sexta-feira, 7 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6331: Dossiê Guileje / Gadamael (23): Algumas das razões do insucesso militar do PAIGC em Gadamael, maio / junho de 1973 (Nuno Rubim)

1. Mensagem de 23 de Janeiro de 2009, enviado pelo Nuno Rubim (foto à esquerda, em 1965, como Cap Comando do CTIG, em Bissau)  (*) ao João Seabra (Foto à direita) (**).

Embora se trate de correspondência não pensada para publicação no blogue, entendo que nos interessa a todos, uma vez que contém alguma informação (original) sobre o PAIGC e o seu insucesso militar face a Gadamael (um dos três G, a par de Guileje e de Guidaje, que tanta tinta - neste caso - bytes - tem feito correr, saudavelmente, no nosso blogue: batas referir que temos já cerca de meio milhar de postes no total destes 3 marcadores!). Julgo que tanto o Nuno Rubim como o João Seabra - dois discretos, mas muito estimados e ocupadíssimos membros da nossa Tabanca Grande - não me levarão a mal o ter repescado este material que estava no nosso arquivo morto... (LG)

Caro Camarada  [João Seabra]

Ainda a respeito do seu texto [, de 22 de Janeiro de 2009,], que o Luis Graça me enviou, tenho a acrescentar o seguinte:

Consultados os ex-comandantes do PAIGC sobre a questão do insucesso do ataque a Gadamael (Nino Vieira disse ignorar as razões ...), o Maj Gen Watna e os comdts Osvaldo Lopes Vieira e Julinho de Carvalho, ouvidos separadamente e em diferentes ocasiões, foram praticamente unânimes em apontar as seguintes razões principais (**):

(i) Gasto excessivo de munições de 120 mm no ataque a Guileje.

(ii) Dificuldade de locais propícios para os instalar e o que foi finalmente escolhido veio-se a revelar impróprio, já que devido ao início das chuvas os pratos dos morteiros se desequilibravam e/ou se iam enterrando progressivamente no solo. E outra qualquer posição teria trazido grandes problemas no transporte das munições.

(iii) Não ter havido, tal como em Guileje, possibilidade de observar o tiro com a mesma eficiência do que em Guileje e consequentemente de melhor regular o fogo.

(iv) Há ainda a acrescentar a evidente escassez de tropa de infantaria que Amílcar Cabral várias vezes tinha referido, sendo que o PAIGC, como ele próprio reconheceu, foi obrigado a um recrutamento parcial compulsivo.

(v) Finalmente, o planeamento da operação Maimuna A (1968) englobava ataques simultâneos a Guileje e Gadamael, com emboscadas montadas entre Mejo e Guileje e no cruzamento de Guileje, o que me leva a admitir que o planeamento da operação Amilcar Cabral (Maio 1973) só terá sofrido, fundamentalmente, alterações quanto ao timing dos ataques.

Camarada, ainda tenho naturalmente várias dúvidas sobre determinadas questões e por isso vou tentar ouvir ainda vários comdts do PAIGC enquanto isso fôr possível (a eles e a mim próprio ... ). Penso pois ir novamente à Guiné este ano. (****)

Um abraço
Nuno Rubim


2. Aproveito para divulgar, creio que pela segunda vez,  pedido do Nuno Rubim sobre Gadamael:

Caro Luís

Como estou, como é vulgo dizer "com a mão na massa", também penso realizar algumas pequenas pesquisas sobre outra "saga", desta vez, Gadamael.

Já tenho o levantamento de todas as unidades que por lá passaram, mas naturalmente o que mais me vai ocupar é o período Mai-Jul 73.

Também seria muito interessante tentar fazer um esboço do que teria sido o aquartelamento nessa altura, sem abrigos "blindados" como os que houve em Guileje e Gadembel ... Só valas e trincheiras a céu aberto !

Naturalmente só com a ajuda dos camaradas que por lá passaram é possível fazer alguma coisa. Fotos para começar ... Haverá alguma aérea, mesmo que de outro período ?

Uma questão prévia: precisava de saber quando e até que data foram ocupados Gadamael Fronteira e Ganturé. Deste último tenho informações que referem ter ali estado instalado um Pel Rec (ou Gr Comb ) desde Fev/Mar 1964 até Jul 69, mas é possível que tenha continuado depois desta última data.

Também pergunto se algum camarada tem conhecimento de um Fur Mecânico-Auto, de apelido Barros, que terá estado em Guileje e/ou Cacine em 1971-72.

Um abraço
Nuno Rubim
_______

Notas de L.G.:

(*)  O Nuno Rubim, Cor Art Ref, é  um dos membros mais antigos do nosso blogue. Ele chegou até nós, no último trimestre de 2005,  por mão do Virgínio Briote. Estiveram ambos nos comandos do CTIG em 1965/1966. O projecto museológico de Guileje acabou por se tornar, para ele, numa paixão. Além de autor do diorama do quartel de Guileje, o Nuno Rubim foi também um dos oradores do Simpósio Interncional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008). Esteve duas vezes na Guiné em missão de serviço, durante a guerra colonial. 

(**) Vd. poste de 27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)


(***) O essencial desta informação foi obtida em Fevereiro / Março de 2008, quando o Nuno Rubim esteve na Guiné-Bissau, antes, durante e depois do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008).

O Nuno é um incansável e competentíssimo investigador de arquivo (e não só...). Sobre alguns dos arquivos que interessam para o estudo da guerra colonial na Guiné, ele confidenciuou-me (em mail particular, de 28/10/2008) o seguinte:

(...) "Arquivo Amílcar Cabral. Pois já lá fui várias vezes e penso que estou a atingir 'o fundo da panela'... A não ser que ainda não esteja todo o material colocado à disposição dos leitores, sem que haja aqui qualquer crítica implícita.

"Mas o que me está realmente a surpreender é o A.H.M.  [AQrquivo Histórico-Militar]. Agora que já
consigo "movimentar-me" com conhecimento de causa, tenho encontrado material de enorme interesse ! E até muita coisa sobre o PAIGC !

"Que ninguém se possa convencer que sabe da história da guerra se não tiver lá passado muitos meses e mesmo anos ! E depois trabalhado em casa, por largo tempo, o material recolhido !

"Talvez realizes agora melhor o que é ter já perto de 28 GB, 5320 ficheiros (textos, mapas, fotos, etc... ) em 689 pastas no meu computador !

"E olha que julgo estar longe do que considero minimamente necessário para se ter uma ideia bem fundamentada sobre a realidade do que foi essa triste guerra ... E estou só a falar dos aspectos militares !

"Muito lamento não ter menos uns dez anos, pelo menos" (...)

(****) Infelizmente, por diversas razões, a que não é alheia também a instabilidade político-militar na Guiné-Bissau, este belo sonho do Nuno e da Júlia (que nasceu na Guiné), não tem sido possível concretizar...

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6330: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (28): Diário da ida à Guiné - 08/03/2010 - Dia cinco

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 1 de Maio de 2010:

Caro Carlos:
Junto envio o relato do 5.º dia da minha viagem à Guiné (estória n.º 28
da série “A Guerra Vista de Bafata”).

O início da série NA KONTRA KA
KONTRA tem que continuar adiado.

Um abraço
Fernando Gouveia



A GUERRA VISTA DE BAFATA - 28

Diário da ida à Guiné – Dia cinco (08-03-2010)

Como passou a ser meu costume, todos os dias me levantava muito cedo para “ir à caça”. Via sempre nascer o Sol. Ia cedo porque queria estar presente quando o resto do grupo já estava operacional e, de forma alguma, queria perder pitada, “beber” tudo o que fosse possível da Guiné. Estávamos numa segunda-feira e já ia embora na quarta-feira à noite. Impossível, não podia ser. De imediato comecei a pensar no adiamento do regresso. Meio dito (ou pensado), meio feito…

Como já anteriormente disse, passei a “ir à caça” sempre sozinho. Desta vez, levando a carabina ponto 22 do Chico Allen, fui direito à grande clareira, uma bolanha seca que o balanta José me tinha ensinado. Ia tirar a limpo de que passaroco se tratava, o tal que parecia prateado ao esvoaçar. Escondi-me na vegetação existente à volta do charco onde o pássaro costumava estar e não demorou muito a aparecer. Pude observá-lo muito bem a uns cinco metros de distância. Tratava-se muito simplesmente de um pica-peixe matizado de branco e preto que ao voar parecia prateado. Estive largos minutos a vê-lo pescar pequenos peixes. Depois também apareceu uma garça branca. Pareciam ser os dois únicos residentes da lagoa. Momentos inesquecíveis. Tive muita pena de não ter levado a máquina fotográfica e a de filmar.

Se há quarenta anos, na única operação em que participei, procurei andar sempre fora dos trilhos por motivos óbvios, agora semelhantes, ao atravessar a clareira para o outro lado, fi-lo só pelos trilhos bem marcados. Ainda me lembrava bem o que o Mr. John, em Varela, tinha dito sobre as vacas que de vez em quando pisavam uma antiga mina.

Fartei-me de “encher o olho” com aquela paisagem que todos conheceram. Morros de baga-baga sempre diferentes uns dos outros, palmeiras do vinho de palma, palmeiras de cocos, palmeiras de frutos parecidos com cocos, “árvores conta” com frutos que parecem bolotas mas de cores exuberantes, “árvores pelon” com as suas flores exóticas, bissilãos de tronco enorme e muito recortado com arremedos de “art nouveau” e os embondeiros (eternos baobás), imponentes, com os seus frutos que mais parecem ratos pendurados pelo rabo mas que têm uma polpa que os miúdos, e eu próprio, gostamos de chupar quando no início da época das chuvas os vendavais os deitam a baixo.

