Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 15 de setembro de 2009
Guiné 63/74 - P4960: Os Nossos Enfermeiros (5): Os Enfermeiros dos Lassas, na lama e no duro (Mário Fitas)
Enfermeiros dos Lassas na Lama e no Duro.
Luís, estou matraquilhando para pôr "Putos, Gandulos e Guerra" em condições. É doloroso, reviver tudo isto e o trabalho que dá! Tenho esperança de conseguir.
Aqui vai um pequeno testemunho de homens que calcorrearam aquela Terra Bonita a Guiné.
Eu que os vi trabalhar, com a G3, com a seringa, com todo o material em campanha, aqui fica a minha homenagem.
O Furriel Juvenal já não está connosco, o Pacheco não o conseguimos localizar.
Nos nossos encontros são louvados e acarinhados.
Vida dura a destes homens verdadeiros representantes dos "Lassas" Cumbijã acima, Cumbijã abaixo. Cufar Nalu, Camaiupa, Cabolol, Cubumba, Caboxanque, Cadique, Darsalame e muito mais. Sempre nos acompanharam. Já contei algumas histórias sobre eles.
Tinham outros amigos os nativos das tabancas: Iusse, Impungueda, Mato Farroba, Cantone, etc., etc. etc.
Coragem na guerra e não só. Eu vi pegar no pénis todo furado e a escorrer pus de um nativo, ser tratado com o carinho com que se trata um Bébé. Julgo não ter coragem.
Houve concerteza muitos outros que o mesmo fizeram!
Portanto aqui fica a todos esses que se transfomaram em anjos para aqueles que os olhos se fechavam, a minha homenagem e Obrigado!
Como sempre com o abraço desse grande e sofrido Cumbijã
Mário Fitas
Foto 1 > Em primeiro plano, Alberto Torres e em 4.ª posição, Policarpo Sousa Santos
Foto 2 > Alberto Torres em primeiro plano
Fotos: © Mário Fitas (2009). Direitos reservados.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 8 de Setembro de 2009 > 8 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4918: Os nossos médicos (4): Um grande amigo, o Dr. Fernando Enriques de Lemos (Mário Fitas, ex-Fur Mil, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)
Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4935: Os Nossos Enfermeiros (4): Valioso trabalho desenvolvido pelo Fur Mil Enf Rui Esteves (CCAÇ 3327) e a sua equipa (José da Câmara)
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
Guiné 63/74 - P12160: Tabanca Grande (409): Joaquim José Nogueira Alves, ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4514/72 (Cadique e Contuboel, 1974)
Camaradas:
Desde que tomei conhecimento do vosso Blogue, senti uma saudosa nostalgia do pouco tempo (para mim foi uma eternidade! ) que estive na Guiné. "Um dia vou-me associar" - pensava, mas... "Um dia,..." até hoje!
Não tanto pela "guerra" em si, mas pelas memórias dos sentidos que permaneceram ao longo deste tempo todo passado!... Não foi um tempo fácil mas não tão difícil como para os camaradas que lá estiveram mais tempo que eu. Recorde-se que fui em rendição individual, em 16 de Março de 1974, e, por isso, "beneficiei" do regresso da minha Companhia à metrópole, no dia 8 de Setembro do mesmo ano, com pouco tempo de estadia na "GUERRA".
Agora, embora lamentando o que aconteceu aos alferes que me antecederam no comando do 4.º Pelotão da 1.ª Companhia do BCAÇ 4514/72, recordo os tempos difíceis de viver na frente de uma guerra...
De tudo, o bom e o mau, quero aqui deixar uma palavra de agradecimento aos meus dois FURRIÉIS (escrevo c/ letra grande porque assim os devo classificar) que me ajudaram, imenso, a comandar um Pelotão Valoroso que, mercê das circunstâncias que os mesmos sabem e não cabe aqui referir, considero formado por HOMENS com um verdadeiro sentido de responsabilidade, entreajuda, camaradagem e... todos os predicados que se lhes possam, adequadamente, adjectivar.
Não posso deixar de, aqui, lembrar a AMIZADE dos restantes Alferes da Companhia, mais "velhos" do que eu e que, desde o primeiro dia, me acarinharam, ensinaram, e nos últimos tempos, me deram as "baldas" como Alferes novato.
Recordo os petiscos, as "bazucas", os convívios até altas horas e muitas, muitas coboiadas!
A memória não dá para mais e os nomes escapam-se-me, com pena minha. Retenho alguns: Alferes "Tony", Santos (com quem me cruzei, fugazmente, já na vida social no Porto), Policarpo e Ferreira. Havia um que, suponho, pertencia à Engenharia e era o "Fotógrafo de Serviço" de excelente qualidade, por sinal.
Para terminar, não poderia deixar de falar na tripla, única, de enfermeiros que, com o seu humor, até faziam sorrir os doentes, dos quais apenas me recordo dum nome : O Cunha, com o qual tive alguns encontros de fugida e que morava no Porto.
A todos eles, e ao amigo Comandante da Companhia Capitão Miliciano Antunes, o meu reconhecido agradecimento de terem feito o favor de terem sido meus amigos.
Um abraço.
Joaquim José Nogueira Alves
Alferes Miliciano Atirador
1.ª Companhia do BCAÇ 4514/72
P.S.:- Como depois de regressar da vida militar, fiz uma vida de "saltibanco" , as poucas fotografias referentes à minha estada na Guiné, foram ficando pelo caminho e, as que ainda escaparam, encontram-se em muito mau estado.
2. Comentário de CV:
Caro camarada Joaquim Nogueira Alves,
Bem aparecido no nosso Blogue.
Como te disse na nossa troca de mensagens, foste um sortudo em ires em rendição individual para o BCAÇ 4514/72 quando a guerra estava mesmo a terminar.
Como não adivinhavas o desfecho tão breve, foste como qualquer um de nós com a ideia de cumprir minimamente o que nos era pedido, mas com o objectivo principal de voltar vivo. Felizmente que aconteceu o 25 de Abril para terminar com aquela maldita guerra, que na Guiné, principalmente, estava muito complicada.
Dizes que algumas das tuas fotos se perderam e as que tens estarão em mau estado. O que não se estragou ou perdeu, foram as tuas memórias pelo que as poderás enviar por escrito.
Apesar de tudo viveste aqueles tempos incertos depois de decretado o fim da guerra e o antes da independência, tempos esses complicados, achamos nós os que lá estivemos antes.
Poderás confirmar se as cadeias de comando se mantinham operacionais e se a disciplina foi, ou não, mais difícil de manter.
