sexta-feira, 25 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1785: Estórias de Mansambo I (Torcato Mendonça, CART 239) (4): Burontoni, mito ou realidade ?

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça junto ao velho obus 10.5, possivelmente de marca Krupp, uma temível arma que vinha da II Guerra Mundial... O obus é, por excelência, uma boca de fogo especializada em tiro curvo, de longo alcance... Ainda hoje tenho, nos meus ouvidos, o seu 'assobio' por cima das nossas cabeças, quando o Xime fazia fogo de apoio às NT, por ocasião de operações à Ponta do Inglês, ao Poidon/Ponta Varela, ao Baio/Buruntoni... O seu alcance era, porém, limitado: 10/12 km, no máximo, creio eu, com uma cadência de dois a quatro tiros por minuto, na melhor das hipóteses ... Não creio, por exemplo, que disparado do Xime conseguisse atingir a Ponta do Inglês. Ou que os obuses de Mansambo chegassem ao Buruntoni... Mas quem sou eu para falar de artilharia ? Tirei a especialidade de Armas Pesadas de Infantaria, mas juro que esqueci tudo, mal pus os pés na Guiné... É que deram-me uma G-3... (LG)

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > 1969 > Assinalado a azul Bambadinca (sede de batalhão, na época o BCAÇ 2852), a verde Mansambo (CART 2339) e a vermelho a base do PAIGC do Baio/Buruntoni.

Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Foto: © Luís Graça. Direitos reservados.

Mais uma estória da nova série de estórias do Torcato Mendonça que foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69. Chamei-lhe estórias de Mansambo, aquartelamento construído heroicamente, de raíz, pelo pessoal da CART 2339 (1), e que não vinha no mapa...

Burontoni: Mito ou Realidade ?

por Torcato Mendonça

Ambas, pensamos nós. Foram escritos dois textos – em 14 e 23 de Novembro, pelo Beja Santos (2) e C. M. dos Santos, – que merecem ser complementados com novas informações.

O maior Santuário do PAIGC no Sector L1 era o Burontoni. Deixando de fora, a zona do Fiofioli e a margem direita do Corubal até á Ponta do Inglês.

Segundo as informações, situava-se na zona Baio/Burontoni, sensivelmente a cerca de 5/6 Kms a Sul do Xime e, talvez, 10/12 Kms a Oeste de Mansambo. Ver carta do Xime. O Baio/Burontoni foi destruído na Lança Afiada (3).

No início de Julho de 1968, o novo Comandante-Chefe, Brigadeiro Spínola, visitou Mansambo. O seu antecessor, General Shultz, nunca o vi. Nessa visita breve, falou-se da posição geo-estratégica do novo aquartelamento (Mansambo). Logicamente, o Burontoni., como principal base inimiga, foi falada.

O Comandante da minha Companhia, como não costumava ir nas operações, minimizou o que daquela base do IN se dizia. Abanei a cabeça e o Brigadeiro viu. Esperou, pelo fim do palrar do Capitão e, com aquela voz que o monóculo ajudava a transformar-se em voz de ópera bufa, disparou:
- Diga lá porque discorda, alferes? - Já tinha trocado breves palavras com o Capitão Almeida Bruno. Calmamente – general ou brigadeiro não come militar – pensei Estou tramado e respondi:
-A aproximação é difícil porque, segundo dizem, têm pequenos postos de sentinela, com vários elementos, antes da base principal. - O Cap Almeida Bruno veio em meu socorro e lá disse ser essa a informação, as bolanhas eram difíceis e mais umas explicações para acalmar o Velho.
- Só com uma operação bem planeada.

Ficou a pairar no ar: Burontoni qualquer dia está aí. Mas não. O BART 1904 (4) nunca preparou nenhuma operação para lá. Nessa altura, Junho/Julho de 1968, já tínhamos ido ao Galo Corubal (Xitole), Poidom e Ponta Varela (Xime), Madina e Sinchã Camisa (Enxalé) e outros acampamentos IN. Tudo com êxito. Geralmente acompanhados de outras forças, como a CART 2338, CART 1746 (Xime), Pel Caç Nat 52 (no tempo do Saiegh, antes do Beja Santos) e Pelotões de Milícias. Além disso continuávamos a ser a Companhia de intervenção do Sector, a construir o aquartelamento e a iniciar a acção psicossocial, para as autodefesas das tabancas vizinhas. Posteriormente só se concretizariam Candamã e Afia.

Em Outubro soubemos ir participar numa operação ao Burontoni. Já estava o BCAÇ 2852 em Bambadinca, a comandar o Sector. Por essa altura, a nossa experiência em combate era, infelizmente, alguma. Assaltos a acampamentos, emboscadas, ataques ao aquartelamento…

O dia chegou. A Companhia ia a quatro grupos e em Manssambo ficavam os não operacionais, os operacionais com problemas de saúde... E para reforço vinha o Pelotão de Milícias do Tenente Mamadu (5). A comandar o aquartelamento, ainda bem, ficou o Alferes Rodrigues por se encontrar inoperacional.

Em Bambadinca tivemos um briefing surrealista:
- Eles estão bem armados, têm armas pesadas, e… Claro que, devido ao factor surpresa, não vão puder utilizar esse material.

Claro! Ver filmes de guerra, género Canhões de Navarone deve ajudar a certos militares. Nome da operação: Meia Onça... Tinha ficado melhor Bichano ou Tareco…! Claro que, mesmo antes de sairmos, o IN já sabia.

As NT eram formadas por dois agrupamentos. Um saindo do Xime: Cart 1746 e o Pel Caç Nat 53, com o apoio de um Pelotão de Artilharia. Outro saindo de Taibatá: CART 2339, Pel Caç Nat 52 e 1 Grupo da CCAÇ 2401. Francamente não me lembro da constituição das nossas forças, só da CART 1746 do Xime. Soube agora ao ler o Historial da Companhia. Mas falha o relato. Não se passou assim. O que o Historial relata induziu o C. M. dos Santos em erro.

O Beja Santos relata, e bem, o briefing e, em certa medida, o desenrolar da operação. Eu estava lá. Aquela era a minha guerra e seria a do Marques dos Santos, se não estivesse de férias. Saímos de Bambadinca, passámos por Amedalai e virámos para Taibatá. Certamente, talvez alguém de Amedalai ou da Tabanca do Xime foi dar um passeio pelo mato. Encontrou, por mero acaso, o comandante dos Libertadores ou PAIGC – e esta hein? – e disse-lhe:
- Já saíram…

A nossa Companhia tinha novo comandante (o terceiro capitão) (6) e seria ele o comandante daquele agrupamento. A CART 2339 tinha dois oficiais – ele e eu. O Rodrigues, inoperacional em Manssambo, outro talvez de férias e, em Taibatá, ficaria o último, vítima de um acidente à chegada.

Saímos, a meio da noite com a missão: assaltar e destruir o Burontoni. O outro agrupamento saía do Xime com a missão: montar emboscadas em determinados lugares e proteger ou, se necessário, apoiar o nosso agrupamento.

Os guias eram fracos, tinham medo e diziam não conhecer bem a zona. Falei com um Milícia – o 91? - que já tinha estado no Burontoni mas vindo do Xime. Passadas poucas horas, depois da saída, verificámos que algo não estava certo. Acresce que a chuva não ajudava nada. Contudo a bússola não engana e não progredíamos bem. Parámos, conferenciámos e continuámos. Ao romper do dia nova paragem. Estávamos longe do objectivo. O Historial fala em Dembataco. Falso. Isso era para sudeste e nós caminhávamos para sudoeste, só que com muita volta…continuámos e sentimos que já devíamos estar detectados.

A meio da manhã sentimos, ao longe, o PCV (Posto de Comando Volante) na habitual DO 27. Ao longe e, ainda bem, do ar o silêncio era de ouro. Tentámos o contacto com o outro agrupamento. Nada. Nova paragem e conversa com o Capitão. Estava desorientado. Esta era a sua primeira operação. Creio que foi a última, talvez uma ida, em coluna ao Xitole. O teor da conversa que tivemos diluiu-se no tempo.

Contactámos o PCV e soubemos que o outro agrupamento não tinha atingido a posição determinada. Nós estávamos longe. De quê?! Perdemos o contacto. Por volta do meio-dia rebenta forte tiroteio. Percebemos ser Manssambo a enrolar. Ouvíamos o barulho da nossa pesada.

Convém dizer o que era a pesada. Cortava-se a tampa de um bidão de 200 litros e, do outro lado, só metade. Depois, bem depois, metia-se lá uma G3 e em rajadas curtas e cadenciadas fazia-se um barulho dos diabos. Arma perigosa… deve ter intrigado muita gente.

O IN respondia assim ao nosso atrevimento, atacando em pleno dia e perto do arame farpado, durante quase uma hora, Mansambo.

