sexta-feira, 3 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16161: Nota de leitura (844): Boticas e beberragens: a criação dos serviços de saúde e a colonização da Guiné, por Philip Havik (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Julho de 2015:

Queridos amigos,
Falar da Guiné era automaticamente associar a clima doentio, cemitério de europeus, terra de febres, este artigo de Philip Havik centra-se no século XIX, não se podia ocupar militarmente a região sem usar portes da medicina tropical, serviços de saúde, os medicamentos possíveis.
Vamos ficar a saber que o primeiro cirurgião só chegou à Guiné nos anos 40 do século XIX, e não demorou muito.
Ao tempo, escrevia-se que tanto Bissau como Cacheu eram as terras mais insalubres, ali os militares ficavam arruinados, física e mentalmente, a mortandade era imensa.
É à volta deste sepulcro, deste clima mortífero que o investigador vai identificando os serviços de saúde que só conhecerão uma verdadeira viragem ao tempo de Sarmento Rodrigues.

Um abraço do
Mário


Boticas e beberragens: a criação dos serviços de saúde e a colonização da Guiné, por Philip Havik

Beja Santos

Philip Havik é um investigador do Instituto de Investigação Tropical que está a prestar assinaláveis estudos à Guiné Portuguesa. É o caso deste artigo publicado na Africana Studia, n.º 10, de 2007. O investigador começa por nos recordar que apesar dos avanços da microbiologia, na viragem do século XIX, os ensinamentos da geografia e climatologia da saúde propostos por naturalistas e médicos, mantiveram uma grande influência sobre a abordagem dos trópicos pelas metrópoles e as autoridades coloniais. Este desfasamento pesou negativamente nas atividades dos serviços de saúde, pois a ciência bacteriana não se impôs tão rapidamente quanto desejável nas regiões tropicais. Assinala igualmente o investigador que o debate científico também não foi pacífico, com polémicas à volta das incertezas sobre o caráter viral ou parasitário de certas doenças. Entretanto, procedia-se a uma ocupação militar a partir dos entrepostos com a criação de novas localidades, e assim se a dando uma simbiose entre a medicina tropical, os serviços de saúde e este projeto de colonização acelerado.

Relativamente a África Ocidental, a ciência médica começou por se focar sobre as condições de permanência em terras quentes e húmidas, logo nas primeiras décadas do século XIX. Procuravam-se soluções para a saúde dos europeus através da neutralização das febres tropicais. Mas tudo na maior das lentidões. Até ao início de 1900, os habitantes dos presídios e entrepostos comerciais portugueses na costa da Guiné não dispunham de médicos, os moradores dependiam dos cuidados prestados pelos padres das missões e dos hospícios, bem como dos tratamentos feitos por curandeiros locais. O primeiro cirurgião só chega à Guiné nos anos 40 do século XIX, casa-se com uma das filhas de um poderoso comerciante de escravos. A casa comercial deste, a Nazolini & Companhia, com sede em Bissau, torna-se no único local equipado com uma botica entre as possessões inglesas da Gâmbia e da Serra Leoa. O cirurgião, António Joaquim Ferreira, manda os doentes para uma fazenda na Ilha das Galinhas. Morre em 1854.