Por outro lado, as relações com o PAIGC nem sempre seria isentas de alguma tensão porque eles nos veriam, cada vez mais, como intrusos e nós nos sentiríamos a mais naquele território destinado à independência.
É disto que nos podes falar, até porque, sendo oficial, terias acesso a determinadas informações não do conhecimento mais geral.
Partindo do princípio que vais aceitar o nosso desafio, ficamos na expectativa da tua colaboração.
Resta-me deixar-te o habitual abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.
Ao teu dispor
O camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor
Último poste da série de 19 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11957: Tabanca Grande (408): Francisco Maria Magalhães Baptista, ex-Alf Mil Inf.ª da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)
sexta-feira, 18 de maio de 2018
Guiné 61/74 - P18646 Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXII: As minhas estadias por Bissau (v): março de 1968
Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já mais de meia centena de referências no nosso blogue.
Recorde-se que o Virgílio Teixeira, de acordo com o seu CV militar (corrigido e atualizado...):
(i) assentou praça, em Mafra, na Escola Prática de Infantaria (EPI), em 3 de janeiro de 1967, ainda antes de completar os 24 anos de idade; jurou bandeira em finais de março;
(ii) como habilitações literárias, tinha já os dois primeiros anos da Faculdade de Economia do Porto (, licenciatura que completou depois da tropa);
(iii) foi enviado para a EPAM [Escola Prática de Administração Militar], em Lisboa, no Lumiar; acabou em junho a especialidade de SAM ], Serviço de Administração Militar]; promovido a aspirante, tinha uns dias de estágio, que acabou por não fazer por ter ido para o HMP, na Estrela, fazer Fisioterapia por cauda de acidente em fevereiro desse ano;
(iv) é mandado para o BC 10 em Chaves, onde deveria também fazer um estágio no CA, em julho, ("mas não fiz, pois não havia lá ninguém para me orientar; desenfio-me então porque não estava lá a fazer nada");
(vii) não tendo sido um "operacional" propriamente dito, por isso, "contar muita coisa sobre operações em concreto, embora tivesse feito muitas colunas militares de reabastecimentos, quer por rio ou por estrada" [, a Madina do Boé, por exemplo], além de muitas patrulhas à volta dos aquartelamentos, e vivendo muitas vezes os bombardeamentos contínuos às posições [das NT]"
(viii) faz questão também de declarar que dá "um valor enorme ao sacrifício das nossas tropas": "conheço, por aquilo que leio agora, o que se passou e nós não sabíamos quase nada. Passaram mais de 40 anos até se perceber o que foi aquela guerra";
(ix) "esta reportagem - Bissau, parte I - pretende focar apenas a cidade e arredores de Bissau, as suas várias escapadelas, outras deslocações em serviço, as vivências e acima de tudo as loucuras da juventude, por esta cidade-capital, que, apesar de tudo, ficou marcada para o resto da vida";
(xi) a esta parte o autor chama-lhe “As minhas Estadias por Bissau” ; deixa, para futura reportagem , o tema "Bissau – Parte II"; e aí sim, vai dar-lhe um nome sonante: “As minhas férias na Guiné”... que engloba tudo, Bissau, Nova Lamego e São Domingos, incluindo os aquartelamentos de Cacheu, Susana e as praias de Varela.
Guiné 1967/69 - Álbum de Temas: T031 – Bissau - Parte 1 > (v) Março de 1968 > Legendagem (*)
Da esquerda para a direita, está o soldado condutor Espadana, que servia à mesa na messe de oficiais do nosso batalhão, outra pessoa que não me lembro quem é, a seguir o alferes Policarpo, (artolas, era o nome de guerra dele, depois juntando, o Verde, o Cachadinha e eu, formávamos aquilo a que passou a denominar-se ‘o pelotão dos artolas’ e partilhávamos a mesma tenda nas semanas de campo, em Mafra e na Carregueira). Ele fez a recruta em Mafra e especialidade na EPAM juntamente comigo e depois encontramo-nos em Bissau. Era do Porto, o pai tinha um restaurante na Rua da Madeira, ao lado da Estação de São Bento. Bissau, 25Mar68.
Nota do editor:
Último poste da série > 14 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18633 Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXI: As minhas estadias por Bissau (iv): janeiro-fevereiro de 1968
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
Guiné 63/74 - P10462: Notas de leitura (413): "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", por René Pélissier (2) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Continuamos à volta da história da Guiné, de René Pélissier, seguramente uma das obras incontornáveis para o estudo da Guiné entre 1841 e 1936.
Importa esclarecer que há muitíssimo pouco acerca do período pré-colonial (a grande exceção é a tese de doutoramento de Carlos Lopes intitulada “Kaabunké, Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance pré-coloniais”, de que falaremos oportunamente), segue-se a história da Guiné de João Barreto (muito ultrapassada), a história da Guiné portuguesa de Teixeira da Mota (obra fundamental), temos depois René Pélissier e haverá que ter em conta os trabalhos de António Duarte Silva e a guerra da Guiné propriamente dita em que o livro do coronel Fernando Policarpo é indispensável.
Um abraço do
Mário
A história da Guiné por René Pélissier (2)
Beja Santos
René Pélissier é seguramente, tal como Teixeira da Mota, a referência obrigatória para o estudo da história da Guiné, no período colonial. É patente que o século XIX foi de grande turbulência: ficou esclarecida a dimensão do território, confinado a uma fração do que fora a Guiné de Cabo Verde dos séculos XVI-XVII, que começava na foz do Senegal e ia até à Serra Leoa; na primeira metade do século, portugueses e lusitanizados vivem junto aos rios, em tensões com as populações nativas e a presença de outros concorrentes estrangeiros; a perda do tráfico negreiro irá alterar a atividade comercial; todo o trabalho de interiorização irá custar sucessivas campanhas que se prolongarão até 1936. Como é óbvio, ainda há outros factos a anotar, como é o caso da separação completa da Guiné de Cabo Verde, a despeito de metade dos funcionários administrativos serem provenientes do arquipélago.
As insurreições à volta de Bissau são uma constante, ainda na primeira metade do século XIX; mas também em Cacheu e mais esporadicamente no Geba. O autor documenta rigorosamente todos estes conflitos, hostilidades e insubordinações, deixa bem claro como é frágil e poroso o domínio territorial. Por vezes, os contingentes militares têm que pedir auxílio às forças estrangeiras.
