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sábado, 31 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21498: Notas de leitura (1319): "Estórias cabralianas", 1º volume, Lisboa, Leituria, 2020, 144 pp,, de Jorge Cabral... Prefácio de Luís Graça: "o charne discreto da humanidade ou a arma da irrisão contra o absurdo da guerra"


O " alfero Cabral"... o mais "paisano" e "heterodoxo" dos comandantes que passaram pelo TO da Guiné...


... Até o Spínola um dia desabafou, no regresso à sua  visita ao destacamento de Missirá: "- Porra, que não é só o alferes!... Estão todos apanhados!"


Lisboa > Belém > 10 de Junho >  Sempre bendito entre as mulheres... Mas em Fá Mandinga e Missirá, em 1969/71,  ainda não havia camaradas do sexo feminino, em terra, no mar ou no ar! (,tirando meia-dúzia de enfermeiras-paraquedistas que tinham o estatuto transcendente de "anjos do céu" que vinham resgatar mortos e moribundos).

Fotos: © Jorge Cabral (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Prefácio: “Cabral só há um, o de Missirá, e mais nenhum”  (»)


por Luís Graça

Este bem podia ser o subtítulo, saudavelmente provocador, deste livro, se fosse imediatamente percetível, para o leitor de hoje, a referência ao antropónimo Cabral e ao topónimo Missirá…

Missirá ficava na “portuguesíssima província” da Guiné, “muito longe do Vietname”, hoje República da Guiné-Bissau, país independente, de língua oficial portuguesa. E Cabral não era o Amílcar, o senhor engenheiro e líder de um movimento nacionalista que combatia os “tugas”, mas o “alfero Cabral”, um personagem literário criado como um “alter ego” por Jorge Cabral…

Tal como muitos jovens da sua geração, o autor foi chamado para a tropa, ainda antes de acabar o seu curso de direito, e fez o caminho do calvário de muitos outros portugueses, milicianos ou do recrutamento geral (,sem esquecer os militares do quadro), acabando mobilizado para a então “guerra do ultramar”. (Estamos a falar do tempo em que o serviço militar era obrigatório e havia, desde 1961, uma guerra em três frentes, a milhares de quilómetros de casa.)

Alferes miliciano, “atirador de artilharia”, nascido numa família de militares, sob uma frondosa árvore genealógica que já dera à Pátria “muitos Cabrais e que tais”, não desertou como outros “meninos das Avenidas Novas”: foi comandar o Pelotão de Caçadores Nativos, nº 63, dividindo a sua comissão entre Fá Mandinga e Missirá, entre 1969 e 1971, no Leste da Guiné, Sector L1, Bambadinca.

No regresso à Pátria, foi advogado e docente universitário. E continuou a ser do “contra” mas… “sempre discreto”. Um dia, em dezembro de 2005, apresentou-se à Tabanca Grande, à “tertúlia” criada à volta do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, nestes termos singelos:

“Através do blogue, recordo. E sinto. Vejo os rostos dos camaradas, oiço os sorrisos das crianças, e até, calcula, consigo admirar de novo os belos seios das bajudas. Peço permissão para pertencer à Tertúlia,, oferecendo o ‘pícaro’ de alguns episódios que vivi.”

Foi o início da série “Estórias cabralianas”, seguramente uma das mais populares que tivemos o privilégio de publicar, e que foi muito bem acolhida pela crítica literária de então… Cite-se, por exemplo, Torcato Mendonça: “Só tu, meu caro Jorge, me embacias os óculos com o cloreto de sódio que me saíram dos olhos e molharam os ditos”…

E, de facto, ninguém melhor do que o “alfero Cabral” para nos fazer (sor)rir, ao descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, num parágrafo, numa legenda, uma situação-limite, uma fantasmagórica personagem de carne e osso, um hilariante ambiente de caserna, um garboso chefe militar da “tropa-macaca”, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo da nossa (co) vivência na guerra, enfim, uma cena rocambolesca, pícara, brejeira, relativamente à nossa passagem pela Guiné “em defesa da soberania portuguesa”.

Eu, que fui seu contemporâneo e camarada de armas, passei depois a ser fã das suas “short stories”, as “estórias cabralianas”, para mais sabendo que ninguém podia invejar o lugar de comandante deste tipo de destacamentos, isolados, na “linha de fronteira da guerra”, na terra de ninguém, guarnecido por pelotões de caçadores nativos, mais uns tantos “milícias” locais, com a família às costas, os cães e os tarecos, e mais meia dúzia de graduados e especialistas de origem metropolitano, à beira do abismo, esquecidos e abandonados...

Intrinsecamente do “contra” e “antimilitarista” (ou não tivesse sido ele também um “menino da Luz”), o criador das “estórias cabralianas” não tem qualquer propósito panfletário de denunciar a “guerra colonial”, pôr em causa a gloriosa tradição da “honra & glória” dos nossos africanistas, ou sequer de “ofender a instituição militar”, tão apenas o de manifestar a saudável loucura, própria dos seres humanos que são “condenados” ou “postos à prova” em situações-limite, face à morte, o sofrimento, as privações, o absurdo, o “non-sense”, a irrisão de uma guerra de fim de império... E aquela guerra, naquele espaço e tempo, tinha tudo isso.

Mas as “estórias cabralianas” são, também, um hino à idiossincrasia (lusitana e africana), à plasticidade comportamental dos nossos soldados, à enorme capacidade de resistência, de resiliência, de imaginação e de adaptação da nossa gente...

O Jorge Cabral que, quanto estudante universitário leu o Ionesco e conhecia o teatro do absurdo, não coloca o seu “alter ego” na situação, confortável, do marionetista... Ele faz parte, de alma e coração, da peça, dos adereços, do cenário, do texto e do contexto…

Devo dizer que Jorge Cabral foi o mais “paisano” dos militares que eu conheci na Guiné. Em Fá Mandinga e depois em Missirá, e sempre que ia a Bambadinca, não se limitava a ser um heterodoxo “tuga”, representante da tropa, oficial miliciano, ator e crítico ao mesmo tempo. Era também homem grande, pai, patrão, régulo, chefe de tabanca, conselheiro, psicólogo, ‘amigo do turra’, poeta, socioantropólogo, feiticeiro, ‘cherno’ (catequista), ‘mauro’ (padre), ‘médico (com a difícil especialidade de ‘obstetra e ginecologista’, “consertador de catotas”), sexólogo, advogado e não sei que mais.

À força de ser propalada e levada pelo vento, de bolanha em bolanha, a histórica e temível frase “Cabral só há um, o de Missirá e mais nenhum” terá tido um efeito “contrassubversivo” e até “perturbador” nas “hostes do PAIGC”… Ao reivindicar ser ele "o único e legítimo Cabral", punha em xeque, o outro, o de Conacri, o "usurpador", que defendia os seus pergaminhos de Kalashnikov na mão…

Chegou por certo aos ouvidos do temível Corca Só, o chefe da 'barraca' de Madina / Belel, a sul do Morés, a tal ponto que no tempo do "alfero Cabral” não mais voltou a meter-se com a malta de Missirá…

Em Missirá, um destacamento mais exposto às morteiradas, canhoadas e roquetadas do IN (abreviatura de inimigo) do que Fá Mandinga, contava-se que o "alfero Cabral”, mais do que temido, passara a ser "respeitado" (e quiçá "venerado") pelos “camaradas do PAIGC”, desde o famoso dia em que foi atrás deles, na bolanha, a apaziguá-los e a tranquilizá-los: “Vocês não fujam, não tenham medo!!!... Sou o Cabral!!!”...

Eis, pois, um verdadeiro Lawrence das terras do Cuor, na Guiné!... Alguns dos seus amigos e companheiros de Bambadinca (aonde ele ia com frequência matar a sede) chegaram a recear que ele ficasse completamente ‘cafrealizado’ ou ‘apanhado do clima’.

O “alfero Cabral” nunca acentua o lado do “bestiário da guerra” que há no Homo Sapiens Sapiens, mas sim o da sua humaníssima, frágil, quase tocante, condição de primata, de primus inter pares na ordem zoológica do mundo... O único animal que, afinal, consegue esta dupla proeza: (i) ser capaz de rir-se de si próprio; e (ii) e mostrar, pelo outro, compaixão (no seu sentido etimológico cum + passio: sofrimento comum, comunidade de sentimentos, partilha da dor… e prazer).

O seu sentido de humor é muito próprio: nu, de tanga (uma toalha à volta cintura), e de G3 às costas, é uma figura impagável, que nos acompanha, de princípio ao fim, fazendo destas “short stories” pérolas literárias, que só podiam ser fruto de um espírito aberto, fraterno, pacifista, sadio, maroto, provocador, lúcido, irreverente, desconcertante, descomplexado.

A par da imensa tragédia que provocou (com perdas e danos, materiais e simbólicos, irreparáveis), a guerra da Guiné foi também palco (hilariante) de muitas peças do Teatro do Absurdo (envolvendo as NT, o IN, os nossos oficiais superiores, o “Caco Baldé”, os nossos camaradas, a população local)...

Por outro lado, Jorge Cabral é um dos poucos que tem o engenho e a arte de nos conseguir falar (e comover), com um subtil toque de humor, de maneira descomplexada, das nossas relações com as mulheres locais, sem nunca cair na “ordinarice de caserna”…

Veja-se, por exemplo, essa fabulosa estória, da primeira vez que veio passar férias à Metrópole, em janeiro de 1970, a compra, num grande armazém de Lisboa, de trinta e oito sutiães de todos os tamanhos e cores, e que ele levou consigo, na bagagem, de regresso a Fá Mandinga, para oferecer às suas queridas bajudas. Mas não se pense, malevolamente, que ele tinha um harém: simplesmente organizou “a festa do corpinho, para a alegria das bajudas, que envergaram o seu primeiro sutiã”…

À laia de conclusão e incentivo para a leitura, acrescentarei este excerto de uma mensagem que em tempos lhe dirigi e que não perdeu nem acuidade nem atualidade:

“Só tu, meu querido Jorge, consegues pôr a malta e o resto a tropa a fazer... o pino!...Tu és a subversão total, o iconoclasta, o bombista-suicida, o terrorista intelectual, o humorista-mor e outras figuras que tais, que em muito contribuíram para o fim do nosso longo, vasto e glorioso Império... O teu humor é(era) subversivo, corrosivo, demolidor... Depois de te ler, um homem, um ‘tuga’, já não é mais o mesmo... Tu devias ir a tribunal militar, porque tu tiras a ‘tusa’... a qualquer combatente... Depois de te ler, quem é o combatente (até mesmo o de Alá!) que se sentirá com ‘tomates’ para ir combater na guerra, nas próximas ‘guerras santas’ que se avizinham?!”...

Luís Graça, editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (**)


O livro está à venda na Livraria Leituria (Rua José Estêvão, 45 A, Pascoal de Melo / Jardim Constantino, Lisboa).Preço de capa: 10 €


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terça-feira, 16 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6000: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (1): Por onde andaram e com quem estiveram?

Os Marados de Gadamael
e os dias da
Batalha de Guidaje

Parte I


Daniel de Matos*

Unir as Pontas da Memória


(À laia de introdução)

É estranho e deveras angustiante participarmos em cerimónias fúnebres de camaradas que morreram ao nosso lado, coladinhos ao nosso corpo, no mesmo buraco, mas há… 36 anos e meio! Ainda por cima quando além de camaradas de armas eram já amigos do peito e quando, devido a circunstâncias que demoram a explicar, tivemos de os enterrar algures no mato, sem a convicção absoluta de que os depositávamos nas suas últimas moradas, tendo todas as incertezas do Mundo quanto ao destino que poderiam levar os respectivos corpos.

O regresso e a devolução às respectivas famílias dos corpos do furriel Machado, do primeiro-cabo Telo e do soldado Geraldes, as honrarias militares a que tiveram direito junto ao “Monumento Nacional aos Combatentes do Ultramar”, junto ao Forte do Bom Sucesso, em Belém/Lisboa, e as homenagens que lhes foram rendidas nos funerais efectuados nas respectivas terras natais, – em Valpaços, no Paul do Mar/Madeira e no Vimioso – vieram reactivar memórias que repousavam no arquivo dos tempos idos. Já antes, durante a bem organizada campanha para a exumação e trasladação de alguns dos outros corpos sepultados em Guidaje, e quando os três pára-quedistas da CPP 121 regressaram a Portugal e às suas famílias, algo voltou a agitar as nossas consciências e nos fez recuar no tempo e no espaço. É que, vistas desta maneira, afinal as coisas não decorreram assim há tanto tempo, foram ontem, estão mesmo a acontecer, agora.

Existem múltiplos relatos dos acontecimentos de Maio de 1973 em Guidaje – livros, depoimentos diversos, testemunhos, documentos na internet, – e, no entanto, que eu conheça, em lado nenhum figuram referências à CCaç 3518. Excepto… nas campas! E isso tem conduzido muita gente a perguntar por que raio estaria nesses dias tanto pessoal de Os Marados de Gadamael em… Guidaje? O que fazia, como foi lá parar? Quem foram Os Marados e, se o nome próprio refere outro local, o que os levou a Guidaje numa altura tão crítica como a que por lá se viveu durante esse mês?

