quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7749: Blogpoesia (111): Enquanto vir a palavra Guiné num braço tatuada... (Jorge Cabral)

1. Mensagem do nosso mui querido Alfero Cabral [, foto à esquerda, retirada da sua conta no Facebook], contista mais do que cronista, mas também poeta nas horas mortas, e sobretudo o mais paisano dos militares que já conheci, e claro um sempre desejado (muito mais do que o imberbe Dom Sebastião...) colaborador do nosso blogue... 

Tem, como bom mas discreto camarada que se preza ser, o tal grãozinho de loucura na asa, que o faz manter-se aqui, à tona da água, peixinho do Rio Geba em mar de tubarões... Marginal ? Nada disso, és um senhor marginal-secante, o que intersecta vários sistemas de acção, e isso só pode ser visto ... como enriquecedor... Anarca ?  Direi antes, andarilho, caminhante, libertário...


Desculpa, Jorge, se o teu Natal de contrabando não foi detectado pelos supervigilantes serviços alfandegários cá da Tabanca Grande... Aqui fica, também, para memória futura, o inventário da mercadoria que foi consumida - ou declarada imprópria para consumo animal e humano ? - nesse lá longínquo Natal de 1970, em Missirá, que ninguém sabe - nem se importa de saber - onde fica ou ficava, talvez fique mesmo num obscuro bairro da periferia de Lisboa. (LG)


Amigos,
Depois de ter enviado antes do Natal uns versinhos que não lograram
publicação, aí vão estes, com a Amizade do

Jorge Cabral
_____________

Quadras a brincar,
Outras a sério…


Enquanto vir a palavra Guiné num braço tatuada
E estremecer na noite com um foguete,
Sentir que aquele que foi, ainda é Camarada,
E sonhar, calculem, com uma casa em Finete,

Estarei aqui, e mesmo em desacordo com o rumo
Das guerras de Alecrim e Manjerona,
Sem nenhum fogo, mas muito fumo,
Entre senhores. Ah! Tanta Prima Donna!

Anónimo fui e não ganhei a Guerra,
Também não a perdi. Eu estive apenas lá
E recordo o vermelho da terra
E, às vezes, um pôr-do-sol, em Missirá.

Do Houaiss, não possuo um só volume
E no entanto sei o que é "Catota",
Com engenho e arte ainda faço lume,
Afastem pois as bajudas deste Cota.

Amigos! Desculpem lá qualquer coisinha,
Em fim de comissão, continuo Marginal,
O Anarca que se esquece da vidinha.
Abraços, muitos! Claro… Alfero Cabral 



___________

Nota de L.G.:

Último poste da série > 7 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7740: Blogpoesia (110): No dia em que fiz 65 anos (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P7748: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (59): Na Kontra Ka Kontra: 23.º episódio




1. Vigésimo terceiro episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 8 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


23º EPISÓDIO

Nos dias seguintes o Alferes continua a fazer os patrulhamentos diários à volta da tabanca, cada vez mais longe. O não aparecimento de vestígios do inimigo é um bom presságio para o casamento. Durante os percursos vai sempre pensando como resolver os problemas que daí podiam resultar. Decide que no próprio dia reforçará as sentinelas metidas na mata. Morança tinha a sua, que chegava perfeitamente. É preciso arranjar uma cama para colocar ao lado da sua onde se deitará a Asmau… para dormir. Com toda a certeza ela trará a sua. Passa-lhe pela cabeça a ideia de continuar com a mesma lavadeira, que além de lavar a sua roupa lavaria também a da sua princesa, pois princesas não lavam roupa. Rapidamente chega à conclusão que seria uma péssima ideia colocar a Asmau sem nada que fazer. A própria deverá querer, à boa maneira africana, tratar da roupa do seu homem.

Tudo parece que se está a resolver de forma simples para o nosso Alferes. Está a esquecer-se dum “pequeno pormenor” que só detectará depois do dia do casamento.

1969. Princípios de Julho. Dia marcado para o casamento. O Alferes não deixou de dormir um pouco em sobressalto, como qualquer outro noivo. Com a noiva possivelmente ter-se-ia passado o mesmo.

Levanta-se, “enfia” uns calções e as botas militares que, juntamente com o ar ensonado lhe conferem um aspecto nada próprio de um noivo. É sua intenção ir direito à fonte tomar o seu primeiro banho. Ao sair da morança começa a achar que já não deve ser assim tão cedo pois há muito pessoal por ali, o que não era habitual. Também nota que o pessoal africano, sobretudo as mulheres, estão vestidas com panos mais garridos. Cheira a carne assada. Cai em si, havia festa na tabanca. Ia haver casamento, o seu. Tão rapidamente toma banho, como se veste a preceito. Enverga pela primeira vez a “sabadora” encomendada aos milícias que tinham ido fazer compras ao “Regala” em Galomaro. Também pela primeira vez se apercebe da frescura que aquela roupa proporciona, contrariamente às vestes europeias.

Depois do café não pôde deixar de deambular pela tabanca recebendo e retribuindo cumprimentos. Está algo emocionado por se sentir integrado naquela comunidade. Não deixou de passar pela morança do Adramane. A Asmau era o seu objectivo mas ela não apareceu ou não quis aparecer, o que não incomodou o Alferes pois já sabe que é francamente correspondido.

Fora da morança vê o que lhe parece ser o seu recheio posto a arejar. Estará ali tudo que se pode ter numa casa africana: Muitas meias cabaças, tachos, panelas, uma arca aberta com roupas e panos, aparentemente a tomar ar, algumas garrafas com bebidas, mais panos, um gorro de lã, vários embrulhos.

O gorro que deram de prenda ao Alferes.

Está o Alferes a contemplar aquele estandarete quando um dos seus homens se lhe dirige:

- “Manga” de prendas, meu Alferes.

Só aí é que ele compreendeu a situação. Eram as prendas para o casal que, como é costume, se expõem à porta da morança da noiva para todo o pessoal ver.

Conversa com um, conversa com outro, depressa se aproxima a hora do almoço melhorado, que irá ser precedido da cerimónia propriamente dita, o casamento. Em Madina Xaquili, tabanca pequena, não há mesquita nem “imami” cabe pois ao Chefe de Tabanca, Adramane, muçulmano convicto, realizar a cerimónia. Quando todo o pessoal, excepto as sentinelas, se reúne ao pé da sua morança dá início à cerimónia, palavras não compreensíveis para os europeus não muçulmanos. Depois de ter lido umas passagens do Corão, porventura semelhantes às de um casamento católico, vira-se para o casal, à sua frente, e declara-os casados.

Todos foram desejar felicidades ao casal e o pessoal africano vai-se dispersando em grupos entoando cantares nas línguas das suas etnias, totalmente incompreensíveis para o Alferes e o seu pessoal metropolitano. A alegria era muita e sincera.

A seguir todo o pessoal vai comer e beber. Há duas mesas cheias de perfeitas iguarias, para aquele fim de mundo. A da noiva, junto da morança dos pais e a do noivo, a mesma onde comia todos os dias. Em ambas há de tudo à fartura: Cabrito assado, arroz branco, “siga” de galinha com óleo de palma, caldo de mancarra, diversos bolos à base de mancarra, de confecção local e, pasme-se, há dois bolos perfeitamente europeus, de aspecto e sabor, um de laranja e outro de chocolate. É uma surpresa do João. Tinha mandado comprar no comerciante “Regala” em Galomaro dois bolos enlatados que depois de se retirarem da lata parecem acabados de fazer.

Foi bebedeira para uns, festa para todos, excepto para o milícia Samba que, depois de comer se retirou. O Samba sempre tinha gostado da Asmau só que ainda não tinha conseguido o dinheiro suficiente para dar ao pai dela. Felicidade de uns, infelicidade de outros.

O nosso Alferes, embora já esteja liberto do acordo com o Adramane, ainda não se sente muito à vontade com a, agora, sua mulher. De qualquer modo conversaram mais, chegam a abraçar-se, beijam-se.

