quarta-feira, 15 de julho de 2009

Guiné 63/74 – P4687: Agenda Cultural (21): Djumbai Storias di Mindjeris, 19 de Julho, no Anteneu Comercial de Lisboa (Instituto Marquês Valle Flor)


C O N V I T E

Camaradas Tertulianos,

Trazemos ao vosso conhecimento mais um amável e gracioso convite que nos fois endereçado pela Casa da Guiné, em Coimbra, e que, desde já, muito agradecemos, em nome do Luís Graça e de todos os Camaradas desta grande tertúlia bloguística da Guiné.

Promovido pelo IMVF - Instituto Marquês Valle Flor, que é o principal parceiro português da AD - Acção para o Desenvolvimento, uma ONG guineense com quem o nosso blogue tem mantido desde finais de 2005 uma estreita cooperação (por ex., no apoio a projectos relacionados com a preserção e divulgação das memórias da guerra colonial / luta de libertação na Região de Tombali, e em especial em Guileje).

Este evento vai decorrer no próximo dia 19 de Julho, pelas 15h30, no Salão Nobre do Ateneu Comercial de Lisboa e é composto, por um vídeo (“Fala di Mindjeris”) e um álbum de retratos (“Storias di Mindjeris”).

Estes produtos culturais "resultam de entrevistas realizadas a mulheres guineenses entre Dezembro de 2008 e Maio de 2009, em Bissau, nas Ilhas Bijagós e na região da Grande Lisboa. Contam histórias de migração, de separação e de reencontro. São retratos de mulheres de cultura e experiência diversas com histórias de valência, de sobrevivência e de esperança, histórias de vida de mulheres guineenses"...

Esta é uma iniciativa do Projecto “Rostos Invisíveis”, uma parceria entre o IMVF e o Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (NEP/CES).

O evento conta ainda com a presença do Jornalista e Poeta Guineense Tony Tcheka, cujos poemas enriquecem o Álbum de Retratos.

A entrada é livre.

O Ateneu Comercial de Lisboa, situa-se em:
Rua Portas de Sto Antão, nº 110
Lisboa
(Próximo do Coliseu dos Recreios)

Telefone do IMVF: 213 256 310
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Nota de M.R.:

(*) Vd. poste anterior, desta série em:

terça-feira, 14 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4686: Tabanca Grande (162): José Eduardo Oliveira, ex-Fur Mil, CCAÇ 675, Binta, 1965/66

Capa do livro, edição de autor, Golpes de Mão's - Memórias da Guiné, de José Eduardo Reis de Oliveira. Prefácio do Ten Gen Alípio Tomé Pinto, o famoso Capitão de Binta (CCAÇ 675, 1965/66).

O novo membro da nossa Tabanca Grande, o José Eduardo Oliveira, com a sua neta mais nova, a Nana... Tem ainda um turra, de 7 anos, o Pedro.

Guiné > Região do Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1965/66) > O ex-Fur Mil Oliveira, com "duas meninas felizes, de que já não recordo o nome"...

Guiné > Região do Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1965/66) > Ainda era o tempo das abatizes (grossos troncos de árvores, abatidas pela guerrilha, e que funcionavam como obstáculo, nas estradas e picadas, à progressão das colunas auto das NT)... E, como se pode ver pela foto, ainda era o tempo em que os militares portugueses eram obrigados a usar os insuportáveis capacetes de aço!...


Guiné > Região do Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1965/66) > Ao fundo, a Vila Tomé Pinto... Em primeiro plano, dois foliões, na festa de S. João (ou no Carnaval ?)

' (...) ' À margem da guerra', criámos junto da tabanca nova uma nova BINTA …onde fomos quase tudo… O céu era o limite… Fomos professores, alunos, arquitectos, pedreiros, carpinteiros, agricultores, agentes do totobola, jornalistas, artistas de teatro e músicos, dançarinos de batuque, toureiros, forcados, jogadores de futebol e voleibol, fadistas, pêemes, pescadores, caçadores, padeiros e …sei lá que mais!' (...) (JERO)


1. O José Eduardo Reis de Oliveira é jornalista profissional, trabalha na imprensa regional, sendo actualmente sud-director do jornal O Alcoa, quinzenário, com sede em Alcobaça e uma tiragem de 8 mil exemplares.

Recentemente, em Maio passaddo, na sua terra natal, Alcobaça, o José Eduardo lançou o seu livro de memórias da guerra colonial, Golpes de Mão’s – Memórias de Guerra, de cerca de 440 pp., com prefácio do Ten Gen Alípio Tomé Pinto, antigo comandante da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), ele próprio ferido em combate (foto, à esquerda).

O José Eduardo confirmou-me, por telefone, o carisma que este homem (o então Cap QP Tomé Pinto) possuía, entre os seus soldados e a própria população local... Era conhecido como o Capitão de Binta. Todos quiseram tocar-lhe quando foi evacuado, de heli, para Bissau, depois de ferido em combate.


" Mais do que pela bandeira o soldado bate-se pelo seu capitão", escreve o José Eduardo, numa apresentou em power ppoint que me enviou, subordianada ao título Memórias em Dois Tempos.


O José Eduardo (que é conhecido no meio jornalístico pelo seu acrónimo, JERO, e que foi Fur Mil naquela subunidade, entre 1965 e 1966, tendo inclusive feito a respectiva história, documento que foi classificado como confidencial) teve a gentileza de me mandar um exemplar autografado do seu primeiro livro, Golpes de Mão's, do qual irei fazer uma gostosa recensão crítica... depois de o ler nas férias.

Eis um excerto do mail que ele mandou em 21 de Junho último:

"Caro Luís Graça: (...) Como gratidão pelo que tem feito ao longo dos anos pelas nossas 'memórias' colectivas, gostaria muito de lhe oferecer um exemplar. Envio-lhe em anexo uma 'apresentação' em power point. O livro, que é edição de autor, tem 440 páginas com 190 fotografias e mapas.

"Agradeço que me informe o seu endereço para lhe enviar o livro em causa, de que também tenho suporte informático.

"Melhores cumprimentos. José Eduardo Reis de Oliveira" (...)



Capa do 1º Volume do documento classificado Diário da Companhia de Caçadores 675 - Dois Anos de Guiné, elaborado com "elementos colhidos pelo Fur Mil Oliveira".


2. Respondi-lhe nestes termos, a agradecer a oferta e as amáveis palavras do autor:

Meu caro José Eduardo:

Deixa-me que te trate por tu, que é o tratamento (romano) entre pares e camaradas... És um homem de letras, como eu, e sobretudo um ex-combatente da Guiné, como eu... Obrigado pela gentileza do teu gesto. Terei muito em fazer uma recensão crítica do teu livro no nosso blogue e divulgá-lo... Os meus parabéns pela concretização da ideia de transformares o teu diário em livro. Estou muito curioso por lê-lo... até por que não há referências, no nosso blogue, à tua CCAÇ 675...

Gostaria, antes de mais, de convidar-te para ingressares na nossa Tabanca Grande, o lugar da blogosfera onde cabem todos os camaradas da Guiné. Se aceitares, é também uma honra para todos, dos mais velhinhos aos piras... Se és leitor do nosso blogue, sabes qual o nosso espírito o nosso objectivo: partilhar e contar histórias... Somos também um blogue de afectos, como podes ver pelos relatos do nosso último encontro, aí perto de ti, em Monte Real (...)


3. O José Eduardo Oliveira, conhecido dos seus leitores como JERO, respondei-me no próprio dia:

Meu caro Luís Graça

Sou hoje um homem feliz pelas tuas palavras. Pelo tratamento 'romano' e por sentir que estou a entrar para um grande clube... que leio e releio vezes sem conta.

Tenho muitas histórias da minha '675' e sinto uma obrigação especial a partir deste momento: tenho que preencher o vazio de mais de 40 anos.

Há no meu livro de memórias algumas páginas sobre o desastre do Pelotão de Morteiros 980, em 5 de Janeiro de 1965, que vos irá surpreender. E não só. Também sobre o Padre Gama, o Coronel Fernando Cavaleiro e do grande Capitão de Binta, Alípio Tomé Pinto.

Amanhã vai seguir o livro e logo que possível vou aparecer ao vivo para um apertado abraço.

Até sempre e...até breve.

José Eduardo Reis de Oliveira.


4. Mais recentemente, a 12 do corrente, o José Eduardo disse-me que vinha a Lisboa e que poderíamo-nos encontrar, na próxima semana (o que está combinado e confirmado por telefone).

Caro Luís

~(...) Volto a ar notícias porque vou estar em Oeiras durante a próxima semana. Vou fazer uma 'comissão' de avô. Seis dias a aturar um 'turra' de quase 8 anos!