Um Morro de baga-baga diferente.

Os frutos da árvore conta.

Flor da árvore pelon.

Tronco de bissilão (foto do Miro).

Embondeiro com os seus frutos que mais parecem ratos pendurados pelo rabo (fotos não minhas).

Regressei ao empreendimento a meio da manhã, estava o pessoal a tomar o pequeno almoço. Lembro-me agora que estive para regressar logo no início do passeio pois, indo de manga curta, senti muito frio pois ia-me molhando no capim alto e seco, encharcado com o orvalho nocturno, apesar de durante o dia a temperatura rondar sempre os 40º.

Entretanto chegaram vários casais pertencentes ao grupo que fez a viagem de carro. Entabulou-se uma conversa perfeitamente estéril sobre as fracas condições do nosso empreendimento e também sobre o regresso a Portugal. Por razões emergentes na conversa, mais tarde o grupo veio a fracturar-se. Na sequência dessa conversa, que iria durar o dia inteiro, comecei a ver a minha vida andar para trás.

Para quando Bafata?

Uma das senhoras prontificou-se a fazer o almoço (um arroz de bacalhau), o que foi um alívio para mim. Autenticamente aguardei sentado que me servissem. Depois, para não participar naquela conversa que não me dizia respeito, fui dormir a sesta pela primeira vez.

Não tendo terminado a tal conversa resolveram que íamos jantar ao empreendimento de João Landim para a continuar. O bife que lá comi estava duríssimo. Luz ao fundo do túnel... Como íamos ficar só quatro elementos na Anura, resolveu-se que no dia seguinte íamos a Mansabá, “a guerra” do Pimentel e do Mesquita e também a Bafata. Finalmente…

Como acontece com os miúdos, nessa noite custou-me a adormecer com a excitação do que poderia acontecer no dia seguinte. E aconteceu…

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6285: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (27): Diário da ida à Guiné - 07/03/2010 - Dia quatro

Guiné 63/74 - P6329: Notas de leitura (101): Spínola, a biografia de Luís Nuno Rodrigues (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2010:

Queridos amigos,
Circunscrevi o punhado de notas de leitura à presença de Spínola na Guiné, é o contexto esperável para o nosso blogue.

Envio de seguida uma sugestão que é visita à exposição “Memória do Campo de Concentração do Tarrafal”, onde estiveram presos guineenses.
A exposição está patente no Museu do Neo-Realismo, até 29 de Agosto (Rua Alves Redol, 45, Vila Franca de Xira, tel.: 263285626).

Um abraço do
Mário


Spínola, a biografia de Luís Nuno Rodrigues (2)

Beja Santos

“Por uma Guiné Melhor”

A fazer fé no documento que entregou em Maio de 1968 a Salazar, Spínola estava já consciente de que a guerra na Guiné não poderia ter um desfecho meramente militar. Aquilo a que ele designava por “força da razão” era uma guinada amplíssima na promoção social e na satisfação das necessidades básicas das populações, cortando cerce a argumentação do PAIGC. “Por uma Guiné Melhor” aparece como a resposta possível ao conflito ideológico que se trava com o PAIGC. Lisboa não lhe irá regatear um importante apoio financeiro para criar mais infra-estruturas (rodoviárias, comunicações, portos), educação e assistência sanitária, mas será sempre tudo arregaçado. Em Março de 1969, numa mensagem à população, Spínola fala no nascimento da “nova Guiné”: estradas alcatroadas, portos fluviais, mais escolas, criação da meritocracia, ou seja, uma selecção dos melhores nos acessos aos lugares mais altos da administração. Toda a sua correspondência para os governantes é um regatear permanente de meios, a toda a hora lhes recorda as promessas de apoios financeiros. Como é evidente, o fantasma da guerrilha não podia ser iludido e daí o reordenamento e auto-defesa das populações constituiu um objectivo prioritário na criação de novos aldeamentos. Eles foram construídos e neles instalados poços para o abastecimento de água, escolas e postos médicos. Foram dadas instruções aos comandos para alterar o seu comportamento relativamente aos guineenses: deveriam cessar todos os actos injustificados de violência, instituído um novo relacionamento que passaria inclusivamente pela libertação de prisioneiros políticos. Em Agosto de 1969, Spínola joga um trunfo elevado: liberta Rafael Babosa, antigo presidente do Comité Central do PAIGC, bem como um conjunto de outros presos políticos. Sabe-se hoje que o discurso de Rafael Barbosa , aquando da sua libertação, abalou internamente o PAIGC.

As obras públicas e os melhoramentos tornaram-se o novo rosto do progresso: em 1968 havia na Guiné 60 quilómetros de estrada alcatroada, cinco anos depois 550. Folheando a imprensa propagandística da época, encontramos Spínola a toda a hora a inaugurar escolas e toda a sorte de benfeitorias.

Os Congressos do Povo foram uma outra componente fundamental da política de aproximação às populações: eram organizados com base nas diversas etnias, abrangiam os habitantes das circunscrições administrativas e nas reuniões anuais estavam presentes membros dos estratos dominantes da sociedade tradicional. Numa alocução, Spínola disse: “O congresso não é para vir aqui bater palmas ao governador, não é para vir aqui dizer que sim à política do governador, é para que cada um diga sinceramente o que pensa e faça abertamente as críticas que entenda dever fazer”.


Correndo contra a falta de meios militares

Não se pode negar que os primeiros tempos de Spínola na Guiné acusaram a dinâmica das mudanças no dispositivo militar. Quando Spínola chegou à Guiné a área controlada pelo PAIGC era estimada entre 50 a 60 por cento do território, se bem que os portugueses continuassem a ocupar todas as cidades, todos os postos administrativos, o que não é surpresa atendendo à natureza da guerrilha. Passou a ser proverbial encontrar o comandante-chefe no mato, durante as manhãs, o que se saldou em notáveis efeitos psicológicos nos soldados portugueses. Na área militar, Spínola não deixa margem a ilusões quanto à falta de meios, não ilude que a situação militar no terreno não era a mais favorável, não esconde o desânimo que ele próprio verifica no seio dos militares que se encontravam em serviço na Guiné. Como sempre, ele joga com expressões ambíguas e exige novos apoios, em todos os domínios, desde as equipas cirúrgicas a meios aéreos compatíveis com as novas realidades de amplos espaços ocupados por população hostil, faz mesmo alusões ao caso da Índia. Quando Caetano visita a Guiné, em Abril de 1969, em plena sala de operações do Comando-Chefe, Spínola não ilude a realidade: “O inimigo continua a manter a iniciativa num desenvolvimento sistemático da sua manobra de largo envolvimento e cerco à ilha de Bissau – seu objectivo militar e psicológico final”. À luz de todos os documentos deixados em poder dos governantes, a expressão “situação crítica” é correntemente usada a propósito da evolução militar.

Não se sentido devidamente apoiado quanto a uma conclusiva “manobra estratégica” por Lisboa, Spínola estabelece diferentes prioridades: o chão manjaco como área fulcral da luta contra a subversão (aí, em Abril de 1970, irá sofrer um duro revés com a morte de vários oficiais que negociavam com os combatentes do PAIGC); mais tarde, com anuência de Caetano, prepara a invasão de Conacri cujos resultados, em termos diplomáticos, serão um verdadeiro desaire para a política externa de Caetano.


Caetano e Spínola: da admiração à ruptura

É inegável que Caetano e Spínola tiveram uma profunda admiração recíproca. Ainda no Verão de 1970, encontraram-se no Buçaco, Caetano estava a trabalhar na revisão constitucional, fizera surgir a expressão “autonomia progressiva”. Desse encontro resultou um documento de Spínola que terá servido de base ao livro Portugal e o Futuro. O projecto de revisão constitucional de Caetano acabará por ser mitigado, trará decepção a Spínola. Em 1972, a quando das eleições presidenciais, Spínola terá considerado que iria ser chamado para a chefia do Estado. Nesse ano, Spínola, autorizado por Caetano, entabula conversações com Senghor, o presidente senegalês propôs-lhe uma autodeterminação gradual para a Guiné, seria uma medida cautelar para o desenvolvimento de uma nova classe governativa, Senghor acreditava mesmo no apoio de Amílcar Cabral a tal iniciativa. Caetano proíbe novas reuniões, chega mesmo a admitir que será preferível uma derrota militar a quaisquer compromissos que pudessem pôr em causa as outras parcelas do Ultramar. Nesse mesmo ano, Caetano proíbe uma reunião entre Spínola e Amílcar Cabral. A ruptura entre os dois políticos está consumada, e é assim que se caminha para a crise de 1973, um ano horrível para os dois. Em Janeiro, é assassinado Amílcar Cabral. Ainda hoje, os acontecimentos deste homicídio continuam no nevoeiro, nunca nenhum historiador conseguiu incriminar taxativamente quer a PIDE quer as autoridades de Conacri. O importante é que o PAIGC reagiu semeando o terror em Guidage, Guileje e Gadamael. Inicialmente, Spínola, com a concordância de Costa Gomes, inclina-se para três cenários: redução da área a defender; redução do dispositivo existente ou reforço do teatro de operações. Políticos e estrategas apoiam a redução da área a defender. É nessa data que Spínola escreve ao ministro do Ultramar e deixa claro que se caminha para um colapso militar, desfecho que ele vaticina que se irá verificar não no seu mandato, que esta a terminar, mas a seguir. Desalentado, informado que não há meios para contrariar as novas armas do PAIGC, Spínola decide abandonar as suas funções da Guiné. Mudara de opinião quanto à retracção do dispositivo militar, isso significaria o abandono de populações que nele tinham confiado. A Guiné tinha atingido uma fase “estritamente militar”, incompatível com os compromissos que ele considerava ter assumido com as populações. Regressa a Lisboa a 6 de Outubro de 1973, a Guiné já não tem solução militar, Spínola prepara a desforra. O historiador Luís Nuno Rodrigues explica todos esses acontecimentos, vale a pena ler esta biografia, o que aqui se relatou foi somente a relação entre Spínola e a Guiné.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6300: Notas de leitura (100): Paraíso Verde - Contos de Francisco Valmoura (Mário Beja Santos)