Passado pouco tempo foi restabelecido o contacto com o PCV. Ordens para abortar a operação. Progressão difícil até Taibatá. A bússola continuava a funcionar bem e muito melhor que os guias. Embarque nas viaturas e regresso a Bambadinca.

Foi das piores, senão a pior operação em que participei. Mal planeada, mal comandada, mal…mal…tudo e mais não digo!

Mansambo teve que ser remuniciado de héli. Os homens do Tenente Mamadu tinham o dedo do gatilho pesado… safa!

Ficou-me a imagem do comandante de Taibatá, um furriel miliciano. Tinha uma mosca (tufo de pêlos por debaixo do lábio inferior), género rabicho chinês ao contrário. Teria seguramente um palmo de comprimento. Ele torcia-a, ria-se e beberricava uma cerveja… O clima era terrível e o isolamento dava-lhe a pitada de sal e pimenta certas… Malhas que o império teceu.
_____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães

16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1666: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (2/3): O Zé e o postal da tropa

(2) Vd. posts de:

14 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1276: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (20): A (má) fama do Tigre de Missirá em Bambadinca

23 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1306: Meia Onça, Meia Operação (Carlos Marques dos Santos, CART 2339)

(3) Sobre a Operação Lança Afiada (que mobilizou cerca de 1100 homens, entre combatentes e carregadores, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, durante dez dias e dez noites, de 8 a 18 de Março de 1969), vd. os seguintes posts:

31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(4) Batalhão que antecedeu o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Este, por sua vez, foi rendido pelo BART 2917 (1970/72).

(5) O famoso régulo de Badora, de quem se dizia que tinha 50 mulheres, uma cada tabanca do seu chão... e vários filhos na CCAÇ 12.

(6) Vd. post de 14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1784: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!






Cartas e aerogramas enviados pelo José Casmiro Carvalho (Fur Mil Op Especiais, CCAV 8350) à família, na 2ª quinzena de Maio de 1973 (1). A última é de 30 de Maio, escrita em Gadamael, onde o Casimiro se juntou à sua destroçada e desmoralizada companhia. Alguns dias depois, ele será ferido em combate, em Gadamael, depois de ter ajudado a salvar e a evacuar o seu comandante, também ferido com gravidade (2).

A selecção, a revisão e a fixação do texto, bem como os subtítulos, são da responsabilidade do editor do blogue. Agradeço ao nosso camarada (que é tripeiro e vive na Maia) o carinho e o apreço com que ele me fez chegar este lote de correspondência. É um período doloroso para ele, por motivos óbvios e mais um: o seu velhote, seu cúmplice e confidente na correspondência de Guileje, faleceu ainda há pouco tempo (LG) .





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Três fotos com o Fur Mil Op Espec J. Casimiro Carvalho, a quem se podia chamar o homem da HK-21... Também era responsável pelo morteiro 81 (LG).



Guiné > Região de Tombali > Cacine > Abril/Maio de 1973 > Na altura (22 de Maio de 1973) em que Guileje foi abandonada pelas NT, o J. Casimiro Carvalho estava em Cacine, coordenando o reabastecimento destinado à sua companhia. Os géneros vinham de Bissau, em batelões, até Cacine, e depois em LDM até Gadamael e, por coluna, até Guileje. Estas fotos devem ser dessa época.

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho, na famosa porta de armas de Guileje (3)... Com ar de quem vinha ou ia dar um mergulho na...piscina. (LG).

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > A fonte que abastecia o aquartelamento e a tabanca de Guileje. Em primeiro plano, junto à bomba de água, o Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho. A descontracção dos militares era evidente, para não dizer o aparente desprezo pelas mais elementares medidas de segurança... Presumo que esta foto seja ainda do início da instalação da CCAV 8350, em Guileje talvez finais de 1972 ou princípios de 1973... (LG).

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.



Guileje está à mercê deles!


Cacine, 22/5/73:


Queridos pais: Vou-lhes contar uma coisa difícil de acreditar como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada [a bold, no original], ainda não sei se foram os soldados que se juntaram todos e abandonaram o quartel, ou se foi ordem dada pelo Comandante-Chefe, mas uma coisa é certa: GUILEJE ESTÁ À MERCÊ ‘DELES’ [, em maíusculas, no original].


Não sei se as minhas coisas todas estão lá, ou se os meus colegas as trouxeram. Tinha lá tudo, mas paciência.


Se foi com ordem de Bissau que se abandonou a nossa posição, posso dar graças a Deus e dizer que foi um milagre, mas se foi uma insubordinação, nem quero pensar…


Mas… já não volto para lá!!! Não tinha dito ainda que Guileje era bombardeada pelos turras há vários dias e diversas vezes por dia. Os soldados e outros não tinham pão, nem água. Comida era ração de combate e não se lavavam. Sempre metidos nos abrigos e nas valas. A situação era impossível de sustentar. Vosso para sempre (…).

96 horas debaixo de fogo, sem pão nem água


Cacine, 25/5/73


Mãezinha: (…) Graças a Deus, estou óptimo, aqui em Cacine, onde (por enquanto) não há guerra.


O pessol fugiu, abandonando tudo lá, de Guileje, porque estavam a cair foguetões e granadas de canhão sem recuo, desfazendo padaria, depósito de géneros... O chão estava cheio de crateras , devido às granadas. Os militares de lá estavam há 96 horas debaixo de bombardeamento, sem beber nem comer (só algumas rações de combate que conseguiram apanhar), pois não podiam sair dos abrigos.


Deixaram 4 Berliets novas (550 contos cada um), outras camionetas, 2 geradores, 2 obuses novos (4 000 contos cada um), armas pesadas, toda a comida e bebidas ficaram lá, grande parte desfeitas, etc.


Era um inferno, alguns soldados estavam aterrorizados, morreu um furriel que estava num abrigo, com estilhaço na cabeça.


E eu aqui, em vez de estar com os meus camaradas neste momento de perigo… Os turras andavam por volta do quartel (a 300 m). Um abraço do seu filho (…).


PS – Ficaram lá 30 vacas abandonadas.



Mandaram de Bissau 6 urnas com chumbo...


Gadamael-Porto, 29/5/73


Pai:


Recebi hoje as fotos, ao chegar a este local onde se encontra a minha companhia refugiada, a 18 Km de Guileje, vindo de Cacine depois de ter acabado o meu serviço. Lá, em Cacine, passei uns dias óptimos.


Em Gadamel os grupos têm saído todos os dias para o mato e têm sido atacados todos os dias, caindo em emboscadas. Eu vou começar a sair também.


Mandaram de Bissauu 6 URNAS (com chumbo) para aqui. À ESPERA!!! O pessoal anda todo desmoralizado. Ficaram, em Guileje, 6 sacos de correio fechados, correio que nós, portanto, não recebemos.. Se eu não responder a essas cartas, já sabe porquê. As fotos que eu tinha, vossas, ficaram lá também. Isto é que é a GUERRA.


(…) Comigo não há novidade, não se preocupem. Estou óptimo. Eh! Eh! Já não penso tanto na Ana, talvez devido a isto, mas quase nem penso nele. Vamos a ver no que isto vai dar. (…) Não desanime que eu também não. Adeus. (…)




Amanhã já vou sair e levo a metralhadora ligeira HK-21



Gadamael, 30/5/73


Querida mãe: (…) Vou mandar um rolo de 12 fotos a preto e branco. (…) Eu, bem, graças a Deus. Mandem-me roupa interior e meias, pois não tenho quase nada (…): 5 cuecas,. 6 pares de meias (3 brancas e 3 verdes, no Casão Militar são a 17$00 cada par).


Tenham paciência mas é melhor isto do que morrer e a morte andou perto dos SITIADOS em Guileje.


Amanhã já vou e isto anda mesmo mau. Levo a metralhadora ligeira HK-21. Lubrifiquei-a hoje, toda. Antes de sair vou experimentá-la aqui no quartel (…).

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Nota de L.G.:


(1) Vd. posts anteriores:

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 9

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

(2) Vd. posts de:

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)

15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte).

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

Vd. ainda post de 2 Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) (Magalhães Ribeiro)

(...) "Exmo Senhor Chefe do Estado Maior do Exército:"Por, quando Comandante da Companhia Independente da Cavalaria 8350, em serviço na Guiné entre 1972 e 1973, sedeada em Guileje, ter sido ferido em Gadamael, nunca me foi possível propor uma homenagem pública ao Furriel de Operações Especiais CASIMIRO CARVALHO.

(...) "Quando fui ferido, foi este homem que me ajudou a deslocar para junto do Rio Cacine, pois eu mal me podia movimentar, deslocando-se em seguida debaixo de intenso fogo de morteiros e outra armas que, neste momento, não sei especificar, para conseguir um depósito de gasolina de forma a poder fazer movimentar a embarcação em que me evacuou para Cacine, como também outros militares que nesse momento já se encontravam junto ao pequeno cais.