Como vou estar por perto de Lisboa pergunto se posso aparecer para uma pequena cavaqueira. Em caso afirmativo qual o melhor dia e hora? Tenho o teu telefone – 21 751 21 93 [,e não 21 751 21 96, como eu te comuniquei, por erro ]- que no entanto só utilizarei depois das tuas notícias para um eventual acerto de pormenores.

Entretanto mando um texto que, se tiver algum interesse, poderás juntar aos escritos dos velhotes da Tabanca Grande.

Um abraço e até breve, assim o espero.
José Eduardo Oliveira
Telemóvel [ já registei].


5. Comentário de L.G.:

Que mais dizer-te, depois do nosso último contacto telefónico ? Que gostei dos teus escritos (o livro ainda não o li, só o folheei...), gostei de falar de falar contigo ao telefone, gostei de saber que também tens magníficas recordações de Binta, que és um português positivo, que és um avô babado e ternurento... E que mais ? Que estás apresentado ao pessoal da Tabanca Grande, que já estás cadastrado, que és bem vindo a este blogue, de que és fã e leitor assíduo... e que vamos ficar ansiosos pelas tuas histórias... Irei rapidamente publicar o teu notável texto 'Depois da guerra... o stresse da paz'... Vem mesmo a calhar, quero eu dizer, é editorialmente muito oportuno.

Um Alfa Bravo, camarada. Luís

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Nota de L.G.:


(*) O último poste desta série Tabanca Grande é de 11 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4669: Tabanca Grande (161): António Torcato Oliveira, um sobrevivente de Gandembel/Balana, ex-1º Cabo da CCAÇ 2317 (1968/69)

Guiné 63/74 - P4685: In Memoriam (27): Recordando o Major Raul Passos Ramos (TCor José Francisco Robalo Borrego)

1. Mensagem de José Borrego (*), Ten Cor na Reserva, que pertenceu ao Grupo de Artilharia n.º 7 de Bissau e ao 9.º Pel Art, Bajocunda (Guiné, 1970/72), com data de 12 de Julho de 2009:

Caríssimo Carlos Vinhal,

Sem querer abusar da tua paciência e amizade envio-te para publicação, se assim o entenderes, mais este contributo antes das férias. Com os meus agradecimentos deixo a estética do trabalho ao teu altíssimo critério.

No Poste 4653 do camarada Álvaro Basto vi, pela primeira vez, os majores Pereira da Silva, Raul Passos Ramos, Osório e o alferes Mosca do Estado-Maior do CAOP1 em Teixeira Pinto, assassinados, na Guiné, na estrada que liga Pelunto a Jolmete (**).

Quando, em Julho de 1970, cheguei à Guiné não se falava de outra coisa!

As mortes tinham sido em Abril e ainda me lembra de ver o Senhor General Spínola de luto, fita preta, no braço (***).

Dizia-se em Bissau que tinha desaparecido, ingloriamente, a fina flor do Exército Português!

Estou muito grato ao blogue por publicar as fotografias e ao camarada Álvaro Basto por as ter arranjado, desfazendo equívocos, as quais me serviram de inspiração para escrever estas palavras sobre pessoas que foram brutalmente mortas numa missão muito arriscada… (receber a rendição de dois bigrupos na região de Canchungo ), como infelizmente se veio a verificar.

Segundo o irmão de Amílcar Cabral (Luís Cabral) que foi Presidente da Guiné-Bissau, o plano consistia em apanhar à mão o Governador (General Spínola) e os seus companheiros, mas este foi desencorajado pelo excelso e avisado Tenente-coronel Pedro Cardoso, que na altura era o Secretário-Geral da Guiné, que numa carta enviada ao Sr. General Spínola lhe terá dito que era perigoso envolver-se em contactos pessoais com os dirigentes sob controlo inimigo, propondo-lhe que, de futuro, os contactos se passassem a fazer em Bissau, no Palácio. Isto porque em data anterior (primeiros dias de Abril) o Comandante-chefe ter-se-á encontrado, secretamente, com André Pedro Gomes, chefe guerrilheiro da região Caboiana-Churo, para negociações de paz, na estrada entre Teixeira-Pinto/Cacheu.

As circunstâncias da morte dos militares em apreço, já foram relatadas por camaradas que viveram de perto a situação e publicadas no blogue.

Apenas falarei de algumas qualidades do major Raul Passos Ramos, porque conheço o seu irmão, general Fernando Passos Ramos, de quem sou amigo há muitos anos. Aliás, quando soube do falecimento do seu irmão Raul, voou do Leste de Angola para a Guiné para se inteirar da situação.

Nunca tive o privilégio de conhecer pessoalmente o major Passos Ramos, mas conheço testemunhas credíveis de camaradas do QP que serviram sob o seu comando, dos quais guardo na memória algumas qualidades humanas e militares do major Passos Ramos, relatadas por eles, e que passo a descrever:

Na década de 60, ainda capitão, o major Passos Ramos esteve a prestar serviço na Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas;

Era um oficial distintíssimo, muito respeitado pelo seu constante exemplo (era um exemplo a seguir);

Era de uma dedicação e competência inexcedíveis, surpreendendo os mais dedicados e competentes!

Como comandante de Bateria (equivalente a Companhia na Infantaria) preocupava-se com os seus soldados, principalmente com os mais necessitados; conhecia-os a todos pelo nome e não pelo número... conversava com eles e sabia das dificuldades por que passavam. Alguns eram casados com filhos e o Capitão Ramos para lhes minimizar o sofrimento mandava-os entrar de licença para poderem trabalhar e contribuir para o sustento das suas famílias;

Todos os militares, principalmente oficiais, o queriam imitar…;

Oferecia-se para missões em lugar de outros camaradas que estivessem em dificuldades;

Quando entrava de Oficial de Dia à Escola Prática de Artilharia a população de Vendas Novas comparecia em peso para assistir à cerimónia do Render da Parada num gesto de profunda homenagem e consideração ao capitão Passos Ramos!

Enfim, era um Homem bom que do meu ponto de vista, merece ser recordado com todo o respeito e admiração!

Ao major Passos Ramos e aos restantes militares que faleceram com ele no cumprimento de uma missão, rogo a Deus para que as suas almas descansem em paz.

Despeço-me, desejando a todos as camaradas da Tabanca Grande e respectivas famílias, umas boas férias.

Abraços do
JOSÉ BORREGO

Nota: - Na construção dos parágrafos cinco e seis, apoiei-me no livro do Tenente-coronel Infª Francisco Proença Garcia (Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Portucalense Infante Henrique)

Linda-a-Velha, 12 de Julho de 2009

Na foto: Majores Joaquim Pereira da Silva e Raul Passos Ramos, Alf Mil Fernando Giesteira Gonçalves e Major Magalhães Osório

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4628: Estórias avulsas (38): Histórias passadas na Guiné (José Borrego)

(**) Vd. poste de 7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4653: Dando a mão à palmatória (21): A verdadeira fotografia do Alf Mil Cav Mosca, assassinado no dia 21 de Abril de 1970 (Os Editores)

(***) Vd. postes de:

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê: O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

9 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1510: Os heróis do Chão Manjaco e o Alferes Giesteira (Paulo Raposo)

27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2008: Dando a mão à palmatória (1): A fotografia dos saudosos majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório (João Tunes / Editores)

1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2320: Relatórios Secretos (1): Massacre do Chão Manjaco: O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4645: In Memoriam (25): Maria da Glória Revez Allen Beja Santos (1976-2009): Missa do 7º dia, 4ª feira, 19h, Igreja do Campo Grande

Guiné 63/74 - P4684: (Ex)citações (35): Milicianos ou do Quadro Permanente, todos fomos combatentes (Paulo Santiago)

1. No dia 13 de Julho de 2009, Paulo Santiago (*), Ex-Alf Mil, Cmdt do Pel Caç Nat 53,
Saltinho, 1970/72, fez este comentário no poste Guiné 63/74 - P4672 (**):

Queiram desculpar, estas discussões estéreis, ía dizer, já cheiram mal, mas digo melhor, são uma MERDA...

Será que este blogue passou a ser um espaço para historiadores e doutrinadores?

Milicianos versus QP's, qual o interesse? Houve bons e maus, nos dois campos, mas isto é uma afirmação à La Palisse. Já contei por aí parte da minha vivência na Guiné, e sabem que o pior personagem que encontrei naquele teatro foi precisamente um miliciano (Capitão). Daqui não vou generalizar, que todos os milicianos (eu incluído) eram maus, seria um ultrage. Mas esta generalização(sem Generais, como algures diz o Mexia Alves) está a ser tentada em relação aos militares do QP. Não vou falar de militares do QP que conheci e eram excelentes, vou até Guiledje (só cá faltava, dirão) para lembrar dois mortos, o Cap Tinoco de Faria e o Cap Assunção Silva... eram do QP.