Vd. primeiro poste da biografia de Spínola de 29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6272: Notas de leitura (99): Spínola, a biografia de Luís Nuno Rodrigues (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6328: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (14): Construção de Mansambo (Tampão)

Estórias de Mansambo, série do nosso camarada Torcato Mendonça*, ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69). ... Encontramo-nos num quente dia de Agosto. Da Guiné pouco falamos. Combinamos um outro encontro. O tempo correu veloz e já com 2010 iniciado, falamos calmamente. Após breve conversa o José foi direito ao assunto: - Na última conversa sobre a Guiné ficamos em Fá, Fá Mandinga. - É verdade, respondi-lhe e acrescentei: - José, vou então começar por aí. Farei breve síntese, poderei falar até de assuntos diversos sem estarem interligados. Depois, como o anteriormente combinado, tentaremos respeitar o tal fio condutor. Corremos o risco de nos repetir mas “não há nada de mais inédito do que aquilo já publicado”. Tentemos. Gravas e depois escreves. 1 - CONSTRUÇÃO DE MANSAMBO (TAMPÃO) Fá Mandinga foi o primeiro aquartelamento da Companhia Independente CART 2339 na Guiné. Éramos a Companhia de intervenção do BART 1904 sediado em Bambadinca. A 1.ª Operação que fizemos foi ao Galo Corubal. Curiosamente a partida foi de Mansambo. Então pequena tabanca, defendida por uma Secção reforçada de Milícias, quase na berma, exagero meu pois distava talvez cerca de duzentos metros da estrada de Bambadinca para o Xitole. A estrada só se encontrava “aberta” até Mansambo. De lá até ao Xitole era zona de forte implantação do IN e consequentemente a estrada estava intransitável. Essa implantação do In estendia-se, devido aos poucos destacamentos das NT, a toda a zona a oeste de Mansambo até ao Rio Corubal; para sul/sudoeste até ao Xitole; para norte/noroeste até ao Xime. Zonas de implantação não eram sinónimo de ocupação e domínio absoluto. Nós continuávamos a ir a todo o lado. Evidentemente que havia encontros e troca de tiros. O normal numa guerra. O Xitole e o Xime eram os únicos aquartelamentos daquela vasta área. Excepto pequenas tabancas como, Moricanhe, Demba Taco, Taibatá e Amedalai defendidas por Milícias com o apoio das NT. Considero que, para o IN, era a situação desejada. Assim, sem grandes meios, controlavam aquela zona toda e começaram a tentar uma maior implantação e mesmo um mais efectivo controlo da população dessa zona. Para obstar essa progressão inimiga para Este, ou melhor, para Bambadinca e Regulados de Badora e Cossé, era necessária a construção de uma base nossa, com pelo menos uma Companhia, para controlar os acessos para Este e pronta a suster qualquer avanço. A servir de tampão, digamos assim. Essa base, só poderia ser Mansambo devido às premissas atrás aduzidas e à sua boa posição estratégica. O Comando do Sector L1, Bart 1904, decidiu a construção de um aquartelamento naquela tabanca com os seus dois ou três abrigos rudimentares e uma mais que frágil defesa. A Engenharia militar forneceu o projecto, BENG 447. O apoio logístico foi acautelado e um Grupo – o 4.º Grupo de Combate da 2339 – e outro Grupo da Companhia 1646 avançaram para Mansambo em 21 de Abril. As condições de vida, como facilmente se compreende e se atesta pelos registos fotográficos eram más. A 6 de Maio avançou o 1.º Grupo da 2339 e regressou o da 1646. No início, o trabalho consistia em desmatações, reforços das defesas e criar as condições mínimas para se sobreviver. Em 20 de Maio avançou o 2.º Grupo. A Secretaria, serviços de apoio e Comando saíram depois de Fá para Bambadinca. O 3.º Grupo ficou, junto do Comando, para as idas a Mato Cão, proteger as colunas de materiais para o novo aquartelamento e, como toda a Companhia na intervenção do Sector. Ia-se erguendo, hábito secular deste povo, uma fortaleza feia e forte de modo a resistir aos 82, canhões sem recuo e outro armamento usado, nesse tempo pelo IN. A construção está bem documentada pelo Alf Mil Cardoso e Fur Mil M. dos Santos em diaporama e sequência fotográfica. Não é suficiente - seria impossível faze-lo - para mostrar o que foi viver, principalmente os que primeiro para lá foram, em condições tão difíceis. Tudo foi superado. A G3 e outras armas viradas para os “turras” que não suportavam a afronta de construir um quartel naquele local. As pás, outros instrumentos, a força dos braços, o engenho e a arte foram dando forma, não só aos oito abrigos mas a outros “edifícios”: cozinha, armazém de géneros, enfermaria, secretaria e outros para apoio diverso, inclusive um poço e balneários. A Companhia juntou-se em Outubro/Novembro, seis meses depois do início dos trabalhos. O aquartelamento de Mansambo foi inaugurado em 21 de Janeiro de 1969, um ano depois da nossa chegada à Guiné. Esta base foi determinante para dificultar o avanço do IN e a posterior abertura da estrada para o Xitole, além da acção de apoio às populações das Tabancas que receberam armas e entraram em autodefesa (Candamã e Afia). Enquanto se construía o aquartelamento, se fixavam e protegiam as populações, a Companhia sempre continuou com a sua actividade operacional. Finalmente: A 2404 rendeu a 2339 em Novembro de 69. Ainda foram feitas algumas Operações em conjunto, mais de reconhecimento do que ofensivas. A 21 de Novembro, o 2.º Grupo e o Comando saíram de Mansambo rumo ao Xime. Chegaram a Bissau no dia seguinte. O resto da Companhia já lá estava e esperava-nos. Novamente juntos, com embarque à vista, em princípio marcado para 4 de Dezembro, tratamos de o preparar e zarpar até Lisboa. Burako Mansambo > Vigiando o horizonte Mansambo > Abrigo em construção Fotos falantes © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados. Como ouviste quase que sintetizei, por alto, muito por alto o que foi a “vida” de dois anos da Cart 2339 na Guiné. Só que há muito para contar. Continuaremos. Por que não com a construção de um “abrigo tipo”? __________ Notas de CV: (*) Vd. poste de 3 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6305: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (6): Lágrimas secas Vd. último poste da série de 22 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5140: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2330) (13): Mistura 79 ou quando tive que mandar o Manel a Moricanhe...

Guiné 63/74 - P6327: O Spínola que eu conheci (17): A visita de inspecção ao Xitole e às tabancas em autodefesa de Sinchã Madiu, Cambesse e Tangali em 16 de Novembro de 1970 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)


Guiné > Guiné > Zona Leste > Sector L1 > CCAÇ 12 (1969/71) > Janeiro de 1970, ainda no tempo do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)  > Coluna logística, no itinerário Bambadinca - Mansambo - Xitole.  O troço entre Mansambo e Xitole esteve interdito durante cerca de um ano (desde Setembro de 1968).

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados
.


Continuação da publicação do  Despacho do Com-Chefem, de 7/1/1971,  relativo à visita de inspecção ao BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) (*)


3. Visita a Xitole (**) em 16Nov70


- Verificou-se que, contra o que está determinado, o planeamento operacional é realizado pelo Comando do BART, o qual define as acções a realizar, os efectivos da força, os itinerários, etc.

É um sistema teórico há muito banido do TO da Guiné e sobre o qual têm incidido incisivas críticas. Deve ser dada plena iniciativa aos comandantes de Companhia, em ordem a responsabilizá-los pelo cumprimento da missão cometida.

- Não foram realizadas acções de reconhecimento na região de Seco Braima (***), assim como a sul das tabancas em 'autodefesas', o que não é admissível para uma subunidade já com alguns meses de permanência na Zona. Esta anomalia demonstra à evidência um muito precário controlo operacional do Comando do BART.

- O plano de defesa do Xitole constitui um documento teórico, mas destinado a satisfazer uma determinação superior do que a accionar um sistema dinâmico de defesa. Salienta-se a falta duma planta ou croquis da povoação e do quartel com as zonas de responsabilidade devidamente delimitadas, sectores de observação, etc. O dispositivo de defesa não englobava a povoação, o que se revela francamente inconveniente do ponto de vista propriamente de defesa e do ponto de vista psicológico, para as populações que nos compete defender.