Está a chegar a noite. Os dois vão comer mais alguma coisa e antes de se recolherem são avisados que precisam da sua presença no “bentem”. O Braima, músico da tabanca, queria dedicar e oferecer ao Alferes uma composição musical. Não faz da música e do canto a sua profissão, ou seja não se considerando “jideu” não ganha a vida à custa de loas dedicadas a “homens grandes” importantes, que vaidosamente lhes pagam. O momento é inesquecível para o nosso Alferes que, comovido às lágrimas, muito agradece. Não tarda que, finalmente, o Alferes leve a Asmau para a sua morança.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de Guiné 63/74 - P7743: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (58): Na Kontra Ka Kontra: 22.º episódio

Guiné 63/74 - P7747: Tabanca Grande (266): Nuno Dempster, autor do poema K3, agora publicado em livro, ex-Fur Mil SAM, CCAÇ 1792 (Saliquinhedim/K3, Mampatá, Colibuía e Aldeia Formosa, 1967/69)






Capa do livro de poesia, K3, de Nuno Dempster (Lisboa: &etc, 2011, 63 pp). Sinopse: "Nuno Dempster (autor de Londres, ed. & etc) revisita o Horror. Felizmente para elas, as jovens gerações (também de poetas) desconhecem esse Horror que foi, para quem o sofreu nos ossos e no que houvesse de alma, a Guerra Colonial. Algures na Guiné e algures num quartel subterrâneo: o K 3. Nossa palavra: não conhecemos, na literatura sobre o tema, tão fundo, tão magistral testemunho desse Horror. Elegia, catarse, contrição, K 3 combate o esquecimento".


Dedicatória do autor à nossa Tabanca Grande: "Para o Luís Graça &  Camaradas da Guiné, todos meus companheiros nesta guerra que em muitos ainda está por digerir, com o afecto e a camaradagem do Nuno Dempster. 3/2/2011. Na Guiné, de [1967-1969,], no K3, Mampatá, Colibuía e Quebo (Aldeia Formosa), por esta ordem".






Um excerto do belíssimo longo poema K3 que se lê de um fôlego...

Fotos: © Nuno Dempster (2011). (Com a devida vénia...)






Guiné > Zona Leste > Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (1973/74) > Canjadude, a Ilha dos Amores. Ou: os tugas e a psico... E no meio, uma bajuda fula, linda de morrer, objecto de desejo... Sob o olhar vigilante da mamã, e rodeada dos manos mais pequenos... Repare-se como os tugas, passada a primeira surpresa da exposição ao nu étnico, se apoderaram rapidamente do termo psico e deram-lhe uma outra conotação... mais épica, mais erótica, mais camoniana...

Foto: © João Carvalho (2006). Direitos reservados

1. Mensagem, de 1 do corrente, do nosso camarada Nuno Dempster, que mora em Viseu [ foto à esquerda, retirada da sua página no Facebook]... O Nuno Fur Mil SAM, ou seja, vaguemestre, da CCAÇ 1792, a companhia dos lenços azuis, que andou por Farim, Saliquinhedim/K3, a norte, mas também, Mampatá, Colibuía e Aldeia Formosa, a sul... Pertenceu ao BCAÇ 1933 (Nova Lamego, Bissau, S. Domingos). A CCAÇ 1972 teve 3 comandantes:  Cap Mil Art Antóno Manuel Conceição Henriques (que ficaria sem as pernas numa mina A/C);  Cap Art Ricardo António Tavares Antunes Rei, Cap Inf Rui Manuel Gomes Mendonça. A companhia foi mobilizada pelo RI 15, tendo partido para a Guiné em 28 de Outubro de 1967 e regressado à Metrópole em 20/8/1969.

O Nuno tem três livros de poesia publicados: Londers, Dispersão, K3. É engenheiro técnico agrícola (trabalhou em cooperativas, é hoje empresário). Nasceu em São Miguel, Açores (donde é originária a família paterna, enquanto a família materna é de Amarante). Vive em Viseu. E vem pedir para se sentar sob o poilão da nossa Tabanca Grande.

Caro Luis Graça:

Além de eu ter estado também na Guiné, em [1967-69], na CCaç 1792 / BCAÇ 1933 (no K3  durante seis meses, ainda o aquartelamento era semi-subterrâneo, e depois em Mampatá, Colibuia e Quebo), julgo termos algo mais em comum. Uma amiga minha, que está a doutorar-se com uma tese sobre a obra do meu avô paterno Armando Côrtes-Rodrigues [1891-1971], de S. Miguel, Açores, onde também nasci, disse-me que tinha notícia de que Luis Graça (que pode ser outra pessoa) recebera das mãos do meu avô dois livros da sua autoria quando da partida para a Guiné.



Se assim for é uma razão acrescida para o que aqui me trouxe. Se for outra pessoa, o objectivo permanece intacto, que é o de solicitar-lhe que me envie uma direcção para lhe oferecer o meu livro K3, constituído por um só poema, em que abordo a minha experiência da guerra em que estivemos. 


O livro foi publicado pela &etc,  uma editora de referência em poesia, caso a não conheça já. Estará disponível a partir do próximo dia 3 nas livrarias do país, incluindo as da cadeia da FNAC e da Bertrand. Julgo que também será do interesse dos nossos camaradas que escrevem no seu blogue. 


O motivo deste email não é material, pois já recebi o que tinha a receber, em livros, que entretanto vão já chegando ao fim, nenhum vendido, só oferecidos. Por outro lado, a editora não faz mais edições que a primeira de cada obra. Quero com isto significar que o meu interesse é partilhar com os meus camaradas de guerra a minha experiência e esperar que seja um testemunho da guerra colonial, de resto até hoje único em livro de poesia, sobre o nosso sacrifício, que o foi para muitos de nós.


Se, caso aceitar receber o livro e depois de o ler, achar pertinente a sua divulgação no blogue, ficar-lhe-ei agradecido. Gostaria entretanto que me confirmasse por favor se é a mesma pessoa que refiro acima.

Mando a imagem da capa do livro em anexo, cuja ilustração é da autoria da pintora Maria João Fernandes. De algum modo já aponta o que está nas páginas. Envio igualmente um link sobre a editora, no caso de o Luis Graça a não conhecer.

http://bibliotecariodebabel.com/blogosfera/eles-etc/


 
Com os meus cumprimentos e na expectativa de uma resposta,
Nuno Dempster



2. Resposta de L.G., com data de 3 do corrente:

Nuno: Antes de mais os meus parabéns pela coragem de editar um livro de poesia sobre a experiência da guerra da Guiné. E em segundo lugar pelo teu gesto, "camarigo", de me mandares um exemplar do teu livro (e já agora com uma dedicatória, autografada, a todos os membros, que já vão a caminho dos 500, do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné). 

Tomo a liberdade de te tratar por tu por termos, para além da geração, mais duas coisas em comum: a Guiné e a poesia. Infelizmente não conheci o teu avô, a não ser de nome. Há mais pessoas com o nome Luís Graça, na nossa praça: o Luís Graça, obstetra e ginecologista, director  do  departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Santa Maria, e meu colega da Faculdade de Medicina; o Luís Graça, escritor, jornalista, cronista, crítico literário,  também bloguista (que não conheço pessoalmente)...

Aqui tens o meu endereço: Prof Dr Luís Graça, Gabinete 3A 42, Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa, 1600-560 Lisboa

Telefone (gabinete): 21 751 21 93 / telemóvel: 93 141 5277.

Tomei boa nota do teu blogue, que prometo revisitar com mais atenção. Gostaria de ter o teu nome na lista alfabética dos membros do nosso blogue. Votos de bom sucesso para o teu livro e a tua poesia... Logo que receba um exemplar, farei a devida rencensão... e divulgação.

Um Alfa Bravo (ABraço)
Luis Graça

PS - Infelizmente ainda não temos ninguém da tua antiga companhia... Mas há referências, no nosso blogue, ao teu batalhão.

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/BCA%C3%87%201933

3. Resposta do Nuno, em 3 de Fevereiro de 2011 14:06:

Obrigado, Luis. A divulgação do livro entre os meus camaradas da infortunada guerra em que estivemos era o que eu mais desejava dele. Em muita coisa se hão-de rever, embora, forçosamente, a posição não seja em todos próxima da expressa no livro. O certo é que alguém nos deve esse tremendo sacrifício. O meu modo de receber esse crédito incobrável foi escrever o poema de que te dou no link abaixo uma das primeiras manifestações públicas, sendo embora do meu editor, Vitor Silva Tavares, que nunca vi expressar-se assim. De resto, deve ser raríssimo nele publicamente. É um jovem de 73 anos, vertical nas suas posições, com quem é muito grato estar a conversar e mais ainda a escutá-lo. É um homem mais que conhecido no meio, além de estimado e respeitado, de grande prestígio e também temido por não ter papas na língua. Enfim, um homem sério de que este país deveria orgulhar-se, através dos seus governos, coisa impensável, sei-o bem.

http://editoraetc.blogspot.com/2011/01/k3.html


Acho óptimo tutearmo-nos. Afinal era assim que nos trataríamos, se nos encontrássemos no tempo comum a ambos na Guiné.