Dirão alguns, "...e quantos Milicianos lá morreram"? Muitos, direi eu, incluindo Soldados. Mas deixemos Guiledje e vamos até Guidaje (já agora!?), penso que foi o meu amigo e conterrâneo, Vitor Tavares, que falou no assunto num poste inserido no blogue, há meses atrás, quando contou a odisseia do socorro dos Páras aquele aquartelamento na fronteira com o Senegal. Contava ele, ficarem impressionados verem um tipo, já não muito novo, quando dos ataques, de pingalim na mão, a coordenar o fogo de morteiros e outras armas, com rebentamentos a toda a volta. Tratava-se do Major Correia de Campos. E para que não esqueçam, relembro o "massacre do Chão Manjaco", morreu um Alf Mil, mas morreram três Majores da nata de Oficiais Superiores do ComChefe.

O nosso camarada Mário Fitas falou, várias vezes, com admiração, no Cap Costa Campos, comandante dos "Lassas", que participava nas Operações, apesar de já andar nos quase 40 anos de idade.

Fui buscar estes exemplos, há mais, porque me chateia esta treta de descarregar as culpas sobre os oficiais do QP. Parece que não andámos todos lá... Parece que o Xime, onde esteve o Pereira da Costa era uma colónia de férias...
Fui miliciano com orgulho, não tenho qualquer ligação familiar com militares do Quadro, mas não tenho qualquer preconceito em relação a eles. Temos alguns aqui no blogue... poderíamos ter mais... acabemos com estas tricas.

Abraço
P.Santiago
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

(**) Vd. poste de 12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4672: Blogoterapia (114): Quem somos nós? (António J. Pereira da Costa)

Vd. último poste da série de 13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4680: (Ex)citações (34): Resposta ao amigo Pereira da Costa (J. Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P4683: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (11): Cansamba II, o Serra e o Burro




Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > 2º Gr Comb da CART 2339 (Julho/Agosto de 1969) > Fotos Falantes II (9) e I (20) > Aspectos da vida do 2º Gr Comb, vindo de Mansambo, destacado em Julho/Agosto de 1969, para o reforço do subsector de Galomaro, incluindo as tabancas em autodefesa de Cansamba e Candamã. O Serra, guarda-costas do Alf Mil Torcato Mendonça, em cima, de toalha ao ombro na Tabanca de Candamã (FII, 9). Ou de T-Shirt, branca, num burrinho (Unimog 411), na picada Candamã-Áfia.

Fotos: © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados.


Estórias de Mansambo II

CANSAMBA – II > O SERRA E O BURRO (*)
por Torcato Mendonça

Há tempos, ao ver, no blogue, a foto de um burro do Saltinho (**) lembrei-me do Serra.

Na vida civil era negociante de gado. Só fez a 4ª classe na tropa. Contudo era, em cálculo mental, de uma agilidade prodigiosa. Contas com Notas – terminologia empregue nas feiras de gado – tinham resultado certo.

Quando tirou a especialidade em Évora não parecia vir a ser grande combatente. A sua parte física era fraca; estava perro, descoordenado. A saltar o muro, mesmo o mais baixo, dizia:

- Não me astrevo... - E ficava grudado ao chão.

Evoluiu com o avançar da instrução. Na Guiné foi excelente combatente e meu guarda-costas. As aparências enganam às vezes; mas só às vezes e raramente. Este caso foi a excepção à regra.

Estávamos em Cansamba e havia ou apareceu por lá um asno. Não me lembro como. Era raro aparecerem burros ou cavalos naquela terra quando, anos antes, havia bastantes. Há Lendas lindas sobre os feitos dos guerreiros, Fulas e Mandingas, com os seus cavalos. Diziam os velhos que o cheiro da gasolina os matou. Claro que não foi. Deve ter sido a febre equídea ou outra parecida.

O Serra descobriu o burro. A alegria foi enorme. Por força queria dar uma volta com o asno. O dono não estava pelos ajustes e, temendo qualquer contratempo, teve que ser convencido pelo dinheiro. Talvez cinquenta escudos. Parece muito dinheiro para aquele tempo. Não sei ao certo.

O que sei é que o Serra cavalgou o burro e ficou tremendamente feliz.

O dono, certamente a temer algo, desapareceu com o burro para desgosto no nosso feirante cavaleiro.

Voltei a encontrar o Serra, em Évora trinta e cinco anos depois mas não falámos em burros. Talvez um dia falemos.


Fá > Junho de 1968 > Carlos Marques Santos, o Costa (Furriel Vag.) e os burros - CART 2339

Foto: © Carlos Marques Santos (2009). Direitos reservados.
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anteriore desta série >

3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4633: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): Bafatá, Amor e Ódio

(**) Vd. postes de:

1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2019: Álbum das Glórias (23): O mestre-escola do Saltinho (Joaquim Guimarães, CCAÇ 3490, 1972/74)

Vd. também poste de 6 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2244: Cusa di nos terra (12): Ainda vi burros em Bafatá (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P4682: Memória dos lugares (34): Guiné, Sol e Sangue, de Armor Pires Mota, CCAV 488, 1963/65 (José Marques Ferreira)

1. Mensagem de José Marques Ferreira, que foi Soldado Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré 1963/65, com data de 13 de Julho de 2009:

Meus Caros Camaradas;

Estive ontem a tentar reler um livro de um ex-camarada, insigne escritor bairradino, meu particular amigo, que já foi convidado a fazer parte da Tertúlia, com o título abaixo descrito.

A certo momento na sua prosa encontrei uma definição de uma terra (em áreas mais ou menos longas), conhecida de todos nós. Não aceito que esta descrição esteja apenas “depositada” no livro, sem ver a luz internauta, imensa e sem fim.

Nela está o que podemos chamar de definição da GUINÉ, muito bem retratada pela óptica daquele camarada.

Assim:

GUINÉ, SOL E SANGUE

Do livro «Guiné, Sol e Sangue», de Armor Pires Mota, ex-combatente na Guiné, 1963-1965, CCAV 488 do BCAV 490, respigamos, com a devida vénia ao autor e amigo, da página 62 daquele seu livro, Editora Pax, 1968, esta passagem, que admiro:

“Guiné, misteriosa com rondas de feitiços e magias, terra de cruz, sonho e glória, céu liso e tardes de sol em brasa calcinando o chão, as almas.Terra de irãs e vertigens, hoje sou um pouco de ti e da tua gente: tenho no sangue as tuas veias, porque amoldei tanta vez o meu corpo, a tremer, à poeira dos caminhos avermelhados ou às algas dos pântanos doentios. Tenho no sangue o sangue da tua gente: carreguei com um negro ferido, dei pão ao garotio, admirei o ébano das raparigas, tenho, para recordação, uma tábua de marabú, um terço de mandinga e uma ligeira cicatriz.

Porque será que, embora, sofrendo, hoje te adoro, terra de sol e azul em fogo?”

Um dos que foi dos mais belos edifícios da Guiné, o Palácio do Governador

Para todos um abraço,
J.M. Ferreira

Foto: © José Marques Ferreira (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

(**) Vd. último poste da série em:

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4681: Estórias de Jorge Picado (9): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (V): Passeio fluvial pelos rios Baboque e Mansoa

1. Mensagem de Jorge Picado (*), ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 12 de Julho de 2009:

Caríssimos Carlos, Luís, Briote e MRibeiro

Deu-me hoje na mona para escrevinhar umas recordações do passado.
Se entenderem que não são oportunas, delete...m-nas.

Abraços para todos e que as férias que se aproximam serenem os ânimos.
Jorge Picado


PASSEIO FLUVIAL NO RIO BABOQUE E RIO MANSOA

Indiferente às guerrilhas, armadilhas e outras ratoeiras que alguns nos vão lançando pelo caminho, tentando eliminar-nos ou pelo menos desmoralizar-nos para que não contemos as nossas estórias, porque não são feitos bélicos ou não se enquadram nos altos valores que defendem e a que só eles se julgam com direito, vou tentar passar a escrito um passeio de barco que fiz na outrora florescente estância de veraneio da Guiné Portuguesa.

Este passeio ocorreu num belo domingo, tal como a maioria dos passeios que se fazem aos fins de semana, dia 29 de Agosto do longínquo ano de 1971.
Já lá vão pois cerca de 38 anos... vejam lá... mais do que a idade que então tinha... Ai como eram belos ainda os 33 aninhos...

I. JETE, c/ T.C. Herdade, Reg. Agr. Dias, das 13.30 às 17.10. Banhos de água salgada ao dobrar UMPACACA”.

É a parca anotação que consta nos meus poucos registos e vai a azul como homenagem marítima.