- Foram-me apresentados vários problemas de natureza logística como o aluguer de aviões civis para transportar açúcar que faltou na Companhia. Sobre este assunto deve ser mandado levantar averiguações e reembolsada a Companhia da despesa feita com o o aluguer do avião, devendo tal encargo ser liquidado pelo CTIG. Também foi salientada a falta de cimento.

Estas anomalias deveriam ter sido detectadas e resolvidas pelo Comando do BART e não pelo Comando-Chefe.

4. Visitas às tabancas de Sinchã Madiu, Cambesse e Tangali  (***) em 16Nov70

- A organização de defesa destas tabancas deverá ser melhorada. Não as considero em condições de poderem suportar um ataque em força durante o período de tempo necessário, em ordem a evitar o seu aniquilamento antes da intervenção das forças militares sediadas no Xitole.

Ressaltaram várias anomalias susceptíveis de serem sanadas no âmbito da defesa passiva. Nomeadamente a bertura de campos de tiro (capinação).

Nota-se também a ausência de exercícios de alarme, em ordem a automatizar e dinamizar a reacção das populações,

- As populações das tabancas de Cambesse e Tangali pediram a construção de escolas, o que se justifica plenamente face ao número de crianças em idade escolar.

Não se encontrava presente o Capitão Comandante da Companhia; todavia fiquei com boa impressão sobre o Comando desta Companhia, e nomeadamente sobre o Alferes que a estava a comandar interinamente. (pp. 2-3)

[Revisão / fixação de texto: L.G.]

Continua

Próximo ponto. 5. Visita Mansambo em 18Nov70
______________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior da série > 6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6326: O Spínola que eu conheci (16): A visita de inspecção ao BART 2917 e suas subunidades, Sector L1, Bambadinca, de 16 de Novembro a 19 de Dezembro de 1970 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

(**) De acordo com a história da unidade (BART 2917, Bambadinca, 1970/72), o Xitole era sede de posto administrativo (com o mesmo nome). Tinha três lojas comerciais. A sua economia baseava-se na exploração do coconote e da madeira. A guerra teve um enorme impacto negativo na actividade económica.  A população rondava, no tempo do BART 2917, as 3 centenas. Unidade de quadrícula: CCAÇ 2616, com um destacamento na Ponte dos Fulas, no Rio Pulom (1 Gr Comb / CCAÇ 2616 + 1 Esq Pel Mort 2106, substituído em Dezembro de 1970 pelo Pel Mort  2268, por ter terminado a comissão).

(***) Seco Braima ou Darsalame, na foz do Rio Poulom, afluente do Rio Corubal...

(****) A sudeste de Xitole, na estrada Xitole-Saltinho, regulado do Corubal: eram tabancas em autodefesa, colaborantes com as NT. Sinchã Madiu tinha  120 habitantes, recenseados; Cambesse, 174; e Tangali,  146.  Em Maio de 1971, Cambesse tinha uma 1 Esq (-) do Pel Mort 2268 e 1 secção da CCAÇ 2616, em reforço do sistema de autodefesa.

Guiné 63/74 - P6326: O Spínola que eu conheci (16): A visita de inspecção ao BART 2917 e suas subunidades, Sector L1, Bambadinca, de 16 de Novembro a 19 de Dezembro de 1970 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)




1. Pela mão do Benjamim Durães e do Jorge Cabral, chegou ao nosso blogue a cópia de um documento, de 12 páginas, dactilografadas, em papel timbrado do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, assinado pelo Comando-Chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, General (local e data: Bissau, 07/01/71). Trata-se de um despacho, resultante da “visita de inspecção ao BART 2917” (sediado em Bambadinca, 1970/72). A cópia tem um número de arquivo 33.80, presumivelmente atribuído pelo Arquivo Histórico-Militar.

Tendo nós os três pertencido àquela unidade (caso do Benjamim Durães) ou a subunidades adidas (CCAÇ 12, no meu caso; Pel Caç Nat 63, no caso do Jorge Cabral, um dos "inspeccionados"), achámos que poderia  ter alguma “piada”, para nós e para muitos outros camaradas que estiveram em (ou passaram por) Bambadinca e outros lugares aqui citados, a divulgação desta peça, mas também com vista a  um melhor conhecimento não só das dificuldades enfrentadas pelo dispositivo militar no Sector L1 / Zona Leste, como da própria personalidade e estilo de liderança do Com-Chefe, suas preocupações e prioridades na época, etc. Como é sabido por quem esteve na Guiné nesta época, Spínola fazia gala de aparecer, de helicóptero,  em qualquer sítio ou a qualquer hora do dia, para desespero (e terror) dos comandantes de unidades e subunidades.

Vamos transcrever o documento, na íntegra, por partes, sem intenção de fazer qualquer juízo de valor sobre o objecto das críticas de Spínola que visitou o Sector L1, entre 16 de Novembro e 19 de Dezembro de 1970, e muito menos dos oficiais que comandavam o BART 2917 e as suas subunidades. No nosso blogue, evitamos a tentação da fulanização. Podemos acrescentar uma ou outra nota, apenas para esclarecimento ou informação complementar, entre parênteses rectos. Em todo o caso, convirá dizer que é possivelmente em resultado desta visita inspectiva que o Com-Chefe manda,  para comandar o BART 2917, em princípios de Fevereiro de 1971 (se não erro),  um homem da sua inteira confiança (apesar de ser de infantaria...), o Ten Cor João Polidoro Monteiro (e que tanto eu como o Jorge Cabral e o Paulo Santiago conhecemos bem, eles dois melhor do que eu, já que terminei a comissão mês e meio depois da sua chegada a Bambadinca).

O despacho é constituído por 15 pontos. Eis um sumário: 

Visita de inspecção ao BART 2917 [Comando: principais deficiências e anomalias]. Visita a Xitole em 16Nov1970. Visita às tabancas de Sinchã Madiu, Cambesse e Tangali em 16Nov1970. Visita a Mansambo em 18Nov1970. Visita a Afiá e Candamã em18Nov1970. Visita a Xime em 12Dez1970. Visita Dembataco em 15Dez1970. Visita a Taibatá em 15Dez1970. Visita a Amedalai em 19Dez1970. Visita Enxalé em 15Dez1970. Visita a Nhabijões em 15Dez1970. Visita a Finete em 19Dez1970. Visita a Missirá em 19Dez1970. Conclusão.




Folha de rosto do despacho. Imagem digitalizada: Luis Graça & Camaradas da Guiné (2010). 


Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné  > Despacho 

Assunto – Visita de inspecção ao BART 2917


1.Terminei a visita de inspecção ao BART 2917 nos termos da minha directiva nº 62/68 de 23Dez68.

Foram visitados respectivamente: (i) o Comando do Batalhão em Bambadinca; (ii) as companhias sediadas em Xitole, Mansambo e Xitole; (iii) os destacamentos de Ponte do Rio Pulom (Ponte dos Fulas), Enxalé e Missirá; (iv) o reordenamento de Nhabijões; (v) as tabancas em autodefesa de Sinchã Madiu, Cambesse, Tangali, Candamã, Afiá, Dembataco, Taibatá, Amedalai e Finete.


2. Na esfera do Comando do BART 2917, além das anomalias verificadas nas suas subunidades, foram notadas seguintes deficiências:

- No quadro da misão operacional atribuída ao BART verifica-se que o Comando do BART centralizou o planeamento operacional, não respeitando o que se encontra determinado e afectando sensivelmente o rendimento operacional das suas subunidades.

- Não tem sido exercida uma eficiente acção de reconhecimento nas áreas fulcrais ou suspeitas, com vista a concluir sobre a presença ou ausência do IN nas mesmas áreas e seu potencial.

- Os comandantes de Companhia não têm sído devidamente orientados nem assistidos, nem tão pouco controlada a sua acção. 

- É confrangedor verificar-se o total abandono em que se encontra a defesa das tabancas. Anota-se um total desinteresse sobre as “autodefesas” da maioria das tabancas do sector, em especial no que se refere a planos de defesa, instrução das milícias e da população.

- Os planos de defesa dos quartéis das Companhias encontram-se na generalidade mal elaborados.

- De uma maneira geral as subunidades do Batalhão descuraram a defesa dos núcleos populacionais onde estão sediadas, não cumprindo a missão que lhe está atribuída. 


[ Fixação / revisão de texto / título: L.G.]


Continua > Próximo ponto: Visita ao Xitole e as tabancas de Sinchã Madiu, Cambesse e Tangali em 16 de Novembro de 1970.

____________

Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 29 de Abril de 2010 >  Guiné 63/74 - P6277: O Spínola que eu conheci (15): Muito obrigado pelas palavras que proferiu em S. Domingos (Bernardino Parreira / Plácido Teixeira)


Guiné 63/74 - P6325: Convívios (233): Pessoal da CCS do BCAÇ 4612/72, conviveu no dia 01 de Maio de 2010, em Gondomar (Jorge Canhão/Magalhães Ribeiro)


No passado dia 1 de Maio, o pessoal da CCS do BCAÇ 4612/72 realizou mais um concorrido e alegre almoço/convívio, com lanche incluído, desta feita realizado no restaurante Estrelas do Douro, na junto à Foz do Rio Sousa, em Gondomar.