"Nas reuniões anuais da nossa Companhia muitos falam dos actos de bravura deste furriel, desde, debaixo de fogo, conduzindo uma Berliet se deslocar aos paióis para municiar não só as bocas de fogo de artilharia, como para os morteiros, fazer ainda parte duma patrulha onde morreram vários militares ficando ele e outro a aguentar a situação, até serem socorridos, e ter sido ferido, evacuado para Cacine, o que não invalidou que passados poucos dias se tenha oferecido para voltar para junto dos camaradas no verdadeiro inferno em Gadamael.

"Esperando a maior atenção de Vª Exª para este assunto e agradecendo desde já toda a atenção que lhe possa dispensar. Abel dos Santos Quelhas Quintas, Capitão Miliciano de Artilharia na Reforma Extraordinária Nº Mec. 36467460, Deficiente das Forças Armadas" (...).

(3) Vd. post de 28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1467: Bem vindo a Guileje, Doutor (Mário Bravo)

Guiné 63/74 - P1783: Tese de doutoramento de Leopoldo Amado: Guerra colonial 'versus' guerra de libertação (João Tunes)


Guine > Região de Tombali > Guileje > 1970 > "Junto foto do meu arquivo referente a uma das alturas em que estive em Guileje, datada de Maio de 1970. Em primeiro plano, a rede de protecção em arame farpado. Atrás, abrigos e porta de armas. Vêm-se ainda os telhados, da esquerda para a direita, da caserna, do refeitório e do posto de transmissões"

Foto e legenda: © João Tunes (2006). Direitos reservados


Com a devida vénia transcrevo aqui a excelente peça bloguística, produzida pelo nosso camarada João Tunes, e inserida no seu blogue - Água Lisa (6) - , com data de 21 de Maio de 2007. 

O João, que foi Alf Mil Trms, no Pelundo e em Catió (1969/71), é um dos nossos camaradas que mais tem reflectido sobre o contexto político e ideológico em que se desenrolou a guerra colonial (1971/74). 

Às vezes, polémico, crítico, contundente, incómodo, cultivando a frontalidade, o João é sobretudo um cidadão militante e livre, um homem de grande lucidez e generosidade, absolutamente indispensável como maître à penser nesta nossa Tabanca Grande. 

Tenho saudades tuas, João. Visita-nos mais vezes. Ou melhor: não precisas de pedir licença para entrar, que a casa também é tua, pese embora nem sempre te sintas confortável nos espaços fechados, exíguos e às vezes clautrofóbicos, desta caserna da tropa, preferindo desenfiares-te para a bolanha, a savana arbustiva, o rio ou a floresta-galeria... (LG)


Segunda-feira, 21 de Maio de 2007 > GUERRA COLONIAL / GUERRA DE LIBERTAÇÃO
por João Tunes 

(Subtítulos e links da responsabilidade de L.G.)



A guerra colonial ainda resiste como tabu contornado na sociedade portuguesa. A abordagem deste drama, que durou treze anos, marcando, em perdas e danos, muitas dezenas de milhares de portugueses hoje acima dos 55 anos de idade mas que se repercutiu nos seus familiares, deixando assim marcas em várias gerações, não alcança, em termos de ocupação de memória e de evidência histórica, comparado com o espaço memorialista, narrativo e analítico ocupado pelo drama conexo e consequente da descolonização, uma repartição similar. E o filtro do ressentimento gerado pelo drama da descolonização foi e é um formidável gerador de preconceitos que actua como espécie de coveiro de memória relativamente ao drama colonial (antes da guerra e durante esta). Como se, para a maioria dos portugueses, se tivesse descolonizado aquilo que não se colonizou e se resistiu a permitir a separação, persistindo-se assim no mito salazarista difuso do Portugal “do Minho a Timor”, prolongando um ressentimento colectivo por nos terem arrancado, à má fila, bocados que “eram nossos”.

Guerra colonial, guerra do ultramar, guerra de libertação...

Mas os portugueses que falam e escrevem sobre a guerra colonial (alguns preferem chamar-lhe “guerra no ultramar”, o que tem uma marca política evidente, enquanto para os africanos ela é denominada como “guerra de libertação”, o que também significa muito) têm ainda, independentemente do enquadramento político e ideológico sobre ela, uma visão inevitavelmente eurocêntrica. Ou seja, é sempre um olhar sobre este sofrimento (ou gesta, para os “patriotas”) sedimentado da experiência ou da percepção interpretativa do "lado do colono" (no mínimo, do ponto de vista cultural), mesmo quando esse "colono" procura, o mais possível com o que melhor sabe, colocar-se na pele do "colonizado" e adoptar a sua causa.

Mia Couto, um escritor moçambicano de pele branca, exemplificou bem as diferenças quando referiu que enquanto os portugueses falam de "descolonização", os africanos não usam este termo porque para eles o que existiram foram "independências" (ou seja, não foram os europeus que descolonizaram, foram os africanos que conquistaram as independências dos seus países).

[É elucidativo que, quanto ao Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, esse mimetismo maior feito pelo salazarismo relativamente à perfídia do nazismo, depois replicado em vários outros locais de África, haja, entre a literatura do antifascismo militante, uma constância de referência ao período 1936-48, em que lá estiveram internados prisioneiros políticos europeus, quase se silenciando que o mesmo e odioso Campo foi reaberto em 1961, por despacho de Adriano Moreira, esse hoje notável e venerando professor de boas práticas democráticas, onde dezenas de milhar de africanos penaram até 1974. Quase parecendo que, nessa mesma iniquidade, um africano anticolonial sofreu menos que um antifascista europeu, quando o inverso é que foi verdadeiro.]

Um enorme défice de produção documental e de investigação historiográfica, do lado africano

Entretanto, da parte africana, muito mais escassa ainda é a produção de registos memorialistas e trabalhos históricos sobre as guerras de libertação. Por variadas e evidentes razões (altas taxas de analfabetismo e ileteratícia; atribulações políticas; falta de arquivos; fragilidade das estruturas e meios académicos; menor horizonte de vida que levou a que muitos dos que combateram já tenham falecido; maiores preocupações em sobreviver, consolidar a independência e garantir o futuro que lidar e fazer registo do passado).

Neste quadro, se os “antigos colonos” perdem pouco tempo a lembrar e pensar o passado colonial, os “antigos colonizados” ainda menos o fazem, o que beneficia o alargamento (conveniente para uns tantos) do “buraco histórico” que a guerra colonial / guerra de libertação representa na memória dos portugueses e dos africanos que têm como pátrias suas as antigas colónias portuguesas, sobrando, inevitavelmente, o espaço para os mitos e os ressentimentos, maus conselheiros para a saúde cívica dos povos.

Daqui que considere um facto notável, remando contra o silêncio das memórias, o trabalho persistente e competente do historiador guineense Leopoldo Amado (na foto de cima). Que, constituindo uma importantíssima e honrosa excepção, submete, no próximo dia 28, a um júri de doutoramentos da Universidade Clássica de Lisboa, em sessão pública, o seu notável trabalho de investigação sobre a guerra na Guiné (1963-1974) e que culminou num estudo comparado da mesma quanto aos dois lados da contenda (a mais dura no quadro das três guerras coloniais) e em que foi orientado pelo Professor João Medina (*) (**). Demonstrando, em boa tese, que os mitos e os ressentimentos abatem-se pelo saber.

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(*) Assim reza a nota informativa da Universidade Clássica de Lisboa:

Doutorando/a: Lic.º Leopoldo Victor Teixeira Amado
Doutoramento: Doutoramento em História - História Contemporânea
Título da Tese: “Guerra Colonial versus Guerra de Libertação (1963-1974): O Caso da Guiné-Bissau”
Data/Hora: 28 de Maio, 10H00
Local: Reitoria - Sala de Doutoramentos, Cidade Universitária, Lisboa


(**) – O meu elogio antecipado ao trabalho académico de Leopoldo Amado fundamenta-se no conhecimento prévio de que beneficiei, mercê da sua amizade que muito me honra, e para o qual, modestamente, dei o meu singelo contributo de mera opinião crítica na fase de elaboração final, valendo-me, como suporte, da memória registada no meu corpo e na minha alma, proveniente de dois registos contraditórios e num paradoxo que me empalou a juventude - o de antigo combatente na Guiné nas fileiras do exército colonial e o de militante activista contra a guerra colonial.

Guiné 63/74 - P1782: Bibliografia (6): O nosso doutorando Leopoldo Amado vai ter o seu 'baptismo de fogo' no próximo dia 28, na Universidade de Lisboa (Luís Graça)

Guiné (1963/74) > Guerra de libertação 'versus' guerra colonial ? Um case study... Esta vai ser a tese de doutoramento, em história contemporânea, do Leopoldo Amado, a ser apresentada e discutida em provas públicas, a realizar na Universidade de Lisboa, dentro de dias...


Foto: Em cima, guerrilheiros do PAIGC progredindo na mata (Fonte: Foto Bara > Fotogaleria (foto editada, com a devida vénia / edited photo, with our best wishes...) ... Pátria ou morte!... A Luta Continua... era o então slogan em moda, de inspiração guevarista...