Há uma referência à CCaç  1792 no teu / nosso blogue, que em boa hora descobri quando da busca de dados esquecidos sobre a Guiné, isto desde Março de 2010. Tenho-o nos meus favoritos, e continuo a visitá-lo com regular frequência. Vou hoje pô-lo nos meus links. Essa referência refere-se à importância do cabo mecânico, com quem me dava. Mais que a dele, porém, era a do furriel Ferreira. Era ele que desenrascava tudo, orientando a secção com inimaginável competência e inventividade. Morreu há uma dúzia de anos ou mais com uma cirrose alcoólica. Não se aguentou. Éramos amigos de petiscos e cervejão, e também de uma sortida a Bissau para calar, num corpo alugado, o nosso vigor de jovens.

Tenho muita honra em que conste o meu nome entre os quinhentos camaradas. O outro Luís Graça deve ser último que citaste.

O livro deve estar a manhã na direcção dada, segue hoje por correio verde, que tem a prioridade do azul. Ainda bem que me lembraste da dedicatória colectiva, pois seguiria apenas com o teu nome. Assim vai melhor, devo e julgo que todos devemos muito uns aos outros

Um Alfa Bravo, lembro-me bem, do grato

Nuno Dempster

P.S. Não tenho nem uma foto desse tempo, nem sequer minha, e tive muitas, que o cabo Simões tirava, com que juntou 400 contos no fim da comissão, o que daria para comprar 8 carros novos como o meu primeiro (um Fiat 850 http://www.netcarshow.com/fiat/1968-850_special/800x600/wallpaper_01.htm). Perdi-as nos trambolhões que a vida muitas vezes dá.

4. Segundo mail do L.G.:

Nuno: Posso, desde já tratar-te como "camarigo", um neologismo, nosso, que quer dizer camarada e amigo... Fico à espera do teu livro para fazer a devida apresentação, da obra e do autor... Confirma: afinal és da CCAÇ 1792 ("Os Lenços Azuis) e não da CCAÇ 1972 (como consta do teu 1º mail)... É isso ? Um abraço. Luís



5. Resposta do Nuno:

Data: 3 de Fevereiro de 2011 20:11

Assunto: Re: Ainda o k3 (precisando dados)


Camarigo, então. É a [CCAÇ] 1792, a dos lenços azuis, sim, e no blogue fala-se da coluna que trouxe os três obuses, que o poema, perto do final cita, sem pormenores. Demorou dois dias.

Recordei, no link que enviaste, o capitão Rei, de carreira, que teve a ideia dos lenços e que substituiu o capitão miliciano, cujo nome já não recordo, um homem lúcido, vítima de um fornilho, na estrada de Farim, uma das passagens mais intensas do poema [, Cap Mil Art António Manuel Conceição Henriques]. Isso sucedeu dentro dos seis primeiros meses do início, quando estávamos no K3. Até sairmos de lá, o aquartelamento ficou entregue ao alferes miliciano, segundo comandante, bem como em Mampatá e Colibuia, penso. O Cap [Art  Riacrdo António Tavares Antunes] Rei chegou já no tempo de Quebo.

Errei nos anos em que estive na Guiné, foram os de 1967-69, e não os de 1968-1970, infelizmente o que pus na dedicatória do livro, que já seguiu. De qualquer modo fica aqui a rectificação para eventual emenda. Em 1970 casei-me eu, em Março, e os meus três filhos nasceram quase sem descanso da mãe e foram feitos de propósito. Era o baby boom do fim da minha guerra.

Pouco tempo antes de partir para Bissau, para prepararmos a peluda, é que veio aquela tropa toda para Quebo (Aldeia Formosa, que de formoso nada tinha), com o pouco gramado Major Azeredo, braço do Spínola. Ainda me lembro do ar desasado dos periquitos da CCaç 2382 que nos rendeu. Metiam verdadeira pena.

Faltou-me dizer que o livro, que é barato (12 €), vi agora o preço, já está anunciado em algumas livrarias online, nomeadamente a Wook.


Não tenho foto do tempo da guerra, como disse, mas tenho uma mais ou menos recente, que é pública.

Alfa Bravo,
Nuno

6. Comentário de L.G.:

Nuno, estás apresentadíssimo. És bem vindo à nossa Tabanca Grande. Já falámos duas ou três vezes ao telefone. Teremos seguramente de nos conhecermos ao vivo, em carne e osso, um dia destes. Até lá, convido os nossos amigos, camaradas e camarigos da Guiné a ler, de um trago (como eu fiz), esta litania de seis dezenas de páginas, onde o poeta revisita, em viagem dorida e dolorosa, mas sempre alucinante, como se fora uma via sacra, os lugares onde sofreu e viu sofrer, matar e matar, do K3 ao Quebo... K3 é o poema que todos escrevemos, com sangue, suor e lágrimas.

Tudo começa estes três versos, com a evocação do alto navio negro que levou para a guerra (p. 7):

Que sabia eu do cais de Alcântara
que não tivesse lido
em romances de guerra ? (---)

Um poste com notas de leitura deste livvro será publicado oportunamente.

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Nota de L.G.:

Último poste desta série > 8 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7745: Tabanca Grande (265): José Figueiral, ex-Alf Mil da CCAÇ 6 (Bedanda, 1970/72)

Guiné 63/74 - P7746: Blogues da nossa blogosfera (41): Blogue e Nova Tabanca de Avintes (Antero Santos)

1. O nosso Camarada Antero Santos (ex-Fur Mil Atirador/Minas e Armadilhas da CCAÇ 3566 e da CCAÇ 18 - - Empada e Aldeia Formosa -, 1972/74), enviou-nos, em 5 de Fevereiro de 2011, notícias da nova Tabanca de Avintes e do respectivo link para o seu blogue:


Combatentes de Avintes

Caro Amigo Luís Graça,
O nosso blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, para além de todas as notas positivas que nos transmite quase diariamente, serviu-me de incentivo para me atirar de cabeça na criação de um blogue sobre os Combatentes de Avintes. Baseado na filosofia do LG e Camaradas da Guiné, espero conseguir fazer uma "mesa redonda" com todos os Combatentes da minha terra.
Para a "inauguração" consegui que o primeiro militar de Avintes que partiu para África contasse uma pequena estória.
Estou a tentar conseguir o mesmo do único militar que tivemos na Índia - o João Marques de Oliveira - e que acabou feito prisioneiro.
Solicito a divulgação deste blogue no vosso/nosso LG e Camaradas da Guiné:




Obrigado
Abraço
Antero Santos
Fur Mil da CCAÇ 3566 e CCAÇ 18

__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

6 de Dezembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7391: Blogues da nossa blogosfera (40): Amadu Bailo Djaló, agora em Londres: Guineense, Comando, Português (Idriça Djaló)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7745: Tabanca Grande (265): José Figueiral, ex-Alf Mil da CCAÇ 6 (Bedanda, 1970/72)

1. Mensagem de José Figueiral, ex-Alf Mil da CCÇ 6, Bedanda, 1970/72, com data de 6 de Fevereiro de 2011:

Amigo Luís Graça,

Soube da Tabanca Grande, foi grande a minha emoção ao rever tantos amigos da "guerra" nas fotografias e aqui estou a apresentar-me:

José Conde Figueiral, antigo Alf Mil de Infantaria na CCAÇ6, em Bedanda, desde 29 de Dezembro de 1970 a 4 de Novembro de 1972.

Entre outros amigos, que nunca mais vi, menciono o Cap Cav Ayala Botto (bom militar e bom homem, a quem substituí no comando da CCAÇ6, quando foi chamado para Ajudante de Campo do General Spínola), Alf Médicos Amaral Bernardo e Mário Bravo, Alferes Silva, Borges, Teixeira, Carvalho, Rocha (o dos obuses) e outros de que me não lembro o nome.

Resido em Viseu, onde fui Prof. Ensino Secundário, estando aposentado desde Agosto de 2010.

Tenho muitas fotos, mas sou "periquito" nestas coisas dos blogues.

Hoje envio só algumas (tive de pedir ajuda), mas, em breve, enviarei outras.


Nesta foto, por ser diferente a farda, identifico, da esquerda para a direita, Alf Mil Figueiral, Médico Amaral Bernardo (que me coseu o nariz e também é de Viseu), Cap Ayala Botto, não me lembro do nome do seguinte, Alf Mil Rocha (Artilharia) e Alf Mil Silva.

Digam lá se esta farda não era mais catita!


O Alf Mil Médico Mário Bravo e Alf Mil Figueiral com o pelotão de juvenis.


O Médico Mário Bravo parece não estar a gostar da minha brincadeira!


Os Alf Mil Borges e Figueiral, depois de um patrulhamento nas bolanhas. É caso para dizer que nos chegava aos... calções!