Eu próprio, em conversa (por e-mail) com um grande e velho amigo, – o coronel A. Marques Lopes, agora na reserva, – ao informá-lo que tinha estado em Guidaje e fora “utente” do infausto abrigo de que muitos hoje falam, mas de que (felizmente para os próprios) poucos lhe conheceram os horrores, recebi dele a seguinte resposta: “o coronel Ayala Botto, que foi adjunto do Spínola, e foi com ele a Guidaje em 1973, põe em dúvida que a tua companhia estivesse em Guidaje na altura do cerco. Diz mais coisas. Ou escreve para o Blogue!!! A. Marques Lopes” (o blogue a que se refere é o conhecidíssimo, e de grande mérito, “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que contém uma quantidade apreciável de textos, fotografias e testemunhos, muitos dos quais de relevância e interesse históricos).

A verdade é que estão inventariadas em inúmeros textos as unidades que participaram na batalha de Guidaje, sendo omissas referências à nossa companhia. Bem, mas se para alguns é duvidosa e difícil de explicar a presença d’Os Marados de Gadamael tão em cima da fronteira norte com o Senegal, pior se tornará se tentarem explicar como raio é que no cemitério improvisado de Guidaje ficaram enterrados três dos mortos que ali sofremos!...

O reavivar do assunto, devido ao processo de trasladação das ossadas em 2009, e esperando que este hiato de tempo tenha esfriado a sensibilidade dos familiares para que hoje em dia já se possam confrontar melhor com a realidade dos acontecimentos – que, confirmou-se durante as recentes exéquias, até então desconheciam, – leva-me a redigir estas linhas que serão um misto das memórias desse tempo, – sempre falíveis graças à “PDI” (toda a gente de geração mais avançada sabe o que isso é). Mas por recear as traições dessa mesma memória, houve que ligar algumas pontas, que a misturar com o resultado a consultas diversas e com o cruzamento de informações que por aí circulam, disponíveis na comunicação social, em livros e na web.

Porém, que fique claro que esta nem é a História d’Os Marados, longe disso, muito menos a dos acontecimentos de Guidaje, embora espere que possa contribuir com alguns dados para historiadores que saibam da poda e queiram um dia pegar neste assunto. Não sendo um especialista, certamente serei perdoado por eventuais imprecisões (espero que não as tenha em demasia). Do mesmo modo, este texto não advém de um diário (que nunca escrevi), não visa enaltecer nem as nossas aventuras nem as desventuras, muito menos acicatar a rivalidade imbecil entre unidades daqui e dacolá. Até porque, – valha-nos isso! – integrámos uma companhia do exército (“tropa macaca”), que tal como todas as outras (de todas as armas) foi composta por gente normalíssima, sem a mania das grandezas, mas com a sorte de não contar no seu seio com gabarolices de heróis de pacotilha nem com falsos protagonistas, em resumo, uma companhia sem “rambos” nem “schwarzeneegers” obtusos.

Com estas linhas pretendo, tão-só, escrevinhar alguns apontamentos que, na minha óptica, respondam às dúvidas que muitos camaradas colocam amiúde sobre o que realmente se passou em Maio de 1973 naquela região e, já agora, explicar como apareceram Os Marados de Gadamael nesta crise…

Provavelmente não acrescentarei nada de novo ao que já é conhecido. Mas se este trabalho contribuir para que alguns ex-combatentes nele se revejam e dele se sirvam para contar aos netos o que nos custou aquilo tudo, terá valido a pena e dar-me-ei por satisfeito. Também nunca foi meu hábito escrever na primeira pessoa do singular. Só que, para se contar esta história, forçosamente tem de haver um narrador. Por isso, aqui vai…


Por onde andaram e com quem estiveram Os Marados?

“Os Marados de Gadamael” foi a divisa – não muito abonatória, é certo, – escolhida para e pelo pessoal da Companhia de Caçadores Independente nº 3518, formada no Funchal (no Batalhão Independente de Infantaria nº 19/BII 19) durante o segundo semestre de 1971 (formalmente, a 15 de Novembro, “destinada a combater no Ultramar nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei º 49107, de 7 de Julho de 1969”).

Como companhia “madeirense” (de onde são naturais os soldados atiradores e o capitão miliciano Manuel Nunes de Sousa, – que as praças especialistas e os graduados vieram do Continente), receberia o guião das mãos do presidente da Câmara Municipal de Santana, a 16 de Novembro de 1971.

Houve também entre os “Marados” dois açorianos e dois guineenses: o furriel miliciano Nuno Álvares Brasil Pessoa, – que faleceu depois do regresso à ilha natal de S. Jorge; vindo em rendição individual, em 27 de Julho de 1972, o soldado atirador António Henrique Paiva Valente, de Santa Maria, então como hoje, distinto locutor do Clube Asas do Atlântico, em Vila do Porto; o guineense, de ascendência cabo-verdiana, Florentino José Lopes de Almeida, (para os amigos, o Fontino), furriel miliciano de operações especiais; e ainda o soldado Malan Seidi, – veio transferido da CCaç 3.

Com destino à Guiné Portuguesa, a companhia embarcou na cidade do Funchal no dia 20 de Dezembro desse ano, às 3 da madrugada (!), tendo chegado a Bissau no dia 24 seguinte (embora já estivéssemos ao largo do rio Geba desde as 23 horas do dia 23, quem poderá esquecer-se de tão bela consoada?). No mesmo paquete, – o Angra do Heroísmo, – e com igual proveniência, viajaram a CCaç 3519 (que iria parar a Barro) e a CCaç 3520 (cujo destino foi Cacine), mais o BCaç 3872, que já embarcara em Lisboa e que viria a instalar-se em Galomaro. Pisámos terras da Guiné a partir das 15 horas.

Passámos o dia de Natal a desfazer malas e no dia 26 registou-se a cerimónia de boas-vindas, presidida pelo comandante-chefe, – General António de Spínola, figura grada entre os soldados, ou não fosse também ele um madeirense e, ainda por cima, um líder –perante quem desfilámos e que em seguida nos passou revista. A 22 de Janeiro de 1972 terminámos o IAO (Instrução e Aproveitamento Operacional) no CMI (Centro Militar de Instrução), situado no Cumeré. No dia seguinte, a bordo de uma LDG, às 19 horas, abalámos do porto de Bissau – ao lado do histórico cais de Pindjiguiti, – para Gadamael Porto.



Foto 6> Cumeré - 26 de Dezembro de 1971 > O General António de Spínola passando revista ao 2º pelotão da CCaç 3518, no Cumeré.

Após o transbordo em Cacine para uma LDM, (aí se despedindo dos camaradas da irmã gémea CCaç 3520 – “Estrelas do Sul”), e em duas levas de dois pelotões cada, a primeira alcançou o pequeno desembarcadouro de Gadamael, no rio Sapo (afluente do Cacine), pelas 15 horas do dia 24 de Janeiro, onde a companhia ficou uma temporada em sobreposição com a unidade que foi render (a CCaç 2796, que depois marcharia para Quinhamel), integrada no dispositivo de manobra do BCaç 2930, depois do BCaç 4510/72 e, depois ainda, do COP 5 (Guileje).



Foto 12 > O autor, junto às águas do Rio Sapo (afluente do Cacine, que banhava Gadamael Porto).

Juntamente com Os Marados, estiveram em Gadamael os homens do Pelotão de Reconhecimento Fox nº 2260,  “Unidos Venceremos” (comandado pelo alferes miliciano de cavalaria Alexandre Costa Gomes e pelos furriéis milicianos Manuel Vitoriano, José Soares, Joaquim Manso, José António Barreiros e António Rio). A 28 de Abril de 1972, após cerimónia de despedida, presidida in loco pelo governador e comandante-chefe Spínola, o pelotão marcha para Bissau, a fim de aguardar aí transporte de regresso à metrópole.

O Pel Rec Fox 2260 foi substituído oito dias antes (21 de Abril) pelo Pelotão de Reconhecimento Fox 3115/Rec.8 (comandado pelo alferes miliciano de cavalaria José Manuel da Costa Mouzinho e pelos furriéis Sérgio Luís Moinhos da Costa, Alfredo João Matias da Silva, José de Jesus Garcia e Fernando Manuel Ramos Custódio).

Também em Gadamael, estiveram adidos à companhia o 23º Pelotão de Artilharia, (comandado pelo alferes miliciano de artilharia José Augusto de Oliveira Trindade e pelos furriéis milicianos Armando Figueiredo Carvalheda, António Luís Lopes de Oliveira (este, logo substituído pelo furriel miliciano João Manuel Duarte Costa), e ainda os Pelotões de Milícias 235 e 236. O comandante de pelotão 235 era Mamadú Embaló e os comandantes de secção, Camisa Conté, Abdulai Baldé e Mamadú Biai; o comandante de pelotão 236 era Jam Samba Camará e os comandantes de secção, Satalá Colubali, Amadú Bari e Mussa Colubali. O Camisa Conté, – quanto a mim a mais bem preparada de todas as milícias, de grande inteligência, disponibilidade constante e invulgar simpatia, – morrerá na célebre “batalha” de Guileje, diz-se que num “acidente com arma de fogo”, (ouvimos em Bissau alguém contar que foi a tentar desmontar uma mina) a 12 de Maio de 1973. Por outro lado, o Jam Samba viria a morrer em combate, dias mais tarde, também em Guileje, a 18 de Maio de 1973.

Foto 9 > Dois dos melhores soldados milícias que nos acompanharam em Gadamael. O da direita, Camisa Conté, viria a falecer em 1973 quando das batralhas de Guileje e Gadamael.

Nas acções de guerrilha que em Maio e Junho de 1973 viriam a culminar no abandono de Guileje e na tentativa de cerco de Gadamael Porto, morreriam igualmente em combate os soldados milícias do pelotão 235, Corca Djaló, Abdulai Silá e Malan Sambú e, do pelotão 236, o Braima Cassamá. Enquanto estivemos no sul, todos eles acompanharam os pelotões da CCaç 3518 nas patrulhas e demais operações efectuadas. Desses, recordo com maior saudade o Braima Cassamá, que foi meu aluno nas aulas do Posto Escolar Militar nº 23 que funcionou em Gadamael. Eu e o soldado africano Ricardo Lima da Costa e, mais tarde, com os também monitores escolares, primeiro-cabo Manuel Nuno de Sousa e o soldado António Henrique Paiva Valente, fomos os professores diurnos de perto de quarenta crianças da população. À noite, nas noites em que não estávamos de prevenção ou naquelas em que não teríamos de sair para o mato na madrugada seguinte, demos aulas a uma dúzia de voluntários adultos, praticamente todos da milícia. E como era difícil explicar matérias a quem mal entendia o português! Isto, sem falar noutros assuntos que constavam no programa de ensino, – mas que obviamente não respeitávamos, como o fazer os africanos empinarem as linhas ferroviárias, (ninguém sabia sequer o que era um comboio), ou as cordilheiras da metrópole (aquelas crianças nem um monte viram ao longo das suas curtas vidas na Guiné)! Na prática, o que todos queriam era aprender a ler e escrever em português (alguns já o faziam em árabe, quanto mais não fosse para lerem a “Tábua de Moisés”). O Braima, excelente rapaz, era dos mais interessados e não me lembro que alguma vez tenha faltado a uma aula. Em separado, devido à compreensão da língua, dei aulas aos soldados. Tínhamos mais de trinta praças da companhia que não possuíam a 4ª classe quando foram incorporados, algumas eram mesmo analfabetas. No final da comissão quase todas fariam o exame e seriam aprovadas (já na escola primária de Bafatá), o que se revelou vital para os seus futuros (muitos soldados pretendiam emigrar para a Venezuela e África do Sul mal se vissem livres da tropa) ou, quanto mais não fosse, para poderem tirar a carta de condução.

Foto 8 > Imagem exterior do PEM (Posto Escolar Militar) n.º 23, Gadamael, que ficava ao lado da pista de aviação nova, junto à tabanca.






No Posto Escolar Militar nº 23 (PEM-23, Gadamael) frequentaram as aulas da instrução primária algumas dezenas de jovens alunos (também alguns adultos da população).Não era fácil dar aulas a muitos que não falavam português (nem em crioulo se exprimiam), mas registaram-se muitos casos de bom aproveitamento, concluindo a 4ª classe.

Enquanto em Gadamael, o território operacional e os locais de minagem, patrulhamento e montagem de emboscadas foram essencialmente os seguintes: antigas tabancas de Viana, Ganturé, Bendugo, Gadamael Fronteira, Missirá, Madina, Bricama Nova, Bricama Velha, Tambambofa, Jabicunda, Campreno Nalú, Campreno Beafada, Mejo, Tarcuré, Sangonhá, Caúr e Cacoca.

A zona fronteiriça com a Guiné-Conacry e a picada para Guileje (estrada que outrora ligava a Aldeia Formosa e ao Saltinho) foram os locais com mais frequente número de operações.

Todo o abastecimento por via terrestre às unidades e população instaladas em Guileje se efectuava, durante a estação seca, através de colunas efectuadas a partir de Gadamael Porto, sendo o nosso pessoal responsável não só pelas viaturas que transportavam para Guileje os géneros que os batelões descarregavam em Gadamael, mas também pela segurança de metade do percurso. Por diversas vezes, pelotões da companhia, o pelotão Fox e os pelotões da milícia passaram temporadas em reforço das unidades locais (como, por exemplo, da CCaç 3477, “Os Gringos de Guileje”, até Dezembro de 1972, e a CCav 8530, na parte final da nossa estada no sul).