Foto: Em baixo, militares portugueses da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) prontos para mais uma acção... O fotógrafo (ou alguém por ele) escreveu, ironicamente, no seu álbum: Viva a guerra, viva a morte!... Vivam os Panteras... Quando o penúltimo morrer, o último cumpre a missão... (Fonte: Torcato Mendonça, 2007).


Comentário posterior do nosso amigo e camarada Torcato Mendonça (Fundão): "São graduados do 2º Grupo da Cart 2339 – Esq/direita: Alf 1000 Torcato; Furriéis 1000 Sousa (foi ao 2º/3ª mês para a 3ª de Comandos); Rodrigues e Rei. O Sousa (Fernando Luís) foi substituído pelo Sérgio. Só se juntou a nós no embarque, ficou nos Comandos. Panteras era o nosso Grupo – A Divisa era essa. Há um escrito disso e fotos da malta toda. PS - Isto não foi á primeira. Só goela… mas havia muita união. Um abraço, ex – chefe do Grupo".



1. Mensagem do nosso Leopoldo Amado (1), com data de 16 do corrente:


Assunto - Provas públicas de doutoramento

Caro Luís,


Gostaria de te informar de que já me encontro no rectângulo, após uma estada de pouco mais de três meses na Guiné-Bissau (2).

Assim, por teu intermédio, comunico a todo o pessoal da tertúlia de que as minhas provas públicas de doutoramento terão lugar nos dias 28 e 29 do corrente, pelas 10:00 H, na Reitoria da Universidade de Lisboa.Um abraço a todos

Leopoldo Amado


2. Mensagem enviada ao pessoal da nossa Tabanca Grande, em 20 do corrente:

Amigos & camaradas:

Acabei agora mesmo de chegar do Funchal. E, ao abrir o meu correio, de casa, tive a grata surpresa de receber boas novas do nosso amigo Leopoldo Amado.

Ficam desde já todos convidados, os que puderem, a ir ouvi-lo defender a sua tese de doutoramento em história contemporânea. O título da tese é (estou a citar de cor) Guerra de libertação ‘versus’ guerra colonial: o caso da Guiné-Bissau ...

As provas, que são públicas, prolongam-se por dois dias, sendo o primeiro dia, 28 de Maio, 2ª feira, reservado ao candidato, e à arguição principal... Local: Reitoria da Universade Clássica, ao Campo Grande (Metro: Cidade Universitária)...

Seria interessante saber quem poderá ir ouvir e apoiar o nosso amigo e camarada de tertúlia...

Luís Graça

3. Até à data, tive os seguintes comentários:


20 de Maio de 2007 > Luís: Conto estar presente, pois é sempre um prazer ouvir, e aprender com alguém como o Leopoldo. Um abraço a todos. Carlos Fortunato, ex-Fur Mil da CCAÇ 13 (1969/71)

20 de Maio de 2007 > Amigos & camaradas: Já temos uma presença, a do Carlos Fortunato, além de mim próprio (embora dia 28 tenha aulas, às 14.30h). Luís

21 de Maio de 2007 > Bom diaTudo irei fazer para estar presente e levao um abraço fraterno ao Leopoldo. AB. José Martins

21 de Maio de 2007 > Por um Amplo Movimneto 'Leopoldo a Doutor' (pela Independente é que não) ou, como se dizia no meu tempo de jovem estudante, antes de ser mal fardado por ter sido fardado à força como paisano guerreiro:

MALTA, TODOS À CIDADE UNIVERSITÁRIA NO DIA 28!

João Tunes

22 de Maio de 2007 > Só um amigo de verdade escreve assim. Muito obrigado, caro Tunes. As tuas palavras constituem inquestionavelmente um importante incentivo.

Leopoldo Amado

Páginas Pessoais >

Lamparam II > http://guineidade.blogs.sapo.pt/

Lamparam > http://lamparam.blogs.sapo.pt/

22 de Maio de 2007 > Caro amigo Leopoldo:

Soube pelo Luís Graça que vais defender a tua tese de doutoramento nos próximos dias 28 e 29. Tinha-te dito que gostaria muito de estar presente, mas não me vai ser possível. É que, além de já ter que me deslocar a 2 de Junho a Sever do Vouga para o encontro da CART 1690, estou estes dias muito enrolado numa (muito boa) situação: a Delegação do Norte da Associação 25 de Abril está-se a preparar para ocupar uma nova sede, em edifício que foi cedido pelo Presidente da Câmara de Matosinhos. Temos de agarrar isto com unhas e dentes, e bem, pois é um avanço muito considerável em relação às muito más condições que tínhamos nas Escadas do Barredo, à Ribeira do Porto. E, como compreendes, para trabalhar nunca há muitos. São sempre os mesmos, como é hábito.

Porque a conheço, tenho a certeza que vais ter sucesso com a tua tese. Considero-a um trabalho genuíno e único num tema ainda muito pouco tratado, de grande interesse para quem quizer estudar a luta de libertação na Guiné.

Espero que tenhas já concretizado os patrocínios que tinhas em perspectiva, sobre o que, como te disse, já falei com o Jorge Araújo, do Campo das Letras. Diz-me qualquer coisa sobre isso, pois vou voltar à carga com ele depois do dia 29.
Um abraço e desejos de bom sucesso.

A. Marques Lopes

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts recentes do Leopoldo Amado:
25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

(2) Vd. post de 18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1444: Adeus, estou de malas aviadas para Guileje (Leopoldo Amado)

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1781: Memórias de Copá (1): Ambulância do PAIGC, de fabrico soviético, capturada pelo Marcelino da Mata, em Copá (A. Santos)


Guiné > Zona Leste > Sector L3 > Nova Lamego > 1973 (?) > Ambulância do PAIGC, de fabrico soviético, capturada pelas NT.

Foto: © António Santos (2007). Direitos reservados.


Mensagem do nosso camarada A. Santos, ex-Sold Trms, Pel Mort 4574/72, Zona Leste, Sector L3, Nova Lamego,1972/74:

Na sequência do último mail sobre armas e viaturas para o projecto Guileje (1), junto em anexo a foto de uma viatura de fabrico soviético, que tinha como função o transporte de feridos, mas quando foi capturada pelo grande Marcelino da Mata, na zona de Copá [vd. carta de Canquelifá] (2), estava carregada com armamento.

A foto foi tirada em Nova Lamego.

Estou a tentar reunir, entre o pessoal do Pel Mort 4574/72, fotos de interesse para o projecto.

A. Santos
SPM 2558
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts recentes sobre este tópico:

27 de Março de 2007 > Gúiné 63/74 - P1628: Projecto Guiledje: fotografias de armamento e equipamento, das NT e do PAIGC, precisam-se (Nuno Rubim)

12 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1753: Diorama de Guileje, 1965/67 (Muno Rubim)

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1756: Exposição de armamento apreendido ao PAIGC, aquando da visita de Américo Tomás (Bissau, 1968) (Victor Condeço)

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1764: Armamento do PAIGC (Nuno Rubim)

18 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1766: Guileje: A Bêbeda, uma Fox do Pel Rec 839 que ficará imortalizada no diorama (Nuno Rubim)

19 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1768: Guileje: A Fox, rebaptizada, dos Diabos do Texas (Nuno Rubim)

(2) Sobre Copá (aquartelamento abandonado pelas NT em 14 de Fevereiro de 1974), vd. posts de:

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1410: Antologia (57): O Natal de 1973 em Copá (Benigno Fernando)

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1409: Bibliografia de uma guerra (16): Pirada, Bajocunda, Canquelifá, Copá: o princípio do fim (Beja Santos)

27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1216: A batalha (esquecida) de Canquelifá, em Março de 1974 (A. Santos)

Guiné 63/74 - P1780: Zé Neto: Um herói de Guileje homenageando os heróis de Gandembel

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado), que exercia funções de primeiro-sargento da Companhia, comandada pelo Cap Corvacho. O Zé Neto, como é carinhosamente tratado entre os seus camaradas e amigos, é autor de um notável conjunto de textos, já publicados na I Série do nosso blogue, com as suas memórias de Guileje (1)...

Foto: © Zé Neto (2006). Direitos reservados


Pombal > 28 de Abril de 2007 > 2º Encontro da Tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > O Idálio Reis, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317 (Gandembel/Balana, 1968/69), autor de uma notável fotobiografia sobre a sacrificada unidade (2)...