Da esquerda para a direita, identifico o Cap Gastão Silva, a quem entreguei o comando da CCAÇ 6, o "homem grande", Alf Mil Teixeira (de cócoras). Do lado direito para a esquerda, estão o Médico Pignateli, Alf Mil Baltasar (que é de Esposende) e Alf Mil Figueiral.


Um abraço,
José Conde Figueiral


2. Comentário de CV:

Caro José Figueiral, muito obrigado pela tua adesão à nossa Tabanca Grande. Estás formalmente apresentado, pelo que a partir de hoje tens mais uma preocupação que é ler e participar na feitura do nosso Blogue.

Parece que há um movimento pró-Bedanda, tal o número de camaradas que se vão contactando através da internete. Aproveita a onda, manda as tuas fotos para publicação e conta as tuas histórias.

Referes algumas dificuldades na informática, mas com um pouco de treino ficas mestre em pouco tempo.

Uma vez que resides na linda cidade do Viriato, esperamos vir a conhecer-te pessoalmente em Monte Real no próximo Encontro da Tertúlia.

Até lá fica com um abraço virtual de boas-vindas que te envio em nome da tertúlia e dos editores.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7709: O Nosso Livro de Visitas (105): José Figueiral, ex-Alf Mil da CCAÇ 6 (Bedanda)

Vd. último poste da série de 6 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7735: Tabanca Grande (264): António Cunha, ex-1.º Cabo da CCAÇ 763 “Os Lassas” – Cufar 1965/66 (Mário Fitas/António Cunha)

Guiné 63/74 - P7744: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (12): Os guineenses apenas assumem o idioma português como lingua oficial

1. Mais um texto do nosso camarada e amigo António Rosinha, enviado em mensagem do dia 4 de Fevereiro de 2011


Caderno de notas de um Mais Velho -12

Os guineenses apenas assumem o idioma português como língua oficial


Caros editores, para publicação se houver espaço.

Sou a favor do acordo ortográfico, e que esse acordo ortográfico seja democraticamente aceite após discussão pública por estudiosos, ou seja, a maioria de estudiosos decide.

Tanto portugueses como angolanos emitem opinião sobre o acordo, tanto a favor como contra. No entanto é difícil ouvir opinião de guineenses ou mesmo de cabo-verdianos.

Os angolanos que viviam em maioria em regiões isoladas sem escolas nem contactos com missões religiosas nem islâmicas, existia apenas a tribo com sua língua e seus usos e costumes, ouviam a língua portuguesa apenas quando iam ao comerciante branco ou mestiço mais próximo, comprar o sal e os seus panos.

No entanto os estudantes citadinos angolanos antigos (1950/60), discutiam com qualquer beirão, minhoto ou algarvio que o português de Luanda era mais perfeito e correto que qualquer outro da metrópole.

Os brasileiros também se consideram mais bem falantes do português, que nós portugas.

Embora com várias explicações possíveis, os guineenses mais falantes de crioulo, francês e as próprias línguas maternas, tomam a língua portuguesa apenas como língua oficial.

Enquanto em Angola já se vê o uso do português com o mesmo àvontade com que fazem os brasileiros, já criam palavras, frases, termos e sotaques que mais não é que enriquecimento da língua portuguesa, na Guiné, e mesmo Cabo Verde, o uso do português é feito por uma minoria, e mesmo essa minoria o usa apenas "oficialmente".
Gostaria de estar enganado nesta opinião que estou a emitir, mas é um sentimento que não me sai da cabeça, que uma das muitas razões que explicam o fraco uso do idioma português tanto na Guiné como em Cabo Verde faz parte ainda de um já gasto mas necessário e oportuno sentimento anti-colonial.

Claro que a desorganização política da Guiné destes anos afastou para o exterior os cidadãos mais bem preparados e mais letrados, o que também explica o fraco uso da língua portuguesa.

Mas custa a compreender, como os políticos guineenses conseguiram matar tantas ajudas, portuguesas e suecas, para o ensino escolar, e outras áreas.

Talvez tenham aprendido connosco que, como dizem quase todos os nossos ex-colonizados, que os portugueses foram bons mestres, apenas no que é negativo.

Evidentemente que o acordo ortográfico pouco conta para a nossa geração, mas se houver de facto uma uniformização aprovada cientificamente por maioria, vai ajudar a manutenção e divulgação do português pelos quatro cantos do mundo lusófono, o que será para os mais novos uma herança para a qual a nossa geração contribuiu com alguns anos da nossa juventude e muitas famílias perderam parentes.

Sou daqueles que não concordava em 1961 com a solução do Kennedy como hoje dizem muitos historiadores, pois que os americanos já tinham feito as Coreias, já estava incendiado o Zaire e surgiu o Vietname. No caso das colónias portuguesas era para ficar tudo em pó sob os pés de Kennedy e Brejnev.

E aí, da língua e da presença portuguesa, nem com velas como as de Timor salvavam fosse o que fosse.

Um abraço para todos
Antº Rosinha
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7454: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (11): O PAIGC que nos saiu na rifa, a Portugal e à Guiné: Cumbe di Baguera / Ninho de abelhas

Guiné 63/74 - P7743: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (58): Na Kontra Ka Kontra: 22.º episódio




1. Vigésimo segundo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 7 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


22º EPISÓDIO

Esta pequena operação decorreu sem a detecção de qualquer indício o que lhe aumentou a sensação de bem estar. O nosso Alferes, ao passar pelas sentinelas que estavam na mata para os lados de Padada aproveitou para as posicionar melhor, no sentido de terem um melhor campo de visão através da mata, que por ali era bastante aberta.

Chega para o almoço, dorme uma sesta, como já não acontecia há dias e ainda procura ver a Asmau para saber como ela tinha reagido ao “pedido de casamento”. Não demora a vê-la passar por entre as moranças. Dirige-se ao seu encontro.

O Alferes ia falar para a sua bajuda mas não foi necessário. O seu olhar e o seu sorriso diziam tudo o que era preciso dizer. Como muitas vezes acontece nestes casamentos arranjados, a noiva não gostando do noivo, embora aceitando o que lhe impõem, nunca olharia olhos nos olhos como agora a Asmau faz.

Neste caso era evidente o acordo da bajuda. Perante aquele sim, sem nada dizer, o nosso Alferes vai parar às nuvens.

Para tudo isto acontecer deve ter contribuído muito o facto de a Asmau ser um pouco evoluída. Saiu da tabanca para ir à escola, contrariamente à maioria das mulheres que nunca saíram de Madina Xaquili. Tinha ido várias vezes com o pai a Bafata. Tinha pois contactado com brancos o que a levaria a não excluir a hipótese de um dia um homem branco a querer. Aparecer assim um militar e logo oficial, era para ela como encontrar um príncipe encantado.

Também a ele, ela lhe parece uma princesa. Já se tinha imaginado na Metrópole, depois de terminada a comissão, acompanhado de uma mulher de fazer inveja a muitas brancas. O seu amor pela Asmau é puro e sincero.

Estão por largos momentos de olhares cruzados, sem nada dizerem. Desta vez ela não vem com o peito descoberto. Talvez já esteja a assumir a condição de “prometida” ao Alferes. Traz uma espécie de blusa, curta, sem mangas mas totalmente aberta à frente. Conforme se vai mexendo os seios ora aparecem ora se escondem como que de um jogo de sedução se tratasse, mas não, tudo isso nela é de uma naturalidade angelical.

O Alferes, tal como da primeira vez que esteve com ela, passa-lhe a mão ao longo do braço. Chegado ao pulso agarrou-lho pensando que ela se poderia querer afastar como da outra vez. Repara que não reage, antes com a outra mão agarra também a mão do Alferes. Mais uns momentos se passam em silêncio. Os olhares dizem tudo.

Acabam por conversar assim enlaçados, como se o mundo tivesse acabado. Naquele momento não há tabanca, não há tropa, muito menos guerrilha. Num acto cavalheiresco o Alferes pergunta-lhe se o casamento poderá ser daí a uns dias. Ela diz que não pode ser antes de uns cinco dias, o que o Alferes facilmente compreende e aceita.

Ele ainda lhe diz que a quer fazer muito feliz e que espera ir brevemente para Bafata levando-a com ele. Que lá terão uma casa só para eles. E mais:

- Asmau, quando acabar a minha comissão vais comigo para a metrópole. Vais ver coisas que nunca viste.