“À imagem das suas superfícies contraditórias e imaginárias, a Guiné de Cabo Verde, antes de 1879, é o império das incertezas. Incertezas não só na sua extensão, mas na sua própria existência. Como, efetivamente, conservar feitorias que se esboroam e cuja vida económica está dependente, exclusivamente do estrangeiro, a sobrevivência política dos socorros pedidos ao exterior e a identidade de uma crioulização de geometria variável?”. A tão inquietante pergunta procura responder o historiador. Queixa-se da falta de documentação, mas é possível identificar os vários nomes de maior influência história: Caetano José Nosolini e Honório Pereira Barreto, não se poderá entender a diplomacia a apagar fogos juntos dos grumetes de Bissau e de Farim, a travar as perturbações no Geba, nos conflitos internacionais que vão envolver Bolama e a região do Casamansa, a intervenção francesa em Bissau, o florescimento do amendoim no rio Grande de Buba, sem a atividade destes dois proprietários, que muito provavelmente tiveram comércio negreiro. A segunda metade do século XIX, eles vão estar presentes no combate às perturbações, de Norte a Sul da colónia, e fazendo frente à avidez de franceses e britânicos. Até agora acantonados à volta de Bissau, Cacheu e Geba, os portugueses lançam-se no Geba e hasteiam bandeira em Bambadinca, Fá e Ganjarra, isto a um tempo em que os Papéis se vão sublevar no Norte e que surge outro fenómeno inquietante que as autoridades portuguesas não têm capacidade para controlar, as invasões Fulas no Gabu (a grande batalha de Kansala ou Cam-sala terá ocorrido em 1864 e representa a perda de poder dos Mandingas a favor dos Fulas.
Entrou-se assim num período de ameaças estrangeiras, da exploração económica do Rio Grande de Buba (comércio do amendoim), de expedições contra os Papéis do Norte e de uma clarificação dos estabelecimentos portugueses. Em 30 de Dezembro de 1878 ocorre o desastre de Bolor, uma significativa derrota do exército na Guiné e em que os vencedores são os Felupes de Jufunco. Em 18 de Março de 1879 o distrito da Guiné será desafetado da província de Cabo Verde. Dali em diante, a Guiné torna-se numa verdadeira província com um governador totalmente independente do governador-geral na Praia. A lição tirada do desastre de Bolor é de que as autoridades têm mesmo de avançar e ocupar território. O autor recorda que em 468 meses (1845-1878) o Exército e a Marinha portugueses combateram pelo menos 9 vezes, não tendo aí resultado o domínio do território. Se até agora o importante era manter a alfândega, a ideia de ocupação é um princípio vital, segue-se um período em que a Guiné está permanentemente em armas. Já não chega as concentrações comerciais em Ziguinchor, Cacheu, Farim, Bissau, Geba e Bolama, a fronteira francesa parece querer asfixiar tudo. Enviam-se destacamentos para os Bijagós, para o Rio Grande de Buba, para o Geba e mais acima, no Casamansa. A despeito desta ofensiva, da procura de ganhar posições no Sul da Guiné, haverá uma vitória dos Beafadas contra os portugueses em Jabadá, os incidentes franco-portugueses no Casamansa será uma constante e é neste período que ganha notoriedade o alferes Marques Geraldes, um militar que terá sido o primeiro a percorrer a Guiné desde o centro até ao Casamansa, praticamente sozinho, o que lhe granjeará um enorme prestígio. Ao tempo surge um problema inesperado na fronteira do antigo Gabu, ocupado pelos Fulas-Pretos. Um insurgente, Mussa Molo, começa a praticar razias junto dos Beafadas, toda a região do Geba vai entrar em convulsão. É por esta época também que a região do Cuor passa a ter importância dado que aqui se assegura ou se corta o trânsito com Bissau.
E ao tempo em que se celebra a Convenção Luso-Francesa de delimitação de fronteiras (Maio de 1886) que as forças militares espadeiram em todo o território: no Rio Grande de Buba, no Cubisseque, junto ao Casamansa, no Mansomine. Portugal terá cedido à França o Casamansa para obter apoio ao projeto da imensa faixa inter-oceânica entre Angola e Moçambique. Como observa Pélissier, em troca daquilo que nada lhe custa (a concessão a Portugal da sua liberdade de ação na África centro-austral), a França vai engolir as duas margens do Casamansa e levar as suas posições até à proximidade do rio Cacine. Concretamente, a Guiné portuguesa perdeu profundidade continental. Após um período de vitórias, a que se pode associar o nome de Marques Geraldes, entra-se numa fase que Pélissier classifica de anos medíocres, a Guiné é no essencial uma colónia fluvial.
Começa um novo período, que se estenderá até 1908, prosseguem as campanhas, na maioria dos casos bastante tímidas, deu-se a liberalização alfandegária, previram-se grandes sociedades interessadas em explorar a Guiné, falou-se em capitalistas franceses (caso do conde de Butler) e de um consócio ítalo-português, envolvendo o marquês de Liveri de Valdausa e António da Silva Gouveia, facto é que se irá criar a Companhia de Comércio e Exploração da Guiné, a Casa Gouveia que só se extinguirá em 1974.
Prosseguem à guerras à volta de Bissau, os papéis estão mais renhidos do que nunca, e Mussa Molo continua a ser uma dor de cabeça sobretudo no Gabu e em Pachisse. Em 1895 consegue-se obter uma posição no Forria. Dá-se uma inversão da preponderância dos franceses no negócio do amendoim, os alemães continuam muito ativos. O imposto de palhota continua a ser praticado em Farim. Aos poucos, sente-se que as populações nativas estão cansadas de se revoltar contra os portugueses mas é exatamente neste período que começam as guerras luso-mandingas, que se estendem de Farim, passando pelo Oio, até ao Geba. A Pax Lusitana, a despeito de um estado latente de insubmissões e guerras de fisco, é quase uma realidade.
(Continua)
Nota de CV:
Vd. poste de 28 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10447: Notas de leitura (412): "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", por René Pélissier (1) (Mário Beja Santos)
quinta-feira, 24 de março de 2016
Guiné 63/74 - P15897: In Memoriam (249): "No Dia da Minha Morte"... A história de amor que o António da Silva Batista (1950-2016) gostaria que eu vos contasse no dia da sua morte... (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos)
Recorte de jornal: O Comércio do Porto, 18 de setembro de 1974. Gentileza do Mário Miguéis (que nos mandou, em 22/4/2009, o recorte completo com a reportagem). Este prestigiado jornal diário do Porto deixou de se publicar. Na foto acima, o "morto-vivo" António da Silva Batitsa (1950-2016), na sua terra, Maia, prestando declarações ao repórter. O texto da reportagem é de Helena Policarpo, e as fotos de Amadeu Botelho. A nossa gratidão a todos. Este também é um pedacinho da nossa história.