Ao recordar aqui quem connosco palmilhou longas distâncias em patrulhamentos, montou emboscadas e alinhou em segurança a colunas no sul da “província ultramarina”, seria injusto não mencionar os guias (suponho que havia dois), mas muito especialmente o Queba Mané, expoente máximo em simpatia e disponibilidade fosse para o que fosse, e de grande resistência física, pois num africano os cabelos brancos denunciam muitas vezes a avançada idade e nunca dei por que se sentisse fatigado. Uma ou outra vez o capitão enviou-o sozinho ao outro lado da fronteira, com a missão de recolher informes sobre a presença, guarnição e movimentações IN. Contornava sem dificuldade as armadilhas que eu e o Ângelo Silva tínhamos sempre montadas no caminho (algumas dezenas em toda a zona operacional).

Outros homens importantes foram os caçadores nativos, à conta dos quais nos deliciámos inúmeras vezes com peças de caça, especialmente os bifes de gazela de tão boa memória. Um deles era o experiente nº 4/65, Aliú Jaló; o outro, Ussumane (Baldé?), que viria a distrair-se e a pisar uma mina antipessoal já perto do cruzamento de Ganturé (debaixo de um velho e já meio ressequido limoeiro bravo). Certa altura, ao cair da noite, ouvimos um rebentamento que logo identificámos como proveniente de um desses engenhos.

Aconteceu muitas vezes sentirmos rebentamentos originados pela passagem de animais (os de maior porte) que pisavam minas ou accionavam armadilhas e morriam. Por exemplo, uma hiena – em vão, ainda tentámos alimentar durante uns dias, com leite em pó, um dos filhotes que sobreviveu ao rebentamento; um leopardo, – infelizmente para o Lopes Silva, que bem tentou “baratinar” o Camisa Conté a retirar-lhe a pele para mandar curtir e enviar à namorada, mas já tinham passado três ou quatro dias quando lá fomos e naquele estado de decomposição o persuadido negou-se; houve pintadas (galinhas-do-mato) que arrastaram fios-de-tropeçar, e, num belo dia, ao fundo da pista velha, um lindíssimo e corpulento gorila sucumbiria aos ferimentos duma mina AUPS.

Na manhã seguinte, bem cedinho, a família de Ussumane (tinha várias mulheres) entrou pelo aquartelamento dentro a reclamar que o fôssemos buscar a Ganturé, pois de certeza teria sido ele, saído na caça, quem accionara a mina. Lá me levantei da cama, mobilizei uma secção do 2º pelotão e fui a esfregar os olhos picada adiante, com as mulheres a algaraviar atrás de nós (infrutíferas as tentativas para que se calassem ou nos ficassem a aguardar pelo caminho). No local não encontrei corpo algum, só um monte cintilante de formigas negras e luzidias. Depois de as vergastarmos com arbustos e ramos de árvore é que começou a aparecer o corpo do caçador. Tinha um pé amputado e devia ter perdido muito sangue durante a noite. Porém, a expressão com que se finou sugeria que a causa da morte devia ter sido a asfixia, devido aos milhões de formigas que se apoderaram do corpo ainda vivo mas imobilizado no chão, cobrindo-o literalmente.

Há muito esperados, chegaram em três lanchas os homens da rendição, era o dia 8 de Fevereiro do ano da graça de 1973! Os periquitos ficaram connosco durante um período de sobreposição. Assim, fomos rendidos no subsector de Gadamael pela CCaç 4743/72, de origem açoriana, comandada pelo capitão miliciano de infantaria, Manuel Bernardino Maia Rodrigues, Seguimos para Bissau no dia 4 de Março, a partir das 7 horas (a bordo de uma LDG), onde efectuámos também um período de sobreposição e rendemos a CCaç 3373. Os Marados de Gadamael passaram a efectuar a protecção e segurança das instalações e populações da área e a colaborar em escoltas a colunas de reabastecimento a Farim. Uma dessas colunas, envolvendo dois pelotões nossos, “estendeu-se” a Binta e a Guidaje, aí permanecendo sitiada durante quinze dias.

É a memória testemunhal, e também opinativa, desses longos dias, que vou tentar transcrever nas páginas seguintes. Tentarei integrá-la no contexto histórico que se vivia na Guiné no já longínquo mês de Maio de 1973, embora a generalidade das explicações se destine, como é óbvio, sobretudo àqueles que por lá não passaram e nunca tiveram qualquer familiaridade com a Guiné nem as causas e efeitos da tão dura quanto injusta e desnecessária guerra que ali se travou.

Algumas das unidades (ou partes delas) com quem os dois pelotões da CCaç 3518 estiveram, ou com quem se cruzaram durante tão malfadado período: Companhia de Caçadores 19 (africana, sediada em Guidaje, criada em Dezembro de 1971), Companhias de Caçadores nº 3, nº 14 (também africanas), Companhia de Comandos nº 38, Pelotão de Artilharia nº 24, Companhia de Caçadores Pára-quedistas nº 121, Destacamento de Fuzileiros Especiais nº 4, Destacamento de Fuzileiros Especiais nº 7, Destacamento de Fuzileiros Especiais nº 1, Pelotão de Morteiros nº 4247, Batalhão de Caçadores 4512, Companhia de Cavalaria 3420, Companhia de Caçadores sediada em Cuntima, Batalhão de Comandos Africanos e Grupo Especial do Centro de Operações Especiais do alferes Marcelino da Mata (entretanto, coronel na reserva).

A companhia viria a ser substituída a 5 de Julho de 1973 no subsector de Brá (COMBIS) pela CCaç 3414, tendo sido transferida para Bafatá na semana seguinte (dia 11) a fim de substituir a CCav 3463. A 13 de Julho de 1973 (dia do meu 23º aniversário em que exagerei nos festejos, estando de sargento de dia, e em que ia sendo preso, mas isso é outra história!) a companhia assumiu a responsabilidade do subsector de Bafatá e, cumulativamente, a função de intervenção e reserva do BCaç 3884, tendo ainda actuado em reforço de outros sectores da Zona Leste, por períodos curtos. Os quatro pelotões da companhia estiveram frequentemente deslocados e reforçaram temporariamente unidades das regiões vizinhas (missões de serviço com as companhias do BCaç 3884, CCaç 3549, BArt 6523/73, CCaç 3548, CAOP 2, etc., mantendo actividade operacional nomeadamente em locais como Contuboel, Geba, Sonaco, Sare Banda, Xime, Xitole, Alimo, Canquelifá, Sare Bacar, Ponta Guerra, Porto Gole, Bambadinca Tabanca, Cheque, Cantauda, Bigine/Colufe, Maum de Meta, Cheual, Bajocunda, Sincha Bakar, Enxalé, Ponta Luís…

Entre 15 e 22 de Dezembro de 1973 os quatro pelotões participaram nas grandes operações “Dragão Feroz” e “Tudo Verde”. Na primeira, estivemos com o BArt 3873, CArt 3493 (então, em Fá Mandinga), CCaç 12, CCaç 21 (de Bambadinca, na altura comandada pelo tenente Jamanca), 20º e 27º pelotões de artilharia (10,5 e 14) e os Gemil’s 309 e 310; na segunda, todas com quatro grupos de combate, participaram ao nosso lado a CArt 3494, mais uma vez as CArt 3493 e CCaç 21, bem como o 27º pelotão de artilharia (14 mm), instalado em Ganjuará.

Nestes dias de emboscadas, golpes-de-mão e combates causaram-se baixas ao IN (um morto e vários feridos confirmados e, a julgar pelos rastos de sangue abundantes, mais mortes não confirmadas) e capturou-se algum material (por exemplo, uma espingarda semi-automática Simonov). Houve dois feridos graves das NT, evacuados de helicóptero, que não pertenciam à nossa companhia.

No percurso Mansambo/Jombocari/Mina, vários soldados foram vítimas de intoxicação alimentar, e vários deles desmaiaram, devido à má qualidade da ração de combate (nº 20) que lhes tinha sido distribuída. O principal objectivo da segunda operação seria destruir um suposto hospital IN que, diziam as informações, estaria a funcionar em Fiofioli (de facto, antiga base guerrilheira, ainda nos anos sessenta). Todavia, quando após várias peripécias chegámos ao destino, nada se confirmou, nem sequer havia quaisquer vestígios IN no local.

Estas informações, geralmente não se obtinham através dos serviços especializados do exército, era a PIDE/DGS que dizia obtê-las através de informadores próprios. A polícia política praticamente determinava as operações que as forças armadas deveriam efectuar. À excepção do chefe Allas, – que há quem diga ter sido tecnicamente competente nesse domínio (por se comportar mais como militar do que como polícia), – pelo menos na região de Bafatá, enquanto lá estivemos, as informações vindas daquelas bandas revelaram-se na esmagadora maioria das vezes uma grande treta, falsas ou ineficazes, criadas provavelmente só para mostrar serviço. O certo é que bastava qualquer agente “botar faladura” no comando operacional que esta, em vez de mandar confirmar as tais fontes, fazia a vontade à corporação e lá íamos nós feitos otários à pesca de cubanos e gajos loiros no mato, à cata de “armazéns do povo” e hospitais, como quem vai aos “gambuzinos”…

Também dizem os especialistas que a polícia política teve, durante determinados períodos, alguns informadores e agentes infiltrados nas fileiras do PAIGC, inclusive em contacto ou com acesso aos mais altos responsáveis do partido, (e isso viria a confirmar-se a propósito do assassinato de Amílcar Cabral, a 20 de Janeiro de 1973, em Conacry), mas nós ficámos sempre com a ideia de que os informadores a um nível mais baixo deveriam ser muito fraquinhos.

Na Guiné, a PIDE tinha uma delegação em Bissau, sub-delegações em Bafatá, Mansoa, Bissorã, Bula, Teixeira Pinto, Cacheu, Farim, Cuntima, Cambaju, Sare Bacar, Pirada e Nova Lamego, e ainda postos em São Domingos, Ilha Caravela e Cacine. Os quadros nem eram muitos (entre 75 e 85 no ano de 1973): cinco inspectores e inspector adjunto, dois subinspectores, sete chefes de brigada, dezoito agentes de primeira classe, vinte e oito de segunda e estagiários, quatro motoristas e três guardas prisionais. Possuía ainda meia dúzia de funcionários técnicos (rádio-montadores e rádio-telegrafistas), outros tantos contínuos e serventes, além de quatro escriturários para as folhas de caixa e processamento de salários, subsídios extraordinários e ajudas de custo. Depois, é claro, havia uma rede de informadores e, para sua vergonha, os comandos militares tinham instruções rigorosas de como proceder com eles (na Guiné, instruções dimanadas da Directiva 63/68.SECRETO.AM).

Em suma, “autóctone que se apresente para prestar informações exclusivamente à PIDE/DGS deve ser considerado informador secreto, canalizado para o agente local ou, não existindo, deve-se providenciar o transporte para Bissau e entregá-lo na delegação desta polícia”. É expressamente proibido fazer interrogatórios a estes informadores! Ao arrepio dos interesses e da estratégia militar, a PIDE chegou a ser considerada responsável por provocações sangrentas com o objectivo de criar ondas de terror e responsabilizar o PAIGC.

Em Novembro de 1965, em Farim, teria mandado lançar uma bomba para o meio de uma festa popular, provocando a morte de uma centena de pessoas, para colocar a culpa nos “terroristas” e revoltar os cidadãos locais. A propaganda, ou notícia de choque sobre a “explosão terrorista”, chegou à opinião pública internacional, mormente através das páginas do New York Times…

Os serviços de “Informações e Operações de Infantaria” revelaram-se muito mais eficientes na observação dos movimentos IN, enviando às “zonas libertadas” ou aos outros lados das fronteiras, milícias, caçadores nativos, guias, etc., até a pretexto de irem visitar familiares e, no regresso, ficávamos a conhecer, por exemplo, o número de efectivos, as deslocações havidas, o armamento recebido. Aliás, o PAIGC fazia rigorosamente o mesmo, no sentido contrário.

Nos dias seguintes (23 a 31 de Dezembro de 1973) a companhia executou o plano “Bafatá Impenetrável”, do BCaç 3884, que contou com diversas operações, e, já em 1974, na mesma zona de acção, as operações “Garota Nua”, “Madeirense Teimoso”, “Zorro Galante”, “Indomáveis Patifes” e “Leme Seguro” (cito apenas as operações em que participámos lado a lado com outras unidades e não todas as que efectuámos ao longo da prolongada comissão de mais de 27 meses).

Embora terminando a comissão em Outubro de 1973, após diversas datas prováveis para o regresso ao Funchal, (sempre com a frustração do desmentido posterior), a 15 de Fevereiro de 1974 fomos rendidos pela CArt 6252/72, recolhendo ao Cumeré para aguardar o regresso. A CCaç 3518 embarcaria no paquete Niassa a 28 de Março, com destino à Madeira, onde desembarcou a maior parte das praças e o capitão, tendo o pessoal do Continente alcançado a Rocha do Conde d’Óbidos (Lisboa) a 3 de Abril de 1974.
__________

Notas de CV:

(*) Daniel Matos foi Fur Mil da CCaç 3518 (1972/74) que esteve em Gadamael

Vd. poste de 12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5981: Tabanca Grande (208): Daniel Matos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3518 (Gadamael, 1972/74)

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4129: Estórias cabralianas (47): A minha mobilização: o galo dos Cabrais... (Jorge Cabral)

1. Mais uma estória cabraliana (desculpem os puristas da língua, mas o autor faz questão...). Só faltam três para as 50... O Jorge prometeu não se passar dos carretos sem chegar à meia centena (*)...

