia 20, está tudo de prevenção, mais uma informação a dizer que o IN está na zona e que vai flagelar hoje Canjadude. Dia 21, o pelotão continua em Nova Lamego, tivemos missa de manhã e, na parte de tarde continuação do campeonato, jogo entre Formação e 3.º pelotão. Dia 23, também reflexos do acontecido no dia 19, e não só, hoje para irmos para o refeitório comer as refeições, tivemos que ir devidamente fardados o que não é habitual. Como já atrás referi, a má qualidade alimentar, não tem sido apelativa para o exercício das nossas pupilas gustativas e como tal protestámos, porque o comer que nos têm servido mais parece ser confeccionado com géneros deteriorados. Foto 10 > Arranchados descontentes com o comer. Estão de pé dois cozinheiros e o Cabo de Dia, Dias. Sentados à mesa – lado direito – Silva, José Corceiro, Saldanha (nativo), Malhada e Alex (com óculos). Lado esquerdo - Rogério. Foto 11 > Depois de se ter acordado, outro suplemento alimentício com o Oficial de Dia, foi indicado o José Corceiro para distribuir a refeição. Foto 12 > Tudo com cara de poucos amigos. Primeiro plano – Camilo, Silva (atirador), José Carlos Freitas. Dia 24, saí para o mato com dois pelotões, para os lados de Cantocoré a caminhar, como é uso, por Bolanhas alagadas que aqui começa a ser rotina. Progredimos com muita precaução pois havia informação que o IN estava na zona. Durante a noite foi tanta a chuva e o vento, que ameaçava sermos todos arrastados pelo vendaval, ninguém se lembra de ter passado uma noitada, no mato, tão atemorizante quanto esta, mesmo assim durante a noite ouvimos os intensos e nítidos rebentamentos, da flagelação que sofreu Cabuca, que esteve embrulhada, debaixo de fogo, mais de meia hora. Por volta das 6.00h, começamos a caminhar em direcção ao Destacamento, onde chegámos às 8.30h. Fomos atacados no regresso por abelhas, às quais o pessoal reage com muita desorientação e medo, a mim não me mordeu nenhuma. Dia 26, fomos meia dúzia de militares para o rio, junto à ponte, para experimentar a minha nova máquina fotográfica, a malta arrisca-se. Em Canjadude têm convergido um conjunto de acontecimentos que aglutinados têm contribuído para um stress generalizado: A actividade operacional tem sido excessiva e, efectivada em condições atmosféricas muito adversas, em terreno alagado e avesso, que requer esforço físico e muita exigência para a progressão, que causa muito desgaste somático, deixando-nos exaustos; as informações constantes a dizer que vamos ser atacados, já virou psicose, psicologicamente ficamos mais inseguros; a vinda do correio tem sido tão espaçado, que não era habitual, deixa-nos ansiosos; a alimentação grande parte dos dias não se pode tragar e, nós que somos tão poucos arranchados, podíamos ter alimentação mais condigna e melhor confeccionada. É muito raro o dia em que não haja vozes descontentes devido à alimentação. Ainda que eu seja um caso à parte na problemática alimentar, eu já não me queixo, por mais justas e pertinentes que sejam as minhas razões para reclamar ninguém me ouve a desacatar. Além disto foi ainda a flagelação ao Aquartelamento, o rebentamento da mina, avistou-se por duas vezes o inimigo e as supra-renais têm actuado!... Dia 30 de Setembro de 1969, veio o Capitão Manuel Ferreira de Oliveira, para render, que acabou a comissão, o Capitão José Manuel Marques Pacífico dos Reis. Hoje também regressou o Furriel de Transmissões, que chefia a minha secção, José da Silva Marcelino Martins. Para todos um abraço. José Corceiro __________ Notas de CV: (*) Vd. poste de 30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6078: Convívios (122): Encontro do pessoal da CCAÇ 5 - Gatos Pretos, dia 24 de Abril em Porto de Mós (José Corceiro) Vd. último poste da série de 22 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6036: José Corceiro na CCAÇ 5 (7): Canjadude debaixo de ameaça

Guiné 63/74 - P6114: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (5): As colunas auto de Aldeia Formosa- Gandembel

1. Mensagem de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 25 de Março de 2010:

Dando o meu testemunho de “Estorias” das colunas auto de Aldeia Formosa – Gandembel e vice-versa, em que participei e/ou tive conhecimento de algo de realce.