1. Mensagem do José Teixeira, um dos régulo da Tabanca de Matosinhos que tanto acarinhou o António da Silva Batista, no dia da sua morte "verdadeira (já que ele "morreu duas vezes"):
Texto com memórias que recolhi ontem, no velório do corpo do nosso infortunado camarada Batista, com valor histórico e afetivo, não lhe dei título e não sei se deva ser publicado, dado o seu conteúdo, mas vocês, editores, se entenderem que pode ser, tudo bem!... Acho que o Batista iria gostar de "relembrar" esta história ou gostaria de a ouvir no dia da sua morte, contada por um amigo e camarada da Guiné... É uma bela história de amor que merece ser partilhada com os demais amigos e camaradas da Guiné, onde o Batista morreu uma vez e nasceu outra vez para a vida. (JT):
- Sou eu! Não se assuste! Sou eu mesmo!
António da Silva Batista, sold at inf, foto da caderneta militar |
Foi assim que o António Batista se dirigiu à Camilinha, uma amiga da namorada que ele tinha deixado na Metrópole, mais propriamente em Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, quando embarcou para a Guiné.
- Ó rapaz, não podes ser tu! Eu fui ao teu funeral! - respondeu-lhe a Camilinha, com o coração aos saltos.
- Sou eu mesmo e quero pedir-lhe um favor...
...
- Ele teve um “funeral” como nunca houvera em Crestins, Maia, ai se teve! - disse-me a Camilinha.
Toda a freguesia saiu para o acompanhar ao Cemitério de Moreira da Maia e fizeram-lhe uma campa bem linda. A mãe, coitadinha, não falhou nem um dia na sua visita à campa do filho, até ao dia em que ele lhe apareceu em casa.
- Era uma dor, ver a pobre mulher, magrinha, ela foi sempre muito magrinha, descalça, a fazer aquele caminho e olhe que ainda é longe! - disse um velhinho, que estava ao lado, velho amigo da família do António Batista.
- Pois ele chegou ao pé e a mim assim de surpresa e disse-me:
- "Camilinha! Vim falar consigo, porque sei que você é muito amiga da Lola e eu sei que ela gosta muito de si. Queria pedir-lhe para ir lá dentro e peça-lhe para ela vir consigo cá fora, mas não diga que sou eu que estou aqui".
Ele já devia saber que a Lola lhe guardou respeito enquanto ele esteve na Guiné, foi ao dito funeral quando foi dado como morto e entregaram o corpo à família, em julho de 1972. Depois de fazer o luto que ele lhe mereceu, partiu para outra. À data do seu regresso, em setembro de 1974, a Lola namorava para outro rapaz e estava em vias de casamento.
E continuou a Camilinha:
- Como ele me pediu, fui junto da Lola que estava sentada fora da porta ao sol, descalça, a conversar com umas amigas - era uma tarde de Setembro e estava um lindo dia de sol - e disse à Lola:
- "Anda comigo que está ali uma pessoa que quer falar contigo".
Ela calçou os chinelos e seguiu-me. Quando encarou com ele, ficou muda a olhar, a olhar, e passados uns segundos correram um para o outro e ficaram ali abraçados. Foi lindo vê-los abraçados, se foi!
E prosseguindo:
- Foi um dia muito lindo, sabe! Ela tinha outro namorado, mas desfez o namoro e voltou para o “morto vivo”. É por este nome que toda a gente o conhece.... Ó Lola, como se chamava o teu marido?... É que eu nunca sabia o nome dele - rematou a Camilinha -, sempre o conheci pelo “morto vivo”!...
- Chama-se António! António Batista!" - respondeu a Lola, ao meu lado.
A filha do António Batista ouvia em silêncio. As lágrimas teimavam em deslizar pela face, neste dia em que o António Batista faleceu de verdade, depois de um ano de intenso sofrimento.
José Teixeira
______________
Nota do editor:
Vd. os dois poste anteriores desta série >
24 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15896: In Memoriam (248): Morreu também, ontem, o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), natural da Régua... Foi companheiro de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé, do nosso António da Silva Batista (1950-2016)... Fugiu dos seus captores, em março de 1974, andou 9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... Teve uma vida de miséria, mas também conheceu a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem... É aqui evocado pelo José Manuel Lopes.
23 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15894: In Memoriam (247): António da Silva Batista (1950-2016)... A segunda morte (esta definitiva!) de um camarada a quem carinhosamente chamávamos o "morto-vivo do Quirafo". O funeral é amanhã, às 15h45, na igreja de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos
terça-feira, 3 de julho de 2018
Guiné 61/74 - P18806: Ser solidário (214): SOS!!!... SOS!!!... Por Timor Leste e pela língua portuguesa... Há um esforço (deliberado) da Austrália para fomentar o uso do inglês, e da Indonésia, para promover o bahasa... Camarada, manda até ao fim do dia um email ao Senhor Presidente da República para que envolva Portugal e os portugueses nesta campanha em defesa da educação, em português, na pátria de Xanana Gusmão e Ramos Horta... O verdadeiro "campeonato do mundo", não o da bola mas o do futuro, joga-se e ganha-se aqui... (João Crisóstomo, Nova Iorque)
Timor-Leste > Símbolos Nacionais > Bandeira: "A bandeira nacional é rectangular e formada por dois triângulos isósceles de bases sobrepostas, sendo um triângulo preto com altura igual a um terço do comprimento que se sobrepõe ao amarelo, cuja altura é metade do comprimento da bandeira. No centro do triângulo de cor preta fica colocada uma estrela branca de cinco pontas, que simboliza a luz que guia. A estrela branca apresenta uma das pontas viradas para a extremidade superior esquerda da bandeira. A parte restante da bandeira tem a cor vermelha. Amarelo - os rastos do colonialismo; Preto - o obscurantismo que é preciso vencer; Vermelho - a luta pela libertação nacional; Branco - a paz. Iin "Constituição da República Democrática de Timor-Leste", Parte 1, Artigo 15º".
(Fonte: Portal do Governo de Timor-Leste, que é em Tetum, em Português e em Inglês)
João Crisóstomo |
Data: 3 de julho de 2018 às 13:02
Assunto: SOS! SOS!
SOS...SOS....
Para quem vacila, eu quero responder a uma pergunta que me puseram sobre o porquê da minha campanha por Timor Leste (*) quando outras nações da CPLP também precisam de ajuda.
Evidentemente que causei um "alvoroço tremendo " que não dá para descrever aqui. Mas se alguém ainda vacila, na nossa campanha (*), pensem no que vai suceder se cruzarmos os braços.