Por via do acordo pré-nupcial o Alferes sabe que não pode “avançar” mais, pelo que é melhor afastar-se dela rapidamente com medo de não conseguir conter-se. Apreciando novamente a pele sedosa, agora dos dois braços, conseguiu num acto de estoicismo, de militar que era, afastar-se ao mesmo tempo que lhe diz:

- Asmau, vamos ter muito tempo para conversar sobre o nosso futuro. Agora, deves ter coisas a tratar, assim como eu.

Nos dias seguintes o Alferes continua a fazer os patrulhamentos diários à volta da tabanca, cada vez mais longe. O não aparecimento de vestígios do inimigo é um bom presságio para o casamento. Durante os percursos vai sempre pensando como resolver os problemas que daí podiam resultar. Decide que no próprio dia reforçará as sentinelas metidas na mata. Morança tinha a sua, que chegava perfeitamente. É preciso arranjar uma cama para colocar ao lado da sua onde se deitará a Asmau… para dormir. Com toda a certeza ela trará a sua. Passa-lhe pela cabeça a ideia de continuar com a mesma lavadeira, que além de lavar a sua roupa lavaria também a da sua princesa, pois princesas não lavam roupa. Rapidamente chega à conclusão que seria uma péssima ideia colocar a Asmau sem nada que fazer. A própria deverá querer, à boa maneira africana, tratar da roupa do seu homem.

Durante outro patrulhamento.

Tudo parece que se está a resolver de forma simples para o nosso Alferes. Está a esquecer-se dum “pequeno pormenor” que só detectará depois do dia do casamento.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7739: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (57): Na Kontra Ka Kontra: 21.º episódio

Guiné 63/74 - P7742: O Nosso Livro de Visitas (106): José Fernando Estima, natural de Águeda, ex-Fur Mil, CCAÇ 3546/BCAÇ 3883, Piche, Cambor (1972/74)


Guiné > Zona Leste > Carta de Piche (1957) > Escala 1/50000 > Pormenor da posição relativa de Piche, Cambor (na estrada Piche-Canquelifá) e Ponte Caium (na estrada Piche-Buruntuma)...


Telefonou-me há dias o José Fernando Estima, morador em Espinhel, Rua Cabo do Lugar, nº 140, 3750 Águeda.


Foi Furriel Miliciano da CCAÇ 3546/BCAÇ 3883, a mesma subunidade do Jacinto Cristina e do Carlos Alexandre, dois bravos da Ponte de Caium. Pertencia ao 2º Gr Comb. Esteve em Piche, em Camajabá e em Cambor, a norte de Piche, na estrada para Canquelifá: no destacamento de Cambor passou mais de um ano, enquanto o 3º Gr Comb estava na Ponte Caium (havia um outro grupo em Buruntuma). Fiquei com a ideia de que também terá estado em Canquelifá...

Desse tempo lembra-se do Cap Cristo (Cap Mil Inf Fernando Peixinho de Cristo, comandante da CCAÇ 3545, sediada em Canquelifá)… Lembra-se de passar pela Ponte Caium… (Falámos do monumento, desenhado pelo Carlos Alexandre e construído pela malta do 3º Gr Comb, os "Fantasmas do leste"...mas não tenho a certeza de ele ter uma ideia precisa desse monummento)...


Lembra-se do Cristina… E lembra-se de ter voltado ao Xime (a 1ª vez, desembarcou lá, vindo de LGD, de Bissau, em Março de 1972)… Da segunda vez, lembra-se de ter encontrado um 1º cabo da sua terra, que levava 11 urnas para Bissau… (Este episódio deve ter ocorrido em Abril de 1972, e deve estar relacionado com a emboscada no Quirafo, de 17 de Abril de 1972)... Lembra-se de ter feito a viagem de regresso, com os seus camaradas, desarmados, à civil, de Piche ao Xime (ou a Lamego ?), com "segurança" do PAIGC ao longo da estrada...

O nosso camarada Estima trabalha em Aguada de Cima, Águeda, mesmo junto ao Restaurante Vidal, um dos restaurantes de referência dos apreciadores de leitão (Dizem que serviu em 1996 três leitões para um banquete da Rainha Isabel II)… Não conhece o Paulo Santiago, em contrapartida é amigo (ou conhecido) do Victor Tavares, nosso camarigo, ex-1º Cabo pára-quedista da CCP 121/BCP 12 (Bissalanca, BA 12, 1972/74).

O Estima pediu a sua entrada formal na nossa Tabanca Grande. Ficou de pedir ajuda,  a um dos seus filhos ou filhas,   para digitalizar fotos do seu álbum. Pediu-me para mandar um abraço à malta da sua companhia e do seu batalhão, extensivo a toda a Tabanca Grande.

Recorde-se aqui o historial da CCAÇ 3546/BCAÇ 3883:

(i) O BCAÇ 3883 foi mobilizado pelo RI 2, tendo partido para a Guiné, de avião, em Março de 1972 ( o comando e a CCS em 19/3/1972; a CCAÇ 3544, a 20; a CCAÇ 3545, a 22; e a CCAÇ 3546 a 23); (ii) A CSS ficou sediada em Piche; (iii) O comandante era o Ten Cor Inf Manuel António Dantas; (iv)  O comandante da CCAÇ 3546 (Piche, Cambor, Ponte Caium e Camajabá) era o Cap QEO José Carlos Duarte Ferreira; (v) As outras companhias do BCAÇ 3883 eram a CCAÇ 3544 (Buruntuma e Piche; teve dois comandantes: Cap Mil Inf Luís Manuel Teixeira Neves de Carvalho; Cap Mil Inf José Carlos Guerra Nunes) e a CCAÇ 3545 (Canquelifá e Piche; comandante, Cap Mil Inf Fernando Peixinho de Cristo);   (vi) O batalhão regressou a casa, de avião, em Junho de 1974.
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Nota de L.G.:

Último poste da série > 2 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7709: O Nosso Livro de Visitas (105): José Figueiral, ex-Alf Mil da CCAÇ 6 (Bedanda)

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7741: Agradecimentos à Tertúlia (Fernando Franco / Ana Duarte)

1. Mensagem do nosso camarada Fernando Franco* (ex-1.º Cabo Caixeiro do PINT 9288, Guiné, 1973/74), com data de 6 de Fevereiro de 2011:

AGRADECIMENTO

Utilizando este excelente meio de comunicação, quero agradecer aos camaradas e amigos que deixaram no poste 7729 as suas mensagens de felicitações a propósito do meu aniversário, assim como aos que se me dirigiram directamente por mail ou telefone. Aos que não puderam manifestar os seus votos agradeço na mesma, pois sei que nestes dias nos sentimos todos muito mais próximos, mesmo que tal não manifestemos.

Aproveito ainda para felicitar nossa amiga Ana Duarte que esteve também de parabéns ontem, a quem eu não contactei directamente.

Um forte abraço a todos e obrigado.
Fernando Franco


2. Mensagem da nossa amiga Ana Duarte* com data de  7 de Fevereiro de 2011:

Caros Amigos
Obrigada a todos no geral e mais ainda aqueles que me enviram mensagens pessoais.
Aliás obrigada por tudo porque vocês ainda são dos que me fazem vir as lágrimas aos olhos de emoção (boa).

Graças ao blogue eu tenho tido apoio e amigos, porque "só quem não é filho de boa gente, não sente" e eu sou e sinto solidariedade e carinho de muitos, através do blogue já conheci dois pessoalmente (um no Porto outro em Lisboa) .

Peço desculpa a todos os que estiveram no funeral e na missa do 7.º dia porque penso que mesmo que os veja já não sei quem são.

Através do blogue, eu fui encontrar ex-combatentes no facebook e continuo a ouvir falar dos ex-combatentes e de vez enquanto a opinar.

Peço desculpa de nunca mais ter entrado em contacto com o blogue mas estes ultimos tempos foram muito complicados e estava a ver que tinha de ir fazer greve de fome para receber a pensão a que tenho direito . Finalmente recebi o papel a dizer o que vou receber, estou à espera este mês (um ano depois inacreditável!) .

Tenho recebido mais do blogue do que dado, mas ainda hei-de fazer uma Palhotinha (moçambicano=tabanca) aqui em minha casa.

Já agora quase todos têm duas fotos uma de antes e outra depois, envio uma foto mais actual, porque a outra além de parecer uma senhora com um ar muito zangado (não gosto de cerimónias oficiais), já tem uns bons anos. Já tenho cabelos brancos e a idade é um posto, além de estar mais eu e também estou bem acompanhada com o Sr Tenente Coronel Marcelino da Mata.