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados


1. Reprodução de dois posts do Zé Neto:

11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCII: Confusão acerca da CCAÇ 2317 (Gandembel, 1968/69) e da CCAÇ 2316 (Guileje, 1968/69) (Zé Neto)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXV: Os heróis de Gandembel (Zé Neto)



11 de Abril de 2006 > A heróica e desastrosa aventura de Gandembel


Texto do Zé Neto, que mudou de endereço de e-mail e que estoicamente deixou de fumar há umas semanas atrás, para bem da saúde dele e da alegria geral da caserna... (LG)

Meus amigos:

Deve haver uma enorme confusão sobre a CCAÇ 2317. Esta companhia, comandada pelo Cap Barroso de Moura, esteve na área de Guileje em 1968/69 e não 1967/68, como vem referido em blogue anterior.

Propriamente na tabanca de Guileje (ou Guiledje) apenas esteve de 20 de Março a 8 de Abril [de 1968]. Nesta data seguiu para a heróica e desastrosa aventura de Gandembel que consta dos meus escritos anteriores (3).

A sua irmã, a CCAÇ 2316, é que ficou estabelecida em Guilege. (Notem Guile...para todos os gostos).

Por agora é tudo, não esquecendo o meu agradecimento pelas muitas mensagens de Força, Zé, resiste ao cigarro!, que tu, Luis, desencadeaste na malta do blogue.

Abraça-vos o velho Zé Neto.



23 de Maio de 2006 > Um herói que quer deixar de fumar, fala sobre os heróis de Gandembel


Texto do Zé Neto a quem eu há dias disse: "Grande Zé! Como é bom receber notícias tuas! Se voltaste a escrever e a ‘emailar’ é bom sinal!"... Pois é, ele está de volta, o nosso primeiro de Guileje, e hoje valente capitão em guerra contra o tabaco!... Parabéns, Zé (e permite-me esta inconfidência: o teu bom exemplo deve ser conhecido e seguido por outros amigos e camaradas).. Sê bem vindo, de regresso, à nossa caserna (agora já não preciso de te pedir para deixar o cigarro lá fora!...). (LG)

Meu caro Luis:

Não. Não desapareci. Apenas hibernei para vencer o tabágico vício. E estou a conseguir. Vou a caminho do quarto mês sem cigarro.

Mas o assunto é a chegada do Idálio Reis ao blogue (3). Como se pode verificar, eu já tinha referido aqueles bravos nos meus escritos. Veja-se no Post 423 a blague do 1º Martins que calçou a cagadeira (4). Este senhor é meu companheiro de férias de Setembro em Lagos e, nas conversas do bar, faz sempre questão de evidenciar a colaboração que lhe prestei, porque, confessa, na altura não estava muito calhado nas funções do seu posto à frente duma companhia.

Mais adiante, no Post 544, registo algumas considerações sobre a CCAÇ 2317 e a sua odisseia (5): o ex-alferes Reis deve ter muito que contar!!!

Para ajuda vou anexar um pequeno trabalho de elaborei a partir da preciosa obra intitulada (e já toda desencadernada e rascunhada) História da Unidade - BART 1896.

Por agora resta-me mandar um abraço muito forte à tertúlia. Outro, para ti, do Zé Neto.


OS HERÓIS DE GANDEMBEL

Estou certo de que seria reconfortante para um punhado de bravos do Exército Português que algum dos Comandantes do PAIGC de então contasse, com a sua dignidade de militar, o que foi para eles a campanha de Gandembel e Ponte Balana em 1968/69.

Como interveniente muito próximo da gesta dos rapazes da [CCAÇ] 2317, sirvo-me da História da Unidade (BART 1896) para trazer à tona da memória alguns pormenores duma batalha pouco conhecida. É uma pequena achega com a qual quero reafirmar a minha profunda admiração pelos camaradas que foram deliberadamente atirados para o massacre pelos senhores de Bissau.

A Operação Bola de Fogo destinou-se “à implantação de um aquartelamento para efectivo de companhia, no Corredor de Guileje”.

Desenvolveu-se entre 8 e 14 de Abril de 1968, com a seguinte “Força executante”:
- CART 1613
- CART 1689
- CCAÇ 2316 (-) (3 Gr Comb)
- CCAÇ 2317
- 3ª COMP COMANDOS (-) (2 Gr Comb)
- 5ª COMP COMANDOS (-) (2 Gr Comb)
- PEL REC FOX 1165
- PEL SAPADORES/CCS /BART 1896
- PEL CAÇ NAT 51
- PEL CAÇ NAT 67
- PEL MILÍCIAS 138 e 139
- ELEMENTOS DO BENG 447
- APAR (Apoio Aéreo)

Instalado o Aquartelamento em GUILEJE 8 D4 -93 (Coordenadas de Gandembel)

Durante a operação o IN flagelou 7 (sete) vezes a posição, causando às NT 2 mortos, 13 feridos graves e 34 ligeiros.

Até 25 de Junho de 1968, data em que o BART 1896 foi substituído no subsector pelo BCAÇ 2835 (a que a CCAÇ 2317 pertencia), o aquartelamento de Gandembel foi flagelado com fogo de Mort 82 e Canhão S/R por 52 (cinquenta e duas) vezes.

Normalmente os ataques duravam entre 8 e 15 minutos. São de destacar os três de 19 de Abril de 1968 às 3h45, 4h20 e 5h00; os três de 30 de Abril, às 2h15, 21h20 e 22h15; e os quatro de 14 de Maio (não houve registo das horas).

José A S Neto


2. Comentário de L.G.: Hoje mesmo, mandei, pelo nosso correio 'interno', a seguinte mensagem: "Amigos & Camaradas: Permitem-que vos chame a atenção para o extraordinário documento, da autoria do Idálio Reis, que temos vindo a publicar (infelizmente, com alguma irregularidade) sobre essa desastrada e heróica aventura de Gandembel, como lhe chamou há um ano atrás o Zé Neto... Gandembel, a terra dos homens-toupeira, mas também dos rapazes de nervos de aço...

E a propósito deste camarada, o Zé Neto, que esteve em Guileje, quero-vos dizer que as notícias sobre a sua saúde não são as melhores... Há tempos falei com ele, e soube, através da família, que ele está internado no Hospital Militar em Belém, no serviço de oncologia... O nosso patriarca pode receber visitas entre as 9 e as 21h, segundo as notícias (que são tristes) que me chegaram, mais recentemente, da sua querida neta... De qualquer modo, ele precisa da nossa força e do nosso carinho, neste momento difícil. Como ele lhe disse há tempos ao telefone: Zé, vencestes muitas guerras, não vais perder esta batalha!... Oxalá! Aqui vai para ele e para o Idálio Reis um forte abraço".

___________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba

(...) "10ª (e última) parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado).

"Recorde-se a justificação que ele deu para partilhar connosco as suas memórias de Guileje: Depois de muito meditar cheguei à conclusão de que, pelo menos tu, mereces a minha confiança para partillhar contigo uma parte muito significativa das memórias da minha vida militar. São trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só a 'matar pretos' enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de famíli...

"Esta confiança, em mim e na nossa tertúlia, eu tenho que a agradecer ao camarada Zé Neto. Faço votos para que este fim seja apenas um até breve, até ao meu regresso... LG" (...)

(2) Vd. posts de

19 de Anbril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)

18 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69 )

(3) Vd. post de 30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDII: O Hino de Gandembel


Hino a Gandembel

Gandembel das morteiradas,
Dos abrigos de madeira
Onde nós, pobres soldados,
Imitamos a toupeira.

- Meu Alferes, uma saída!
Tudo começa a correr.
- Não é pr’aqui, é pr’ponte!,
Logo se ouve dizer.

Oh!, Gandembel,
És alvo das canhoadas,
Verilaites (i) e morteiradas.
Oh!, Gandembel,
Refúgio de vampiros,
Onde se ligam os rádios
Ao som de estrondos e tiros.

A comida principal
É arroz, massa e feijão.
P’ra se ir ao dabliucê (ii)
É preciso protecção.

Gandembel, encantador,
És um campo de nudismo,
Onde o fogo de artifício
É feito p’lo terrorismo.

Temos por v’zinhos Balana (iii),
Do outro lado o Guileje,
E ao som das canhoadas
Só a Gê-Três (iv) te protege.

Bebida, diz que nem pó,
Só chocolate ou leitinho;
Patacão, diz que não há,
Acontece o mesmo ao vinho!

Recolha: José Teixeira / Revisão de texto: L.G.

(i) Verylights
(ii) WC
(iii) A famosa ponte sobre o Rio Balana
(iv) A espingarda automática G-3


(4) Vd. post de > 23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(4): os azares dos sargentos

(5) Vd. post de 16 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLIV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (9): a Operação Bola de Fogo

Vd. também a série Fotobiografia da CCAç 2317:

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Abril/Maio de 1968 > A construção do aquartelamento de Gandembel requereu muitas canseiras envoltas em perigo permanente, para que se garantisse alguma segurança aos nosso homens, uma vez que eram alvo de inúmeros e consecutivos ataques inimigos.

A realização das casernas-abrigo foi a tarefa mais crucial para os homens da Companhia. Representavam para as tropas que aqui se sedeavam, um local de refúgio, e nestas pequenas 'guarnições' pernoitámos durante cerca de 10 meses, de

Foto 301 > "As estruturas metálicas (pré-fabricadas), que chegaram com as colunas. Eram as infra-estruturas de base ".