As minhas memórias da guerra - V

Guiné - As colunas auto de Aldeia Formosa-Gandembel

Ponto 1
- A coluna-auto que se realizara de Aldeia Formosa – Gandembel - Aldeia Formosa, em 20 de Agosto de 1968 e na qual fui incorporado, em que é extraída da História da Unidade a descrição que se segue:

Durante a escolta à coluna de Aldeia Formosa – Gandembel - Aldeia Formosa, foram detectados 02 fornilhos e 05 minas A/P, tendo-se procedido ao seu rebentamento por não darem condições de segurança no seu levantamento. Uma das armadilhas foi accionada provocando um ferido às N/T.

Das lembranças tenho, que desde o início da marcha da coluna até Chamarra, fomos instalados “comodamente” nas viaturas e a partir desse lugar apeamo-nos para prosseguir, sendo organizado o sistema defensivo inerente a cada situação (foto 1). Quando da formação da escolta apercebi-me que tropas de elite Pára-quedistas que iam integradas, ainda não estavam elucidados no seu todo e nomeadamente nas precauções a tomar numa coluna-auto deste tipo. Assim, um elemento dessa Unidade de elite perguntara-me como proceder, disse-lhe que ele estava a experimentar os meus conhecimentos para me dar algumas dicas, ao que me retorquiu que era a sério, porque tratava-se da primeira coluna que se incorporava e necessitava de informação.

Foto 1 > Guiné > Região de Tombali > Subsector de Aldeia Formosa > 1968 > Eu e o meu grupo, levando a arma de forma nada ortodoxa e ia tomar posição.

Dizendo-lhe que deveria seguir afastado cerca de dez metros dos camaradas e na mesma linha, e nunca fazendo ajuntamentos porque seria um alvo apetecível para o In, levaria a arma apontada para o lado oposto à forma como levasse aquele que lhe ia na vanguarda e marchando sempre pelo trilho do rodado das viaturas. Quanto ao resto seria com ele, porque estava treinado e como um dos melhores do mundo, não tenho lembrança do seu nome, mas a sua naturalidade é de uma cidade conhece bem.

Iniciou-se a marcha, indo eu com a minha fé na folhinha com a oração da Nossa Senhora de Monserrate e quanto às ocorrências havidas já foram antes mencionadas.

Chegados a Ponte Balana, o Comandante da Coluna deu a permissão para que vários elementos da CCaç 2381, não se deslocassem a Gandembel a fim de evitar que neste Aquartelamento houvesse grande concentração de pessoal e por sua vez os que ficavam montavam segurança.

Tendo eu ficado e dando uma olhadela pelo reduto de Ponte Balana, as lembranças que me ficaram são de que situava-se em lugar isolado, no lado esquerdo da estrada, junto à ponte e na margem direita do rio que lhe davam o nome, era bunker/fortim com sistema defensivo e cercado por duas fiadas de arame farpado que estavam armadilhadas.


Ponto 2 - Da História da Unidade também foi extraída a actividade, relativa à coluna auto Aldeia Formosa – Gandembel e que no regresso se deu uma emboscada entre Chamarra e Mampatá, no dia 22 de Agosto de 1968:

Assim, no decorrer da Coluna Auto Aldeia Formosa - Gandembel, foram detectadas 27 minas A/P e das quais 15 foram rebentadas por não oferecerem condições de segurança. Tropa Pára-quedista coadjuvava as nossas forças de segurança à coluna, detectaram e levantaram no mesmo local mais 37 minas A/P. No regresso entre Chamarra e Mampatá, grupo In estimado em 70 elementos emboscou as NT com fogo de RPG-2, metralhadoras pesadas e armas automáticas, causando 05 feridos graves (01 Caçador Natuvo) e 02 ligeiros, e estragos ligeiros numa viatura. Efectuada batida foi encontrado um elemento In morto, variadíssimos rastos de sangue e material diverso.

Que subjacente à mesma presenciei situações de forma pertinente e que foram fundamentais para contrariar a intenção do In e tendo-lhes causado baixas:

Por conseguinte a coluna auto marchara de Aldeia Formosa para Gandembel e logo apareceram os Bombardeiros T-6, os quais foram estacionar na pista e aguardando para que em caso fosse necessário dar-lhe a devido apoio.

Foto 2 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) > Pista de Aviação > 1968 > Parque de estacionamento das aeronaves que demandavam esta Pista.