Começando pelas apresentações direi:

I.JETE – uma grande zona baixa toda recortada por linhas de água que a tornavam de facto uma ilha, ainda que não fosse no mar, como a ILHA de JETA em pleno Atlântico frente a CAIÓ. Situada a Sul de PELUNDO, as suas margens Sul eram banhadas pelo Rio MANSOA e tinham na sua frente a ILHA de LISBOA. Havia uma picada de PELUNDO para lá, encontrando-se um Pel da CCaç 3307 aí instalado;

T.C. Herdade – Ten Cor Herdade (Ten Cor Inf Nívio José Ramos Herdade), Cmdt do BCaç 3833 colocado no Sector 07, com sede em PELUNDO e abrangendo CÓ e JOLMETE;

Reg. Agr. Dias – como já mencionei num escrito anterior, era o técnico dos SAF de BISSAU responsável ou encarregado pelo andamento dos trabalhos agrícolas da zona do CAOP 1. Tendo chegado a 27, já tínhamos visitado CAJEGUTE e CAIÓ, seguindo agora para JETE, onde julgo que terminou esta inspecção;

UMPACACA – o nome do lado nascente da foz do Rio BABOQUE que, vindo de TEIXEIRA PINTO, desagua no Rio MANSOA. Digamos assim qual Cabo das Minhas Tormentas;

Objectivo – ajuizar do estado dos trabalhos de recuperação das bolanhas daquela(s) Tabanca(s).

Embarcámos no Cais ou Porto de TEIXEIRA PINTO e começou aí o meu espanto. Era a primeira vez que me confrontava com tal meio de navegação.

Sendo oriundo de uma terra marítima e de marinheiros, farto de ver (e de andar na ria) barcos de ria e de mar, de várias dimensões e feitios, que se deslocavam com a força de braços (remos e varas), movidos pelo vento ou a motor fora e dentro de borda, fiquei extasiado quando me fazem entrar naquilo que julgava ser uma banheira de fibra a que tinham acoplado um motor fora de borda e chamavam agora pomposamente barco.
Sinceramente, foi esse o meu primeiro pensamento.
Nunca tinha visto tal... mas logo me interpelaram:

- Então não entra no SINTEX?.

Estava à espera de um zebro, dos Fuzos... e sai-me uma banheira…

Na fotografia que anexo do Porto de TEIXEIRA PINTO, obtida em algum dia festivo, pela manga de pessoal presente, vê-se pelo menos um zebro junto de uma LDP (?) que está atracada a um barco de cabotagem, já que não tem ar de ser da Marinha de Guerra.
Nunca tinha reparado no tal Sintex, se é que ele lá costumava parar.


Pois é camarigos Luís Graça e Mexia Alves (desculpem-me os outros que também neles andaram, mas estes dois é que andam sempre a exibir-se fotograficamente em trajes, mais apropriados a quem vai a banhos - depois não se queixem se aparecer algum mirone a dizer que não andavam na guerra -, pavoneando-se no GEBA-ESTREITO), não tenho é foto para me vangloriar igualmente e, quanto a fatiota, íamos todos devidamente equipados, com fardamento de trabalho como garbosos militares das nossas FA.

Sentando-me naquilo que se chamaria proa ou popa, por causa das coisas, i.é. o meu desconhecimento daquela prática chamada natação, disfarçadamente tinha colocado dois coletes de salvamento ao alcance das mãos, não fosse o diabo tecê-las... de modo que, ao dobrar o tal Cabo ou seja, quando entrámos no Rio MANSOA, coloquei mesmo um no regaço a servir quase de antepara aos banhos forçados das águas salgadas desse rio, consequência das fortes bátegas que eram projectadas pelo encontro daquela pseudo popa, mais parecida como uma antepara, contra a corrente e forte ondulação do MANSOA, que naquele local tem uma largura de quase 6 quilómetros.

Na imagem obtida no Google Earth, que anexo, onde se pode visualizar o trajecto desde o ponto de partida 1, até ao presumível ponto de chegada 2, onde ainda em 31JAN06 (data das respectivas imagens do Google) se localizam os arrozais, são cerca de 20 km. O ponto 3 assinalado, era o ancoradouro existente na Carta Militar, mas fica no lado oposto aos arrozais, pelo que não era lógico aportarmos aí.
Se algum camarada desse tempo que lá estivesse estacionado ou, ainda melhor seria, o militar – 1.º Cabo – condutor do barco, aparecessem para contar...


Só por curiosidade direi que no dia 25JUN70, foi sensivelmente nesta zona do Rio MANSOA, que foi engolido pelas suas águas o helicóptero que transportava os Deputados da ANP tendo morrido os seus ocupantes.

Eu lembrava-me, por isso não ia muito satisfeito...

Mas tudo correu bem e, às 17H10M, desembarquei novamente em TEIXEIRA PINTO.

Jorge Picado
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4620: Estórias de Jorge Picado (8): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (IV): Reunião com o Secretário Geral - Informação

Guiné 63/74 - P4680: (Ex)citações (34): Resposta ao amigo Pereira da Costa (J. Mexia Alves)

1. Mensagem de J. Mexia Alves (*), Alf Mil da CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), com data de 12 de Julho de 2009:

Meu caro António Pereira da Costa, meus caros editores

Escrevi este texto como comentário/resposta ao meu amigo António Pereira da Costa (**).

Envio-o para que dele façam o que quiserem, ou seja, colocá-lo como comentário, ou como texto publicado.

Confio como sempre no vosso superior juízo.

Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves


2. Comentário ao meu amigo António Pereira da Costa

Meu caro António Pereira da Costa

Obrigado por este teu texto com o qual concordo em quase tudo.
E porquê quase tudo?
Porque não concordo com duas coisas:

A primeira é a valentia dos que fugiram, nem que seja expressa como hipótese.
Valentia a sério daqueles que não foram, julgo eu, é a dos poucos que se apresentaram às autoridades de então e disseram cara a cara que não embarcavam, arrostando com as responsabilidades do seu acto.
Assim fizeram vários, por exemplo nos EUA, por causa da guerra do Vietname e esses, como os de cá que procederam de igual modo merecem e têm todo o meu respeito.
Se entre os outros haverá alguns que teriam razões ponderosas para o fazer, certamente haveriam, mas muito poucos para o fazerem daquela forma.
Repara que tu mesmo utilizas um verbo que em nada abona o acto: fugir.

A outra com que não concordo, meu caro camarigo de Bambadinca e afins é a conclusão final de que perdemos a guerra.

Não, não vou debater razões tácticas nem outras quaisquer, mas vou-te dizer apenas que nós, aqueles que lá estivemos, não perdemos guerra nenhuma!

Tê-la-ão perdido os políticos, tê-la-ão perdido uns quantos militares, tê-la-ão perdido uns historiadores e uns opinadores, mas nós não meu camarigo, nós não!

Nós, os que lá estivemos, vencemo-la com a nossa entrega naquele tempo e agora.
Sim somos vencedores, porque não olhamos para o inimigo como inimigo, e porque não vemos aquele povo e aquela Nação como inimiga, mas sim como um povo e uma Nação que gostaríamos de ajudar a ser mais fraterna, mais solidária, mais coesa e sobretudo mais feliz.

Custa-nos isso sim, ver tantos mortos de um lado e de outro, e afinal não vemos um povo mais independente, um povo mais feliz.

E a culpa não é só deles, mas também daqueles que não souberam fazer tudo o que estava ao seu alcance para que a Nação se construísse na paz e no progresso.

Arrisco-me mesmo a dizer, meu camarigo, nós ganhámos a guerra, o PAIGC ganhou a guerra, mas quem veio depois, poderes portugueses e poderes guineenses, perdeu-a total e completamente.

Sim é verdade, que neste espaço, nos convívios, encontramos espaço para falar do que não falávamos e isso é a razão porque nos devemos manter unidos à volta deste mais que projecto, que nos une até nas divisões próprias do pensar de cada homem, mas que nos leva a fazer a história, feita das nossas histórias, que um dia poderá ser a verdadeira história da guerra da Guiné e não aquela que alguns que sobre ela escrevem querem que seja, por razões que apenas lhes assistem a eles, e com isto não me estou a referir a ninguém em particular, que fique bem expresso.

Resta-me deixar-te o abraço de quem contigo viveu momentos que nunca esquecerá e a todos os que os viveram também por aquela Guiné dos nossos sonhos.