Foto 302 > "Sobre a sua parte superior, colocavam-se as traves, constituídas por cibes".

Foto 303 > "Construção do tecto. A colocação de uma espessa camada de betão, sobre um tapete metálico (chapas feitas dos bidões)".

Foto 304 > "Havia todo o cuidado na firmeza do tecto"

Foto 305 > "Visão de 2 casernas em fase terminal; falta a colocação dos blocos de pedra".

Foto 306 > "No transporte dos blocos de pedra"

Foto 307 > "Vista traseira de um abrigo"

Foto 308 > "Aspecto de uma caserna-abrigo, já finalizada"


Fotos e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.


VI Parte da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1). Textio enviado em 11 de Fevereiro de 2007.


Assunto: A generosidade de um punhado de gente jovem, onde os ecos dos seus ais de desespero e dor, não ressoavam para além da região do Forreá. Gandembel/Ponte Balana, de 9 de Maio a 4 de Agosto.


Caros companheiros Luís e restantes Tertulianos:

A época plena das chuvas aproximava-se, começava a fazer surtir os seus benéficos efeitos, o que para nós incidia muito especificamente na água que o rio Balana pudesse debitar. Este, logo que retomasse alguma capacidade de vazão, significaria que a tão ansiada água já abundaria, e as restrições ao consumo que tinham prevalecido até então, evolavam-se no tempo.


15 de Maio de 1968: o Furriel António Alves acciona uma mina A/P e é amputado de uma das pernas


Já não se tornaria necessário calcorrear o seu leito movediço, tão propício a dissimular uma qualquer armadilha. Bastava unicamente chegar-se à margem esquerda, através da picada aberta para a ligação ao destacamento de Ponte Balana, e encher os bidões com a ajuda de uma bomba manual.

E o refrigério dos nossos corpos, em copiosos banhos à fula, permitia-nos usufruir de uma incontida satisfação de prazer, ao fazer desaparecer as manchas de sujidade que se haviam incrustado durante todo esse período de permanência naqueles antros imundos, que denominei de abrigos-toupeira.

E aquele trilho para o Balana era sistematicamente o mesmo, com os 2 Unimogs a rolarem sobre o mesmo assento. A paragem e as manobras das viaturas para abastecimento faziam-se quase sempre naquele paradouro exíguo, e os homens apeados não diferiam em muito as suas pisadas. E desta conjugação, que a guerra sabe tão ardilosa e perfidamente fazer uso, a 15 de Maio, surge o horror, com o accionamento de uma mina pelo furriel António Alves, a causar ferimentos graves nas duas pernas, uma das quais viria a ser amputada.

Sendo o primeiro ferido muito grave da Companhia, a comoção do seu sofrimento enquanto o helicóptero não chegava e a desventura do próprio drama em si, que quase toda a Companhia presenciou, fez abalar os nossos mais profundos sentimentos, pois perdíamos sempre um pouco de nós mesmos. E começava a manifestar-se o pesado fardo das intolerantes e desumanas vivências de Gandembel.


Finalização das 8 casernas-abrigo e reforço da fiada de arame farpado

A briosa CART 1689 despede-se do nosso convívio, e esta sua partida deixou-nos claramente mais pobres, sós e indefesos. Em mais de um mês que nos acompanhou, até 15 de Maio [e 1968], desenvolveu um trabalho extremamente meritório, e empenhou-se forçadamente em nos acompanhar. Passou também por graves tribulações, em que perde por falecimento um furriel, alvo de um artefacto armadilhado por ela mesma, e sofre mais de uma dezena de evacuações, por ferimentos e doenças.

À minha Companhia deparava-se ainda muito trabalho a realizar, mormente no fecho da configuração octogonal do aquartelamento, com a finalização das 8 casernas-abrigo, a colocação de mais 1 fiada de arame farpado e a limpeza roçada de toda a vegetação a distender por um amplo perímetro exterior.

Cada caserna era um compartimento rectangular, de dimensões da ordem dos 15 x 3 metros, e cuja construção se apoiava em 8 estruturas metálicas em forma de um U recto invertido. Tais estruturas eram firmadas ao solo por sapatas de betão.

Na sua parte superior (tecto), a actuarem como vigas, colocavam-se um conjunto de cibes, as quais eram sobrepostas por um tapete resultante do aproveitamento de bidões. Este tapete metálico, seria então recoberto por uma espessa camada de betão. E o coberto parecia apresentar um bom grau de segurança, que aliás se viria a confirmar mais tarde, na detonação de uma granada de morteiro 82.

Já as partes laterais eram construídas na base de troncos de árvores, a que se viriam a juntar blocos de pedra colocados à mão, os quais eram extraídos de um maciço rochoso que por ali havia, geologicamente conglomerados pouco consolidados. Tais blocos, extraídos por acção manual de picaretas, e a sua aposição para fazer parede a encobrir os toros, não ofertava a segurança desejável, mas foi a melhor solução encontrada para fazer uso dos recursos naturais disponíveis.

Havia 2 entradas pela parte de trás, também protegidas por um tapume de troncos. E a parte frontal da caserna, dispunha de 6 frecheiras rectangulares, largas e de pouca altura, com o fim de permitirem uma boa visibilidade e de poderem fazer uso das G3 em caso de última necessidade.

Cada grupo de combate ocupava 2 casernas, e lateralmente a uma delas, construiu-se um posto de vigia, que garantisse a conveniente segurança no alerta do sentinela.


PAIGC: Forte bateria de morteiros 82 e reforço do bigrupo de Nino Vieira

Lutava-se contra o tempo, pois que se tornava bem evidente que o PAIGC vinha progressivamente aumentando o seu efectivo, e uma vez que estava muito próximo da Guiné-Conacri, tornavam-se fáceis as deslocações para desencadearem flagelações mais próximas, quase sustentadas na base de armamento ligeiro, onde os RPG já apareciam e cada vez em maior quantidade. Mais em suplemento, junto à fronteira e talvez postados em território não nacional, dispunham de uma forte bateria de morteiros 82, e estes, de um modo quase perseverante, davam-se ao atrevimento de nos saudar com os seus quase consecutivos estampidos, a pôr-nos em constante alerta vermelho.

Hoje, passados tantos anos, não causar-me-á engulhos de maior, pois é minha forte convicção, ao afirmar que a data de 15 de Maio [de 1968] se revela como marco crucial na estratégia militar do PAIGC para esta zona, e que está apegada de forma visceral, mesmo muito profunda, às colunas de reabastecimento oriundas de Aldeia Formosa, e que redundam na quebra de todos os tabus de matriz religiosa.

Mais, julgo como certo que o bigrupo de Nino Vieira se junta ao já forte efectivo do PAIGC, com um objectivo firme de tentar resolver definitivamente esta questão da fixação das NT em sítios onde se movimentavam à vontade. A concretização de tal objectivo tem por fim contrariar ao máximo as colunas de reabastecimento, como também de encontrar e esperar a oportunidade mais conveniente para poder destruir Gandembel.

Foi efectivamente assim?


Operação Pôr Termo (de 15 a 26 de Maio de 1968, com um efectivo de três companhias)

Os factos e os feitos comprovam-no, dado que é a partir desta data que a situação de aparente tranquilidade e harmonia em que vivia uma vasta e densa zona envolvente a Aldeia Formosa, se altera abrupta e radicalmente.

Nesse dia, por razões que desconheço, as NT dão início à Operação Pôr Termo, com o objectivo de cercear a actividade inimiga nessa zona, para o que dispõe de um efectivo de 3 Companhias (entre as quais, uma Companhia de Comandos), e que se prolonga até 26 de Maio.

Os resultados infligidos ao PAIGC foram bastante diminutos, se se atender às trágicas consequências sofridas pelas NT. O relatório oficial sobre esta operação refere que sofremos 6 mortos, 3 feridos graves e 6 ligeiros, que é distinto do que nesse período pude comprovar e me foi dado a conhecer.

Assim, para além do que se desenrolou nesse trágico 15 de Maio, correspondente à 3ª coluna advinda de Aldeia Formosa, que referenciarei num capítulo sobre as colunas de reabastecimento, com a morte de 6 homens e de mais uma dezena de feridos evacuados, logo a 20 de Maio, há um facto nas imediações de Aldeia, que não lhe conheço os pormenores, mas em que registo ter havido 4 mortos e 8 capturados.


Pesadas baixas para a CART 1612, na sequência do recrudescimento da actividade operacional do PAIGC

Há documentos oficiais que confirmam que em resultado de uma mina anti-carro com emboscada, na estrada Mampatá−Uane, morrem 4 soldados da CART 1612. Não tenho elementos que me permitam concluir se estas acções se interconectam, pois o que então me afirmaram é que a captura dos elementos fora operada num ataque com assalto a um pequeno destacamento.