Só que o T-6 com dois ninhos de foguetes (dois tambores Lança Rockets) avariou-se e foi preciso vir uma DO 27, transportando um Sargento Mecânico e equipamento, para efectuar a devida reparação (tendo presenciado e oferecido os meus préstimos).
Concluída que fora a reparação e após, porque a coluna estava de regresso e a chegar a Chamarra, por isso a DO e o T-6 com as bombas, levantaram voo seguindo para a Base Aérea 12 – Bissalanca. Contudo outro T-6 ainda ficara estacionado no parque, talvez porque o Piloto tivesse que aquecer o motor e/ou tratar de algumas anotações.

Assim, o In provavelmente foi informado que as aeronaves para apoiar a coluna tinham partido, suponho que foi só aguardar no intuito da surpresa, em zona considerada segura para as NT e que agora seguiam montados nas viaturas, mas a Avioneta “DO 27” é que fez confundir o In.

Conquanto a coluna fora emboscada, ouvia as explosões das granadas, o matraquear das metralhadoras pesadas e tendo eu conhecimento que há pouco saíram de Chamarra. Como um T-6 ainda estava na pista e estando eu com o jipe dirigi-me para lá e entrei em diálogo com o Piloto (que estava dentro do cockpit) e informando-o da situação, ao que me disse que por via rádio também estava a ser informado do mesmo e que de imediato iria levantar voo e dirigir-se para aquele local. Solicitara-me para que me posicionasse junto da Tabanca e do Quartel (onde havia acessos transversais), de forma a evitar a entrada na Pista, de pessoas e/ou animais (foto 3).

Foto 3 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) 1968 > Panorâmica da Pista de Aviação, estando eu no jipe, vimos um bidão pintado marcando o limite da pista e assim como lateralmente a estrada que ligava a Mampatá.

E em poucos minutos, por contraste com o aproximar do pôr-do-sol, era visível o T-6 estar em acção na zona de intervenção e efectuando por várias vezes voos picados, lançando de rajada os Rockets, apanhando o In de surpresa e pondo-o em debandada.

Caberá ao Piloto Aviador do T-6, que teve esta intervenção, se houver mais algum facto a mencionar e ainda com mais a propósito das situações havidas.


Ponto 3 - Noutra coluna para Gandembel em que fui incorporado, o qual deu-se por rotatividade de serviço e realizada no dia 08 de Outubro 1968, e consta na História da Unidade da CCaç 2381 o seguinte:

Durante a escolta à coluna - auto de Aldeia Formosa – Gandembel - Aldeia Formosa, foi detectada e levantada por forças desta CCaç 2381, 01 mina A/P. Foram encontrados vestígios In, assim como rastos de sangue deixado por elementos In, que ao aproximarem-se do Destacamento de Chamarra caíram numa armadilha montada pelas NT e accionando-a. A coluna realizou-se sem consequências.

Para eu entender o que era o Aquartelamento de Gandembel, foi necessário lá entrar e houve uma grande tensão, indaguei se havia algum conterrâneo e/ou a ver o seu sistema defensivo. Não identifiquei ninguém e relativamente às instalações e aos abrigos eram de uma forma geral de tipo de construção meia enterrada (diferente de outras que conheci), somente as frestas e as coberturas com duas camadas de cibos sob terra e chapa de bidão é que pouco mais se elevavam do solo, havia as normais fiadas de arame farpado em toda a volta do Aquartelamento e claro está entre as mesmas estavam as armadilhas.

Pelo que me disseram no local, a artilharia de defesa, em muitos dos ataques In só eram accionadas no início, tal era a profusão e concentração de fogo In.


Ponto 4 - Pela última vez a 28 de Novembro de l968, incorporei uma coluna auto Aldeia Formosa – Gandembel – Aldeia Formosa, na História da Unidade somente consta, sem consequências (foto 4).

Foto 4 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Estrada de Gandembel > 1968 > Eu, algures entre Chamarra e Ponte Balana, quando a actividade In já tinha amainado.

Nesta data, fui pela segunda vez ao mítico Aquartelamento de Gandembel, houve tempo para conversas e ai tive conhecimento de várias situações sendo algumas adversas para “Os mártires de Gandembel”: - Que aquando de um ataque In, com baterias de morteiros e canhões s/r, instalados nas proximidades da vedação de arame farpado e tendo havido elementos do In que chegaram à vedação no lado esquerdo de quem entrava na porta de armas, pretendiam o assalto e ai morreram (não era só café e/ou a bala do branco que não matava..!).