Não cometo uma inconfidência - imprescindível para se compreender o título e a moral da história - ao dizer que o Cabral é um homem de linhagem ilustre... e que o progenitor , ao que sei, era militar... de carreira. E a verdade é que, quem sai aos seus, não degenera...

Posso garantir que nunca o vi, nas terras de Badora e do Cuor, cantar de galo... Mas que sempre prezou a sua linhagem, isso é indesmentível e eu sou testemunha: costumava garantir, a quem o queria ouvir, que "na Guiné, Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum"...


Fanfarronice ou não, a coisa deve ter chegado aos ouvidos do Corca Só, o chefe da 'barraca' de Madina / Belel, que nunca mais voltou a meter-se com Missirá...(LG)


Estórias cabralianas > A Minha Mobilização. Trauma?

por Jorge Cabral


Calma, simpática, acolhedora, a Vila de Vendas Novas. Bom vinho, petiscos, raparigas bonitas. Que mais podia aspirar o Aspirante? No Quartel fazia tudo, isto é, nada. Acumulara cargos, Justiça, Acção Psicológica, Revista, Cinema e ainda os discursos da Peluda.

Cumpria gostosamente um peculiar horário. Após o toque de alvorada, às vezes de ressaca, de cara por lavar e barba por fazer, corria para a Formatura Geral, onde... passava revista ao Pelotão. Meia hora depois, abancava no Bar e tomava um lauto pequeno almoço, antes de regressar à cama.

Por volta do meio dia, vestia-se com a farda de passeio e comparecia ao obrigatório almoço. Finalizado este, já elas o esperavam no Café. Conversa, Poesia, Estórias e um pouco de loucura animavam as tardes, até ao toque de ordem. Regressado ao Quartel, desfardava-se e com os amigos, partia com destino às jantaradas, Montemor-o-Novo, Évora, Setúbal...

De volta ainda havia lugar para a lerpa, onde alinhavam também alguns jovens tenentes. Perdia sempre (era o galo dos Cabrais, segundo se dizia...).

Pois foi numa dessas noites. Eram três da manhã. A sala fumarenta, as garrafas vazias. Eis que chega o Capitão, Oficial de Dia, com um papel na mão. Vem divertido, e dirige-se ao Cabral:
– Calcule que em Leiria no RAL 4 (** já pensavam que tinha desertado (O Aspirante pertencia aquela unidade onde nunca fora, pois se encontrava em diligência na EPA) (**).
- ...
-Olhe, foi mobilizado em rendição individual para a Guiné.

Continuaram a jogatana. Beberam mais um copo e o Aspirante ainda brincou:
- Porra que não é só no jogo, o galo dos Cabrais!.

No outro dia já elas sabiam. Foi apaparicado e mimado. Tanto que acabou na cama com uma e na noite seguinte com outra e ainda havia uma terceira mas teve de entrar de licença.

Trauma da Mobilização?

Tem pensado nisso. Já tentou várias vezes “ser de novo mobilizado” para informar umas damas. E nada...

Jorge Cabral

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série:

31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4114: Estórias cabralianas (46): Inspecção Militar: E todos os tinham no sítio... (Jorge Cabral)

(...) Pois, também eu naquela manhã de Junho me dirigi à Avenida de Berna, ao Quartel do Trem Auto, onde hoje funciona a [Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da] Universidade Nova [de Lisboa].

Éramos mais de cem, altos e baixos, loiros e morenos, alguns mancos, pitosgas muitos, um quase corcunda, três gagos e dois tontos. Mandaram-nos despir e pôr em fila, numa literal e verdadeira bicha de pirilau. (...)

(**) Abreviaturas

RAL = Regimento de Artilharia Ligeira

EPA = Escola Prática de Artilharia

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2294: De Madina para Missirá... com amor: a mina da despedida (Luís Graça / Humberto Reis / Beja Santos)

1. Na véspera de sair do destacamento de Missirá, com os seus homens do Pel Caç Nat 52 - para ser colocado em Bambadinca, sede do BCAÇ 2852 (1968/70) - o Alf Mil Mário Beja Santos é vítima de uma mina anticarro, no percurso de regresso a casa, na estrada Finete-Missirá, perto de Canturé... Ele e mais duas secções (1)...

Não foi às cinco na tarde, como no trágico poema de Garcia Lorca - que vocês podem ler (e reler, de preferência em voz alta) no blogue do nosso amigo e camarada João Tunes, em post já antigo de 5 de Março de 2005, Água Lisa (2) - , mas já ao anoitecer, no Cuor, a norte do Rio Geba, na Guiné, às 18h, do dia 16 de Outubro de 1969...

Diz a lenda que a mina era para o Beja Santos e trazia um bilhete do Corco Só, o comandante da base do PAIGC em Madina/Belel... Nunca ninguém leu o alegado bilhete, pregado numa árvore e que se terá volatizado... Mas se o Corca Só fosse um verdadeiro cavalheiro e conhecesse os romances e/ou os filmes da série James Bond - o que era de todo improvável - teria escrito, ao melhor estilo da luta de libertação, o seguinte bilhete: De Madina para Missirá... com amor (1).

Como regra (de outro) da nossa tertúlia e do nosso blogue, não fazemos juízos de valor sobre o(s) comportamento(s) de cada de um de nós, enquanto militares ou combatentes. Um camarada não pode ser juiz de outro camarada. Limitamos-nos aqui a narrar, a reconstituir os factos, a colar os pedaços das nossas memórias fragmentadas (e ainda doridas)... Sobre as peripécias desse trágico dia, trocámos alguns e-mails:


1. Mensagem de L.G., para o Humberto Reis, com data de 16 de Novembro último:

A mina em que o caiu o Beja Santos, a 16 de Outubro de 1969, marcou-nos a todos. Foi à hora de jantar... Sei que organizámos uma coluna de socorro que atravessou a bolanha de Finete, o teu (e na altura meu) 2º Gr Comb da CCAÇ 12 , mais os gajos do Pel Rec Info... Não sei se o furriel dos morteiros também foi... Houve vários voluntários... Eu tenho ideia de ter saído à noite convosco, mas já não posso jurar...

A tua foto [do Unimog destruído] (1) só poderia sido tirada no dia seguinte, por razões óbvias: estás tu e o Carlão, mais um dos nossos nharros... Sei que a viatura ficou armadilhada... Era um 404 ou ou 411 ? Faço sempre confusão... O Beja Santos diz que era um burrinho, e pela foto parece que era...

Ele omite a coluna de socorro que partiu de Bambadinca nessa noite, depois do jantar... Acho que ficámos lá, em Finete, e voltámos no dia seguinte... Os feridos só podem ter sido evacuados na manhã seguinte... Diz-me de que é que te lembras... O Tony também deve saber... Vou tentar despertar-lhe a memória... Ao Fernando Calado também é altura de lhe abrir o bico, até por que ele é citado pelo Beja Santos... Fico a aguardar o teu depoimento, e já agora o do Levezinho e do Calado... A propósito, republiquei a carta de Bissau ao Tony (que eu não sei se ele alguma vez leu, no blogue)(2).


2. Resposta, com data de hoje, do Humberto Reis

Luís: De facto foi o 2º Gr Comb [da CCAÇ 12] que atravessou a bolanha de Finete à noite, quando se soube do que tinha acontecido. Aliás lembro-me de alguém, se calhar até fui eu, ter feito uma hora antes, um comentário do género "o Beja Santos é maluco", pois ia sair de Bambadinca para Missirá já de noite.

Terá ido alguém da milícia de Finete connosco até ao local do acidente e ficámos lá toda a noite a dar de beber aos mosquitos e regressámos de manhã. O condutor morreu durante a noite em Finete.

Já não me lembro como é que a viatura veio para Finete. Julgo que era um 411, o burrinho, o mais pequeno que tinha motor diesel (o grande, o 404, era a gasolina).

Julgo que o furriel dos morteiros, o Lopes de Angola, não foi. Ele foi quando num domingo à noite, estávamos a jantar na messe e pensámos que a ponte estava a ser atacada, mas afinal era Amedalai (Já aqui contei esse episódio em que fomos vários vestidos à civil, que era como estávamos a jantar, e as viaturas com os condutores e algumas praças apareceram automaticamente à porta da messe, já prontas a marchar sem ninguém os ter chamado. A isso chama(va)-se ser camarada).

Aquele abraço

Humberto Reis


3. Comentário de L.G.:

Humberto: Eu sei que isto é a pequena história, a petite histoire, como dizem os franceses... E que os historiadores, oficiais ou oficiosos, irão ler, por cima da burra, com condescendência, sobranceiria, desprezo, as coisas que hoje escrevemos... É a história com h pequena, mas é nossa...

Dizes bem: isso era ser camarada, sem mais adjectivos, sem pompa nem circunstância... Fizemos isso [, nós, a CCAÇ 12 e o Pel Rec Info, ] pelo Beja Santos e pelos seus nharros, como ele e o Pel Caç Nat 52 fariam o mesmo por nós e pelos nossos nharros...

A aparente omissão desta coluna (imediata) de socorro, na narrativa do Beja Santos (1), é natural e compreensível: a nossa memória é selectiva, de resto o Mário não tinha cabeça para tudo o mais que se passou a jusante e a montante da explosão da mina...

Obrigado, mais uma vez, pelo teu oportuníssimo esclarecimento... Parte da tua estória bate certa com a minha...

Um abração. Luís


4. Comentário (final) Beja Santos:

Assunto - Repor a verdade!

Luís e Humberto: No episódio da mina de Canturé refiro explicitamente que recebi uma tocante solidariedade de Bambadinca, o Cunha Ribeiro foi determinante para pôr tudo em movimento, parti imediatamentre com o David Payne para Finete, vocês vieram depois, com o Reis sapador.

A viatura era um 404, indiscutivelmente, vinha carregado com toneladas de material, felizmente, senão a desgraça teria sido muito maior.

Sim, fui maluco e irresponsável, saindo àquelas horas para Missirá. Essa culpa ninguém ma tira!

Um abraço, Mário.

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 16 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2270: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (9): E de súbito uma explosão, uma emboscada, um caos...

(2) Vd. post de 14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

terça-feira, 31 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4114: Estórias cabralianas (46): Inspecção Militar: E todos os tinham no sítio... (Jorge Cabral)

1. Hoje é dia de rancho melhorado na nossa Tabanca Grande... Ao jantar, temos um deliciosa sobremesa, mais uma das sempre apreciadas histórias cabralianas, da autoria de Jorge Cabral (aqui na foto, à esquerda) que foi, como Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63 em Fá Mandinga e Missirá (Zona Leste, Sector L1, Bambadinca), em 1969/71.

É actualmente especialista em direito criminal, jurista e professor universitário. Tem muitos alunos (e alunas) da Guiné-Bissau. Deixa sempre saudades por onde quer que passe.
Estórias cabralianas (*) > INSPECÇÃO MILITAR

por Jorge Cabral

Pois, também eu naquela manhã de Junho me dirigi à Avenida de Berna, ao Quartel do Trem Auto, onde hoje funciona a [Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da] Universidade Nova [de Lisboa].

Éramos mais de cem, altos e baixos, loiros e morenos, alguns mancos, pitosgas muitos, um quase corcunda, três gagos e dois tontos. Mandaram-nos despir e pôr em fila, numa literal e verdadeira bicha de pirilau.

Na mesa, um Coronel, um Major e um Tenente – Médico, constituíam a Junta Inspectora. Um a um, fomos chamados diante do Médico a fim de declarar se sofríamos de alguma maleita.

Após rápido e sumário exame, mesmo para aqueles que se disseram doentes, continuámos todos nús e encostados à parede, esperando o veredicto... que chegou num discurso patriótico do Coronel. Falou de Aljubarrota, das picadas africanas, de heróis e da necessidade de homens valentes com “eles no sítio” e, por fim, concluiu:
– Todos aptos para o Serviço Militar.

Claro, pensei na altura, ainda nu e olhando os demais, todos tinham dois no sítio. Juro que não vi nenhum com eles no pescoço, ou debaixo do braço...

Jorge Cabral

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Nota de L.G.:

(*) Vd. últimos postes desta série:

2 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3963: Estórias cabralianas (45): Massacres e violações (Jorge Cabral)

(...) Corria o ano de 1968, quando prestes a concluir o Curso, não resisti ao convite do Estado – Férias pagas em África, com grande animação e desportos radicais. Primeiro o estágio-praia para os lados da Ericeira, findo o qual, tive um grande desgosto. Tinham-me destinado ao turismo intelectual – secretariado. Felizmente as cunhas funcionaram e consegui ser reclassificado em atirador, tendo passado a frequentar no Alentejo, o estágio-campo. Terminado este, ainda vivi muitos meses de tristeza e inveja ao ver os meus camaradas integrarem satisfeitos numerosas excursões, as quais iam embarcando (...).