Esta Companhia de Artilharia, num curto espaço de tempo, é agressivamente fustigada, e relacionada com as colunas Buba − Aldeia Formosa − Gandembel, perdendo um número incrível de militares, em mortos e feridos.

Como mero título de exemplo, e só pela atribuição manifestamente jocosa como foi apelidada essa operação, dou a conhecer a actividade exercida pelo PAIGC sobre Gandembel, neste lapso de tempo. Assim:

— no próprio dia 15, houve 2 ataques, cerca das 20 e 24 horas, uma na base de armamento ligeiro, e a outra com morteiros, com mais de meia centena de deflagrações;
— a 16, cerca de uma centena de morteiradas espaçadas, a terem início por volta das 19.30 horas; às 4 horas, também na base de morteiradas, em menor número (não mais de 50), mas com maior poder de concentração;
— no dia 17, 2 ataques de morteiros, por volta das 19.30 e 22 horas, ambos com detonações a rondar a meia centena;
— já a 18, houve um único ataque de morteiros, ao começo da noite, a ultrapassar seguramente as 70 deflagrações;
— a 19, cerca das 20 horas, houve uma flagelação com duração de cerca de 20 minutos, de lança-granadas e de metralhadoras, a que se seguiu um ataque de morteiros, a rondar a meia centena de despoletamentos;
— no dia 20, ao anoitecer, mais um ataque de morteiros, com mais de 50 deflagrações;
— já a 21, registou-se só um ataque de morteiros, com cerca de 30 detonações;
— a 22, ao fim da tarde, há uma flagelação de lança-granadas e metralhadoras, que se prolonga em cerca de 15 minutos;
— no dia 23, logo pela madrugada, mais um ataque de morteiros, mais intenso, a ultrapassar a centena de disparos;
— já a 24, também há a registar um ataque de características muito similares ao do dia anterior;
— a 25, a meio da tarde, um pequeno ataque de morteiros, com cerca de 20 detonações;
— no dia 26, outro ataque de morteiros, ao princípio da tarde, com mais de meia centena de disparos.


26 de Maio de 1968: Spínola pela primeira vez em Gandembel

E é precisamente neste dia 26 de Maio [de 1968] que Spínola, ainda com poucos dias no cargo das suas funções de Comandante-Chefe, visita Gandembel logo pela manhã e sem qualquer aviso prévio. Debruça-se atentamente quanto às condições que aquele local ofertava às tropas aí sedeadas, não faz muitas perguntas, também não ousa questionar das eventuais dificuldades sentidas, é receptivo quanto à urgência de se dispor de equipamento bélico defensivo de grandes calibres. Faz-se não demorar muito tempo, e o helicóptero que o trouxera, e que sobrevoava Gandembel para não ficar estacionado durante a sua permanência, aterra de novo para o levar para outro rumo.

E o que Spínola terá pensado sobre o que tinha observado, já que pelo seu mutismo parece dar a entender que tinha perfeito conhecimento da situação bélica que se estava a passar na zona?

Naturalmente que ainda é prematuro extrair quaisquer ilações, pois certamente não foi por razões vãs que quis deslocar-se a este sítio. Posso reconhecer que se lhe tenha deparado aqui o primeiro dos grandes problemas para enfrentar e tentar resolver.


As colunas de reabastecimento tornam-se um pesadelo


Apenas após 3 dias Spínola vir a Gandembel, chega um pequeno contingente de artilharia, sob o comando de um alferes, com 2 obuses, que julgo de calibre 10.5, a que acrescia 2 metralhadoras pesadas Browning, e para as quais já estavam construídos os seus ninhos.

O PAIGC, convicto da sua força, desencadeia no dia 5 de Junho [de 1968] mais uma das suas acções, e que mostrar-se-ia fatídica para a Companhia, conforme referirei no capítulo sobre as colunas de reabastecimento, ceifando a vida ao 3º elemento da Companhia — o alferes Álvaro Vale Leitão, que vinha a caminho de Gandembel, provindo de Guileje.

Estas colunas devastavam e devoravam, provocando consequências de tal modo aterradoras, que iam atingindo penosa e gravemente os elementos da escolta que forçadamente nelas estavam envolvidos, com perturbações profundas e fracturantes no corpo e na mente.

Mas quem, sujeito a um penoso andar, absorvido pelo efeito danoso do inimigo, se confronta aqui com a morte de um companheiro, para mais alguns instantes se deparar com um outro a necessitar de ser evacuado, muito dificilmente conseguiria suportar tantas adversidades. E as perspectivas de as verem acabadas, de lhes pôr termo, não as vislumbrava.

Como forma de mascarar este embate de vida e de morte, havia sempre uma mente brilhante que planificava mais uma operação, mas que à míngua dos seus efectivos, não beliscava minimamente no comportamento bélico do PAIGC.

Foi o caso da Boa Farpa, tão serenamente vista dos céus por uma Dornier, mas tão assustadora e pungente para os que cá em baixo começavam a perder a noção da racionalidade, que se mediava entre o tudo e o nada, inseguros de si mesmos, já a agirem quase sempre maquinalmente. Eram homens em desespero, contando apenas com uma G3 fortemente aperrada e pronta a fazer fogo ao menor indício de perigo.

E ante este desencadear consecutivo de ocorrência deste tipo de vivências ameaçadoras, de uma guerra descomedida e sem limites, não se torna fácil de as descrever, porquanto são tantas e tão diferenciadas que nos impele a omitir as que, embora sofridas, não trouxeram, no imediato, perdas gravosas para a Companhia.

Homens em desespero: o caso do Alferes do Pelotão de Caçadores Nativos

Sem manifestar qualquer pretensão em me arrogar em fazer o papel de advogado do diabo, julgo hoje, há lonjura de quase 4 décadas, que quem chegasse a Gandembel tinha de possuir um temperamento firme e rijo, para enfrentar as adversidades que se lhe deparavam no dia a dia, dado o modo agreste e alucinante como se conseguia sobreviver.

Embora o considere como exemplo raro, ao referi-lo, demonstra um pouco o que este lugar nos reservava, e por isso faço-o figurar na história de Gandembel. Em rendição individual, e logo que chega do Continente, é enviado um alferes (perdi qualquer referência pessoal) para o Pelotão de Nativos, que num prazo de apenas 2 semanas, mediado entre os dias 29 de Maio a 13 de Junho, mergulha num profundo estado de transe que condoía. Era um ser quase inerte, que de tão apoderado pelo medo, já não reagia. Ante esta incontornável situação, a Companhia que estava sob o comando de subalternos [aliás, como numa parte substancial do tempo de permanência], pediu a sua evacuação.

(Continua)



E para todos vocês, um até breve. Um abraço do Idálio Reis.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel

terça-feira, 22 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1778: Álbum das Glórias (13): O que custava mais eram os primeiros 21 meses (Humberto Reis / Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Natal de 1969 > Messe dos Sargentos > Pessoal da CCAÇ 12 (1969/71) e da CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) no almoço de Natal: na foto, consigo distinguir, no lado esquerdo, os furriéis milicianos da CCAÇ 12 Marques, Branquinho, Martins (o Pastilhas), o Pina e o Fernandes... No lado direito, assinalados com um rectângulo a amarelo, reconheço o nosso vagomestre, Jaime Santos, e o José F. G. Almeida, de transmissões (1).

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.


O Álbum das Glórias (2)

1. O nosso amigo e camarada Humberto Reis estava, há dias, desapontadíssimo porque, pela primeira vez, desde que a malta de Bambadinca, da época de 1968/71, se reune periodicamente para conviver - prática inaugurada em 1994 - vai ter que faltar à chamada (3)... Ou seja, no dia 26 de Maio, sábado próximo, ele estará na Suécia, numa viagem de negócios (o nosso engenheiro está ligado à concepção, instalação, gestão e manutenção de sistemas de ar condicionado), enquanto os camaradas do seu tempo de Bambadinca (CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12, Pel Rec Daimler 2206, Pel Caç Nat 52, Pel Caç Nat 63, etc.) se irão juntar, em Lisboa, na Casa do Alentejo, sob a batuta dos ex-Alf Mil da CCS do BCAÇ 2852 Fernado Calado e Ismael Augusto...

O Humberto fazia questão de dizer-me que ele era um dos quatro 'totalistas' da CCAÇ 12: ele, o Marques, o Fernandes e o Sousa, ex-1º cabo Aux Enfermeiro até à data não tinham falhado um convívio... Vai acontecer desta vez, mas mesmo assim ele faz questão de estar representado pela esposa Teresa (que esteve em todos os encontros, excepto no 1º, em Fão, Esposende, no já longínquo ano de 1994)...

Em jeito de pequena homenagem ao nosso 'cartógrafo-mor' - como eu na brincadeira gosto de lhe chamar -, e desejando-lhe bons ventos e bons augúrios lá por terra dos vikings, vou aqui citar uma das frases que a sua memória de elefante reteve, e que é reveladora do nosso proverbial humor de caserna.