Apesar dos 36 anos que já se passaram, os ex-Combatentes desta magnífica Companhia, com uma ajuda de um belo e ameno dia de sol, lá voltaram a relembrar os 23 meses na Guiné, nos anos de 1972 a 1974 e a rever as velhinhas fotos, reconhecendo-se aqui e acolá.

Mais uma vez, em volta do portátil do Jorge Canhão (que apesar de ser da 3ªCia lembra-se da malta toda pois esteve vários meses em Mansoa com eles), recordando todos os locais e as peripécias que por lá se desenrolaram.

Falou-se das emboscadas, das patrulhas, das vidas e das rotinas, e incontornável e propositadamente, em sua memória, dos Camaradas que, para sempre, lá tombaram.

São várias horas juntos, que nos parecem breves momentos!

Os trabalhos (muitos esquecem-se que estas festas ocupam muitas horas na sua organização) decorreram tal como estavam previstos e estiveram a cargo do Oliveira e do Martins

Tal como já vem sendo habitual, esta companhia acolhe um dos seus periquitos com muita satisfação e camaradagem, embora eu estranhe, entre esta "cambada", a falta dos arrepaintes e "enxovalhantes" pios, com que fui recebido e filmado na minha recepção em Mansoa.

Como não há bem que sempre dure, esta confraternização anual terminou ao fim da tarde mas, se Deus assim o permitir, para o ano haverá mais, porque melhor que esta meus amigos vai ser muito difícil acontecer.

Todos juntos

A concentração está toda nas fotos do portáctil do Jorge Canhão

Toda a malta da Companhia cantou
O Alf Mil OpEsp/RANGER Ferreira a partir o bolo

Fotos do:
Jorge Canhão
Fur Mil At Inf da 3ª CCAÇ do BCAÇ 4612/72

Texto do:
Magalhães Ribeiro
Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74
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Nota de MR:
Vd. último poste da série de:
4 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6318: Convívios (146): Almoço de Confraternização do BCAÇ 2879 e outras subunidades adidas (ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879)

Guiné 63/74 - P6324: Controvérsias (74): A entrega do Cumbijã ao PAIGC em 19 de Agosto de 1974 (Manuel Reis, ex-Alf Mil, CCAV 8350, 1972/74)


Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã (1972/74) > Um aquartelamento construído de raíz, entregue ao PAIGC em 19 de Agosto de 1974.

Foto: © Vasco da Gama (2010). Direitos reservados


1. Comentário de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCAV 8350, Os Piratas de Guileje, 1972/74) ao poste P6321 (*)

Caro amigo Vasco:

Vou fazer uma pequena correcção e dar a minha opinião sobre o tema que lançaste no Blogue, que diverge da tua, como já sabes, pois já abordámos, superficialmente, o tema a sós.

A correcção relaciona-se com a entrada de grupos do PAIG no aquartelamento: nunca lá entraram até à entrega do aquartelamento no dia 19 de Agosto de 1974.

Só entraram no aquartelamento Comissários Políticos do PAIGC e devidamente autorizados por nós, para efectuarem os seus comícios.

Não vi qualquer motivo que justificasse o impedimento de esclarecer os seus conterrâneos, que em breve abandonaríamos.

Tivemos dois encontros com os guerrilheiros do PAIGC, um ao fundo da estrada alcatroada no sentido de Nhacobá e o outro nas imediações do aquartelamento.

Todos correram lindamente, com um comportamento exemplar de lado a lado. Senti orgulho pelo evento, de modo especial pelo comportamento dos meus homens que, desarmados, se portaram com uma postura exemplar.

Temi alguma animosidade, mas para meu regozijo, não se concretizou.

Nos dois encontros estave presente o Capitão Santos Vieira que, depois de informado, se deslocava de Colibuia e foi connosco ao encontro.

O impacto do 1º encontro foi marcante para todos nós. Ninguém ficou indiferente, ficou marcado pelo reencontro de dois irmãos, um milícia nosso, de 20 anos, e um combatente do PAIGC, de 14.

O abraço dos dois irmãos,que rapidamente se reconheceram, é um momento único, altamente comovente.
Só isso teria justificava a nossa ida. Recordo o brilho dos olhos do nosso milícia, quando o irmão lhe disse que a mãe estava viva e se encontrava bem. Tinham sido separados pelo PAIGC, em 1963, num assalto a Colibuía.

No outro encontro já o diálogo se tornou possível, falou-se na tomada de Guileje, alguns eram portadores de objectos nossos, que traziam, e nunca, em qualquer momento, manifestaram qualquer alarde de superioridade.

Nada pediram, mas aceitaram uma tachada de arroz que o nosso cozinheiro de imediato se prontificou a cozinhar.

Amigo Vasco, eu respeito a tua opinião de não querer entregar o quartel, foi constuído com muito sacrifício e sangue. Mas...como podíamos nós impedi-lo, se o desejássemos?

O momento mais doloroso da descolonização de Cumbijã foi na véspera da entrega do aquartelamento, quando me é exigido que desarme os milícias.

Destroçados animicamente, com um porte e uma dignidade invulgar, todos fizeram a entrega do armamento, sem uma queixa ou um azedume. No entanto Samba (?), sargento-milícia, chamou-me à parte e disse-me:
-Alfero, até aqui deram-nos uma arma e pediram-nos para lutar por vós e agora desarmam-nos e abandonam-nos?

Era a verdade nua e crua! Foi de partir o coração, mas que podia fazer por eles? Acompanhá-los na sua fuga para o Senegal? Bem me apeteceu!

Aqui, senti vergonha pela minha incapacidade de salvar aquela boa gente que tinha de atravessar o Corubal e contornar a Guiné pelo leste para chegar ao Senegal.

Não sinto que tivesse desrespeitado os meus mortos. Sinto a tranquilidade de ter feito o meu melhor, tendo sempre em consideração as duas partes em conflito.

Amigo Vasco, não te esqueças que esta não foi uma fogueira que ateámos, mas que tivémos de apagar, como bombeiros mal preparados para executar a sua tarefa. Fizémos o nosso melhor!

Um abraço de Aveiro até Buarcos.

Manuel Reis
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 5 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6321: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (IX): As minhas (in)Congruências ou as minhas (in)Coerências?

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6323: Tabanca Grande (216): Fernando Almeida, ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)

1. Mail enviado por mim ao José Fernando Almeida [, aqui, à esquerda, foto da recruta, 1968,], que vive em Óbidos, e que foi Fur Mil Trms Inf da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, o Fernando Almeida, meu contemporâneo, amigo e camarada em Santa Margarida, Niassa, Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969 / Março de 1971) (*):


Meu caro Fernando: Antes de mais: como vais tu ? Em grande forma ? Estive em Óbidos, o meu filho, com a banda dele (os Melech Mechaya), foi aí tocar, na festa do chocolate, mais exactamente no programa da RTP1, do Júlio Isidro, mas não deu para te ligar… Em princípio, encontramo-nos mesmo no dia 22, no convívio da CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12 e outras subunidades adidas (...).

Tenho aqui uma outra pré-inscrição para o encontro: a do nosso antigo cabo quarteleiro, o João Rito Marques, que vive no Sabugal. Foi a filha que me telefonou. TM 966 525 319… Toma boa nota.

Também encontrei o Dalot e a filha no encontro do BART 2917 (1970/72), em Coruche, no passado mês de Março… (**)

Olha, manda-me o teu texto da convocatória para eu divulgar no blogue por estes dias… E já agora duas fotos tuas, uma do “antigamente” e outra actual, para eu finalmente te apresentar à nossa Tabanca Grande… Junta um pequena mensagem de apresentação… A nossa Tabanca Grande, que já tem 411 elementos registados, é a maior comunidade virtual do mundo, a nível de ex-combatentes (de uma só guerra)… Temos ainda pouca malta da CCAÇ 12, registada na nossa lista de membros do blogue… Em contrapartida, a malta de Transmissões tem aderido muito bem ao blogue.

Fica bem. Um grande Alfa Bravo. Luís (ou se preferires, Henriques).

2. Resposta do Fernando Almeida:

Caro Amigo Henriques: Sempre te tratei por Henriques, traz-me com mais facilidade à memória recordações da Guiné.

Registo a tua inscrição para o 16.º Convívio de Bambadinca, aguardo a confirmação da Alice. Vou contactar o João Rito Marques [o nosso cabo quarteleiro, que vive em Sabugal], dele só tinha o número do telemóvel, mas que está desactualizado.

Já enviei ao Diniz Dalot [ex-soldado condutor auto] um e-mail, para o endereço da filha, vou aguardar até ao dia 10, nesse dia vou contactá-lo por telemóvel.

Já recebi a pré-inscrição do Marques, ficou de confirmar os acompanhantes.

Há tempos enviei-te um e-mail para o blogue em que te falava do 16.º Convívio, e te pedia fotografias dos emblemas dos Pel Nat, Batalhões e Companhias que operaram em Bambadinca no período de 68 a 71. Também te dava conhecimento da intenção de passar a reunir todos os Camaradas de Bambadinca e da CCaç 12, de 1968 a 1974. A ideia não é nova.

O Victor Alves [ex-Fur Mil SAM, CCAÇ 12, 1971/73, que vive em Santarém], já me tinha proposto iniciar este ano, o Vacas de Carvalho disponibilizava a Herdade da Lobeira para esse fim, adiei porque não estava mandatado para isso, sugeri que este projecto fosse apresentado durante o 16.º Convívio. Eles vão reunir no dia 29 de Maio, o Victor ficou de passar pela Lareira, para falarmos.