(...) Mensagem por email a enviar à Presidência da República (até ao fim do dia 3 de julho de 2018)
(...) Endereço de email: belem@presidencia.pt
Exmo Senhor Presidente Marcelo Rebelo de Sousa,
Senhor Presidente,
A situação da educação em Timor Leste, especialmente para todos os que seguimos e partilhamos os anseios deste país, é de muita preocupação. É com muita confiança e esperança que viemos pedir o favor da sua ajuda para o que segue:
Uma vez que a promoção da Língua Portuguesa é um dos objectivos para que a CPLP foi criada e dada a necessidade e urgência dum esforço extraordinário no ensino da língua portuguesa no jovem país de Timor Leste, venho pedir ao Senhor Presidente o seguinte: que instrua os seus assistentes para prepararem uma proposta a ser apresentada na próxima reunião cimeira da CPLP em Julho próximo em Cabo Verde, visando a implementação dum plano extraordinário para os próximos dez anos no campo da educação em Timor Leste.
O fim deste é de que no 25.º aniversário deste país (em 2027) o acesso à educação esteja já ao alcance de toda a juventude e o uso da língua portuguesa seja mais generalizado, no seguimento da premissa de que a língua portuguesa e a religião católica foram os grandes pilares na luta pela reaquisição da Independência de Timor Leste.
Portugueses, e todos para quem Timor Leste e a língua portuguesa estão no coração – e porque sabemos que podemos contar com a sua ajuda –, estamos desde já antecipadamente muito gratos.
Com muita confiança aceite, Senhor Presidente, os meus respeitosos cumprimentos.
Local, Data, Nome (e mais algum dado, se achar bem incluir como ID: Nº de BI, Cidadão, Passaporte, Profissão... )
domingo, 4 de outubro de 2009
Guiné 63/74 - P5050: Efemérides (27): Declaração da Independência em 24 de Setembro decorreu não em Madina do Boé mas Lugajole (Patrício Ribeiro)
(*) Vd. também postes de:
18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3911: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (1): Em 1995, confirmaram-me que o local da cerimónia foi mais a sul (Miguel Pessoa)
terça-feira, 8 de setembro de 2009
Guiné 63/74 - P4918: Os nossos médicos (4): Um grande amigo, o Dr. Fernando Enriques de Lemos (Mário Fitas, ex-Fur Mil, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)
(i) Já agora uma pequena achega a este tema (*):
A CCAÇ 763, em quadrícula em Cufar, teve sempre médico.
O primeiro pertencente ao batalhão que estava em Tite e que de momento não recordo o número... Esteve em diligência em Cufar vários meses, tendo regressado a Tite em 13 de Janeiro de 1966.
Tratava-se do tenente miliciano médico Fernando Enriques de Lemos, obstetra de Coimbra, foi substituído pelo tenente miliciano médico Humberto Jorge Oliveira.
Quando da pesquisa do pessoal da CCAÇ 763 tive a triste notícia que os dois já tinham falecido.
Com o Dr. Lemos tive uma grande amizade por fazermos "parelha" no combate ao "mossssquito", como ele dizia (falava "sopinha de massa").
Pois o receituário pelo menos para nós os dois em vez da Resoquina (**)eram uns "copinhos" de Dimple [, uísque velho]. Dizia ele:
- Quando pica, morre alcoolizado!
Mas já agora aproveito para contar um acontecimento com o nosso querido Pastilhas, o Furriel miliciano enfermeiro Juvenal Rodrigues, Madeirense e grande amigo.
Veio ao aquartelamento de Cufar um nativo, informando que na tabanca de Iusse estava uma mulher em trabalho de parto, mas que não conseguia ter o bébé. Como a minha secção estava de piquete, aí vamos nós com o amigo Juvenal armado em parteiro.
Foi-nos indicada a morança, e o Juvenal entrou para entrar em acção. Só que passado dois minutos o bom do Juvenal sai e diz-me:
- É pá, vai lá tu que eu disto não percebo nada! Só se vê a ponta da cabeça, e a mulher não tem forças!
Foi de rir! Então ele não percebia nada e eu é que sabia do assunto? Passam uns segundos e eu tive uma ideia louca e disse ao Juvenal:
- É pá, vai lá e dá-lhe um injecção de Coramina a ver o que dá! Mal por mal, tenta!
Assim foi, o Juvenal entrou e tufa, uma injecção de Coramina (PNome registrado da piridina B-carboxildietilamina, que se usa como estimulante cardíaco (***) na mulher. Veio para fora, fumámos um cigarro, passado um quarto de hora mais ou menos, estava cá fora um latagão de um puto. As mulheres resolveram o resto.
Tive das boas com o Juvenal. Infelizmente também já partiu, sem chegar a SEXA.
Que Deus os tenha a todos em bom lugar.
Mário Fitas
(ii) Para além dos médicos que passaram por Cufar e do Furriel Miliciano Enfermeiro Juvenal Rodrigues...
Só para dar uma achega a este tema, informo que o Juvenal ou antes a CCAÇ tinha uma equipa de enfermagem maravilhosa, felizmente nenhum foi ferido, mas até a nível de secção, sempre um elemento da equipa de enfermagem nos acompanhava.
Se me é permitido aqui fica o meu reconhecimento aos [três] cabos auxiliares de enfermeiro dos Lassas: Alberto Torres, Policarpo Sousa Santos e Manuel Pacheco.
Mário Fitas
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Notas de L.G.:
(*) Vd. último poste da série Os Nossos Médicos:
6 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4910: Os Nossos Médicos (3): Os especialistas eram poucos, e não gostavam de ir para... o mato (Armandino Alves, CCAÇ 1589, 1966/68)
(**) Resochina, marca registada (lê-se Resoquina)... Nome comercial do antimalárico Cloroquina . Era tomado em comprimidos, diariamente, mas estava longe de ser tão eficaz, como prolifáctico, como é hoje a Mefloquina.... Sobre esta doença e outras mazelas que nos atormentavam a vida e nos deram cabo da saúde, vd. poste de:
29 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4880: História da CCAÇ 2679 (24): Emboscada na estrada Pirada-Bajocunda e mazelas (José Manuel M. Dinis)
(***) Coramina: Nome registado da Piridina B-Carboxildietilamina, que se usa como estimulante cardíaco (Dicionário Web)
sábado, 27 de fevereiro de 2021
Guiné 61/74 - P21953: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte III: Depois de Chaves, Estremoz, RC 3, onde fomos formar companhia...