Em conversa, a propósito do Gilberto Madail, conhecido dirigente da Federação Portuguesa de Futebol e da UEFA, lembrou-me o Humberto que foi a CART 1746 (a que pertencia o Madail) (4) quem, estando no Xime, na altura da nossa chegada à Guiné, fez as honras da recepção aos periquitos (nós, os da CCAÇ 12, mas também os da CART 2520, que vieram render os da CART 1746): ao chegarmos ao Xime, em LDG, e ao tomarmos as viaturas que nos iriam conduzir a Contuboel, "eram eles que lá estavam com um grande lençol branco onde estava escrito O Que Custa Mais São Os Primeiros 21 Meses"...




Guiné > Região do Oio > Bissorã > Pessoal da CART 1525 (1966/67) e e da CART 1746 (1967/69) > Na messe de oficiais: O Rogério Freire, alf mil da CART 1525, é o de "de óculos ao lado do Madaíl" (Gilberto Madaíl, em primeiro plano, no lado esquerdo). "Ao fundo está o (na altura) Capitão Mourão da CART 1525 e, ao seu lado, à direita da foto de óculos, o Capitão Vaz" (RF)... Este último comandava a companhia a que pertencia o alf mil Madaíl, a CART 1746 (que irá acabar a sua comissão no Xime, Zona Leste, Sector L1).

Em Bissorã, sempre houve uma tradição ligada à actividade desportiva e, nomeadamente, ao futebol... Não sabemos se o jovem Madaíl tinha jeito para a bola ou, na altura, já tinha revelado a sua vocação para dirigente desportivo... Diz o Rogério Freire (RF) sobre o Gilberto Madaíl, que é hoje uma figura pública: "A imagem que retenho do Madaíl daquele tempo é o de uma pessoa muito alegre e bem disposta e de muito fácil conversa e diálogo".

Foto: CART 1525 - Os Falcões (Bissorã,Guiné-Bissau, 1966-67) (com a devida vénia...).



Infelizmente, esse momento [ da troca de galhardetes entre periquitos e velhinhos no Xime] não foi fotografado por nenhum de nós, pelo menos até ao momento não me chegou às mãos nenhuma 'chapa' desse dia e hora... Eu tenho, apesar de tudo, um apontamento desse dia 2 de Junho de 1969 (5)...

Em boa verdade, esse terá sido o primeiro dia dos duros 21 meses que nos esperavam em terras da Guiné... (LG).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 21 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1773: Lista do pessoal de Bambadinca (1968/71) (Letras C / Z) (Humberto Reis)

(2) Vd. post de 3 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1726: Álbum das Glórias (12): Bissau: Clube Militar, mais conhecido por Biafra (Mário Bravo)

(3) Vd. post de 9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1742: Convívios (2): Lisboa, Casa do Alentejo, 26 de Maio de 2007: Bambadinca 68/71, BCAÇ 2852, CCAÇ 12, etc. (Fernando Calado)


(4) Vd. posts de:


21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P978: Futebol em Bissorã no tempo do Rogério Freire (CART 1525) e do Gilberto Madail

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P979: O Gilberto Madail pertenceu à CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) (Paulo Santiago)




(5) Vd. post de 12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá (Luís Graça)


(...) "Como um cão apanhado na rede – repetia eu, nessa manhã de 2 de Junho de 1969, no fundo da LDG Bombarda (6), entre fardos de colchões de espuma, cunhetes de munições, Unimogs novinhos em folha e velhas malas de viagem atadas com cordões, enquanto os fuzileiros, hercúleos, heróicos, em tronco nu, de garrafa de cerveja na mão, assustavam bichos e homens com tiros de morteirete próximo da temível Ponta Varela, exorcizando os diabos negros que infestavam o tarrafe e os cerrados palmeirais que circundavam as margens do Geba, ao mesmo tempo que um solitário T-6, protector como um anjo da guarda, sobrevoava a foz do Corubal, ronceiro, sob um céu de chumbo (ou de bronze incandescente ?), em círculos concêntricos como o voo do sinistro jagudi - que fareja a morte, dizem os guinéus, a quilómetros de distância -, acabando por alijar a sua carga mortífera lá para longe, talvez a norte, em Madina/Belel, talvez a sul, no Fiofioli – após a nossa chegada a bom porto…

"Na circunstância, um porto fluvial, um sítio chamado Xime, sem qualquer tabuleta que o identificasse – um pontão acostável, uma guarnição militar a nível de companhia (com um destacamento no Enxalé, do outro lado do rio e da bolanha), três obuses Krupp, silenciosos mas ameaçadores, meia dúzia de casas de estilo colonial, de adobe e chapa de zinco, e mais umas escassas dezenas de cubatas de colmo, ruínas dum antigo posto administrativo, restos de uma comunidade mandinga, vestígios de um decadente entreposto comercial, cercados de holofotes, arame farpado, espaldões, valas, abrigos, a estrada cortando ao meio a tabanca e o aquartelamento, dois irmãos siameses condenados a viver e a morrer juntos…

"Todo o tráfego para a Zona Leste passava inevitavelmente pelo Xime, sendo o rio Geba (ou Xaianga) navegável até Bafatá, mas apenas por embarcações de pequeno calado, e mesmo era assim uma aventura devido ao risco de emboscadas especialmente no Mato Cão, no troço entre o Xime e Bambadinca quando o rio estreitava e se espraiava pela terra dentro, enroscando-se como uma cobra entre a bolanha e a floresta…

"E como os cães (vadios) que se levam na carroça camarária, lá seguimos a caminho do matadouro ou de um outro qualquer destino cruel, para um sítio no mínimo desconhecido, que sabíamos apenas chamar-se Contuboel, algures no leste da Guiné, a meio caminho entre Bafatá e a fronteira norte, para aí formarmos companhia, transportados em estranhos camiões que habitualmente serviam para reboque de peças de artilharia – por ironia, chamados Matadores! - , entre alas de soldados, tugas, que faziam segurança nos flancos, bronzeados pelos trópicos, de lenços de pescoço garridos – tão garridos como o traje da minhota em dia de arraial, tão desconcertantemente garridos em contraste com o camuflado já comido do sol e da chuva - , alardeando a sua velhice, por gestos que revelavam um misto de paternalismo, sobranceiria, fanfarronice e inconsciência -, esforçando-se por asssinalar, a nós, pobres e assustados periquitos, o buracão da última mina, os vestígios da última emboscada, a curva fatídica onde, por detrás dos morros de baga-baga, a morte podia estar à nossa espreita, sob a forma do lendário Fernandes, antigo futebolista do Sporting de Bissau, de quem se dizia ser capaz de fazer saltar a cabeça dum tuga a 100 metros de distância com um único tiro certeiro de RGP… Pobres periquitos que engoliam todas as patranhas que lhes impingiam desde a chegada a Bissau, propagadas de esplanada em esplanada, do Bento ao Pelicano, como fogo atiçado ao capim…

"Um arrepio de frio percorreu-me o corpo de alto a baixo. Instintivamente tirei os meus óculos, puxei a escassa gola do camuflado para o desguarnecido pescoço, enterrei o quico na cabeça e pus a patilha da G-3 no automático – quebrando assim, pela primeira vez, o juramento que a mim próprio fizera, ainda em Santa Margarida, de nunca mais pôr uma bala na câmara, depois do lamentável incidente com a velha mauser em que, durante um das brincadeiras estúpidas da IAO, no assalto a uma tenda de campanha do inimigo-a-fingir, havia arrancado os fundilhos das calças da farda nº 3 a um cabo miliciano, quase à queima roupa, com uma bala de madeira...

"A meu lado, o pobre do Pastilhas suava por todos os poros, à medida que o gigante da floresta verde abria os seus braços para nos deixar passar… A começar pelo nosso capitão, o afável capitão Brito, veterano da Índia, seguíamos todos tensos e calados, tentando disfarçar o natural nervosismo de quem entrava abruptamente no famoso TO (teatro de operações) da Guiné.

"Pairava ainda na estrada Xime-Bambadinca o fantasma do furriel vagomestre do Xime que em Ponta Coli, antes de Amedalai, tinha por hábito desafiar impunemente o turra, insultando-o de cabrão e filha da puta para cima, turra esse que nós iríamos aprender a respeitar com a reverência temerosoa que é devida a todos os inimigos poderosos, armados ou não de RPG – até que um dia morreu com um tiro na nuca e a bela Helena de Bafatá nos braços" (...).


(6) Não foi a LDG Bombarda mas sim a LDG Alfange que nos levou de Bissau ao Xime: quem o diz é o Manuel Lema Santos, que é o nosso catedrático em matéria de Marinha e Marinheiros:

vd post de 16 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1371: Foi a LDG 101 Alfange que transportou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 até ao Xime em 2 de Junho de 1969 (Manuel Lema Santos)