Um bem-hajam para todos e um grande xi-coração
Ana Duarte

P.S - Segundo a familia do Marcelino vou ser processada porque quando o Sr Tenente Coronel vê a máquina fotográfica faz logo cara de militar (séria), o Humberto era a mesma coisa .
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7729: Parabéns a você (213): Ana Duarte, Fernando Franco e Hugo Moura Ferreira (Tertúlia e Editores)

Guiné 63/74 - P7740: Blogpoesia (110): No dia em que fiz 65 anos (José Teixeira)

1. Mensagem de José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 6 de Fevereiro de 2011:

Ao ler tantas mensagens de carinho, deixei falar o coração.
Tenho de ter algum cuidado por como está perto da boca, por vezes atraiçoa.
Desta vez passei ao papel o que o coração me queria dizer.

Aqui vai como profundo agradecimento a todos quantos se lembraram de mim neste dia, muito em especial ao Miguel Pessoa e ao Peixoto.

José Teixeira


O Tempo que passou pela minha vida

O tempo devora-nos em cada dia que passa.
Vai comendo pouco a pouca a vida.
Quantas vezes tão suavemente, qual traça,
Que a madeira corrói.
Tão suavemente,
Que quase não se sente…
Não dói.
Sente-se sim.
Quando paramos e para trás olhamos.
Há tempos em que a ânsia de viver nos inebria.
Cega nossos olhos,
Abafa a ação do tempo, do dia-a-dia.
Há momentos no tempo que me apetece gritar.
Oh tempo pára. És tão belo!
Esse é o tempo o sonho e da criação,
Do amor e da beleza. DoaçãoTempo da liberdade.
Tempo.
Fugaz momento que nos transporta à eternidade,
Alegremente.
É, nesse instante do tempo, que o tempo ganha sentido
E merece ser vivido. Plenamente.
Até a angústia da morte, que com o tempo caminha.
Se ajoelha perante a vida,
Lhe canta um hino, uma ladainha..
Outros tempos há,
Em que o tempo atua com tal dureza.
Rapa, da vida toda a beleza.
Tempo do futuro, que vai passando.
Tempo que me consome, caminhando.
Tempo dum presente que não existe.
Já passou.
Tempo de um passado que me vai matando
Tempo do tempo que meus sonhos levou,
E me deixou penando.
Tantos anos que o tempo me açambarcou…
Quero conjugar o tempo.
No passado,
No presente e no futuro.
No passado, que deixa saudades.
Passado sem saudosismo.
“Antigamente é que era bom”
Um passado que se ausentou,
Mas… lições de vida me deixou.
Passado, onde assenta o tempo construtor,
De um futuro promissor.
Com o que ficou,
Quero construir o presente.
Presente a que se segue sempre,
Outro presente.
Quero vivê-lo intensamente.
Fazer com ele um pacto de amor,
Combater a sua ânsia de me devorar,
Que provoca sofrimento, dor.
Presente que já passou.
Presente que um pouco da vida me levou.
Quero no presente aprender com o passado.
Projetar o meu futuro,
Com a vida que sobrou.
Esperemos, não seja tão duro,
Como o tentam espelhar,
Quero acreditar que é só para assustar.
Tempo que se espalha no horizonte,
Como a água fresca e pura que brota da fonte.
Se “perde” na seca e árida terra,
Transformando-a em vida.
Ato de Amor.
Beleza.
Aprazível lugar.
Espelho.
Que o futuro projeta sem temor.
Ah quanto eu quero parar no tempo!
Absorver do tempo o seu eterno sabor…

No dia em que fiz 65 anos.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7730: Parabéns a você (214): José Teixeira, ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381 (Tertúlia e Editores)

Vd. último poste da série de 17 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7627: Blogpoesia (109): Saudades daquele tempo, ou Quisera eu... (10) (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P7739: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (57): Na Kontra Ka Kontra: 21.º episódio




1. Vigésimo primeiro episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 6 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


21º EPISÓDIO

Quase todo o pessoal continuou por algum tempo à mesa, comentando a visita do Comandante de Bafata. Todos manifestaram a ideia que o tinham achado um homem duro, distante e até ríspido de mais para com o Alferes. Este explicou que era a maneira de ser do Coronel mas quem o conhecia bem, como ele próprio, o achava cordial e principalmente um homem justo, com quem se podia contar.

Todos continuam a conversar menos o Alferes que se cala ficando pensativo. Passados poucos minutos levanta-se e sem sequer se despedir, contrariamente aos seus hábitos, dirige-se à sua morança. Entra, sai, vai ao “quarto de banho”, sai, vai carreiro abaixo em direcção à fonte, pára, volta para trás, entra novamente na sua morança, tira a roupa e deita-se.

Efectivamente está nervoso. O adiamento da conversa com o pai da Asmau deixa-o assim. Sabe que também os africanos se recolhem nas horas de maior calor, pois no princípio da época das chuvas, a temperatura chega muitas vezes aos quarenta e cinco graus à sombra. Um verdadeiro inferno. Só quando chove, o que acontece quase todos os dias, se sente um certo alívio. Tem que rapidamente falar com o Chefe de Tabanca mas terá que esperar pelo fim da tarde.

Tenta dormir mas não consegue. Deixa passar umas três horas. Apesar de o pai da Asmau já saber do pedido, o Alferes não o quer incomodar pois ele ainda pode estar a dormir. Também não fez falta ao seu pessoal pois o Furriel dirige os trabalhos.

Levanta-se, passa um pouco de água pela cara, veste-se e não espera mais tempo. Como se de um acto de guerra se tratasse, resolve “atacar”. Com o pacote de cola que o João lhe tinha emprestado, desta vez não vai a eito, feito autómato, nem tão pouco pelo carreiro mais directo para a morança do Adramane. Vai em zig-zag pelos carreiros de forma a demorar mais tempo. Nunca era demais pensar bem no que iria dizer ao pai da Asmau. Embora já se tivesse aconselhado com o João e este lhe tivesse dito que se o pai de uma bajuda aceitar o casamento, tudo se resolve com “um toma lá dá cá”, também lhe tinha dito que faz parte conversarem durante bastante tempo para dar ideia a quem está cá fora, que o “negócio” foi difícil. Desta vez até iria ser. Chegado ao seu destino chama como da vez anterior:

- Adramane, Adramane.

O Chefe de Tabanca vem à porta e como já sabe ao que o Alferes vem, manda-o entrar.

Não se sabendo o que se passou dentro da morança, é fácil imaginar, tendo em conta a expressão de satisfação do Alferes, ao sair.

Mais tarde, já sentados à mesa para o jantar, o Alferes Magalhães comunica que se vai casar com a bajuda Asmau e que o casamento será daí a três ou quatro dias, o tempo necessário para se preparar a festa. Irá haver cabritos e galinhas para todos tirarem a barriga de misérias. Para o nosso Alferes não só a barriga mas também o… coração. Foram-se levantando da mesa, ficando só o Furriel e o Alferes. É então que este tem o desabafo:

- Quero dizer-lhe que não foi difícil conseguir a Asmau mas, contrariamente ao que me tinha dito o João, que com uma vaca e uns cabritos já se conseguia uma bajuda, neste caso o pai não “abriu mão” dela a não ser por duas vacas mais os cabritos. Claro que não me custou a desembolsar o dobro do que pensava. Mal ele sabia que eu estava disposto a dar três ou mais vacas. O Adramane não sabe o que ali tem, ou só sabe em parte.

- Só lhe posso dar os parabéns, meu Alferes.

No dia seguinte não teve que se preocupar muito com os preparativos da festa. Apesar de também lhe competir a sua parte, como ali é costume, os pais da Asmau, compreendendo a situação, assumem quase tudo. Cai na realidade. Pensa que para além da alegria que sente por ir desposar aquela maravilhosa bajuda, também está em guerra e não pode agora permitir que o PAIGC vá ofuscar a sua felicidade.

Estar com a Asmau a sós não pode, por força do acordo feito com o pai dela. Assim, e depois de escolher um grupo de homens, brancos e africanos como era costume, vai fazer um patrulhamento de uns quilómetros à volta da tabanca. Além de conhecer melhor as imediações, a principal razão era ver se eram detectados vestígios da passagem de algum elemento da guerrilha.

A saída para mais um patrulhamento.

Esta pequena operação decorreu sem a detecção de qualquer indício o que lhe aumentou a sensação de bem estar. O nosso Alferes, ao passar pelas sentinelas que estavam na mata para os lados de Padada aproveitou para as posicionar melhor, no sentido de terem um melhor campo de visão através da mata, que por ali era bastante aberta.