Vou procurar e enviar-te as fotografias, vão atrasadas mas, como se diz, nunca é tarde. Juntamente também te enviarei o Programa e o Menu.

Um abraço do amigo
Fernando Almeida



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca, 1971 > Esboço do Sector L1 (composto basicamente pelo triângulo Bambadinca / Xime / Xitole / Margem direita do Rio Corubal, a que haveria de acrescentar a região do Cuor, a norte do Rio Geba) > Capa da brochura com a história da CCAÇ 12 (1969/71). Desenho: Ex-Fur Mil At Inf António Levezinho (2.º Gr Comb, CCAÇ 12). O pessoal metropolitano da CCAÇ 12 (Maio de 1969 / Março de 1971) conheceu (e esteve às ordens de) dois batalhões em Bambadinca: BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72).

Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados


3. Comentário de L.G.:

Obrigado, meu caro Fernando Almeida [aqui fotografado, à direita, no dia do baptizado do teu neto João], por aceitares o meu convite para integrar a nossa Tabanca Grande.

Serás o n.º 412, estamos quase a formar um batalhão... Vou pedir ao meu co-editor Eduardo Magalhães Ribeiro se te arranja os brasões das unidades acima referidas.

Há dias encontrei, por mero caso, o Vacas de Carvalho, [ex-comandante do Pel Rec Daimler 2206, 1970/71] num restaurante perto da casa dele, na Ajuda, disse-me que ia ao encontro e falou-me desse projecto de reunir as "três gerações" de quadros metropolitanos da CCAÇ 12 (1969/71, 1971/73, 1973/74), lá em baixo, na herdade da família, a Lobeira, em Montemor-O-Novo. Vamos trabalhar para isso.

Sobre as unidades e subunidades que passaram por Bambadinca (entre 1963 e 1974) tens um trabalho precioso do Benjamim Durães (Fur Mil pel Rec Info, CCS/ BART 2917, 1970/72).

Sobre as unidades e subunidades do nosso tempo (basicamente, 1968/71), julgo que a lista é mais ou menos esta (clica nos links parta saberes mais; faltará um ou dois PINT - Pelotões de Intendência; os Pel Rec Info estavam integrados nas CCS; os PEL ART - Pelotões de Artilharia ainda não havia no nosso tempo: é claro que faltam os PEL MIL - Pelotões de Milícia, etc.):

CCS / BCAÇ 2852 (1968/70)

CCAÇ 12 (1969/71)

Pel Caç Nat 52 (1968/70)

Pel Caç Nat 54 (1969/70)

Pel Caç Nat 63 (1969/71)

Pel Mort 2106 (1969/70)

Pel Mort 2268 (1970/72)

Pel Rec 2046 (1968/70)

Pel Rec 2206 (1970/71)

CCS / BART 2917 (1970/72)
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Notas de L.G.:

(ª) Vd. poste anterior desta série > 26 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6252: Tabanca Grande (215): O Francisco Silva, hoje cirurgião, ortopedista, no Hospital Amadora-Sintra, foi o substituto do infortunado Alf Mil Op Esp Nuno Gonçalves da Costa, do Pel Caç Nat 51, morto por um dos seus homens em 16 de Julho de 1973

(**) Vd. poste de 2 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4454: Convívios (140): Castro Daire, agora chão de Bambadinca, 1968/71 (3): Gente feliz, com lágrimas...

Guiné 63/74 - P6322: Controvérsias (73): Contra a corrente é difícil nadar (José Brás)

1. Texto enviado pelo nosso camarada José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), enviado ao nosso blogue para publicação:


Contra a Corrente


Contra a corrente é difícil nadar.
Difícil e perigoso, como não se cansa de dizer na praia o nadador-salvador.
Mas todos conhecemos gente que não quer outra coisa da vida senão ir contra a corrente, caminhar contra o vento, muitas vezes atirar a pedra na vertical e esperar que lhe tombe na cabeça.

Não é totalmente o meu caso. Já foi mais, atrás no tempo e nos tempos, quando quase só tinha certezas construídas à luz de uma leitura da vida provavelmente justa mas claramente monocolor num mundo que se tem de compreender colorido.
Confesso, no entanto, que de vez em quando, talvez mais vezes do que aconselhável para uma certa comodidade a que se tem direito de aspirar na minha idade, me apetece dar a cara ao vento que sopra contra, e teimar em frente.
Como agora, por exemplo, quando antes de começar me apetece já dizer, meu deus, no que vou eu meter-me!
Hesito, por isso, e que ninguém se admire da minha hesitação.

Escrevo, não escrevo?
Digo, não digo, pergunto eu, a mim próprio sem mais ninguém a quem perguntar, a não ser, talvez, se me dividisse e perguntasse aos vários eus que sou.
O problema é que todos falam na mesma língua e com as mesmas palavras, ainda que discutam entre si e discordem.

Vai a ver-se e, provavelmente, o problema é de falta de moderador, de juiz que sintetize, que pese argumentos e corte a direito doa a qual dos eus a quem vier a doer.
Ou que contente a todos, em pacto de regime que tanta falta nos faz sempre, como sabem, sobretudo hoje em dia.

Na verdade, sei que vou entrar num assunto delicado e que, por sê-lo, deve ser tratado com pinças e cuidados extremos, tendo no centro gente, tendo no centro passados e presentes de gente que viveu já muitas contradições e que nelas se fez o que é hoje, sendo hoje a memória dos passados todos que sofreu.
E tem também a outra gente, amigos lado a lado anos a fio, comungando as mesmas fés, ou próximas, correndo os mesmos riscos, ganhando e perdendo, às vezes no gume da vida, e nesse entendimento se fez também, um pouco, comunhão plena da admiração e da amizade profunda entre seres assim vividos.

Portanto, o risco é grande e talvez mais valesse ouvir o polícia das séries americanas que vemos na televisão, guardando eu também o direito de ficar calado porque tudo o que disser poderá ser usado contra mim.
Sei inclusive que hipotéticos juízes, neste caso como tantas vezes na justiça a sério, nem terão necessidade de processo de investigação, quer dizer, de ler o texto todo que me irá sair e que neste momento ainda nem sei bem o que será senão no fio muito genérico de uma ideia, para me julgarem e condenarem a minha alma aos quintos do inferno.

Ainda assim, vou avançar e depois se verá se publico ou se eu próprio me condeno e deito fora o que tiver produzido.

Vem isto a propósito do lançamento recente do livro de Amadu Bailo Djaló e da fila de bocas abertas de espanto perante a barbárie que se abateu sobre antigos combatentes negros da Guiné que lutaram do nosso lado, tivessem sido ou não heróis por feitos contra o PAIGC, tivessem sido ou não inimigos ferozmente radicais da guerrilha e das populações que a ela se encostavam, tivessem ou não massacrado, tivessem ou não feito a viagem "Ametista Real" ou outra qualquer das que existiram dentro ou fora do quadro normal(?) de uma guerra como esta, feita no último estertor de um regime e de um sistema condenados.

E quem não se espantará de tal barbárie, sobretudo se sobre gente que combateu ao nosso lado, bravos e abnegados, leais e amigos, crentes na convicção que os preenchia de que estavam do lado certo, qual de nós não espantará, sabendo que sempre nos tocam e agoniam muito mais profundamente os dramas daqueles que nos estão próximos do que os de outros, hipoteticamente maiores mas sofridos por desconhecidos longínquos?

A guerra, por mais que nos queiram convencer os que a amam(!), ou os que fingem admirar na catarse dos heróis que foram ou que gostariam de ter sido, não é um acto natural do homem e só acontece na distorção profunda da consciência colectiva de um povo, no caso de ambição desmedida e colectivamente manifestada por poderes e por domínios, num processo de manipulação ideológica e moral, ou, então, no caso de adopção colectiva da revolta perante a incapacidade absoluta de esperar por justiça negada.

Num processo ou no outro, nos dois casos, existem sempre determinados aspectos que se encontram, quer se trate da bravura no combate, da honra, do respeito pela humanidade dos contendores individuais ou pela negação desse respeito.
Desencadeada, não é muito fácil encaixá-la em regras cavalheiras, e quem tomou parte num lado ou no outro o que quer é ganhar, naturalmente, derrotando (aniquilando) o inimigo.

Não sei dos motivos individuais mais profundos que levaram a que tantos cidadãos das colónias se tivessem juntado às nossas forças, combatendo os irmãos que, mal ou bem, se batiam e davam a vida no caminho na ideia da libertação da terra onde nasceram.
Certamente que serão muitas e muitos, tais razões e motivos, uns entendíveis, conscientemente pensados e decididos, provavelmente nobres na complexidade das questões, e outros, acidentais apenas, inevitáveis, inconscientes e tomados por acaso ou por conveniências aparentes, o que de resto terá também acontecido a muitos que combatiam nas fileiras do PAIGC.

Retomando o que acima já disse, para explicar a pluralidade deste pensamento, posso repetir aqui que, não sendo, hoje, o homem de convicções absolutas que já fui, tenho como toda a gente, valores que agarrei no meu processo de crescimento e amadurecendo, sendo que nesses valores e conceitos cabem algumas certezas sobre a multiplicidade da alma humana, sobre verdades e sobre razões de cada um, verdades e razões que explicam as suas decisões individuais, estranhas, incompreensíveis e até inaceitáveis para quem, de fora, não lhes toma o devido peso.
Há certezas que me enchem de tal modo ainda hoje, que delas não julgo possível abrir mão, por mais que aceite e tente compreender o seu contrário.