Joaquim Mexia Alves
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4678: António Sampaio, sê bem-vindo à Tabanca Grande (Joaquim Mexia Alves)

(**) Vd. poste de 12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4672: Blogoterapia (114): Quem somos nós? (António J. Pereira da Costa)

Vd. último poste da série de 7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4650: (Ex)citações (33): A Tabanca Grande ou... Global: de Contuboel, Fajonquito e Bissau com amizade (Cherno Baldé)

Guiné 63/74 - P4679: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (6): Uma gesta familiar, de Canhámina a Sinchã Samagaia, aliás, Luanda

1. Mensagem de 8 de Julho , enviada pelo nosso Cherno Baldé, membro da nossa Tabanca Grande (*):


Caro amigo Luís,

Na continuação das estórias que chamei de 'memórias de infância' (**) envio mais dois excertos. O primeiro fala da minha família. Não queria enviá-la mas apercebi-me que faz falta para uma melhor compreensão das partes seguintes sobre as origens da família e alguns factos ligados com a fuga do irmão do meu pai e patriarca da família, o Sambagaia. O segundo fala do meu pai[, Aliu Tambá Baldé, ] e da encenação de um Marabú tradicional.

Obrigado e um forte abraço,

Cherno Baldé


2. Memórias do Chico, menino e moço (6)

DE CANHAMINA A SINCHÃ SAMAGAIA

Uma família a procura de estabilidade

A minha família, descendente de Fulas originários de Macina, no espaço territorial do antigo Sudão Ocidental (actual Mali), e que se consideram a si mesmos de Fulbhê Arábbhê, cujo significado se deve ter perdido na noite dos tempos e que, no entanto, tem uma similitude muito próxima da palavra Árabe, vivia em Kerewane (uma deformação de Kairuan?), localidade situada entre Kumakara (Senegal) e Saré Bacar (Guiné-Bissau), mesmo na linha da fronteira entre os dois países.

Dessa época não sei quase nada que possa transmitir. Mais tarde, a familia mudou-se para Canhámina, capital do regulado de Sancorlã, [a nordeste de Fajonquito, carta de Tendinto, ainda não disponível 'on line' ,] o que aconteceu após a morte do nosso avô paterno, Morô Baldé (Morseide), ocorrida, provavelmente, entre os anos de 1922/23.

Os seus descendentes eram sobrinhos directos da casa reinante de Sancorlã (Soncoia?), através da mãe, nossa avó paterna, Eguê Mariama Baldé, facto que certamente terá pesado na decisão de se mudar para esta localidade. 

Em Canhámina, durante muito tempo, a nossa família viveu sob protecção da casa do régulo, tendo beneficiado de algumas regalias daí inerentes, encabeçada pelo mais velho dos irmãos, Naor, que foi pajem de seu tio Braima Djame Baldé, mais conhecido por Burandjame (ou Brandjame?), o régulo de Sancorlã, e era colega e amigo íntimo de Abdu Buram, o príncipe herdeiro do trono, que encontrou a morte na última guerra de Canhabaque entre 1935/36 [, nas Ilhas Bijagós, referência à repressão de uma das últimas revoltas dos habitantes locais] .

O Naor terá morrido logo a seguir após uma doença prolongada (dizem que por desgosto pela morte do seu primo e amigo inseparável) e, com a morte prematura deste, acedeu ao lugar de patriarca da família, o Sambagaia, o irmão mais novo que lhe seguia segundo a linhagem.

Decorridos alguns anos após a morte de Naor, a nossa família saiu de Canhámina. Não consegui obter informações certas sobre as razões que motivaram esta mudança, todavia, algumas vozes especulam que estaria ligada a morte do Régulo Brandjame Baldé, cujo desaparecimento teria provocado uma luta de sucessão bastante perigosa no seio da família reinante.

De qualquer modo, a transferência para a zona de Farimbali, marca o início da liderança de Sambagaia na família e abre uma nova era, marcada por grandes dificuldades materiais de existência, alguma turbulência no seio da família e guerra política.

Para uma família que já estava, de certo modo, habituada a viver não muito longe da sombra do poder e das suas facilidades, a provação foi dura. As dificuldades do duro trabalho agrícola que era a principal actividade da família se juntou a desastrosa gestão do patriarca Sambagaia que utilizava os magros recursos da família (colheita de cereais e gado) para granjear reputação e mobilizar apoios, votando a família à fome e miséria contínuas.

As suas mãos largas e suas frequentes deslocações e viagens para o centro do poder e da administração colonial em Bolama onde servia de agente policial, e também procurava alianças, permitiu-lhe entrar, assim, nos meandros das intrigas e das guerras pelo poder, que eram suportadas pelo esforço da família, obrigando-a a vender tudo que existia, inclusive as vacas de seguro (teguê) das mulheres que normalmente não se vendiam, em obediência às regras de uma tradição secular.

A família estava sem posses, sem segurança para as calamidades naturais, bastante frequentes na época e junte-se a isso mudanças constantes de uma aldeia à outra de forma sucessiva e por períodos muito curtos, provocando a erosão dos poucos recursos disponíveis abalando com isso a coesão social preexistente no seio da familia.

Primeiramente saíram de Canhámina para Saré Saliu, lado norte da bolanha de Berécolom (onde encontraram e conheceram a família de um caçador profissional, originário de Forrea, chamado Samba Candé, vulgo Samforrea, pai da minha futura mãe, Cadi Candé), tendo aí permanecido por pouco tempo.

Nesta aldeia faleceu Paté (Pareru), o quarto dos cinco irmãos, após alguns anos de doença psíquica. Contam as más-línguas que ele ousara desafiar o patriarca Sambagaia ao pretender em herança a mais jovem das mulheres do falecido Naor, a Nhama Aua, filha de Brandjame, pelo que este o teria feito guerra através de forças ocultas para o enlouquecer. Outros afirmam que a jovem viúva teria escolhido do seu livre arbítrio o jovem e bonito Patê, provocando desta forma a desgraça deste.

Esta história ilustra, independentemente do que teria acontecido na realidade, que os vínculos de dependência e/ou obediência aos costumes e a tradição, na reprodução e manutenção das práticas culturais ancestrais, se faziam também por diversos meios, inclusive a difusão de falsas informações a fim de paralizar e/ou neutralizar o(s) adversário(s).

De Saré Saliu passaram para Solambuntô, aldeia situada junto a fronteira com o Senegal, a oeste de Cambajú. Por aqui, viveram uns poucos anos. O que estaria o Sambagaia a procura? Certamente uma base de apoio para as suas ambições politicas. Após Solambuntô, fizeram meia volta regressando para Saré Coba, aldeia vizinha de Sare Saliu. Foi aqui que os filhos de Naor, Baciro e Ioba foram circuncisados. Teriam vivido nesta aldeia perto de 3 anos.

De seguida, regressaram, de novo, para o lado sul da bolanha, e instalaram-se em Farimbali, na altura uma povoação enorme, situada perto de Canhámina (ver recenseamento de 1950), onde a minha mãe Cadi se juntou à família casando com o meu pai, Aliu Tambá (provavelmente entre 1949/50) e onde também nasceram os seus primeiros filhos, Aua (1951/52), Cumba (nome da esposa de Cherno Abdulai Shall, almane da mesquita de Farimbali)(1953/54), Ibraima (1955/56-), Carlos Bubacar (1957/58), hoje farmacêutico formado na Faculdade de Farmácia de Lisboa, e eu, Cherno Abdulai (entre 1959/60).

A partir desta localidade, Sambagaia lançou-se na corrida à conquista do poder da casa reinante de Sancorlã, fazendo frente aos seus primos de Canhámina. Tendo conseguido mobilizar para a sua causa um grande número de aldeias à custa de alianças fortuitas em terreno movediço num contexto social e político bastante atribulado, minado por ambivalências e sobreposição de poderes de naturezas diversas: colonial, tradicional, religioso etc.




Capa do livro de Manuel Dias Belchior, editado no início da década de 1960, A Grandeza Africana – Lendas da Guiné Portuguesa. (***)

Foto: © Torcato Mendonça (2008). Direitos reservados


No momento decisivo, só ficaram ao seu lado as chefias e as aldeias de etnia Mandinga, nomeadamente de Sumbundo e Tendinto [ vd. carta de Tendinto, ainda não disponível 'on line'], um número claramente insuficiente quando foram confrontados, no posto administrativo de Contuboel, perante a situação de escolher o futuro régulo de Sancorla.

Conforme já se referiu mais acima, a vida e situação em Farimbali não eram fáceis de suportar. A pobreza extrema, conflitos permanentes com os vizinhos, o mal-estar resultante da humilhação sofrida com a derrota de Sambagaia na luta pela sucessão do seu tio Brandjame tornava inviável a continuação da família numa aldeia minada por intrigas, encomendadas a partir de Canhámina em conluio com alguns representantes das autoridades administrativas de Contuboel e Bafatá.