Chega para o almoço, dorme uma sesta, como já não acontecia há dias e ainda procura ver a Asmau para saber como ela tinha reagido ao “pedido de casamento”. Não demora a vê-la passar por entre as moranças. Dirige-se ao seu encontro.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7719: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (56): Na Kontra Ka Kontra: 20.º episódio

Guiné 63/74 - P7738: (Ex)citações (128): Coisas mais importantes da vida do que a questão do sexo dos anjos (José Brás)



1. Mensagem de José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 6 de Fevereiro de 2011:

Carlos, meu amigo
Com um abraço e consciente de que estou a amolar-te o juízo.

Um abração
José Brás




VAMPIROS

Nunca direi que não me agrada uma boa discussão à volta de coisas mais importantes da vida do que a questão do sexo dos anjos.

Me chamariam logo mentiroso se o dissesse, e eu não teria senão que aceitar o epíteto, sem garantir mesmo que não tenho enfiado já a minha peta por aí, coisitas pequenas e sem influências na vida de cada um e por isso, na verdade, pode dizer-se que mentiroso não sou.

Fartos de saber que troco um dia de vida por uma boa polémica, estão vocês todos, os que concordam com o que eu digo ...e os que não.

E até diria, sem qualquer preconceito ou complexo, sem medos de acusações de fora ou insinuações de insanidade, ou de pelo menos, de não ter os alqueires certos, direi que, uma vez ou outra, até eu discordo de mim.

Não riam porque o assunto é mais sério do que possa parecer e acho mesmo que ser gente obriga ao exercício de cada um de se contestar, de se experimentar, de se contrastar consigo próprio de vez em quando, na busca do caminho que lhe parece o mais certo, que oi seja ou não porque isto de caminhos está o mundo cruzado por biliões e se calhar são todos certos e todos errados.

Já aqui disse uma vez em forma de interrogação para dentro de mim que "se não discutir com os amigos discutirei com quem" e o Luís fez dessa pergunta a frase de uma semana.

Repito que gosto de polemizar com os amigos, tendo que avisar que meu amigo pode ser quase qualquer um. Quase, repito.

Sem dúvidas que tenho no blogue muitos amigos, a maior parte deles discordando de mim muitas vezes, concordando outras, já se vê, numa salutar forma de convívio que tem por chapéu a certeza de que há coisas fundamentais com as quais comungamos sem constrangimentos e que são o direito de qualquer cidadão à vida desde que nasce até que morra; o direito ao livre pensamento; o direito à dignidade e ao respeito; o direito à família; o direito à liberdade, o direito a deus... o dever do respeito pela identidade do outro; o dever de aceitar regras de convívio social escolhidas em liberdade; o dever do trabalho na multiplicação dos bens da comunidade, tudo isto em total entendimento que não há raças nem credos nem ideologias que possam pôr em causa o profundo sentimento de que o homem é uno e múltiplo e assim deve continuar a ser para bem do mundo.

Descendo um pouco mais à terra, porque isto de listar direitos e deveres é o mais fácil do exercício, não apontarei exemplos de tal discordância salutar, por não me parecer necessário de tão evidentes as diferenças e porque sei que os próprios também sabem.

Não estorvam o abraço, nem a mim, nem aos diferentes, sempre que nos encontramos, porque a certeza de que a diferença se constrói em nós naqueles princípios e na realidade que deu forma a cada um, crescendo cada qual em seu ambiente social e cultural, formando olhares sobre os fenómenos da vida e valores diversos, mas mantendo esse profundo respeito pela coisa sagrada que é a humanidade.

Discutirei com alguma satisfação, com os que acham que a descolonização foi mal feita, que houve graves e pressas demasiadas, e, talvez mesmo algumas traições, quando sei que os adversários de discussão, estão de acordo com a sua inevitabilidade histórica.

Poderei mesmo discutir sem azedumes que restem, com os que ainda lamentam a perda do império, embora me custe mais o debate aí, na remissão a que não consigo fugir de outros impérios que atravessaram a história do homem com devastações, com massacres, com aniquilação de povos inteiros, Unos, de Bizâncios, de Cartagos, de Romanos, e mais modernamente, de Castelhanos, de Britânicos, de Russos e o famigerado Austro-Húngaro do pintor de tabuletas.

Mas enfim, faço o esforço porque reconheço que um ou outro camarada tome o imperialismo português apenas como a natural expansão de um povo apertado entre Castela e o mar, pensando com alguma simplicidade que as terras onde os nossos heróicos navegadores semearam cruzeiros, onde tantos portugueses deram o seu sangue e o seu sonho, passaram de direito a ser portuguesas.

Evidentemente, não tenho ilusões sobre as extremidades que a própria humanidade pode assumir, criando e desenvolvendo criaturas que se destacam em santidade ou em monstruosidade.

Não falo de santos porque sobre eles assumo que não há divisão.

Falo dos outros, embora garanta que com eles não discutirei porque com eles não há nada que discutir. Podem vir ao quintal sem portões largar o veneno, ao pinhal do rei provocar, trazer falas antigas e tácticas da velha pide, dos tribunais plenários, do medo nocturno que espalhavam no outro tempo e gostariam de recuperar, ameaças de palhaço, burra inversão de valores pondo ao contrario conceitos como independência, autonomia de pensamento, liberdade, noção de pátria e de povo, que de mim não terão qualquer resposta.

Sei que me liquidariam de facto ou de alma, se pudessem; que me proibiriam o pensamento, que me colocariam em grades e em tortura, que perseguiriam a minha família, que me abririam fichas e me investigariam os passos, tal qual fizeram nos longos anos de escuridão e de atraso deste País.

E apenas porque esta macaqueação de democracia invadiu o mundo e a nossa terra de imbecis e de ladrões, de incompetentes e abusadores, de insatisfação e de dificuldades, pensam que o seu tempo, a sua noite, pode voltar.

Poisam nos prédios e nas calçadas, provavelmente organizam-se e, se puderem, abrirão feridas.
Mas já não senhores do "mundo" nem mandadores sem lei.

Os despojos antigos que trazem apodreceram e saem-lhe da boca em mau hálito... apenas.

Não os temo como não temi antes.

Não tenho que conviver com eles enquanto tiver espaços plurais onde respirar.

Entendem?

José Brás
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Nota de CV:

Último poste da série > 23 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7662: (Ex)citações (127): Um lição de artilharia... A propósito do obus 14, de Bedanda, bem como dos artilheiros e infantes... (C. Martins)

Guiné 63/74 - P7737: A Guerra Colonial e a extinção da tradições portuguesas: o dia de 'ir às sortes' na minha terra, Sabugal (José Corceiro)

1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 5 de Fevereiro de 2011:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães.
Atendendo ao facto de terem passado 50 anos desde o início da Guerra Colonial, recordei-me hoje, duma consequência nefasta, que esse trágico acontecimento que foi a guerra, teve no acelerar a morte duma tradição na minha terra, que com tanta intensidade era vivida pelo povo da minha aldeia, Vale de Espinho - Sabugal.

Deixo ao vosso critério a publicação.

Um abraço
José Corceiro


A GUERRA COLONIAL E A EXTINÇÃO DE TRADIÇÕES PORTUGUESAS

O assalto à Prisão de Luanda ocorreu no dia 4 de Fevereiro de 1961, data que marcou o início da Guerra Colonial, ou do Ultramar, como se queira apelidar, sendo que para mim é a Guerra onde eu andei.

A Guerra Colonial tirou a vida a milhares e milhares de pessoas, deixando outras tantas estropiadas até ao fim dos seus dias. O fenómeno da Guerra foi também um factor influente que contribuiu para desvanecer algumas tradições e costumes, que estavam enraizados na cultura do povo português.

Tanto quanto me lembro desde a minha meninice, que na minha aldeia, Vale de Espinho – Sabugal, o dia da inspecção militar ou sortes era um dia festivo para toda a povoação, mas com proeminente destaque para os mancebos naturais da aldeia, que completassem nesse ano o 20.º aniversário, pois a festa era deles. Nos anos 1950 e princípios de 1960, na minha aldeia, o grupo de rapazes que iam anualmente a dar o nome para a tropa ultrapassavam sempre as duas dezenas, ou bem mais, e era raríssimo que quando chegasse o dia das sortes algum deles faltasse. O dia da inspecção revestia-se dum certo ritual, tradicional típico, que continha valor e particularidades para um estudo etnográfico.

Os preparativos para o esperado dia iniciavam-se com algum tempo de antecedência, pois era determinante que no dia da festa tudo corresse de feição. Sempre foram perceptíveis ao longo dos anos, explícitos laivos de ciúme, meio encapotado é certo, mas que levava alguns dos ex-inspeccionados a vangloriar-se ao dizer que a festa deles tinha sido a melhor. Ora, este espírito de geração competitiva, impulsionava a rapaziada a um apego de brio viril, que os empenhava em melhorar a sua festa em comparação com as dos anos anteriores.