Por exemplo!
O orgulho que me dá de ter nascido numa pátria que a determinado tempo do seu romance, foi capaz de sair de si própria, correr riscos e sofrimentos desmedidos, na crença de que haveria formas novas de melhorar o mundo, se fez ao mar, descobriu caminhos e gentes, desbravou terras longínquas, alargou o mundo e ofereceu o seu labor à humanidade.

Por exemplo!
Que passados os séculos que passaram e se aceitam como foram, novas verdades se construíram (ler Camões) no desenvolvimento da moral e dos conceitos sobre a humanidade nova, justamente consequência da realidade desse passado e das novas necessidades do homem. A descolonização era um processo mundial irreversível e muito melhor para todos teria sido reconhecer isso e preparar as mudanças, do que teimar na sua negação, manipulando a ideia de uma pátria cristã, multicontinental e plurirracial, arrastar gentes para guerras prolongadas e destruidoras de passados, de presentes e de futuros.

Por exemplo!
Que sei e sempre soube que o lado em que me bateria nessa guerra, seria o outro, se nessas terras tivesse nascido, branco como sou, ou negro, mas, na referida postura que me anima, não me admira que a maioria dos cidadãos deste País, como eu, tivessem partido para a guerra a matar e a morrer, assumindo ou não a ideologia do Estado e ainda que com dúvidas sobre a razão, nem me admira tão pouco que, mesmo filhos dessas terras tivessem escolhido o nosso lado e nele se tivessem batido.

A hora da passagem do poder do colonialista para os filhos das colónias que se haviam batido por um ideal de libertação, deveria ter sido um tempo de festa e de construção da paz, mesmo de uma paz que pudesse irmanar os dois lados da contenda.
Deveria ter sido e foi, de facto, se falarmos apenas das relações imediatas entre a guerrilha e o exército que a combatia.

A festa fez-se, desde logo nos espaços onde estavam instalados os soldados portugueses, muitas vezes em convívio de tal maneira aberto que observadores exteriores e conhecedores de outros processos, como o Francês e o Belga, se admiravam da amizade ali expressa. Também o foi, mais tarde, na consolidação formal da passagem do poder dos actos oficiais.

Contudo, desde logo se viu que a festa não incluía os cidadãos locais que haviam ficado do nosso lado. Contra esses, o ódio e a raiva falavam mais alto e tomaram aspectos marginais aos verdadeiros sentimentos da paz e da humanidade.

Era esperável tal atitude?

Acredito que se Amílcar Cabral vivesse ainda nessa altura, exceptuando casos extremos de acção violenta que sabemos que existiram no decorrer do conflito, tal festa abrangente teria mesmo acontecido.

Não li do livro de Amadú, senão pequenas notas que saíram no blogue, entre elas o episódio da criança capturada que opôs opiniões do Alferes branco e de Amadu e que mostra deste uma grandeza humana superior.

Irei lê-lo e tenho a certeza de que a sua leitura em nada diminuirá o respeito e a admiração que hoje nutro por ele apenas do que dele tenho ouvido por terceiros e apesar da escassez do convívio.

Provavelmente, ao contrário, tais sentimentos crescerão, então, e me recordarão outros combatentes negros que estiveram ao meu lado nesse tempo duro e de quem guardo grata memória.

Afinal, a natação acabou por fazer-se em águas menos desfavoráveis, creio, e isso é o que pensará Amadu e os seus amigos próximos, crentes também de que um dos grandes bens do homem de hoje é (ou deveria ser), o direito à diferença.

José Brás
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6268: Bibliografia de uma guerra (56): A Propósito de Até Hoje (Memória de Cão) (José Brás)

Vd. último poste da série de 4 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6309: Controvérsias (72): Uma Página Negra (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 – P6321: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (X): As minhas (in)Congruências ou as minhas (in)Coerências?

1. O nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, enviou-nos, em 5 de Maio de 2010, a seguinte mensagem:

BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO X
AS MINHAS (in)CONGRUÊNCIAS OU AS MINHAS (in)COERÊNCIAS ?

Da revolta interior contra o que me obrigara ir combater para a Guiné, até ao regresso a Portugal já livre dos pesadelos horrorosos, tinham passado vinte e dois longos meses de sofrimento.

Desembarquei no Figo Maduro, estava Agosto de 1974 quase no fim, fui com os meus camaradas para o RALIS (?) onde entreguei o que havia a entregar, meti-me num táxi, disse aos três camaradas da minha região, o Lopes da Esperança, Alhadas, o Piscas de um local pequenino com um nome engraçado -Perna de Pau – e o Preto da Tocha e “ordenei”: vamos embora que eu pago o transporte.

O nosso embarque da Guiné para Portugal foi marcado de um momento para o outro, pelo que não houve tempo de a maior parte da malta avisar os seus familiares, o que foi aliás, o meu caso.

Vinte quilómetros antes de chegarmos à Figueira da Foz, seriam sete e pouco da manhã, telefonei aos meus pais a dizer que daí a pouco estaria em casa e que fossem avisar a minha mulher, morávamos então em casa dos meus sogros ausentes em África, que o Vasquito estava a chegar.

Lá os consegui convencer que não era nenhuma brincadeira e passado pouco tempo estava com a minha outra família, a que nunca quereria ter abandonado, a única que havia tido antes da partida para a Guiné.

De mim, camaradas, vão sabendo alguma coisa pelo nosso Blogue ou nalguma comezaina onde nos vamos juntando; o Lopes enviuvou mas está bem na vida, reformado, mas no activo ajudando o filho na oficina.
O Preto continua na faina marítima, não tendo perdido o vício da sua garrafa de tinto, que substitui pelo garrafão quando o mar está mais bravo e o meu camarada Piscas suicidou-se, como vos contei há uns tempos. Atirou-se para debaixo de um comboio, abandonado pela família e pela “querida pátria” que ele um dia, convictamente, defendera nessa Guiné.

Cheguei da Guiné confuso e desenvencilhei-me dos camuflados, das botas, dos quicos, enfim de tudo a que cheirasse a tropa e à Guiné. O outro diria Guiné jamais (jámé)…

Não quero ouvir falar mais na tropa e no tempo que perdi, agora que estou num Portugal livre!

Vamos ser um grande país, confiava à minha mulher perante a aprovação do meus pai.

Vou terminar as cadeiras que me faltam e agora sim, vamos combater pela nossa Pátria, pela Democracia, pela Liberdade, por um Portugal melhor sem Salazares nem Caetanos...
O curso terminei e empreguei-me… o resto falaremos noutra altura…

O “jámé” Guiné, foi substituído pelo Guiné “for ever” e hoje, dia nenhum a leitura do nosso Blogue falha. Pode falhar tudo, mas o nosso Blogue é sagrado.
O bichinho da Guiné morde-me cada vez com mais intensidade e a minha outra família, a que me havia sido imposta numa guerra que eu odiava, é cada vez mais verdadeira e está cada vez mais presente.
Foi com eles que lutei, foi por eles que lutei, foi com eles que vivi vinte e dois meses no mato profundo, sempre juntos, sem população, sem instalações e sujeitos a constantes ataques.

Cumbijã era um deserto de terra queimada coberto por minas e todos nós a viver em barracas de lona… Quando regressávamos das patrulhas muitas das vezes não havia água para o banho, mas havia a força suficiente para amassarmos blocos com os nossos pés, pois tínhamos de fazer por nós próprios habitações com o mínimo de dignidade.
Tínhamos uma meta a atingir e conseguimos fazer as nossas casernas. Cada grupo de combate tinha o seu palácio feito pelos Tigres.

É também por eles que hoje aqui venho! Pela minha outra família, que de imposta passou a verdadeira.

Aconteceu o 25 de Abril e passado muito pouco tempo sabíamos das festas e convívios que as N.T. faziam praticamente por todo o lado com o P.A.I.G.C. Li já algumas dezenas de postes onde camaradas nossos ilustram fotograficamente esses encontros.

Curiosamente os nossos soldados nessas fotografias aparecem sempre desarmados e quase sempre trajando despreocupadamente, enquanto os guerrilheiros estão sempre bem ataviados e armados até aos dentes.

Abraçam os guerrilheiros como se fossem amigos de longa data, quase sempre numa posição que dá a ideia de alguma subserviência que eu não aceito.

Trocam-se quicos e bandeiras e lenços e botas e mais não sei o quê….

Sabem, camaradas, a minha Companhia de Cavalaria “Os Tigres”, manteve-se no Cumbijã até ao dia 25 e 26 de Junho, tendo seguido para Buba nesses dois dias, partindo a 27 para Bissau. Pois dois meses após o 25 de Abril nunca por nunca o P.A.I.G.C. se aproximou do nosso aquartelamento.

Vi um grupo quando comandava a coluna Cumbijã - Aldeia Formosa, espalhado num dos lados da estrada, mandei parar a coluna, todos nós estávamos armados e apenas eu me apeei e perguntei ao chefe do grupo: Tudo bem?
O homem acenou a cabeça afirmativamente, cumprimentou-me, mas nunca me passaria pela cabeça convidá-los a visitarem o meu aquartelamento.