Estremoz > Pousada da Rainha Santa Isabel > 2016 > Foram uns belos dias passados na magnífica Pousada da Rainha Santa Isabel – com a Isabel (minha esposa) a sair para mais uma incursão pela linda cidade. A não perder um jantar no restaurante, a 10 metros da Pousada, “A Cadeia”.
Estremoz > Tasquinha Zé d'Alter > 2016 > O homem de pé junto à porta, na fotografia, é o atual proprietário, que em conversa comigo se comoveu ao reviver as noites de fado no tempo do Zé D’Alter.
Estremoz > Tasquinha Zé d'Alter > 2016 > Na entrada da taberna existe uma grande fotografia artística do Zé. Para se poder ver a figura majestosa do Zé , fixar a visão durante uns segundos no quadro preto. Bela homenagem do atual proprietário. ex-empregado do Zé.
Olá, Luís: Envio em, anexo, mais um poste, hoje sobre a minha passagem pela região alentejana que me enche a alma, Estremoz, onde formamos a companhia CCAV 8351, juntamente com a CCAV 8350 de Guileje .
Um grande Abraço, e muita saúde, para ti e para todos os bloguistas. Joquim C.
De Tavira para Chaves, de Chaves para Estremoz, feito bola de pingue pongue, mas reconfortado das pequenas férias passadas na bela cidade transmontana, lá abalo eu, agora para o Alentejo.
A guia de marcha para Estremoz vinha acompanhada com a informação da minha mobilização para a Guiné. Não me afetou muito esta notícia uma vez que tinha já interiorizado que seria o meu destino, naquela postura de: se esperares o pior, pior nunca terás.
A minha primeira ação em Estremoz foi um pequeno almoço (mata bicho) na esplanada do café Águias d’Ouro (1). Fiquei logo maravilhado com a traça do café e em particular do edifício, ainda hoje, uma referência arquitetónica da cidade.
Entro no café para pagar e apreciar o seu interior enquanto reparo, sentados em duas mesas, num grupo de jovens com um semblante de quem espera a partida para o degredo. Com medo do contágio fugi e deparo-me com uma visão idílica de um garboso oficial a passear montado num belo cavalo.
Mais tarde confirmei que os rapazes de semblante carregado eram graduadas de uma das 3 companhias em formação neste quartel. O garboso oficial era um prestigiado militar muito conhecido na cidade.
O Transmontano de Vila Real (hoje rendido ao Alentejo), de bigode do mesmo, com quem fui desenvolvendo uma boa amizade, ao ponto de o ter auxiliado; de forma graciosa, durante todo o tempo de Guiné, no consumo do seu tabaco (hábito que ainda permanece nos encontros anuais da companhia). Rapaz fiável, grande observador, sereno e prudentemente desconfiado, como bom transmontano...
O Beirão, “Alcaide de Almeida”, rijo como o granito (mas não pequeno), como diz a canção popular da Beira. Beirão, mas com alma de alentejano dada a sua calma perante qualquer situação. Pró ativo, sempre com a preocupação de se antecipar aos acontecimentos, mas... “de gancho” (como se diz na minha terra), difícil de torcer e convencer (...mais fácil de vencer nos jogos de tabuleiro!), como bom Beirão...
Os dois meninos (quase) da Foz. Os últimos “fidalgos” do Porto, com tertúlias sempre marcadas no Orfeu (café na Boavista, Porto). Aperfeiçoaram o seu Inglès no “engate” de Inglesas no Parque de Campismo da Prelada. Mais o da Rua Senhora do Porto (lindo nome para uma rua!) que , aliás, demonstrou a mesma perícia (no engate das inglesas) no levantamento de minas no Cumbijã.
O Menino da linha (sulista mas não elitista!...). Sempre despreocupado, otimista, positivo, especialista em gerir a fortuna das tias (palavras suas), fã de revistas inglesas (Penthouse), com artigos de fundo e conteúdos densos e que fazia questão de as emprestar a toda a gente, antes de serem religiosamente arquivadas nos aposentos do capitão. Com ele e com o um dos meninos da Foz (a quem devo, para além da amizade, a sua indignação quando todos calaram… ) formamos uma equipa perfeita no comando do 1º pelotão.
O Homem do Barreiro. O político denso, o verdadeiro homem do “reviralho”, foi responsável pelo despertar da consciência política de muitos de nós. Das muitas discussões acaloradas com ele, uma vez, furioso (sendo ele um homem “desarmantemente” calmo), atira-me à cara: não passas de um social democrata (convenhamos que nada mau para a época).
O Nosso “Alfero” de Gaia, o seu nome define a sua pessoa. Humanamente o melhor de nós todos. Após o grato prazer de o conhecer comentei com alguns amigos: este rapaz nunca disparará um tiro em combate, nem em situação de autodefesa. Infelizmente foi dos primeiro a sentir, na pele, as consequências da guerra e a sua brutalidade. Felizmente tudo ficou bem com ele.
O Nosso “Alfero” das terras do Lis... Durante algum tempo, ainda em Estremoz, pertenceu ao meu pelotão. Não nos acompanhou para a Guiné, contudo, do pouco tempo de contacto com ele foi evidente o seu humanismo e grande preocupação com o bem estar dos soldados.
O Homem de Castelo de Bode do 4.º pelotão, calmo, reservado, algo desconfiado, mas bom companheiro não obstante uma relação algo distante.
Dois outros companheiros que tive o grato prazer de conhecer, um muito truculento, destemido nas palavras mas que manifestava um “nervosismo” atroz quando em situação de saída para o mato. Completamente descontextualizado, aproveitou a ida de férias a Portugal e não voltou!...
O outro camarada, uma bom moço, que nunca se adaptou e aceitou a vida militar, foi-se “arrastando”, sempre com a cabeça longe dali, até ir de férias de onde também não regressou!... Desenvolvi com ele uma boa amizade, facilitada pelo facto de ele ter frequentado o Colégio Interno das Caldinhas (Instituto Nun’Alvares), em Santo Tirso, falando sobre uma região que os dois conhecíamos.
Este Colégio Interno, de referencia no período do Estado Novo (ainda hoje uma excelente escola), recebeu muitos alunos que acabaram por ocupar, no país, posições de relevo em diferentes áreas (empresarial, política, artes, etc.,) do qual destaco – Pinto da Costa.
O “Alfero” Algarvio(iu), pescador de águas profundas, amigo de conversa fácil, sempre com uma solução infalível para tudo, consubstanciadas, segundo ele, em algo já testado mas de difícil compreensão para o comum do cidadão. Comportamento comum a qualquer algarvio(iu) de gema.