27 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3808: Estórias cabralianas (44): O amoroso bando das quatro não deixou só saudades... (Jorge Cabral)

(...) O Amoroso Bando das Quatro deixou-nos muitas saudades. Mas que noite agradável ... até sonhámos com elas. Só que ainda nem três dias haviam passado, já recebíamos tratamento à fortíssima infecção que nos atingira o dito e adjacências. Graças à Penicilina, o caso seria em breve esquecido, pois afinal tinham sido apenas ossos do ofício, os quais segundo alguns até mereceram a pena... Porém, e estranhamente, os sintomas começaram a surgir nos africanos, soldados e milícias, os quais não tinham usufruído da benesse (...).

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3572: Estórias cabralianas (43): O super-periquito e as vacas sagradas (Jorge Cabral)

(...) Cumbá, a terceira mulher do Maunde, ainda uma menina, sentiu as dores de parto, ao princípio da noite. Às duas da manhã sou lá chamado. Está muito mal e as velhas não sabem o que fazer. Eu também não. Vamos para Bambadinca. Chegamos, mas Cumbá morre e com ela a criança não nascida. Amparo o Maunde, que chora e grita:
-Duas vacas, Alfero, duas vacas! (...)


26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

(...) Eram calmas as noites do Alfero? Deviam ser, pois assim que pôs os pés em Missirá, cessou imediatamente a actividade operacional dos seus vizinhos de Madina. Chegou-se a pensar que o Comandante Corca Só entrara em greve, mas no Batalhão acreditava-se num oculto mérito do Cabral. Aliás, estando ainda em Fá e esperando-se um ataque a Finete, o Magalhães Filipe para aí o mandou, sozinho, reforçar o Pelotão de Milícias. Lá passou oito dias, dormindo na varanda do Bacari Soncó, que o alimentou a ovos cozidos (...).

13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

(...) De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho (...).

4 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3399: Estórias cabralianas (40): O meu sonho de empresário (falhado): a construção de uma tabanca-bordel (Jorge Cabral)

(...) Claro que lembro do Tosco! Havia pretas, mulatas e até uma chinesa. Todas, mais os copos, trataram-me da saúde. Entrava sempre a coxear, por via dos descontos… Mas o meu preferido era o Bolero, onde jantava no primeiro andar, antes do Tango em baixo, tocado a rigor por uma orquestra de cegos. Ainda lá fui após o 25 de Abril. A mesma orquestra, as mesmas putas, mas a música mudara – Todos em coro cantávamos a Internacional (...).

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5221: Parabéns a você (38): O nosso Alfero, Jorge Cabral (Cabral só há um, o de Fá e mais nenhum)(Editores)

1. O Jorge Cabral faz hoje anos (*) e eu, assim de repente - perante a ordem do editor de serviço, o nosso querido Carlos Vinhal, para ser eu a bater-lhe a chapa, fazer-lhe o retrato e botar-lhe o discurso - ainda não sei que prenda dar-lhe... Para mais num dia em que tenho de ler um calhamaço de mais 300 páginas de literatura gestionária, um petisco que é bem pior do que uma viagem de ida-e-volta ao Mato Cão...

Pensando bem, nada como organizar-lhe, por ordem numérica e cronológica, a lista das quase seis dezenas de postes que ele já publicou, no nosso blogue, sob a série Estórias Cabralianas (**)... Pois será essa a nossa prenda, a de todos nós, editores e leitores, na esperança de, muito em breve, podermos reler esse fabuloso material em suporte de papel. E que este meu texto seja a versão nº 1 do prefácio que ele me encomendou e que eu vou escrever com todo o gosto.

Mas quem é o Jorge Cabral ? É advogado de barra, desde há quase quatro décadas, com escritório em Lisboa. Foi durante muito tempo docente do extinto Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, todas as meninas (e meninas) do serviço social, que passaram por aquela escola, o conhecem e falam dele com ternura, apreço, respeito e admiração, onde quer estejam, dos centros de terceira idade às empresas do Séc. XXI....(As que vou encontrando por aí, todas me falam dele, com grande carinho e apreço, como um professor excepcional, que as marcou intelectual e afectivamente... É um sortudo, este Jorge. Um sedutor, um senhor... Sempre bendito entre as mulheres... Ontem como hoje, lá como cá).

É, além disso, docente da na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, sendo o coordenador do curso de pós-graduação em Criminologia, presidente do Instituto de Criminologia, especialista na área da infância e direito penal, e last but not the least, um membro sénior (e viril) da nossa Tabanca Grande, já com direito ao estatuto e tratamento de senhor e senador...

Dizem que era descendente de militares e que, na sua rica e frondosa árvore genealógica, há cabrais e... cabrais. Na Guiné ele reivindicava ser o único e legítimo Cabral, mesmo que o outro, o usurpador, defendesse os seus pergaminhos de Kalashnikov na mão...

Apesar da sua linhagem ilustre, posso garantir que nunca o vi, nas terras de Badora e do Cuor, cantar de galo... Mas que sempre prezou a sua linhagem, isso é indesmentível e eu disso sou testemunha: costumava garantir, a quem o queria ouvir, que "na Guiné, Cabral só há um, o de Missirá e mais nenhum"... Ou de Fá, conforme o sítio onde estava (um ano em cada lado). À força de ser propolada e levada pelo vento, de bolanha em bolanha, a histórica e temível frase deve ter chegado aos ouvidos do Corca Só, o chefe da barraca de Madina / Belel, que no seu tempo não mais voltou a meter-se com a malta de Missirá...

Em Missirá, um destacamento mais exposto às morteiradas e roquetadas do IN do que Fá Mandinga, contava-se que o Cabral, mais do que temido, era respeitado pelos camaradas do PAIGC, desde o famoso dia em que foi atrás deles, na bolanha, a apaziguá-los e a tranquilizá-los:
- Vocês não fujam, não tenham medo! Sou o Cabral!

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXII: Vocês não tenham medo, não fujam, sou o Cabral (Fá, 1969/71)

2. A par da imensa tragédia que foi (com perdas e danos irreparáveis) aquela guerra, toda e qualquer guerra, a da Guiné foi também palco (hilariante) de muitas peças do Teatro do Absurdo (envolvendo as NT, o IN, os nossos oficiais superiores, os nossos camaradas, os comerciantes da mancarra, do arroz e do coconote, a população local, os seus régulos, os seus homens e mulheres grandes, os gilas, os chernos, os proxegenetas e as fanatecas... Sem esquecer as bajudas... E sobretudo as bajudas, as lindas bajudas da Guiné...

Jorge Cabral é um dos poucos, da nossa Tabanca Grande, que tem o engenho e a arte de nos conseguir falar (e comover), com um subtil toque de humor, de maneira descomplexada e antropocêntrica (isto é, não etnocêntrica), das nossas relações com as mulheres locais... Veja-se essa fabulosa história da compra, num grande armazém de Lisboa, de trinta e muitos sutiãs (os corpinhos,como ele lhes chama), todos do mesmo número, que ele levou consigo, na bagagem, de regresso a Fá Mandinga, para oferecer às suas queridas bajudas, da primeira vez que veio passar férias à Metrópole... Que ternura!... E depois, vocês estão a imaginar o grande ronco que foi o seu regresso a casa, à sua verdade casa, a tabanca de Fá, de que ele era o Régulo e o Comandante Militar, o Juiz e o Irã Tutelar...

Não sei se as bajudas eram a menos e os corpinhos a mais, mas a primeira imagem que me vem à cabeça, umas das vezes que fui à sua morança, era a confusão total que ia no seu ninho, com sutiãs espelhados pelos lençóis enrodilhados à mistura com papéis, muitos papéis, e... garrafas de água de Vichy vazias.

Mas não se pense, malevolamente, que o nosso Alfero tinha um harém com bar e tudo: há muitos mitos a desmontar acerca do Cabral... Estória a estória, ele tem vindo de certo modo desconstruir-se e a desmentir-se, a si próprio, escrevendo nas paredes do quartel a famigerada palavra de ordem, quase insurreccional, "Cabrais há muitos e... Cabrões ainda mais!"...

3. Só conheci o Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. Tinha dois ou três anos a mais do que nós. O que na época não se notava: éramos todos putos... Era estudante universitário, andava em direito quando foi convocado para a tropa ... Não sei o que terá feito, de bem ou de mal, para o chutarem para a Guiné...em rendição individual. É uma parte do seu currículo que ainda tenho que esclarecer com ele. Limita-se a comentar:
-Galo dos Cabrais!

O registo mais antigo que tenho dele é um poste de 21 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCIII: Bendito Cabral, entre as mandingas de Fá e as balantas de Bissaque

Luís, muito obrigado! Através do blogue, recordo. E sinto. Vejo os rostos dos camaradas, oiço os sorrisos das crianças, e até, calcula, consigo admirar de novo os belos seios das bajudas. Peço permissão para pertencer à Tertúlia, oferecendo o pícaro de alguns episódios que vivi. (...)

Ele veio pela mão, cúmplice, do nosso Humberto Reis, que privou com o Jorge em Bambadinca, na mesma altura que eu, quando ambos estávamos na CCAÇ 12 (Julho de 1969/Março de 1971)... O Jorge era ligeiramente mais novo, na Guiné, sendo o periquito comandante do Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirrá, 1960/71)...

Fizemos operações em conjunto, o Pel Caç Nat 63 e a CCAÇ 12. Ele visitava-nos em Bambadinca e a gente retribuía a visita em Fá, que em finais de 1969, princípios de 1970, passou também a ser um importante centro de instrução militar. Foi lá que foi formada a 1ª Companhia de Comandos Africana (CCA). Conheceu aquela malta toda e tornou-se particular amigo do Capitão Comando Barbosa Henriques, instrutor, da 1ª CCA.

Em meados de 1971 o Cabral (ou o seu fantasma) ainda penava pelo sector L1, enquanto nós já tínhamos regressado ao doce lar, em Março...

Eis a especial saudação que o Humberto fez ao novo tertuliano (como então se dizia), nas vésperas do Natal de 2005:

Jorginho: Desculpem os outros Tertulianos, mas entre mim e o Dr. Jorge Cabral existe uma certa cumplicidade. Por coincidência ele é o advogado a quem eu recorro quando preciso de qualquer coisa das leis e, que me lembre, até hoje, paguei de honorários manga de patacão', 2 ou 3 imperiais.

É assim o Jorge Cabral para os amigos. Alguns dão a camisa mas com ele, se for preciso, levam também cuecas, meias, etc.

Agora dirigido-me a ti, meu malandro. Estava a ver que não entravas nesta Tertúlia de 'periquitos' e 'velhinhos' dos Guiné-Bissau. Tu, que até já voltaste, mais que uma vez, a Bissau (imperdoável ainda não teres visitado Fá Mandinga), para colaborar com as autoridades locais ma implementação da nova Universidade, mal parecia não entrares nisto. Já te tinha dito que até tinhas aqui os mapas a 1/50.000 para descobrires o trilho para a morança da bajuda. Agora é só navegares. (....).

4. O que é que eu posso dizer do Jorge, que não tenha já sido dito, por mim ou por outros camaradas que são fãs das suas estórias, do Henrique Matos ao Joaquim Mexia Alves, dois comandantes de outro Pel Caç Nat, o 52 ? Que é um homem bom, um homem de princípios, amigo do seu amigo, um amigalhão, humaníssimo, justíssimo, um camaradão.... Esta sua apresentação diz muito ou diz tudo:

"(...) há muitos anos ensino que nenhum Homem é monstro, que os monstros se abatem, mas que os Homens se julgam".

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXIII: Ainda sobre os fuzilamentos (Jorge Cabral)



Fui eu - perdõem-me a lata - quem descobriu, acarinhou, alimentou... esse filão de humor do mais fino quilate que são as Estórias Cabralianas... Mês a mês, desde os princípios de 2006, com maior ou menor regularidade, como quem paga uma dívida a um amigo, o Jorge lá ia foi mandando o seu material ... Sai estória, aqui vai estória, para desanuviar, para desopilar... Uma estória aqui, outra estória acolá (sem h, como faz questão de sublinhar, que é para ninguém as confundir com a realidade e levar a sério o estoriador)... E, nesse ritmo de produção artesanal a que ele nos habituou, lá estamos a chegar às 60 ao fim de quatro anos...

São short stories que lhe vêm à cabeça e que ele passa a papel e depois a computador, entre duas aulas e duas audiências em tribunal. Um género literário que ele cultiva como ninguém... Enfim, são sempre um belíssimo pretexto para falar da sua querida Guiné e das suas gentes com quem ele, de resto, continua a privar de perto, na Lusófona: agora filhos de ministros, de combatentes da liberdade da Pátria, ou descendentes das mais puras estirpes das aristocracias fulas, mandingas ou manjacas...

E da Guiné ele só fala com (com)paixão e ternura, através dessa criação única, e que já entrou na galeria dos imortais da blogosfera, que é o nosso Alfero, o seu alter-ego, romântico, apaixonado, arrebatado, esotérico, excessivo, quixotesco, rocambolesco, pícaro, delicado, temerário, extravagante, poético, sensível, absurdo - só não é brigão nem fanfarrão -, com uma vaga costela do pipi das Avenidas Novas e do Vavá, misturada com a máscara do furtivo irã do pensamento mágico que poisava nos poilões das tabancas balantas (Bissaque, Mero, Santa Helena, Nhabijões...).