Foi devido a esta situação, no mínimo embaraçosa, e a chacota que dela resultaram, segundo explicou a minha mãe, é que justificou a fundação, entre 1959 a 1960 de uma nova aldeia no lado norte da bolanha, a menos de 2 km de Sare Coba, na confluência de Berekolóm (antigo feudo mandinga do Séc. XIX), que recebeu o nome do chefe da família, Sinchã Samagaia, que literalmente quer dizer a aldeia de Samba Gaia. Para agradar aos seus amigos da administração de Bolama, Sambagaia deu-lhe o nome de Luanda (porquê Luanda e não Lisboa?...).

Esta mudança de residência coincidiu com o meu nascimento. Eu nasci em Farimbali mas fui baptizado, sete dias depois, na nova aldeia. Deram-me o nome de Cherno Abdulai em honra ao chefe religioso e almane da mesquita de Farimbali, originário de Futa Toro, do Senegal, que conduziu a cerimónia do baptismo.

Cherno não é propriamente um nome mas um título a que se dá aos homens letrados, que orientam a comunidade durante as orações, sobre aspectos da vida social/religiosa e ensinam o Alcorão às crianças. O seu apelido era Shall, que faz pensar nos acompanhantes do célebre homem de letras e também chefe de guerra, El-hadj Cheik Omar Saidou Tall que marcou profundamente o então Sudão Ocidental da época pré-colonial com a suaDjihad e que teria feito uma passagem discreta pelos actuais territórios da Casamança e da Guiné-Bissau antes de se estabelecer no Futa Djalon.

O meu pai, Aliu Tambá Baldé (ou Tambá Maudô, como lhe chamava a Mãe), era o mais novo dos irmãos que formavam a família. Trabalhador intrépido e fiel à disciplina familiar, esteve muito ligado ao Naor que, praticamente, conduziu a sua educação após a morte do pai. Esta mesma dedicação faria dele o preferido de Sambagaia. Na verdade, ele estava destinado a liderar a família após a fuga de Sambagaia pois, com a morte de Patê, o belo, ficavam ele e o Dembaro. Este último era mais velho que ele, todavia, não oferecia aos olhos de todos o carisma e as capacidades requeridas para isso.

Mas, as diferenças de pontos de vista entre Sambagaia e Tambá eram também conhecidas de todos e não raras vezes vinham à superfície. De referir que este último, descontente com a maneira como Sambagaia geria os destinos da família, tinha feito uma aliança com Dembaro a fim de formarem um fogão à parte (núcleo familiar restrito no seio da família alargada), separando-se de Sambagaia e seus filhos, embora continuassem a viver juntos.

Este facto, todavia, não impediu que este o tivesse indicado para trabalhar no posto de auxiliar de comércio que lhe tinham oferecido (primeiro em Farim e depois em Cambajú), entre os comerciantes lusos que faziam o negócio de compra e venda local de borracha e outros produtos agrícolas, talvez, no intuito de acalmar o seu apetite pelo poder que seus primos da casa real não viam com bons olhos. Aliás, mesmo assim, [Tambá] ver-se-ia obrigado, mais tarde, com o início da guerra contra a ocupação colonial na zona norte (1963/64), a exilar-se no Senegal para fugir da conspiração dos herdeiros directos de Brandjame e seus seguidores.

Tudo levava a pensar que viveríamos para sempre em Sinchã Samagaia, aliás Luanda, onde, finalmente, tínhamos encontrado um pouco de paz e sossego, para se tentar reorganizar e construir as bases de uma família normal para a época. Aqui nasceu a minha irmãzinha Ramatulai e foi aqui onde comecei a descobrir o mundo, a minha família (**).

Desde cedo ganhei o gosto da aventura acompanhando o meu irmão Ibraima na pastorícia dos poucos animais (gado bovino e caprino) que, entretanto, os nossos pais tentavam reunir. As deambulações atrás dos animais, as brincadeiras junto dos poços de água, locais onde davam de beber aos animais (Bidal), constituíam a minha única ocupação. Não tendo ainda idade para a iniciação à vida adulta, aqui tudo estava em aberto, a minha liberdade e curiosidade não tinham limites. Tudo acabou com o rebentar da guerra que pouco a pouco se alastrou a partir de Cola-Carresse (Oio) e atingiu o Sancorlã em cheio.

A desmoralização e o abandono que se seguiram no seio do Regulado, não condiziam com a epopeia da guerra de pacificação com o Graça Falcão ou Teixeira Pinto. Nós acabámos por fugir para Cambajú (**).

(Continua)


Bissau, Novembro de 2006

[Revisão / fixação de texto / bold / cores: L.G.]


2. Comentário de L.G.:

Meu caro amigo e irmão: Obrigado por teres tido a coragem de abrir, para nós, o álbum de memórias de família... É uma verdadeira saga... Ajuda-nos muito a entender o que foi a história do Séc. XX na tua terra, nomeadamente no chão fula. Mas também da nossa história, dos portugueses e dos europeus na época da expansão colonial, e do choque (cultural e não só) que isso representou para os povos africanos...
É, da tua parte, um gesto de grande hospitalidade, na melhor tradição fula, e de da grande apreço e amizade por nós, portugueses e guineenses, aqui reunidos na Tabanca Grande, debaixo do velho poilão... Percebo as tuas hesitações: revisitar o passado é sempre abrir a caixinha de Pandora... Estás, além disso, a expor-te e a expor a tua família, mostrando nesta aldeia global é que a Internet que afinal a tua família, tirando o contexto histórico, geográfico e cultural, é igualíssima a todas as outras nossas famílias, incluindo as nossas, do Minho ao Algarve, com as suas alegrias e tristezas, os seus altos e baixos, os seus amores e os seus ódios, as suas alianças e os seus conflitos, com os seus exemplos, bons e maus, de liderança, mas sempre com a mesma vontade e tenacidade na luta pela dignidade, liberdade e justiça...
É atravésa dessa instância de socialização que é a a família, que aprendemos, em primeiro lugar, a falar, a comunicar, a conhecer o que nos rodeia, a perceber o outro, o diferente, o estrangeiro... Mas é também, para o pior e o para o melhor, o lugar onde o aprendemos e imitamos os exemplos dos nossos maiores. Felizmente tiveste um pai e uma mãe que passaram o melhor das suas famílias, que são a memória, os valores, os princípios, a ética, o conhecimento, o nosso verdadeiro kit de sobrevivência. Vê-se que tens orgulho e ternura por eles... Obrigado, irmãozinho, em meu nome e em nome de todos nós. Um AB (Alfa Bravo), abraço. Luís

PS - Por azar, não tenho agora à mão a carta de Tendinto... Depois mando-ta... Está digitalizada mas ainda não disponível 'on line'...

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4550: Tabanca Grande (153): Cherno Baldé (n. 1960), rafeiro de Fajonquito, hoje engenheiro em Bissau...

Vd. também poste de 7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4650: (Ex)citações (32): A Tabanca Grande ou... Global: de Contuboel, Fajonquito e Bissau com amizade (Cherno Baldé)


(**) Vd. postes aneriores da série:

19 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4553: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (1): A primeira visão, aterradora, de um helicanhão

24 de Junho de 2009 > Guine 63/74 - P4567: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (2): Cambajú, uma janela para o mundo

25 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4580: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (3): A chegada dos primeiros homens brancos a Cambajú em 1965: terror e fascínio

30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4611: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (4): O ataque dos meus primos a Cambajú e o meu pai que foi um herói

6 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4646: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (5): A família extensa, reunida em Fajonquito, em 1968

(***) Vd. poste de 2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P4678: António Sampaio, sê bem-vindo à Tabanca Grande (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves (*), Alf Mil da CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), com data de 13 de Julho de 2009:

Meus caríssimos editores

Segue um texto de boas-vindas ao António Sampaio que se acharem por bem, poderiam publicar, junto com a foto anexa.

Não sei o email do Sampaio pelo que não posso enviar cópia para ele, o que se puderdes vos peço que façais.

Como falo de amigos da Força Aérea, envio também para o Miguel Pessoa.

Abraço amigo do
Joaquim


2. Mensagem de Mexia Alves para o nosso novo camarada António Sampaio, já enviada ao destinatário

Meu caro António Sampaio (**)
Sê bem-vindo à Tabanca Grande!
Foi um prazer rever-te no Encontro de Monte Real.

Tal como te disse, sendo os meses que passei na CCaç 15, (cujo lema era “Taque Tchife”, o que me afirmaram querer dizer “Agarra à mão”), e dado o avanço do apanhamento das minhas células cerebrais, as minhas recordações desse tempo são poucas, pelo que vou precisar de ti para as reavivar.
Vamos lá a ver se não apanho nenhuma vergonha!!!

Tive ainda o prazer nesse dia de falar ao telemóvel com o António Bamba, que era Furriel do meu Pelotão e com quem não falava desde a Guiné.
É muita emoção num só dia!