Creio que de todos nós foi o único que não se deixou afetar pela “bagunça” organizada do destacamento, mantendo-se fiel e dando corpo, no bom sentido da palavra, ao papel de militar asseado e disciplinado.
Seguimos os dois, depois de regressados da Guiné, os caminhos do ensino e da gestão escolar. Como homem de fé, continuo, (sentado e já dormitando), à espera da sardinhada prometida no nosso reencontro em Portimão enquanto aí passei férias durante mais de vinte anos.
Entretanto foram chegando os ditos especialistas:
O Alfacinha... de primeira (Para mim, para lá do Mondego são todos alfacinhas) - O homem que tratava da nossa saúde, física e mental. Um homem talhado para a solução e nunca para o problema. Um privilégio ter um amigo assim. Espero que, passados todos estes anos, me tenha desculpado daquele incidente em Veneza (2)
O outro alfacinha era o homem que (DES)tratava o nosso estômago. Gingão, “malandreco”, bem humorado, sempre de resposta pronta, ou seja: o verdadeiro vagomestre.
Não esqueço o dia em que, ao refilarmos grosso com ele atirando-lhe à cara que nos estava a matar à fome, organizou uma ceia, com todos os refilões, com produtos que ainda hoje não sei onde os foi desencantar…
O Homem do fato macaco e também alfacinha: Castiço, com gestos peculiares e muito sugestivos, com um “linguajar” ao nível do trabalhar dos motores dos seus unimogues e berliets... aos soluços.
O homem do “Búnquer”, de Aveiro: A maior parte do tempo metido no seu Búnquer das comunicações. Distante, pouco falador, controverso, mas com quem mantive uma boa amizade.
O “Homem Grande” da Figueira da Foz (Buarcos): O Abraracourcix (4) da “Aldeia” do Cumbijã - O mais especial de todos !
Benfiquista e/ou antiportista é suposto que ainda guarde no cofre da sua casa de Buarcos as revistas da “penthouse” do Martins e, como bom benfiquista, é muito provável que junte a este espólio meia dúzia de livros, “best-seller” da literatura de “bordel” portuguesa, escrito pelas mãos da Senhora Comendadora Leonor Pinhão e pelos pés da D. Carolina Salgado (Eu, Carolina). Para ser candidato a um convite para o camarote presidencial do Estádio da Luz não resistirá a juntar a este riquíssimo espólio meia dúzia de cópias do filme português (de mais um comendador: João Botelho), o mais visto nas salas de cinema português nos últimos 100 anos [?], sobre a “ a máfia do norte” (Corrupção), que conta a vida do seu putativo “padrinho”, o homem (tal como o eterno capitão: João Pinto) de uma só cor: azul...e branco
Para melhor conhecerem o Abraracourcix da “Aldeia” do Cumbijã, nada melhor do que lerem o capítulo destas minhas memórias: “o que outros disseram de nós” recolhido de vários postes do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Contudo, fica aqui o meu reconhecimento pela confiança que depositou em mim, não obstante embrulhada numa decisão injusta e comunicada de forma intempestiva. Jamais trocaria este gesto de confiança por onças de ouro ou galões.
Depois de uns dias de adaptação à nova realidade, coube-nos a nós receber os nossos soldados vindos de vários pontos do país (a maioria do Oeste), com alguns a entrarem em pânico (como aconteceu com a maioria de nós), quando eram informados que o nosso destino era a Guiné.
A instrução decorreu de forma serena e cúmplice, não obstante a canícula que se fez sentir naquele verão de 1972. Com o decorrer da instrução, e sabendo o que o futuro nos reservava, consolidou-se um grande espírito de grupo entre toda a companhia.
Foi aqui que me tornei um exímio jogador de lerpa (jogo de cartas a dinheiro) graças aos mestres do ofício - os velhinhos sargentos do quartel. No dia em que fazia serviço aos telheiros (instalações fora do quartel onde dormiam os soldados da companhia) era sempre uma noite sem ir à cama já que o casino se montava no final do jantar e fechava as portas já com os soldados formados em parada para regressarem ao quartel para mais um dia de instrução. Sempre que fazia serviço aos telheiros no dia seguinte seguia carta para casa a pedir mais uma mesada adiantada…
Aqueles sargentos eram tramados…
Na impossibilidade de uma referência pessoal (que todos mereciam), aqui ficam os nomes de todos estes valorosos militares e excelentes camaradas e amigos que fazem parte da lista dos convocados para os encontros anuais:
Alfredo Cardoso Alexandre
dos Santos Policarpo
Mateus Alves Alfredo
José Teixeira da Costa
Amadeu Santos Antunes Aníbal
Marques de Oliveira
António Batista Pinto Alberto
Nunes Costa
António José Faísca de Jesus António
Fernando Ferreira Oliveira
António Manuel Mota Vieira António
José Mendes Antunes
António Paulo Veríssimo António
Manuel Pereira Oleirinha
António Valente Marques António
Santos Grilo
Armando Bessa de Freitas António
Vieira Gouveia
Arsénio Pedrosa Marta Armando
Piedade da Silva
Alberto Tavares Augusto Coelho covas Abel Santos Ferreira
Augusto Mesquita Magalhães Aurélio de
Oliveira Machado
Avelino Inácio Pimenta Benjamim
Vieira Simões
Carlos Alberto da Conceição
Pereira Carlos
Alberto da Silva Machado
Carlos de Jesus Tomé Carlos
Pompeu Fonseca Góis
Casimiro Henriques Dias Diamantino
Almeida Gonçalve
Diamantino Augusto Afonso Diogo
Bernardino Martins Matos
Dionísio de Oliveira Rafael Eduardo
Alexandre Rosa Aleixo
Eduardo Ramos Vitorino Fernando
Machado Henriques
Fernando Manuel Antunes Fernando
Manuel Gaspar Lopes
Fernando Manuel Marques
Carrilho Mourato Fernando
Manuel Moreira Barbosa
Florindo Inácio Marques
Rosmaninho Florival
António Luz
Forivaldo dos Santos
Abundâncio Francisco
da Encarnação Calçada
Francisco Felismino Grácio Francisco
José Sanches Ferreira
Francisco Sobral Matias Francisco
Valério Cardoso
Franklim Rosário Fernandes Isidro
Lopes Correia
Jerónimo Oliveira Vaz Catarro João Carlos
Henriques de Almeida
João Jesus Sequeira João
Henriques Carrilho Gomes
João José Ribeiro Fernandes
Vilar João
Manuel Oliveira Querido
João Manuel Reis de Melo João
Mendes Corrente
Joaquim Bonifácio Brito Joaquim
da Silva Costa
Joaquim dos Santos Anastácio
Vieira Joaquim
Felismino Maximiano
Joaquim Gabriel Nunes Rabiço Joaquim
Lourenço Cavaco Pereira
Joaquim Martins de Oliveira Coelho Joaquim Ponte
Portilho
Aproveitando o descanso de um dia de instrução, reunimos um pequeno grupo de amigos e lá fomos à taberna do tão falado Zé D’Alter (3), para beber uns canecos e ouvir o afamado fado espontâneo. Entramos, e logo nos apercebemos que não estávamos a entrar em mais uma taberna mas sim numa casa onde estavam reunidos um grupo de amigos, tal a cumplicidade dos presentes: pessoal da terra e muitos militares.