Desconcertante, sempre, o nosso Alfero!... Há tempos perguntou-me se não queria comprar, a meias com ele, a Tabanca de Finete:
- Estás a ver, a bolanha, o Rio Geba, a rede preguiceira, uma bajuda para te enxotar as moscas!... O que é que um homem quer mais quando chega a SEXA ?!

Noutra ocasião, confidenciou-me que tinha voltar a Fá... Porquê ?
- Deixou lá uns escritos importantes, escondidos num buraco tapado por um tijolo, no alto do depósito de água, que ainda lá continua de pedra e cal!...

Nunca o ouviu queixar-se da triste sina, à boa maneira dos tugas, nem esconjurar Deus, Alá ou os irãs, sempre sabendo pelo contrário tirar o melhor prazer e sábios ensinamentos de cada momento: : "(...) Aqui estou novamente a falar dos meus tempos da Guiné. Tempos que não foram nem os melhores, nem os piores da minha existência. Foram sim, diferentes. Como se naquele período, eu tivesse vivido numa galáxia distante, onde fui outro Jorge, se calhar mais real, se calhar mais autêntico… Claro que essa experiência me marcou e muitas vezes aquele Alfero regressa e faz das suas… como aliás o prova a história de hoje. Abraços Grandes. Jorge Cabral (...)

Por outro lado, sempre discreto mas atento, paisano de corpo e alma, filho degenerado, desconjuntado na farda de Alfero do Mato que lhe enfiaram pela cabeça abaixo:

(...) "Caros Amigos, hesitei muito em mandar mais uma estória. Ainda por cima sobre esquentamentos... Mas que raio de ex-combatente sou eu, que não falo da guerra? Pergunto-me, às vezes, se lá estive? Parece que sim. Um ano em Fá, outro em Missirá (acreditem, o mesmo do Beja Santos...), doze dias em Bambadinca, e dezoito na Ponte do Rio Undunduma. Conheci muito pouco e sempre de passagem. Enxalé, Xime, Mansambo e Xitole, de partida para operações. De Bafatá, o Teófilo e as Libanesas, mais umas damas simpáticas que trabalhavam na horizontal... à entrada da cidade. Não transitei por Bolama. Nem tive IAO. De rendição individual passei em quinze dias dos cafés da Av de Roma para a Ponte do Rio Undunduma...

"Confesso que nunca percebi muito da guerra... Fui apenas um simples Alferes de Mato, que comandou Destacamentos e alinhou em todas as operações para as quais o Pel Caç Nat 63 foi escalado. Mas se não percebi então, hoje ainda percebo menos... Estou porém agora a tentar aprender no Blogue!" (...)


5. O Jorge nunca acentua o lado do bestiário guerreiro que há no Homo Sapiens Sapiens, que é um animal, primata, social, territorial, predador... mas sim o da sua humaníssima, frágil, quase tocante, condição de primata, de primus inter pares na ordem zoológica do mundo, dotado de coração e de razão... e de humor!

Desde o início que eu tenho feito a apologia das estórias cabralianas, como sendo um hino à idiossincrasia lusitana, à plasticidade comportamental dos nossos soldados, à enorme capacidade de resistência, de resiliência, de abertura de espírito, de voyeurismo, de imaginação e de adaptação da nossa gente...

Ninguém, em última análise, melhor do que ele, no nosso blogue, para descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, uma situação-limite, um personagem de carne e osso, um ambiente de caserna, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo, relativamente à nossa passagem pela Guiné:

(i) "Éramos [, na inspecção militar, ] mais de cem, altos e baixos, loiros e morenos, alguns mancos, pitosgas muitos, um quase corcunda, três gagos e dois tontos. Mandaram-nos despir e pôr em fila, numa literal e verdadeira bicha de pirilau." (...)

(ii)"Entre os dez militares metropolitanos do Destacamento de Missirá, apenas o Alferes era do Sul e de Lisboa – um rapaz de Alvalade, passeante da Praça de Londres e frequentador do Vává. Todos os outros, furriéis, cabos, e adidos especialistas, vinham do Norte ou das Beiras." (...)

(iii) "Eis-me assim feito sultão, aconchegado entre as quatro, tranquilo e em Paz. Rei e súbdito, protector e protegido, entre seios e ventres, negros e suaves, nunca dormi tão bem." (...)

(iv) "Na semana seguinte, encontrava-se no bar de oficiais em Bambadinca. Conversava e bebia o seu quarto uísque, quando o foram chamar para ir ao Posto de Socorros. Lá foi. Médico, Furriel e Cabo rodeavam um casal de Missirá, o Milícia Suma Jau e a mulher. Não os percebiam. Eles queixavam-se das... 'Trombas do Lopes'.O Alfero ouviu e muito sério informou:- É fula, quer dizer, esquentamento." ( ...)

(v) "Confesso ter ficado preocupado. Um filho–homem na idade de ser avô...Mandei-o vir ao escritório, e logo que o vi, suspirei de alívio. O vigoroso mulato tinha quase dois metros, e ...olhos azuis! Quanto ao local e à data de nascimento também não condiziam.
- Filho, não és! Serás primo! - afiancei-lhe - É que Cabrais há muitos, e Cabrões ainda mais!" (...)


6. Só tu, meu querido Jorge, consegues pôr a malta e o resto a tropa a fazer o pino, a dar cambalhotas de riso na parada!...Tu és a subversão total, o iconoclasta, o bombista-suicida, o terrorista intelectual, o anti-psiquiatra, o terapeuta-que-fala-com-os-irãs, o humorista-mor, o jogral castrense, o Ionesco da Guiné, o bobo da corte do nosso velho, longo, vasto e glorioso Império... O Spínola tinha razão, quando te visitou em Missirá, e deixou escapar um monumental "Porra, que não é só o Alferes! Estão todos apanhados!".

O teu humor é(era) subversivo, corrosivo, demolidor, dissolvente (como diria o Pide de Bafatá)... Depois de te ler, um homem, um tuga, já não é mais o mesmo... Tu devias ir a tribunal militar, porque tu tiras a tusa... a qualquer combatente... Depois de te ler, quem é o combatente (até mesmo o de Alá!) que se sentirá em boa forma e melhor condição para combater na guerra, na próxima guerra, mesmo na mais santa das guerras ?

Eu próprio me perguntava, quando me fazias um visita de cortesia ao nosso bar de Bambadinca:
- O que é que faz um gajo destes, de pingalim e cachimbo, neste cenário de guerra... à Solnado ?

Nunca respondi a essa auto-pergunta, mas para mim eras e sempre serás o... Nosso Alfero!

As estórias do Nosso Alfero, que o Cabral escreveu por nós e para nós, são pequenas obras-primas do humor em tempo de guerra, da irreverência e do non-sense que aprendemos a cultivar na Guiné, longe do Vietname, e que nos ajudou a resistir a tudo, do turra ao mosquito (sem esquecer o uísque, com ou sem água de Perrier). O absurdo (daquela guerra, do nosso quotidiano, das patéticas figuras de alguns dos nossos comandantes...) só se podia combater com o absurdo do nosso (quase sempre bom) humor...



7. Dele já aqui eu disse (e penso que é o maior elogio que lhe posso fazer, na qualidade de seu velho admirador, camarada, amigo e fã das suas estórias), que, para além de oficial e cavalheiro, era homem grande, pai, patrão, chefe de tabanca, conselheiro, não-inimigo (sem ser amigo) do PAIGC, poeta, antropólogo, feiticeiro, cherno, mauro, médico, cirurgião, terapeuta, sexólogo, advogado, e não sei que mais, um verdadeiro Lawrence da Guiné, que os pares de Bambadinca chegaram a recear (uns, os amigos) ou a desejar (outros, os seus inimigos) a sua total cafrealização...

Inimigos é uma força de expressão: em boa verdade, nunca lhe conheci nenhum... Talentos tinham múltiplos e alguns insuspeitados como o de... consertador de catotas. Não imaginam quanto me diverti, quando o Jorge me mandou mais uma das suas estórias malandras (sic), com o recado (expresso) de "é para animar as hostes".... Além do mais, ele está atento a (e zela por) o bem-estar e moral das nossas tropas...

17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba

8. Sobretudo, um dia, lá longe, nessa terra da cor da tez das lindas futas-fulas, o Jorge Cabral sonhou que podia ser fula entre os fulas, mandinga entre os mandingas, guinéu entre os guinéus, homem entre os homens, pobre entre os pobres, simples entre os simples, e até louco entre os loucos...

Afinal, a sua vida tem sido também uma lição, a de todos nós temos direito a um pouco de loucura e de humanidade, o que implica o difícil e desconfortável mas imprescindível exercício de nos pormo-nos na pele do outro. Um Alfa Bravo Especial, Nosso Alfero, no teu dia! Luís


PS - Jorge, sei que continuas "vivíssimo e para todas as curvas (mesmo que às vezes em piloto automático)". Fico muito mais tranquilo...

____________

Notas de L. G.:


(*) Último poste desta série > 28 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5169: Parabéns a você (37): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791 (Editores)


(**) Ver lista completa, por ordem numérica e cronológica:

28 de Outubro de 2009 >
Guiné 53/74 - P5172: Estórias cabralianas (56): Cum caneco, alfero apanhado à unha! (Jorge Cabral)

(..) Há uns dias telefonou-me o nosso Amigo Durães [, da CCS/do BART 2917, Bambadinca, 1970/72]. Estava em Setúbal, com um ex-cabo do Pelotão de Intendência de Bambadinca, o qual lhe jurava que o Alferes Cabral de Missirá havia sido, em 1971, apanhado à mão, quando regressava ao seu Destacamento.

Desaparecido durante dias, fora muito bem tratado pelo pessoal de Madina, passando a não ser incomodado pelos Turras. Garantia o homem da Intendência, a absoluta veracidade do evento, conhecido por todos os seus Camaradas. Queria o Durães saber se eu confirmava o facto. (...)

17 de Outubro de 2009 >Guiné 63/74 - P5117: Estórias cabralianas (55): Marqueses e murquesas ou... Peludas e Peluda... (Jorge Cabral)

(...) Há mais de 30 anos, que montei Escritório [de advogado] na Passos Manuel, entre o Jardim Constantino e o Intendente. Um bom local, com velhos da sueca, sem-abrigo alcoolizados e fanadas matronas em pré-reforma. Eu gosto. Aqui na Rua, já quase todas as lojas mudaram de ramo. Ultimamente, surgiram os Gabinetes de Fotodepilação. A propósito e não sei bem porquê, pois os pensamentos tal como as palavras são como as cerejas, lembrei-me primeiro de Pero Vaz de Caminha e do desembarque em Terras de Vera Cruz, quando os marinheiros depararam com as índias nuas, mostrando “suas vergonhas tão altas e cerradinhas”. E depois da Guiné. De uma espantosa conversa ao serão. O Alferes, os Furriéis, os Cabos, como de costume, falavam de tudo e de coisa nenhuma… Nessa noite, discutia-se um tema interessante – pêlos púbicos. Delas, claro está (...)

11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4938: Estórias cabralianas (54): O Alfero e as mezinhas (Jorge Cabral)

(...) Nem um mês tinha de Guiné e já andava a experimentar todas as mezinhas recomendadas pelo Nanque . Bem, todas não. Nunca bebeu a primeira urina da manhã, remédio infalível para o estômago mas ainda no outro dia o receitou a uma distinta senhora, que calculem, se zangou com ele, por se pensar gozada. Tomou porém todas as demais, desde afrodisíacos a um chá para a tristeza, que o deixou eufórico durante quase toda a comissão… Apesar de tantos tratamentos, a verdade é que o Alfero gozava de excelente saúde. (...)

28 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4750: Estórias cabralianas (53): A estranha doença do soldado Duá (Jorge Cabral)

(...) Quando uma noite, em Missirá [, o último destacamento de Bambadinca, a norte do Rio Geba, no Cuor,] o Alfero passava ronda, ficou estupefacto, ao constatar que todos os Soldados de Sentinela se encontravam acompanhados das respectivas Mulheres.- Mas que se passa? – indagou…- É por causa da doença! O Duá apanhou a doença do Victor!- Doença do Victor? (...)

22 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4723: Estórias cabralianas (52): Em 20 de Julho de 1969, também eu poisei na Lua... (Jorge Cabral)

(...) Na Guiné, há mês e meio, mas já em Fá, havia nessa tarde muito calor. O pessoal dormia e toda a gente procurara a aragem possível. Em silêncio, o Quartel repousava… Eu porém, em tronco nu, saíra, a caminho da fonte mais pequena. Resolvera isolar-me, para escrever, calculem, um poema… Lá chegado, ainda nem escolhera um poiso confortável, quando vejo surgir, não sei de onde, um vulto de mulher, apenas com uns panos, caindo da cintura. (...)