Mas o que me traz hoje ao teu encontro é deixar esta fotografia que encontrei no meu álbum e cuja legenda colocada por mim naquele tempo, reza assim:

Mansoa 73 – Na prova do rancho, intervalando com o corte de cabelo (Sampaio).

Ora aqui tens, acredito eu, uma tua fotografia inédita!!!

Mas quero ainda dizer-te que o Major Quintanilha foi um dos maiores amigos que tive em toda a minha vida.
Homem de uma cultura invulgar, (devorava livros), piloto de excepção, feitio a roçar o insuportável, mas um amigo de mão cheia, que só mais tarde soube, me trouxe da Guiné nesse Boeing no dia 21 de Dezembro de 1973, dia dos seus anos.

A frase que citas não tenho dúvidas em dizer que é dele, porque sempre foi rapaz para deixar o pessoal um pouco mais à rasca.

Passei longas noites com ele em Luanda, muitas vezes na companhia do Osório, outro piloto já aqui falado e que esteve na Guiné.

Morreu num trágico e estúpido acidente, já depois de sair da Força Aérea e andar a pilotar aviões de combate a incêndios, juntamente com dois outros grandes pilotos, o Castanheira, salvo o erro, e o Ten Cor David que era comandante da Base Aérea de Luanda e foi quem me tirou de lá, (apesar de eu já não ser militar nesse tempo), quando já em cima da independência me queriam prender, sabe-se lá porquê, e me fez embarcar outra vez no Boeing militar de regresso a Lisboa.

Aqui fica portanto este excerto de história para percebermos que as nossas histórias sempre entroncam nas histórias dos outros e assim juntos vamos fazendo história.

Abraço camarigo para ti e para todos do
Joaquim Mexia Alves
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4288: Espelho meu, diz-me quem sou eu (1): Joaquim Mexia Alves

(**) Vd. poste de 9 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4662: Tabanca Grande (159): António João Sampaio, ex-Alf Mil da CCAÇ 15 e Cap Mil da CCAÇ 4942/72 (Guiné, 1973/74)

Guiné 63/74 - P4677: Parabéns a você (13): Dia 13 de Julho de 2009 - Rogério Ferreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905 (Editores)

Hoje, dia 13 de Julho de 2009, faz anos o nosso camarada Rogério Ferreira (*), ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, Guiné, 1970/71.

Deste modo vimos desejar a este nosso camarada uma longa vida junto dos seus familiares e amigos.

Recordemos a sua apresentação no poste 3255:
[...]
Fui Fur Mil Inf e com a especialidade de Minas e Armadilhas. Pertenci a CCAÇ 2658/BCAÇ 2905. Estive em Teixeira Pinto, Bachile, Nhamate e manga de LDG para ir do Xime até Galomaro, Nova Lamego, Pirada, Paiama, Paunca, Sinchã Abdulai e Mareue, aí até aos 19 meses, vindo os restantes meses para Bissau para o AGRABIS (600), ainda Nhacra umas duas semanas até ao barco.

Em Mareue, aldeia só com população, calhou-me construir um quartel, mas dessas peripécias contarei outro dia.

Calcorreei muito chão, do manjaco ao fula, do balanta ao mandinga.

Estive em Bambadinca pelo menos uma vez a beber umas bazucas com malta conhecida de Santarém, de onde sou, que era o Vitor Alves, furriel e um soldado ou cabo Orlando Rodrigues, já falecido depois do regresso. Conheço de algum modo a zona. A estrada que ia do Xime para Bambadinca, quando cheguei, era só buracos pegados onde cabiam os unimogs mais pequenos e se deixavam de ver, demorando horas a atravessar. Quando vim para a LDG estava tudo alcatroado, demorámos a volta de 20 minutos, lembro-me que habia soldados africanos a fazer-nos a segurança na orla da mata quem sabe se algum dos colegas que fazem parte do site e que são do meu tempo lá estariam a comandá-los.

[...]
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

19 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3483: Tabanca Grande (97): Rogério Ferreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, Guiné 1970/71

30 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3255: O Nosso Livro de Visitas (31): Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf MA, CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, Guiné (1970/71)

18 de Novembro > Guiné 63/74 - P3476: Humor de caserna (6): Paiama, Paunca, Natal de 1970: o lapso do Caco Baldé (Rogério Ferreira)

Vd. último poste da série de 9 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4659: Parabéns a você (12): Dia 9 de Julho de 2009 - Joaquim Peixoto, ex-Fur Mil da CCAÇ 3414 (Sare Bacar, Cumeré, Brá, 1971/73)

domingo, 12 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4676: FAP (32): Defendendo a minha dama (Miguel Pessoa)

1. Mensagem de Miguel Pessoa (*), ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado, com data de 11 de Julho de 2009:

Aos 4 Mosqueteiros do Blogue
Estive afastado da Net quase uma semana e, regressado, leio os comentários saídos nestes últimos dias e fico preocupado com o conteúdo de alguns. Parece que andamos um pouco afastados da troca de memórias e de afectos que este blogue pretende incentivar...
O Blogue não renega a sua ascendência guineense pois, assim como ali se sucediam as revoadas (ou pragas) - de gafanhotos, de baratas, de grilos, de cantáridas, de sapos - não por esta ordem, necessariamente, também no blogue surgem as revoadas que periodicamente enchem as suas páginas e que têm dado alguma polémica: foi a retirada do Guileje, depois o caso do AB a que se seguiu a comparação da tropa especial com a tropa macaca (termo que não aprecio), há pouco foram os desertores e, mais recentemente, o contributo do pessoal miliciano (nomeadamente os furriéis) versus o pessoal do quadro.

Relacionado com este último assunto, embora receando que este meu texto possa vir um pouco atrasado, não quero no entanto deixar de pôr à vossa consideração a sua publicação, pois parece-me de todo necessário que se evite generalizar aquilo que não é igual para todos. Ou corre-se o risco de se ver tudo pela óptica daqueles que cumpriram o seu serviço no Exército, não deixando ao pessoal dos outros Ramos margem de manobra para se pronunciarem neste espaço.

Não gosto de alimentar discussões, mas se tiver que ser... Como diria o outro: - Venham todos! Quantos são?! Quantos são?!.

Um abraço.
Miguel Pessoa.


DEFENDENDO A MINHA DAMA
Miguel Pessoa

Nestes últimos tempos tenho seguido com a devida atenção os textos e os subsequentes comentários feitos por alguns bloguistas relativamente ao contributo dos militares milicianos no decorrer da guerra que travámos nas antigas colónias, comparando-o com o que aos militares do quadro diz respeito.

Atenção e tristeza pois, sendo alguém que desenvolveu a sua actividade profissional como oficial do quadro das Forças Armadas (não fazendo aqui qualquer distinção do Ramo em que desenvolvi essa actividade), custa-me ouvir estes comentários depreciativos sobre um grupo profissional ao qual pertenci (ou, melhor dizendo, hei-de pertencer até ao último dia).

Não irei fazer a defesa do grupo a quem maioritariamente esses comentários se dirigem, e que me parecem passar ao lado da Força Aérea: Primeiro, por desconhecimento dos factos aqui reportados; segundo, porque não fui para tal mandatado por ninguém dos outros Ramos, pensando eu que quem se sentir injustamente atingido com essas observações poderá sempre ter a possibilidade de as rebater neste espaço.

Apenas direi que estas apreciações correm sempre o risco de ser generalizadas, entrando-se em situações de inevitáveis injustiças, ao tomar-se a parte pelo todo, embrulhando na mesma folha os que cumpriram e os que conseguiram uma vida bem menos atribulada.

Posto este meu comentário inicial, e face ao risco de uma possível generalização, tenho que deixar-vos umas palavras em defesa da honra da minha Dama - a Força Aérea Portuguesa. Sei que arrisco ouvir alguns comentários menos abonatórios, mas se é verdade que não gosto de comprar guerras desnecessárias, também não costumo fugir a elas. E penso que esta ocasião justifica que eu corra esses riscos.

Bissau > Bissalanaca >BA 12 > 1974 > O então Ten Pilav Miguel Pessoa..

A Base Aérea 12 tinha naturalmente uma organização hierárquica bem definida, em que cada um, aos diversos níveis, sabia perfeitamente o que lhe competia fazer. Quando se tratava da actividade de voo, a situação era um pouco diferente. As Esquadras de Voo dispunham naturalmente de efectivos estabelecidos para o cumprimento da missão; mas, por escassez de meios humanos e também por existirem na Unidade pilotos dos escalões hierárquicos superiores devidamente qualificados nas aeronaves existentes, aqueles ficavam adidos a uma das Esquadras para efeitos de voo. Já tive a oportunidade de aqui o referir, mas relembro que na Esquadra 121 (Fiats, DO-27 e T-6) voavam regularmente o Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, o Comandante da BA12, o Comandante do Grupo Operacional 1201, o Oficial de Operações do GO1201 e um Oficial Superior colocado no Quartel General como oficial de ligação da Força Aérea. Os postos destes militares variavam entre Coronel e Major.