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(1) Edifício construído entre 1908 e 1909, foi inaugurado como café a 4 de Abril de 1909. O seu proprietário inicial era Francisco Rosado, da firma Rosado & Carreço e o estabelecimento funcionava também como buffet e sala de bilhar. Entre 1937 e 1939 tiveram lugar algumas obras a cargo do arquitecto Jorge Santos Costa, cujas principais alterações foram a transformação de uma das portas exteriores numa montra-janela e a remodelação da fachada térrea, ao gosto modernista da altura. Em 1964, sob responsabilidade de José Manuel Pinheiro Rocha, transformou-se o primeiro piso em restaurante, destituindo o edifício de alguns elementos originais. Após um abaixo-assinado de moradores de Estremoz, é classificado como Imóvel de Interesse Público em 1997.
(2) O encontro improvável, em Veneza, de três “Morcões do Norte” e de um Alfacinha especialista em Matacanhas
No ano de 1977 (3 anos depois de regressar da Guiné), eu e mais dois companheiros, o Gil Marques, empresário da industria têxtil (irmão do Motar Paulo Marques, o primeiro português a vencer uma etapa do Paris Dacar) e o Miguel, professor de economia e contabilidade, decidimos, depois de mais uma noite de copos na tasca do Pega, hoje um restaurante com nome no “Evasões” e “Boa Cama Boa Mesa” (à nossa custa), decidimos aproveitar as férias numa viagem (de 31 dias) pela Europa, numa das nossas Dianes.
Um dia se decidiu e no outro abalamos, com partida junto ao nosso café das tertúlias e “jogatanas” de bilhar diárias, o “Pica Pau” com todos os presentes e amigos desejando boa viagem, na Diane do Gil.
Lá consegui meter num pequeno saco umas peças de roupa, um mapa e uma tenda que nunca havia montado. Decidida a primeira paragem em Madrid, como pessoa mais sensata do grupo [???], lá fui pensando em programar minimamente o itinerário de toda a viagem até à capital espanhola.
Já em França, a caminho de Nice, com um amortecedor a queixar-se do peso, surgem na estrada muitos jovens a pedir boleia (muito comum na época em Portugal e em toda a Europa). Eis quando aparece uma jovem no meio do caminho, quase nos obrigando a parar, com o Miguel aos gritos, pára, pára … mas o Gil não parou. Ficamos furiosos com ele, mas ele, com a sua calma, informa: não vamos passar o tempo nisto! Dois dias já passados com as lindas catalãs (professoras primárias a trabalhar em Barcelona) desrespeitando o programa minuciosamente elaborado pelo Costa, e para além do mais o amortecedor não ia aguentar. Òh Gil ! Aguenta, aguenta! Tanto insistimos que ele deu a volta passou novamente pelo local onde ainda se encontrava a miúda, deu nova volta e lá paramos para dar boleia à donzela. Enquanto o Miguel abria gentilmente a porta, surge detrás de um arbusto (estilo David Attenborougt) um rapaz com dois metros de altura, com a miúda sorrindo dizendo: não se importam de levar também o meu namorado? Empurrando-o para dentro do carro antes que dissesse-mos que não.
Durante a viagem o Gil, preocupado com o amortecedor, passou o tempo a chamar nomes ao gigante, que era Sueco, utilizando todo o vocabulário vernáculo do norte que tinha mais à mão, enquanto o rapaz olhava para ele, divertido, sempre com um sorriso nos lábios.
Este incidente foi motivo de conversa até Veneza, onde montamos (tentamos montar ), pela primeira vez a tenda num parque de campismo (até Veneza sempre dormimos ao relento apenas com o saco cama). Começamos a montar a tenda mas não atinávamos com a quantidade de ferros. Já desesperados, diz o Gil: não és tu engenheiro? Então trata tu disso que eu vou tomar banho. O Miguel aproveitou a deixa e fez o mesmo.
Ainda não refeitos da boleia dada ao gigante Sueco, durante o banho continuaram os insultos ao rapaz em voz alta que se se ouvia em todo o parque. Até eu, que também não atinava com a tenda (ou faltava ferros ou faltava pano), estava a ficar incomodado com os palavrões (afinal sou professor “carago”…).
Entretanto, sinto uma mão no meu ombro, viro-me, e vejo um homem lourinho, de olhos claros dizendo, em bom português: já uma pessoa não pode estar com a família sossegada no parque de campismo, sem estar sujeita a ouvir este chorrilho de palavrões. Este lourinho era o grande amigo Caetano o mesmo que me tirou uma matacanha do dedo grande do pé (com a sua faca do mato?) no Cumbijã (Guiné) de boas e más memórias.
(3) Taberna do Zé D’Alter - O homem de pé junto à porta, na fotografia, é o atual proprietário, que em conversa comigo se comoveu ao reviver as noites de fado no tempo do Zé D’Alter. Na altura era um jovem funcionário, de quem o Zé gostava muito e que, contra a sua vontade, o ajudava na taberna no período da noite já que adorava todo aquele ambiente.
Com a morte do Zé, acabou por ficar com o espaço no qual foi forçado a fazer obras. Contudo, guarda religiosamente parte do espólio da antiga casa que compreende fotos de dezenas de companhias crachás, bandeiras e muitas e comoventes dedicatórias ao amigo Zé D’Alter. Em sua homenagem, hoje, na entrada da taberna existe uma grande fotografia artística do ZÉ. [Vd. fotos acima.]
(4) Abraracourcix (Abraracourcix, no original francês, trocadilho com "à bras raccourcis", "de braços muito curtos" [?], ou "a toda força", ele é o chefe gaulês da pequena aldeia dos irredutíveis gauleses, como Astérix. Apesar de ser bastante respeitado pelos seus súbditos e bastante temido por seus inimigos, nem sempre consegue impor as suas ordens. Só tem medo de uma coisa: que o céu caia sobre sua cabeça, mas como ele próprio afirma, quem morre de véspera é peru.
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