Sei que logo após a nossa saída, o quartel havia ficado entregue aos milícias e a dois pelotões da C.Cav. 8350 do Guileje, na altura comandada pelo Capitão Vieira, hoje coronel reformado, os guerrilheiros entraram, devidamente autorizados, eventualmente para convencerem as milícias de que…

Ainda bem que não nos “visitaram” nesse período.

Dou-vos a minha palavra de honra que não saberia o que fazer!
Entregar o meu aquartelamento ao P.A.I.G.C., feito pelas nossas mãos, depois de tanto trabalho, de tanta emboscada, de tantos embrulhanços, de ataques ao arame?

Conviver com fraternidade com os guerrilheiros?

O que diriam os meus mortos e os meus feridos, alguns dos quais vieram a morrer em Portugal? O que diria a minha família de combatentes com quem lutei e por quem lutei?

Não tive que resolver esse problema…felizmente.

Mas como é que este gajo, que foi assumidamente contra a guerra colonial, ainda tem dúvidas? Que os meus camaradas me ensinem a responder à pergunta, caso contrário fico-me pelas minhas (in)congruências ou pelas minhas (in)coerências.
Legendas das fotos:
1. Cumbijã renovado: instalações 5 estrelas.
2. Alô; Alô, aqui posto de comando.
3. O Cumbijã que os Tigres encontraram: um deserto de minas. O Alf. Beires, o Alf. Abundâncio e eu próprio tratando de uma anti carro.
4. Amassando blocos para a construção das casernas.
Fotos: © Vasco da Gama (2010). Direitos reservados.

Do meu Buarcos, cada vez mais lindo, segue um abraço de amizade para toda a nossa Tabanca Grande.

Vasco da Gama
Cap Mil da CCAV 8351
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P6320: José Corceiro na CCAÇ 5 (10): Dia de Fanado em Canjadude

1. José Corceiro, no seguimento do Poste 6301 (Convívio dos Gatos Pretos), conta como a sua curiosidade lhe podia ter saído cara, pois não avaliou que estava a profanar uma cerimónia religiosa tão importante na religião islâmica.


José Corceiro na CCAÇ 5 (10)

DIA DE “FANADO” EM CANJADUDE

Tinha, se o tempo o permitisse, a ideia de relembrar o que aconteceu em Canjadude 40 anos antes, ou seja, em 24 de Abril de 1970, quinze dias antes e quinze dias depois, mas o tempo não deu para tudo.

Criei seis blocos principais com fotografias adequadas aos temas a saber: - Bloco, Hino dos Gatos Pretos - com fotos do aquartelamento e sua evolução, do que era e do que ficou, quando em Agosto de 74 foi entregue ao PAIGC, isto com a sonoridade de gravações feitas e, cantadas por Gatos Pretos em Canjadude. – Bloco, Falecidos - onde estavam incluídas as fotos, da época, dos que há conhecimento que faleceram. – Bloco, Ausentes - onde estavam as fotos daqueles que tinham desejo de estar presentes, mas que por motivo de doença, ou outros imponderáveis, não puderam marcar presença. – Bloco, Organigrama - que inclui um trabalho feito pelo nosso Gato Preto, Alberto Antunes, ex-Furriel de Transmissões, que substituiu o José Martins na Secção de Transmissões na CCAÇ 5. É um trabalho apurado, que queima muito a pestana, e só com o empenho do Alberto Antunes, se tem conseguido avançar, que consiste em elaborar uma base de dados, com fotografia de cada um e respectivos dados. – Bloco, Gatos Pretos - o bloco maior, com mais de seiscentas fotos, ordenadas por assuntos que representam o viver e a história da Companhia, onde todos os Gatos Pretos que foi possível reunir são intervenientes (actores). Por último, e é duma parte deste que vou falar – Bloco, Rituais e Costumes Indígenas - onde uma parte das fotos dizia respeito ao ritual da Circuncisão nos Homens e Excisão das Mulheres.

Foto 7 > Preparação dos meninos de Canjadude, já de cabeça rapada, para o “Fanado” (Circuncisão).

Foto 8 > Preparação das meninas de Canjadude para o “Fanado” (Excisão Feminina)

É sobre excisão feminina que vou relatar o que me aconteceu em Canjadude, no ano de 1970. Conto esta estória, não só por a ter incluído no bloco de Rituais Indígenas no convívio, mas também por o tema ter sido abordado no Poste 6243 por Filomena Sampaio.

Sempre considerei e considero, que há alguns costumes e tradições em determinadas etnias da Guiné, que são aberrantes e me arrepio só de falar nelas, entre as quais cito a circuncisão no homem, da maneira como era feita (circuncisão cirúrgica sim, quando necessária) e a excisão na mulher que é um acto repugnante, mutilando-lhe o único (e pouco) tecido eréctil que a mulher tem, que é o clítoris. Não importa que religião seja, mas jamais um ritual religioso, ou tradição por ela imposta, pode contribuir para a mutilação do corpo do ser humano. A religião deve dignificar e elevar o Homem e contribuir para um relacionamento de responsabilidade e respeito pela vida própria de cada ser humano. Só por professar determinada religião, não devemos agir às cegas seguindo os seus ditames e, acatar as suas imposições.

Corria o ano de 1970, eu sabia que estava para breve a cerimónia da excisão das meninas de Canjadude, pois já tinha havido a circuncisão dos rapazes, dos quais eu não tinha conseguido tirar fotos. Um militar africano não islamizado, com o qual tinha excelente relacionamento, que sabia do meu interesse pelo cerimonial do “Fanado,” veio ter comigo e informou-me que se realizava no dia seguinte o ”Fanado” nas meninas da Tabanca, cujo altar do ritual era logo à entrada da mata, do lado da pista aérea. Levou-me ao local, onde já havia preparativos para a execução do acto.

Eu, nesse dia, de máquina fotográfica armadilhada e meia disfarçada, despercebidamente vou-me infiltrar na mata, próximo do local da cerimónia. Em determinado momento, as meninas todas em fila, cobertas com um pano da cabeça até aos pés, caminham em direcção ao local da cerimónia. A fila é encabeçada por três ou quatro mulheres e há duas ou três que acompanham lateralmente a fila, talvez para orientar as caminhantes, porque duvido que com a cara tapada consigam ver o percurso da caminhada. De entre as mulheres, não dava para perceber qual seria a “Fanateca” (a mulher que executa o trabalho).

Foto 9 > Preparação das meninas de Canjadude para o “Fanado” (Excisão feminina)

Fotos 10; 11 e 12 > Deslocação das meninas de Canjadude, para (sacrifício) o altar dos rituais na floresta. Na foto 12, pode ver-se um pai (presumo) com uma criancinha ao colo com as vestimentas do “Fanado”.

Foto 13 > Celebração de Graças em Canjadude, vendo-se muitos militares, para que tudo corra bem no “Fanado”.

Eu, impaciente e nervoso, mantenho-me observante e sossegadinho, meio camuflado, nem pestanejava e a fila dirigia-se para o local do ritual. Mas foi Sol de pouca dura, pouco tempo depois, quando me preparava para tirar a primeira foto, fui descoberto e, gerou-se tamanho alvoroço que tive que fugir a sete pés do local para o Aquartelamento.

Não sei explicar como, mas passados uns escassos minutos, após ter chegado ao aquartelamento e me ter dirigido para o abrigo de Transmissões, já estavam todos os Homens Grandes na porta de entrada da Tabanca para o Aquartelamento, a exigir a minha presença (eles todos me conheciam por causa de andar sempre armado em fotografo). Eu receoso que o meu acto se divulgasse e chegasse ao conhecimento dos superiores e que assumisse outras proporções, pois sabia o mal que tinha feito, fui ter com eles e por intermédio do militar que estava à porta onde eles estavam, pedi-lhes que me desculpassem porque eu estava a passar acidentalmente pelo local do acontecimento. Só que eles não estavam para desculpas e exigiam, que entregasse a máquina fotográfica, ou chamavam o Capitão. Eu tentei negociar com eles, prometendo-lhe que lhes tirava fotos gratuitamente, mas estavam inflexíveis. Eu bem tentei argumentar que foi mero acaso estar ali de passagem, mas não os consegui convencer. Por fim, o militar lá os conseguiu demover das suas intenções e acordámos, que eu lhes entregava o rolo que estava na máquina e lhes tirava 20 fotos gratuitamente. Tive que cumprir o estipulado.

Andei uns dias que não me atrevi a ir para a Tabanca sozinho, porque vi ódio nos olhos de alguns. Era normal, eu ir mesmo de noite, sozinho para a Tabanca, com receio contido, fi-lo muitas vezes, pois tinha um bom relacionamento com todos os moradores. Após este episódio tornei-me mais cauteloso.

A minha intenção, ao pretender tirar as fotos, era de pureza total, e somente compreender como se executava um processo que eu considerava indigno. Era a minha curiosidade dos 22 anos de idade a actuar.

Para todos os tertulianos, muita saúde e um abraço.
José Corceiro
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Notas de CV:

José Corceiro foi 1.º Cabo TRMS na CCaç 5 - Gatos Pretos -, Canjadude, 1969/71.

Vd. poste anterior de 2 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6301: Convívios (142): Encontro dos Gatos Negros da CCAÇ 5 ocorrido dia 24 de Abril de 2010 (José Corceiro)

Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6188: José Corceiro na CCAÇ 5 (9): Resposta a comentário ou eu e os meus registos