Quando integrados nas missões da Esquadra, era possível ver esses oficiais voarem sob as ordens de oficiais menos graduados pois, mais importante que a antiguidade do posto, interessava a experiência do piloto no Teatro de Operações. No meu caso pessoal, cheguei a voar integrado em formações chefiadas por alferes milicianos e, no oposto, chefiei formações em que voavam capitães antigos e tenentes-coronéis. E não era por isso que eram postas em causa as competências e autoridade de cada um no desempenho de funções em terra.

Assim, os riscos em voo eram democraticamente repartidos por todos os que voavam na Esquadra, fossem coronéis, tenentes-coronéis, majores, capitães, tenentes (todos do quadro) ou tenentes, alferes e furriéis (todos estes milicianos).

Um exemplo dramático disto é o facto de no decorrer de missões, no ano de 1973, terem sido mortalmente atingidos oficiais superiores adidos à Esquadra 121, o Ten Cor Brito, comandante do GO1201, e o Maj Mantovanni Filipe, oficial com funções no Quartel General, tendo ainda, por outro lado, perdido a vida Furriéis Milicianos colocados na Esquadra, como o Fur Baltazar da Silva e o Fur Ferreira. Isto para além de 3 oficiais do quadro que se ejectaram com sucesso no decorrer do mesmo ano.

É, pois, em nome de todos aqueles que, abdicando de eventuais mordomias, dedicaram todo o seu esforço - e nalguns casos a vida - ao apoio à Esquadra 121, que deixo aqui estes esclarecimentos. (*)

Miguel Pessoa

(*) Tentando evitar fazer chalaça com esta frase, direi que na maioria dos casos o ar condicionado, mencionado naqueles textos, serviu na maior parte das vezes para amenizar as altas temperaturas sofridas dentro do cockpit do Fiat G-91.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4635: FAP (31): Uma viagem de heli a Bafatá, em 1969, com o cmdt Diogo Neto e o casal Ivette e Pierre Fargeas (Jorge Félix)

Guiné 63/74 - P4675: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (9): Férias na Metrópole. Não há duas sem três...

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 8 de Julho de 2009:

Caro Carlos:

Estive uns dias em Oviedo, cidade asturiana, daquelas em que apetece viver,
aliás como deviam ser todas as nossas. Foi esse o motivo do pequeno atraso
semanal no envio da IX estória para a série A Guerra Vista de Bafatá, que segue
em anexo.

Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ
8 - Férias na metrópole. Não há duas sem três…


Foto 1 > 1968 > Chegada a Bafatá num Dakota, depois das primeiras férias. Vista parcial da tabanca da Ponte Nova.

Todos têm as suas manias. Eu tenho as minhas. Uma é a de considerar as férias sagradas. Entendo que quem trabalha tem esse sacro direito.

Quando fui mobilizado para a Guiné sabia, à partida, que iria ter direito a um mês de férias em cada ano civil (mais cinco dias, suponho, se viesse à metrópole) mas só podendo vir à metrópole duas vezes, por ser miliciano. Os oficiais do quadro podiam vir três vezes.

Fui para a Guiné em JUN68 e vim em JUN70. Três anos civis com direito a duas férias cá. As regras eram essas pelo que orientei a minha vida nesse sentido.

Gozaria as primeiras em NOV68 e as segundas e últimas em MAR/ABR69. Casaria nestas últimas e a minha mulher mais tarde iria passar umas temporadas à Guiné, em Bafatá, onde tinha possibilidade de alugar uma casa.

Nessas primeiras férias tudo foi pacífico. Passados mais uns quatro meses viria novamente de férias, MAR/ABR69, mas as coisas complicaram-se.

No Agrupamento em Bafatá tinha conhecido um soldado nativo, Seidi, que estava à espera de ser julgado, pensava eu, por algo que teria feito contrário ao RDM. Quarenta anos depois cheguei à conclusão, pela leitura dos livros do Beja Santos, que esse tal Seidi devia ser o mesmo que algures, na zona de Bambadinca, tinha espancado a mulher.

Se tivesse sabido que o Seidi tinha praticado tal javardice talvez eu não tivesse embarcado no que se passou a seguir.

O Seidi foi para Bissau onde iria ficar preso, tendo-me pedido para o visitar na prisão. Passados uns dias sigo também para Bissau a caminho das minhas segundas férias.

Como prometido, procuro a prisão no Quartel General, em Santa Luzia. Já perto, de trás das grades, o Seidi chama-me. Estivemos à conversa e em determinada altura diz-me: Meu Alferes faça-me um favor: sabe que sou muçulmano e que não bebo vinho. Peça ao nosso Major (chefe dos serviços prisionais) que, em vez do vinho, me dêem o correspondente patacão, assim já dá para melhorar o resto do cume.

Fui falar com o tal Major e expus-lhe a situação.

O céu parece ter desabado ali. O homem espumava por todos os lados e aos gritos perguntou:

- O que está a fazer aqui?

- Vim de Bafatá e vou de férias à metrópole.

Aos gritos continuou:

- IA, IA, IA. O nosso Alferes não conhece o RDM? Não sabe que não se podem visitar presos sem a minha autorização?

Vendo a minha vida a andar para trás (e não só a minha), adiantei-lhe que nas férias iria casar, que tinha tudo marcado.

Por isso e talvez por ter conseguido ler os meus pensamentos assassinos, fui de férias.

No princípio do ano de 1970, num fim de tarde estando à conversa com um Major, que por ser do quadro tinha acabado de gozar as suas terceiras férias na metrópole, aquele major sugeriu-me que deitasse o barro à parede, pedindo as minhas terceiras férias.

Depois de pensarmos qual a justificação a apor no requerimento, só se descobriu uma: Conforme casos anteriormente autorizados.

O requerimento foi para Bissau. Ao fim de um mês veio a resposta. Quem deferiu o requerimento ou não conseguiu encontrar a lei que impossibilitava aos milicianos as terceiras vindas à metrópole ou, por pura incompetência, não verificou que eu era miliciano.

Faltavam uns dias para ir para Bissau apanhar o avião com vista às terceiras férias, quando à porta do Comandante (Cor Neves Cardoso) tive uma discussão com um Major que mais tarde se viria a revelar de baixíssimo carácter, que elevou a voz. Como achava que tinha toda a razão do meu lado, elevei também a minha, no pressuposto, no meu subconsciente, que dentro do gabinete do Comandante estaria ainda o anterior Comandante Cor Hélio Felgas, que me teria dado razão.

A pessoa era outra e um pouco depois mandou-me chamar para me comunicar que me tinha cortado as férias.

Foto 2 > 1970 > O Cor Neves Cardoso entre o Ten Cor Banazol e o Administrador

Fui lamentar-me junto do Major que me tinha ajudado a fazer o requerimento e este, que não se dava com o outro (aliás ninguém se dava com tal elemento), prometeu-me que falaria com o Comandante.

Fui chamado novamente e lá vim de férias, só que o insólito ainda estava para acontecer.

Em Bissau, já no aeroporto, quando estava com o chek-in feito e a chamarem para o embarque, o meu passaporte militar não aparecia. Procurei, procurei, revi os bolsos várias vezes, várias vezes tirei tudo da pequena sacola que levava e nada.

Só faltava eu embarcar.

Em determinada altura a minha situação chegou ao conhecimento do Comandante do avião. Junto deste tornei a rever todos os sítios possíveis onde poderia estar o documento militar. Em determinada altura o comandante dá a seguinte ordem, sem que eu estivesse à espera:

- Retirem todas as malas do porão do avião até a mala do senhor Alferes aparecer.

Termino, dizendo que o Passaporte Militar não estava na mala… mas vim de férias… com Passaporte Militar.

Obrigado Senhor Comandante.

Foto 3 > ABR1970 > Viagem de Bissau para Bafatá em LDG - 1.ª classe, no regresso das últimas férias.

Foto 4 > ABR > Chegada ao cais do Xime, no regresso das terceiras férias. “Tudo ao monte e fé em Deus”

A próxima estória relatará uma situação simples da guerra de retaguarda à qual eu pertencia e que a meu ver completava a da frente de combate. O tema será uma mina e um poema alusivo de um nosso camarada também poeta.

Até para a semana camaradas.

Texto e fotos: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4637: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (8): À carga no Esquadrão de Cavalaria de Bafatá