7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4651. Estórias cabralianas (51): Alfero esfregador entre as balantas (Jorge Cabral)

(...) Tanto nas Tabancas Fulas como nas Mandingas, o Alfero actuava à vontade com as Bajudas, perante a complacência dos Homens e Mulheres Grandes… Aliás não ia além de um acariciar voluptuoso, acompanhado com promessas de encontros no Quartel. Na altura teria merecido o cognome de Apalpador. (...)Em Novembro de 1969, visitou uma Tabanca Balanta, Bissaque [, a norte de Fá, ], e ficou deslumbrado com a beleza das Bajudas, designadamente peitoral…

3 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 – P4455: Estórias cabralianas (50): Alfero, de Lisboa p'ra mim um Fato de Abade (Jorge Cabral)

(...) - Meu Alferes! Meu Alferes! Já chegou o Senhor Abade! - O cozinheiro Teixeirinha, todo eufórico, gritava, à porta do meu abrigo.- Abade - pensei comigo - , o Puím?Magro, simples, humilde, o único Capelão que conheci na Guiné, viera de sintex e, antecipando-se, não esperara por ninguém, entrando no Quartel. Logo após o descanso, a missa foi celebrada, mesmo ao lado da Cantina, no local da Escola. Fiéis, sete, dois comungantes e o Padre, de paramentos verdes. (...)

12 de Maio de 2009> Guiné 63/74 - P4326: Estórias cabralianas (49): Cariño mio... Muy cerca de ti, el ultimo subteniente romántico (Jorge Cabral)

(...) Dois dias depois de chegado a Bambadinca em meados de Junho de 69, fui mandado montar segurança no Mato Cão. Periquitíssimo, cumpri todas as regras, vigiando a mata de costas para o rio, sem sequer reparar na beleza da paisagem.Mal sabia então, que ali havia de voltar dezenas de vezes, durante o ano que passei em Missirá. Pelo menos uma ida por semana para ver passar o Barco, no que se transformou numa quase agradável rotina.(...)

8 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4155: Estórias cabralianas (48): A Bandolândia ou uma aula de história em... 2092 (Jorge Cabral)

(...) O Cidadão – Aluno XI7 frequenta a décima semana do Curso Unificado – Primário, Secundário, Universitário, o qual segundo as normas da Declaração de Cacilhas, lher irá conferir o Diploma da Sabedoria.Claro que, quando entrou na escola, já dominava muitas das matérias que antigamente demoravam anos a aprender, pois logo em criança lhe implantaram um chip com todos os conhecimentos básicos. Porém XI7, hoje chegou à aula cheio de dúvidas. É que encontrou uma fotografia do seu trisavô, vestido com uma farda e empunhando um instrumento, talvez uma arma.(...)

2 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4129: Estórias cabralianas (47): A minha mobilização: o galo dos Cabrais... (Jorge Cabral)

(...) Calma, simpática, acolhedora, a Vila de Vendas Novas. Bom vinho, petiscos, raparigas bonitas. Que mais podia aspirar o Aspirante? No Quartel fazia tudo, isto é, nada. Acumulara cargos, Justiça, Acção Psicológica, Revista, Cinema e ainda os discursos da Peluda.Cumpria gostosamente um peculiar horário. Após o toque de alvorada, às vezes de ressaca, de cara por lavar e barba por fazer, corria para a Formatura Geral, onde... passava revista ao Pelotão. Meia hora depois, abancava no Bar e tomava um lauto pequeno almoço, antes de regressar à cama. (...)

31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4114: Estórias cabralianas (46): Inspecção Militar: E todos os tinham no sítio... (Jorge Cabral)

(...) Pois, também eu naquela manhã de Junho me dirigi à Avenida de Berna, ao Quartel do Trem Auto, onde hoje funciona a [Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da] Universidade Nova [de Lisboa].Éramos mais de cem, altos e baixos, loiros e morenos, alguns mancos, pitosgas muitos, um quase corcunda, três gagos e dois tontos. Mandaram-nos despir e pôr em fila, numa literal e verdadeira bicha de pirilau. (...)

2 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3963: Estórias cabralianas (45): Massacres e violações (Jorge Cabral)

(...) Corria o ano de 1968, quando prestes a concluir o Curso, não resisti ao convite do Estado – Férias pagas em África, com grande animação e desportos radicais. Primeiro o estágio-praia para os lados da Ericeira, findo o qual, tive um grande desgosto. Tinham-me destinado ao turismo intelectual – secretariado. Felizmente as cunhas funcionaram e consegui ser reclassificado em atirador, tendo passado a frequentar no Alentejo, o estágio-campo. Terminado este, ainda vivi muitos meses de tristeza e inveja ao ver os meus camaradas integrarem satisfeitos numerosas excursões, as quais iam embarcando (...).

27 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3808: Estórias cabralianas (44): O amoroso bando das quatro não deixou só saudades... (Jorge Cabral)

(...) O Amoroso Bando das Quatro deixou-nos muitas saudades. Mas que noite agradável ... até sonhámos com elas. Só que ainda nem três dias haviam passado, já recebíamos tratamento à fortíssima infecção que nos atingira o dito e adjacências. Graças à Penicilina, o caso seria em breve esquecido, pois afinal tinham sido apenas ossos do ofício, os quais segundo alguns até mereceram a pena... Porém, e estranhamente, os sintomas começaram a surgir nos africanos, soldados e milícias, os quais não tinham usufruído da benesse (...).

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3572: Estórias cabralianas (43): O super-periquito e as vacas sagradas (Jorge Cabral)

(...) Cumbá, a terceira mulher do Maunde, ainda uma menina, sentiu as dores de parto, ao princípio da noite. Às duas da manhã sou lá chamado. Está muito mal e as velhas não sabem o que fazer. Eu também não. Vamos para Bambadinca. Chegamos, mas Cumbá morre e com ela a criança não nascida. Amparo o Maunde, que chora e grita:-Duas vacas, Alfero, duas vacas! (...)

26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

(...) Eram calmas as noites do Alfero? Deviam ser, pois assim que pôs os pés em Missirá, cessou imediatamente a actividade operacional dos seus vizinhos de Madina. Chegou-se a pensar que o Comandante Corca Só entrara em greve, mas no Batalhão acreditava-se num oculto mérito do Cabral. Aliás, estando ainda em Fá e esperando-se um ataque a Finete, o Magalhães Filipe para aí o mandou, sozinho, reforçar o Pelotão de Milícias. Lá passou oito dias, dormindo na varanda do Bacari Soncó, que o alimentou a ovos cozidos (...).

13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

(...) De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho (...)

4 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3399: Estórias cabralianas (40): O meu sonho de empresário (falhado): a construção de uma tabanca-bordel (Jorge Cabral)

(...) Claro que lembro do Tosco! Havia pretas, mulatas e até uma chinesa. Todas, mais os copos, trataram-me da saúde. Entrava sempre a coxear, por via dos descontos… Mas o meu preferido era o Bolero, onde jantava no primeiro andar, antes do Tango em baixo, tocado a rigor por uma orquestra de cegos. Ainda lá fui após o 25 de Abril. A mesma orquestra, as mesmas putas, mas a música mudara – Todos em coro cantávamos a Internacional (...).

25 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3237: Estórias cabralianas (39): O Marido das Senhoras (Jorge Cabral)

(...) Todos nós tínhamos uma fé. Os africanos eram na sua maioria muçulmanos, os europeus católicos e eu era tudo. Frequentava a mesquita e a igreja, mas também prestei culto aos Irãs balantas. Porque não? O mais religioso de todos era porém o furriel Paiva. No seu abrigo–quarto construíra um pequeno altar, onde colocou quatro imagens das Santas da sua devoção e, entre elas, o retrato de Salazar. (...)

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3225: Estórias cabralianas (38): O Alferes roncador e a almofada (Jorge Cabral)

(...) Desde miúdo que adormeço rápido e de imediato inicío um ressonar fortíssimo,audível até pelos vizinhos. Dizem-me uns que são silvos assustadores, parecendo urros de touro ou de leão. Outros garantem que se assemelham aos sonoros sinais dos antigos vapores, quando iniciavam a marcha.Ora, ao segundo dia de Bambadinca, mandaram-me à noite montar segurança junto à pista de aviação. Claro que foi chegar, assentar, adormecer e ressonar… O Pelotão quase que entrou em pânico, com o Sambaro a empunhar a bazuca. (...)

9 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3040: Estórias cabralianas (37): A estranha 'missão' do Badajoz (Jorge Cabral)

(...) Em Missirá existiam sempre cinco ou seis adidos. Um enfermeiro, um cozinheiro, um motorista, dois soldados dos Morteiros e às vezes um mecânico, como o célebre Pechincha. Vinham de Bambadinca, cumprir uma espécie de castigo, pois Missirá representava o isolamento, o mato e o perigo.Chegavam receosos e um pouco atarantados, mas, passado algum tempo, parecia que o castigo se transformara em prémio e já ninguém queria regressar. Gostavam de ali estar, naquele quartel–tabanca, onde muitos nem sequer se fardavam e quase não existia hierarquia. (...)

20 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2862: Estórias cabralianas (36): Uma proposta indecente do nosso Alfero (Jorge Cabral)

(...) Um Pelotão mesmo à medida do Alferes, sem qualquer vocação guerreira e que apenas ali estava… porque sim. Para eles o Cabral devia ser rico pois lhe pediam tudo e às horas mais despropositadas… Às vezes no meio da noite, era acordado, porque durante o dia chegara um vago parente que era preciso presentear…Com infinita paciência lá ia aguentando. Já comprara oito pares de óculos escuros e cinco rádios para uso alternado, quando alguns soldados resolveram arranjar mais uma mulher, recorrendo mais uma vez aos seus préstimos. Impossível garantiu, mais mulheres custariam uma fortuna. (...)

14 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2841: Estórias cabralianas (35): A bajuda de Belel, os Soncó e o amigo dos turras (Jorge Cabral)

(...) Também eu entrei em Belel em Junho de 1971. De Missirá até lá e de lá ao Enxalé, percorri o trajecto na companhia dos Páras e do Comandante do Pelotão de Milícias de Finete. Saímos ao fim da tarde de Missirá, e pela manhã deu-se o assalto à Base. A resistência não foi muito forte, pois muitos fugiram. Ainda assim, alguns ficaram prisioneiros. Recordo um que ostentava umas divisas vermelhas de Cabo. Não se destruíram as instalações, armadilharam-se, designadamente, um depósito de arroz. (...)

10 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2623: Estórias cabralianas (34): O Alferes, o piano e a Professora (Jorge Cabral)

(...) Em Maio de 71, o apanhanço do Alferes excedera todos os limites. Os Amigos da CCAÇ 12 haviam partido e ele, com os seus vinte e três meses de mato, refinara a excentricidade, espantando agora os periquitos de Bambadinca.Naquele dia resolvera visitar a Professora (3). Com que intenção, não sei. Líbido? Mera curiosidade? Alguma aposta? Talvez de tudo um pouco… e se viesse à rede… pois então… (...)

4 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2612: Estórias cabralianas (33): Quatro Madrinhas de Guerra (Jorge Cabral)

(...) Madrinhas de Guerra? Pois também herdei uma. Uma não, quatro. Emprestado ao Pelotão, havia um Cabo velhinho, o Carvalho, que se correspondia com catorze. A bem dizer não fazia mais nada. Logo pela manhã, montava a banca e escrevia, escrevia…Acabada a comissão, Carvalho distribuiu as madrinhas. Das quatro que me calharam, três duraram pouco, o que não me admirou. Para cada uma, inventara uma estória, assumindo diferentes personagens e construindo cenários, nos quais a realidade da guerra surgia transmutada, mais parecendo um antigo romance de cavalaria. (...)

10 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2426: Estórias cabralianas (32): Nanque, o investigador (Jorge Cabral)

(...) O Alferes era calmo. Afável, prazenteiro, nunca se irritava. Naquela tarde porém explodiu. É que constatou que as valas estavam a ser utilizadas como retretes.Reuniu o pessoal e, no mais puro vernáculo de caserna, descompôs o Pelotão, furriéis, cabos, soldados, brancos e negros… Que vergonha! Pois não haviam assistido à valente piçada que ele sofrera, na semana passada, quando o Major Eléctrico (2), visitara o Quartel, e criticara tudo, desde a limpeza das panelas ao comprimento do seu bigode!? (...)

28 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2386: Estórias cabralianas (31): As milagrosas termas de Missirá (Jorge Cabral)

(...) A fim de prevenir abusos, a segurança à Fonte, no banho das bajudas, pertencia em exclusivo ao Alferes, o qual nos primeiros tempos guardou uma prudente distância, depois foi-se aproximando e acabou no meio delas, esfregador e esfregado com sabão vegetal, após o que branqueava os dentes com areia. Diziam que aquela água possuía propriedades terapêuticas, curando todos os males de pele, não havendo lica que lhe resistisse (...).

Vd. a restante lista das estórias numeradas de 1 a 30:

20 de Abril de 2007 > Guiné 63/7 4- P1682: Estórias cabralianas (1): A mulher do Major e o castigo do Alferes (Jorge Cabral)

(...) Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso. (...)

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1688: Estórias cabralianas (2): O rally turra (Jorge Cabral)

(...) Numa tarde de tédio convenci o motorista da viatura existente em Missirá, um humilde Unimog, a dar um passeio. Pretendia visitar o Enxalé, seguindo pela estrada de Mato Cão, pela qual não passava qualquer veículo há muito tempo. (...)

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)

(...) O Pel Caç Nat 63 esteve quase sempre em Destacamentos. Comigo em Fá e Missirá. Antes no Saltinho, e depois no Mato Cão. Para os Destacamentos eram mandados os especialistas que a CCS [do Batalhão sediado em Bambadinca] não queria. Assim, tive maqueiros que não podiam ver sangue, motoristas epilépticos e até um apontador de morteiros cego de um olho. Tudo boa rapaziada, aliás! (...)