Também nesse ataque, um dos abrigos sofrera três impactos na mesma zona, por granadas de canhão s/r e perfurando-o, ocasionando vários feridos e a morte de um Alferes;

- De quando alguns camaradas da CCaç 2317, efectuavam apoio logístico a uma coluna de Aldeia Formosa – Gandembel, no pontão de Changue Laia, caíram num campo de minas, ocasionando 4 mortos e 2 feridos. A minha Unidade CCaç 2381 “os Maiorais” ia integrada nas forças de segurança dessa coluna. Foi encontrado posteriormente um morto (Furriel Miliciano) e levantado por camaradas da minha companhia, as ossadas foram colocadas em campa, no cemitério de Bissau.

À margem das colunas é de salientar o que me ficou na memória, aquando eu estava em Aldeia Formosa, penso que foi no mês de Setembro de 1968, e que supostamente era mês de aniversário do PAIGC, em que perdi a contagem, do numero de ataques a Gandembel, pois sofrera mais de meia centena (era um “Regabofe” de dia e de noite);

A situação acalmou no Subsector de Aldeia Formosa, só após tropas de elite Pára-Quedistas, sediadas em Gandembel/Aldeia Formosa, serem preponderantes em várias operações de surpresa e com sucesso junto à fronteira da Guiné Conakry, de terem aniquilado praticamente dois Bi-grupos In e capturado imenso material de guerra, de que parte esteve exposto em Aldeia Formosa e assim como um ferido In capturado (estava em maca, fora dito que tinha os testículos esfacelados, pelo aspecto deveria ser quadro do PAIGC e recusava-se a falar).

Do que mencionei sobre a CCaç 2317 “Os Mártires e heróis de Gandembel,” e que tenho como referência, é uma pequena e singela descrição, relativa às condições difíceis que enfrentavam estes valorosos camaradas e sendo a ponta de um iceberg.

Por força das circunstâncias “descrito em outra estória” estive a vê-los chegar a Buba e ficamos acomodados na mesma camarata.

Neste Sector não tive conhecimento de quem passasse tanto as passinhas do Algarve (as voltas que os figos dão, desde a apanha e até que sejam torrados no forno).

Foto 5 > Guiné > Algures no Sector de Buba > 1968/69 > São os amigos da CCaç 2381 (uma Secção) em posição de expectativa, identificando Furriel Mil Tareco, seguido do 1.º Cabo Enf Jorge Catarino.

São lembranças que estavam cheias de pó e guardadas no Baú, tratam-se de algumas versões em segunda mão, mas contadas no local e como quem conta um conto altera um ponto, mas a sua essência está toda escrita.

Com cordiais cumprimentos a todos os bloguistas,
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas,
CCaç 2381 ”Os Maiorais”
_________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6089: Os nossos regressos (21): No dia 1 de Abril de 1970, a CCAÇ 2381 finalmente despede-se em Parada Militar (Arménio Estorninho)

Vd. último poste da série de 21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5857: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (4): Operação Grande Ronco (2)

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4265: Estórias avulsas (10): De que me lembro é dos mosquitos e do Lion-Brand (Fernando Oliveira)

1. Mensagem de Fernando Oliveira, ex-Fur Mil Rec Inf, Guidage e Mansoa, 1968/70, com data de 22 de Abril de 2009:

Amigo Carlos,

Já vi a minha apresentação na Tabanca e o texto que te enviei na altura. Obrigado pela tua disponibidade.

Hoje envio-te outro texto [já foi publicado no meu
blogue
no dia 14 deste mês], que fica ao teu dispôr, se considerares que é de publicar e, em caso afirmativo, quando achares coveniente, ok?

Este texto, como o outro que te referi no mail do pedido de admissão, também têm como objectivo a procura dos meus camaradas da especialidade. Vamos lá ver se consigo algum contacto.

Um abraço e saúde, sempre!
Fernando Oliveira


A minha tropa [2]

Guiné -> Guidage -> Nov.68 a Fev.69 [1]

Corria o mês de Setembro/68, na altura dava formação a recrutas em Vila Real, quando tive conhecimento da minha mobilização para a Guiné em rendição individual. E foi também deste modo que a mobilização saiu em sorte à maior parte dos meus camaradas de especialidade, todos eles colocados de norte a sul do país em diversas unidades militares. Com mais cinco ou seis, que, entretanto, foram deslocados para outros destinos ou funções, tínhamos feito parte do pelotão de RecInfo, em Tavira, durante o último trimestre do ano anterior.