Para muitos dos jovens, o dia da inspecção seria também a primeira vez que iriam estrear um fato novo, composto por calças, casaco e colete (terno), pois até ao presente não tinham tido a possibilidades de comprar o tecido e mandá-lo confeccionar no alfaiate da terra, visto ser escasso o suporte económico da família. Era também provável que a partir dessa data, o jovem pudesse começar a amealhar um pezinho de meia, fruto de algum trabalho que executasse com direito a remuneração, jornal ou a passar contrabando, pois até esta altura tudo o que tinha ganho reverteu a favor do agregado familiar.

Quando o esperado dia chegava, nada podia falhar.
O fato estava à espera de ser vestido…

Os foguetes já tinham sido comprados e entregues ao mestre-de-cerimónias, que os utilizava conforme a mensagem que queria anunciar, lançando-os para estoirar no ar. A primeira mensagem é logo cedinho, às 05h00, a lembrar que é preciso deixar a cama e levantar, para aqueles que nela se deitaram, nessa noite, porque alguns fizeram directa. Pois têm que se apressar, ainda há um percurso longo de 16 quilómetros que é preciso trilhar, sempre a cavalgar, até chegar ao Sabugal, concelho da freguesia, onde tem lugar a inspecção.

Foto 1 - Briosos mancebos inspeccionados em 1968, com saudosismo do passado. Foto tirada no dia da inspecção, no Sabugal, junto ao antigo edifício camarário onde teve lugar a inspecção. É também visível o edifício da antiga prisão.

O cavalo, adereçado com os seus melhores arreios estava pronto e à espera. Ricamente aparelhado. A sela, a cinta, o cabresto, as rédeas e o freio foram diligentemente limpos e engraxados, as fivelas e os estribos foram polidos até ficarem a brilhar, sem esquecer as patas do equídeo que foram aparadas, limadas e convenientemente ferradas, pois há mais de 30 quilómetros para calcorrear, ida e regresso, com o mancebo sempre montado e a espicaçar, e quiçá poderá surgir algum amigo mais íntimo que o queira apadrinhar e arrisque a boleia no lugar da garupa, e o ritmo tem que ser constantemente a trotear.

O acordeonista foi atempadamente contratado, personagem aglutinadora e imprescindível, que nunca pode faltar esperando-se sempre dele alguma novidade musical, para excitar o bailarico e a festa abrilhantar.

Os vitelos ou cabritos, cuja quantidade depende do número de mancebos e seus convidados, foram antecipadamente encomendados ao açougueiro, e já estão prontos e preparados com algum tempero à espera para se dar início ao apetecido assado, realizado sempre em local aprazível, junto à margem do rio Côa e por tradição no sítio do Freixial.

Foto 2 - Largo das Eiras, no centro da aldeia de Vale de Espinho. Nas redondezas não havia outra povoação que tivesse um largo tão grande, embora já tenha sido roubado pelas construções da estrada, escola, lar de idosos, junta de freguesia etc.

Por volta do meio-dia o povo aguardava impacientemente, no Largo das Eiras, a chegada do mensageiro, que se antecipava ao regresso dos mancebos. O arauto açoitando o seu cavalo incutia-lhe celeridade, para se adiantar e mais rápido chegar para a notícia poder dar, metia-se por atalhos e veredas para o caminho encurtar, e lá chegava ele ofegante à freguesia onde revelava, com voz de pregão, os nomes dos mancebos que ficaram livres e os que foram apurados para o serviço militar. Quando se ouvia o nome dum mancebo que ficou apurado era sempre um momento de regozijo, algazarra geral, com aplausos, acompanhados de vivas e parabenização à família, contrastando com o comportamento da multidão, que ao ouvir o nome do mancebo que ficou livre, reagia com tristeza e constrangimento, sobretudo os seus parentes.

Mais uma largada de foguetes, anunciavam que a comitiva dos heróis estava prestes a chegar. A multidão eufórica, que não tinha arredado pé do Largo das Eiras, estava curiosa e queria ver ao vivo a chegada dos briosos mancebos. Uns ostentavam com orgulho e altivez na lapela do casaco a insígnia, fita verde, que os declarava aptos para o serviço militar. Esta distinção podia ser um trampolim para uma vida melhor, com mais possibilidades para um emprego, quiçá Polícia, Guarda-Fiscal ou Republicana, ou Exército, ou alguma Repartição Estatal. A fita vermelha era colocada nos inaptos, e notava-se neles um ar de acanhamento, quase vergonha, por suportar na lapela o estigma que os remetia para a exclusão de prestar serviço militar, era como que o apontarem-lhes que eram débeis, ou tinham uma deficiência física, e isso não era tranquilizante para o seu ego.

Depois de dadas as boas-vindas, procedia-se a mais uma largada de foguetes, a convidar toda a povoação para que houvesse união e acompanhassem festivamente os mancebos, que iriam desfilar montados nos seus cavalos, ao som da concertina, pelas ruas da procissão. Findo esse percurso, duma maneira geral, toda a juventude se dirigia para o local onde os esperava o assado, já devidamente confeccionado.

Foto 3 - Tirada em 1968, no Freixial, junto ao rio Côa, durante o assado, onde estão a meia dezena de mancebos que foram nesse dia à inspecção, juntamente com juventude convidada e onde não podia faltar o meu professor da 4.ª cCasse, Zé André, que está de pé no canto direito da foto, com camisa preta.

Manjar ansiosamente esperado, a desejada carne grelhada era um pitéu divinal. A carne é seleccionada, excelentemente grelhada com apuro na brasa, bastante condimentada com um molho assaz apimentado, comida acompanhada de batata bem apaladada acabada de tirar da terra e assada na borralheira, tudo regado convenientemente com molho, iguaria que provoca no mais prudente dos mortais anseios que o incitam a deixar-se seduzir, e a exagerar no beber a boa pinga, que inebria qualquer convidado fazendo-o esquecer as amarguras do dia-a-dia, até surgir um comensal mais inspirado, que se encoraja e ousa desafiar a qualquer um para uma salutar desgarrada… e a partir daqui tudo incita a que a folia seja inflamada!

E toda a tarde era passada em farra agitada, sempre regada de boa pinga em ambiente de animado bailarico, onde não era permitido a nenhuma moça recusar dançar com qualquer que fosse o mancebo dos inspeccionados, uma recusa dessas, era interpretada como ofensa familiar.

Com o surgir da guerra nos anos 1961/1962, a juventude da minha terra abandona a aldeia, em massa, e vai a salto para o estrangeiro. O número dos mancebos que anualmente iam a dar o nome para a tropa caiu das duas ou três dezenas que eram habituais, para menos de meia dúzia.

Foto 4 - Castelo Branco, Dezembro de 1968.

O início da Guerra Colonial praticamente acabou com a tradição festiva do dia da inspecção. Provocou uma reviravolta de 180 graus no valor do conceito de apto e inapto para o serviço militar. É surpreendente, que no espaço de dois ou três anos o conceito de opinião que se tinha da selecção de apto, que era considerado o boníssimo, se tenha invertido o valor, e o apto passou a ser o maligno, pois a partir do início da guerra o que se valoriza, no querer dos familiares e mancebos, é que fiquem inaptos para o serviço militar, a condição de inapto passou a ser o óptimo! São os dinamismos sociais da adaptação dos interesses!

Continuaram-se a comprar vitelos, cabritos e até porcos inteiros, para satisfazer a gula dos falsos profetas que só anunciavam desgraça e tinham bem estudada a arte da mentira, pois aos crédulos muito prometiam, mas nada faziam. Convenciam os inocentes que lhes livravam os filhos da guerra, e alguns caíram na ratoeira, mas cedo se convenceram que nada lhes tinha sido feito. E lá vinham a terreiro os profetas com argumentações abonatórias, utilizando desculpas esfarrapadas…

PS: - Significado do termo “Sortes” aqui utilizado, que creio estar certo, pela ideia que me ficou segundo aquilo que ouvi noutros tempos:

Antigamente, devido ao grande número de jovens que se apresentavam à inspecção, eram muitos os que ficavam aptos, e para os aptos não havia lugar para todos no serviço militar. Para solucionar o excesso dos já seleccionados, procedia-se a um sorteio aleatório entre os que tinham ficado aptos, para assim se apurar aos que cabia a sorte de cumprir o serviço militar.

Um abraço e boa saúde, para todos.
José Corceiro
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7678: Casos de azar e sorte (1): Camarada ferido pelo impacto de granada que não explodiu (José Corceiro)