18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos.


(...) Dos quatro Comandantes de Bambadinca que conheci, apenas o Polidoro Monteiro me mereceu consideração. Dos outros nem vou dizer o nome, e de dois a imagem que guardo é patética . Assim, no rescaldo do ataque ao Batalhão, lembro o primeiro, à noite, de G-3 em bandoleira, pedir-nos:- Se houver ataque, acordem-me (...).

23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra...

(...) Penso que, já em 1971, apareceu no Batalhão [de Bambadinca], um Alferes de secretariado, corrido de Bissau, por via de uns dinheiros. Chegou acompanhado de uma dama, sobre a qual corriam os mais variados boatos. Dizia-se, calculem, que ela tinha sido uma prenda de aniversário ao Alferes, enviada pelo pai, milionário do Porto. (...)

13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá

(...) Poucos dias faltavam para o Natal, e a tarde estava quente. Todo nu no meu abrigo, fazia a sesta, quando sou despertado por enorme algazarra misturada com os ruídos do helicóptero.-Alfero, Alfero, é Spínola! - gritam os meus soldados (...).

17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba

(...) Finda a comissão, calculem (!), fui louvado. O Despacho do Exmo. Comandante do CAOP Dois referia, entre outros elogios, a minha “habilidade para lidar com a tropa africana e populações”, a qual me havia “granjeado grande prestígio”. Esquecido, porém, foi o essencial – evitei a dezenas de Bajudas o repúdio matrimonial e a consequente devolução do preço. Essa tão meritória actividade, sim, teria merecido, não um simples louvor, mas uma medalha (...).

13 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCC: Estórias cabralianas (8): Fá Mandinga no Conde Redondo ou o meu Amigo Travesti

(...)Na década de 80, dava aulas nocturnas numa Escola na Duque de Loulé e costumava descer a Avenida para tomar o Metro. Eis que uma noite, me vejo perseguido por um Travesti que me grita:- Meu Alferes! Meu Alferes! Alferes Cabral!... Tomado de terror homofóbico parei, negando conhecer a criatura, de longas pernas e fartíssimos seios. (...)

20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXVII: Estórias cabralianas (9): Má chegada, pior partida

(...) Com destino à Guerra, viajei no Alfredo da Silva, quase um cacilheiro, durante doze dias. Em primeira classe, sete oficiais e uma dona puta em pré-reforma habitavam um ambiente de opereta, jantando de gravata, com a estafada dama na mesa do comando. Depois havia a valsa… Cheirava a mofo, a decadência, ao fim do Império (...).

3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro

(...) Desde que cheguei, e durante o primeiro ano, o Pel Caç Nat 63, foi pluriétnico. Mandingas, Fulas, Balantas, Manjacos, Bigajós, estavam representados. Pluriétnico e plurirreligioso, com um Manjaco, Pastor Evangélico, um Marabú Mandinga Senegalês, vários adoradores de muitos Irãs, e até alguns crentes na Senhora de Fátima, vivendo todos em Paz ecuménica, sob a batuta do Alferes agnóstico com tendências panteístas, que pensava que nada o podia surpreender (...).


4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

(...) À noite, após o jantar, nós os nove brancos do Destacamento, continuávamos à mesa, conversando. Falávamos de tudo, mas principalmente de sexo, mascarando a nossa inexperiência, com o relato de extraordinárias aventuras que assegurávamos ter vivido. O nosso motorista havia até desenhado num caderno as várias posições, indagando de cada um:- E esta, já experimentaram? (...)

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor

(...) No dia seguinte a ter ocupado Fá Mandinga, apresentaram-se no quartel as lavadeiras, cinco ou seis bajudas, todas alegres e simpáticas. Uma, Modji Daaba, chamou-me logo a atenção pelo seu porte e beleza. Bonita de cara e perfeita de corpo, possuía um ar nobre e altivo que me cativou. Imediatamente a contratei como minha lavadeira exclusiva, tendo acordado uma remuneração superior na esperança de algumas tarefas suplementares… (Periquito, ainda não sabia, que com as bajudas mandingas era praticamente impossível ir além de algumas carícias peitorais…). (...)



28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)

(...) Terminada a especialidade de Atirador de Artilharia, permaneci como aspirante, em Vendas Novas, na respectiva Escola Prática. Aí me atribuíram variadas funções, Justiça, Acção Psicológica e Cultural, Revista Literária, etc, etc, pelo que quase nunca fiz nada. Quando me procuravam num lado, estava sempre no outro…Na Justiça, creio que apenas dei andamento a um processo, enviando uma deprecada para Angola, a perguntar se o Furriel Patacas possuía três mãos. (...).


24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)

(...) Julgo que aconteceu em Março [de 1971]. O dia decorrera em Alegria. Chegara a Missirá uma arca frigorífica a petróleo, oferta do Movimento Nacional Feminino, e cedo começaram as libações.Seriam três ou quatro da manhã, sou abruptamente despertado. Tiros (?). Rebentamentos (?). Fogo! Saio do abrigo nu, e deparo com meio quartel a arder.Ataque nunca podia ser! O Tigre [Beja Santos] já estava na Metrópole, Missirá era agora um oásis de paz, vigorando um tácito pacto de não-agressão (...).


14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)

(...) Chamavam-lhe, os africanos, o furriel Barril, não sei se pela sua compleição física, se por via da fama e do proveito que ganhara como bebedor quotidiano e calmo. Estou a vê-lo ao serão, bebendo à colher, com paciência e estilo, enquanto o alferes declamava, e o maqueiro Alpiarça escrevia a uma das dezenas das madrinhas de guerra. (...)


14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa

(...) Aos Domingos vestíamo-nos à paisana e dávamos longos passeios à volta da parada, imaginando praças, avenidas, ruas, adros de igreja e até estações de comboio. Depois entrávamos na Cantina e invariavelmente pedíamos 'Um fino e tremoços' (...).


10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)

(...) Creio que foi em Fevereiro de 1971, que em Missirá, recebi a ordem de Bissau – um dos furriéis passava a ser Professor, com dispensa de toda e qualquer actividade operacional. Ponderada a situação, optei pelo Amaral , cujo porte rechonchudo e as maçãs do rosto vermelhuscas, lhe davam um ar prazenteiro e bonacheirão, nada condizente com as funções de comandante de secção combatente (...).


26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1463: Estórias cabralianas (18): O Dia de São Mamadu (Jorge Cabral)

(...) Entre os dez militares metropolitanos do Destacamento de Missirá, apenas o Alferes era do Sul e de Lisboa – um rapaz de Alvalade, passeante da Praça de Londres e frequentador do Vává. Todos os outros, furriéis, cabos, e adidos especialistas, vinham do Norte ou das Beiras. (...).


18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)

(...) Bambadinca era então para o Alferes, feito nharro de Tabanca, a Cidade. Para lá ir, fazia a barba, aprumava o seu único camuflado apresentável, munia-se de alguns pesos e, acima de tudo, preparava o relim verbal sobre ficcionadas aventuras operacionais, que iriam impressionar o Comandante. Antes de entrar no Quartel, habituara-se a abancar no Gambrinus local, o tasco do Zé Maria, bebendo, petiscando e conversando. Um dia encontrou o Senhor Zé Maria, muito preocupado. O filho adolescente que estudava em Lisboa, ia chumbar. (...)

20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1679: Estórias cabralianas (20): Banquetes de Missirá: Porco turra e Vaca náufraga (Jorge Cabral)

(...) Em Missirá comíamos, praticamente todos os dias, arroz acompanhado ora de pé de porco, ora de atum ou cavala, com muito pão e sempre altas doses do insípido vinho quarteleiro, o qual, segundo se dizia, era cortado com cânfora, para diminuir os ímpetos...



24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1696: Estórias cabralianas (21): O Amoroso Bando das Quatro em Missirá (Jorge Cabral)

(...) Nos Destacamentos em que vivi, todos eram bem recebidos, à boa maneira da gente da Guiné, cuja cativante hospitalidade foi muitas vezes confundida com subserviência ou portuguesismo. Djilas, batoteiros profissionais, artesãos, doentes, feiticeiros, alcoviteiros, parentes dos soldados, visitavam o aquartelamento e às vezes ali permaneciam, fazendo negócios, combinando casamentos, tratando-se ou tratando, ou simplesmente descansando. Desconfio mesmo que alguns guerrilheiros terão passado férias em Missirá (...)

12 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1752: Estórias cabralianas (22): Alfa, o fula alfacinha (Jorge Cabral)

(...) No final do ano de 1970, apresentou-se em Missirá um soldado fula – chamemos-lhe Alfa – vindo da prisão de Bissau, onde cumprira pesada pena. Razão da punição – ausência ilegítima durante cento e oitenta dias, quando após intervenção cirúrgica no Hospital Militar Principal, desaparecera em Lisboa. Impecavelmente fardado, com blusão e tudo, usava uma vistosa popa e farfalhudas patilhas, conservando sempre um palito dependurado ao canto da boca. Falava um calão lisboeta e aparentava ser um verdadeiro rufia alfacinha.(...)

5 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1816: Estórias cabralianas (23): Areia fina ou as conversas de Missirá (Jorge Cabral)

(...) Conheci muito bem o Alferes que esteve em Missirá nos anos de 1970 e 1971. Diziam que estava apanhado, mas penso que não. Era mesmo assim. Quem com ele privou em Mafra e Vendas Novas certamente o recorda, declamando na Tapada: No alto da Vela / Fui Sentinela / de coisa nenhuma / Quem hei-de guardar / Quem irei matar… (...).

19 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1857: Estórias cabralianas (24): O meu momento de glória (Jorge Cabral)

(...) Manga de ronco, Pessoal! Spínola veio a Fá, visitar os Comandos Africanos e praticamente toda a população das Tabancas vizinhas compareceu. Homens e Mulheres Grandes, belas Bajudas, e muitas, muitas crianças. A Pátria, pois então… E uma Guiné melhor. O Caco entusiasmou-se. Tanto, que optou por ir de viatura para Bambadinca. E lá partiu em coluna, comandada pelo Capitão João Bacar Djaló (...).

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1900: Estórias cabralianas (25): Dois amores de guerra e uma declaração: Não sou pai dos 'piquininos Alferos Cabral' (Jorge Cabral)

(...) E o Amor, existiu? Não falo de mulheres grandes a partir catota, nem de bajudas a partir punho, e muito menos das rápidas e alcoolizadas visitas às casas de prazer, para... mudar o óleo. Amor mesmo, paixão, dele para ela, dela para ele. Difícil, raro, mas aconteceu. Contaram-me que uma bajuda que tivera um filho do Furriel X, o seguiu até Bissau, e na hora da partida do navio entrou na água com o bebé, tendo morrido ambos (...).


27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2135: Estórias cabralianas (26): Guerra escatológica: o turra Boris Vian (Jorge Cabral)

(...) Fá Mandinga fora sede de Batalhão e de Companhia, possuindo muitas e boas instalações. Chegados em Julho de 1969, optámos por ocupar apenas dois edifícios. Quanto aos restantes, convenci o Pelotão, que o respectivo acesso estava minado, razão porque só eu lá poderia entrar. É que vislumbrara duas belas e isoladas vivendas, as quais intimamente destinara a uso próprio. Uma serviria para encontros amorosos. Na outra, utilizaria a casa de banho, lendo e meditando... E assim se passou (...).

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2204: Estórias cabralianas (27): Turra desenfiado encontra Alferes entornado (Jorge Cabral)

(...) Já é noite cerrada e o Alferes de Missirá continua em Bambadinca. Numa mão o copo, na outra, o pingalim, encostado ao balcão do Bar, declama. Trata-se do longo poema de Jacques Prévert, “L’orgue de Barbarie” (2). É interrompido, engana-se, esquece-se, volta atrás, mas não desiste. Moi je joue du piano / Disait un / Moi je joue du violon / Disait l’autre (...).

14 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2350: Estórias cabralianas (28): O Hipopótamo, as Formigas e o Prisioneiro (Jorge Cabral)

(...) Nem me lembro qual o Periquito que se apresentou naquele dia em Fá. Mas sei que ao anoitecer, saiu, equipado e armado, cumprindo a minha ordem. Objectivo: caçar um hipopótamo (...).

16 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2354: Estórias cabralianas (29): A Festa do Corpinho ou... feliz o tuga entre as bajudas, mandingas e balantas (Jorge Cabral)

(...) Porque estamos no Natal, recordas o teu de 1969 e um ataque a Bissaque. Eu passei o meu em Fá, e dias antes, noite dentro, quando já o comemorava por antecipação, acorri a defender a Tabanca de Bissaque, guiado pelo Marinho.Este era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá, desde os anos 50(...).

21 de Dezembro de 2007 >. Guiné 63/74 - P2369: Estórias cabralianas (30): Um Natal em Novembro (Jorge Cabral)

(...) Amanheceu igual, só mais um dia em Missirá. Para o Mato Cão, vai o Alferes, uma secção, e o maqueiro Alpiarça. É lá chegar, esperar, ver o barco e voltar. Não há tempo para o sonho – do outro lado nem Gaia, nem Almada…Já estamos de regresso, ouvimos restolhar. Vem aí gente. Neste lugar só podem ser os turras. Claro que, como sempre, o Alferes empunha apenas o seu pingalim e, em vez do camuflado, enverga camisa branca e calções de banho (...).