Após uma viagem de cinco dias a bordo do Uíge, eu e os outros vinte e poucos daqueles camaradas, promovidos a furriéis milicianos por antecipação, por força da mobilização para o Ultramar, desembarcámos em Bissau na tarde de 28-10-1968.

Foi-nos dada formação militar específica durante duas semanas no SIM/CTIG em Bissau, com vista à criação de uma rede do serviço de informações por toda a Guiné. Findo esse período, tomámos, então, conhecimento dos sítios para onde cada um de nós seria deslocado, sendo notório para todos que a separação operacional do grupo começava naquela altura.

A mim, calhou-me ser enquadrado no destacamento de Guidage, situado no norte, junto da fronteira com o Senegal. Aos meus camaradas saiu-lhes a colocação individual em vinte e tal aquartelamentos ou destacamentos das nossas tropas na Guiné.

Um ou dois dias depois daquela comunicação, fui transportado, de manhã cedo, ao aeroporto militar de Bissalanca, perto de Bissau. E passado pouco tempo estava instalado dentro de um Dakota para um voo até Farim. Fiz a viagem sentado num dos bancos de cordas, existentes de cada lado do interior do avião.

Após a aterragem no campo de aviação de Farim e feitas as habituais diligências de apresentação ao respectivo comando, foi-me dito que a coluna militar para Guidage sairia apenas na manhã do dia seguinte. Nessa noite, se me recordo bem, fiquei instalado num barracão ou num hangar junto do aeródromo. E pela primeira vez tomei contacto com a realidade dos mosquitos na Guiné, que atacam em força e de qualquer jeito. Como no sítio não havia mosquiteiros, a alternativa foi a utilização do Lion (1) durante toda a noite.

Com uma noite mal dormida, na manhã seguinte apresentei-me junto do militar responsável pela coluna que ia sair de Farim. E não refiro que ia sair para fazer o trajecto de Farim até Guidage, pois recordo vagamente que o destino final do grosso desta coluna foi outro e que, pelo caminho, num cruzamento de picadas (2) estava à nossa espera uma coluna vinda de Guidage. Mas, como digo, a esta distância de 40 anos, a lembrança não é firme (3). Recordo ainda que a coluna saída de Farim era composta por um comboio extenso de viaturas, com vista ao transporte de militares, civis e abastecimentos diversos. Na cabeça da coluna e um pouco distanciada das restantes, creio que seguia uma viatura anti-minas, precedida de soldados a picar o caminho para detectar minas enterradas no chão. Não me lembro quantas horas demorou esta deslocação terrestre, nem sei se avistei Guidage ainda naquela manhã ou se a tarde já tinha avançado.

O certo é que cheguei ao destacamento de Guidage. Em que dia?... Não me recordo, sei apenas que estávamos em Nov/68.

Notas:

(1) Aquele nome era a marca de um produto, de cor verde, formatado em tiras finas e em espiral, que se colocava em cima de uma pequena base metálica. Queimando-se a ponta exterior da espiral, então, o produto ardia lentamente e deixava o ar impregnado de um odor que afugentava os mosquitos.

(2) Designação dada aos caminhos ou trilhos de terra, que serviam de acesso entre povoações e/ou instalações das nossas tropas ou do inimigo. Uns mais largos, outros mais estreitos, todos de difícil trânsito, quer pela possibilidade de colocação de minas por parte do inimigo, quer pelos efeitos alagadores da época das chuvas.

(3) Neste texto, como em outros que tenciono escrever a respeito da minha tropa na Guiné, há certas imprecisões acerca de alguns factos ou de datas. E agora não os posso confirmar, porque, devido às voltas e reviravoltas da minha vida pessoal, já não existem as centenas de cartas, aerogramas e fotos que enviei de lá durante dois anos.

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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4214: Tabanca Grande (135): Fernando Oliveira, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1968/70)
e
21 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4225: Estórias avulsas (30): Periquitos empoleirados numa GMC (Fernando Oliveira)

Vd. último poste da série de 22 de Abril de 2009 : Guiné 63/74 - P4235: Estórias avulsas (31): Recordar aos poucos ou circuncisão espectacular (Hélder Sousa)