O governador-geral de Cabo Verde refere-se a Bissau e a Cacheu como “as mais insalubres da província, das quais vem de ordinário grande número de soldados para ali destacados completamente arruinados da saúde”. O substituto de António Joaquim Ferreira, o cabo-verdiano Francisco Frederico Hopffer, envia uma série de relatórios para a Praia, enumera as doenças gravíssimas: inflamação do aparelho visual, reumatismo agudo e crónico, bronquite aguda e crónica, afeções de pele, doenças venéreas e sifilíticas, úlceras das pernas, padecimentos do fígado, em geral do baixo-ventre, diarreia, disenteria, doenças do sistema nervoso com epilepsia, histeria, delirium tremis, graves perturbações do sono e tremores. Convém registar que estes espectros de doenças afligiam tanto os moradores das praças como a população em geral. O mesmo facultativo, dava as seguintes razões para as causas destas patologias: elevadas temperaturas, grande humidade da atmosfera, extensas zonas pantanosas onde se pratica o cultivo de arroz em águas estagnadas, além da dissolução de costumes e a pouca diversidade alimentar. E também realça os aspetos da prevenção chamando à atenção para a higiene pessoal, alertando os militares para as vantagens dos soldados tomarem banho, pelo menos uma vez por semana. A maior parte destas propostas não foram acolhidas até aos anos 80 do século XIX, foi preciso esperar pela intensidade da ocupação militar que obrigou à revisão da problemática da saúde e dos respetivos serviços.

A partir de meados do século XIX apareceram as estatísticas clínicas, apontando para os problemas associados ao tratamento das febres perniciosas. A mortandade era elevadíssima: dos doentes admitidos nos primeiros meses da época das chuvas de 1858, um terço morreu. Em nenhum ofício, em nenhum documento se deixa de referir constantemente a Guiné pelo seu clima mortífero, por ser um sepulcro dos europeus. Vários governadores da Guiné perderam a vida por causa das febres palustres, por exemplo Honório Pereira Barreto sucumbiu em 1859 a uma caquexia palustre.

Na segunda metade do século XIX, algumas epidemias como por exemplo a febre-amarela, sarampo, varíola, bexigas e cólera continuavam a flagelar a região. E os ofícios expedidos registavam continuamente que a cólera fazia milhares de vítimas entre os indígenas. Discutia-se calorosamente como suster as epidemias, venceu a proposta de incendiar as moranças suspeitas de contágio. Já com a capital da província em Bolama, também aqui foram aparecendo com regularidade queixas sobre a falta de higiene, à semelhança do que se passava na fortaleza de S. José de Bissau em que se exigia, sem sucesso, que os militares com as suas amásias em autênticos cortelhos, nas condições mais insalubres.

Com a criação do Boletim Oficial da Guiné Portuguesa, em 1880, assistiu-se à publicação dos primeiros boletins de saúde mensais sobre o estado das praças da Guiné. Os clínicos em exercício eram principalmente oriundos de Cabo Verde e Goa.

Com a intensificação da ocupação militar, os facultativos começaram igualmente a dar atenção ao estado de saúde da tropa nativa. O investigador refere a existência de relatórios denunciando o aspeto desolador da tropa guineense que combatia no lado português, dizendo que pareciam mais cadáveres combatentes que soldados.

A evolução dos serviços clínicos aparece estudada pelo autor da primeira história da Guiné, o médico goês João Barreto, que registou as mudanças operadas até aos anos 1930. A grande viragem virá no governo Sarmento Rodrigues e no combate à doença do sono, entre tantas outras iniciativas. Bissau, entretanto, iria ser servida por um hospital construído de raiz, o hospital civil de Bissau, junto à Fortaleza da Amura, hoje Hospital Simão Mendes.

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Nota do editor

Último poste da série de 30 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16146: Nota de leitura (843): “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16160: O que dizem os Perintreps (Nuno Rubim) (5): Mais três fotos do tempo do "capitão fula", cmdt da CCAÇ 1424 (jan 1966 / dez 1966)


Foto nº 1  > Nuno Rubim, "o "capitão fula"


Foto nº 2 > O malogrado  mil inf, António Joaquim Alves de Moura, sentado nas alegadas ruínas de uma escola, em Guileje, que nunca terá chegado a ser construída


Foto nº 3 > Material capturado ao PAIGC em Salancaur

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 1424 (1966) 

Fotos (e legendas): © Nuno Rubim (2016). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem, 12 de maio último, do Nuno Rubim, cor art ref: 

[ Foto à esquerda, Nuno Rubim (2007); tem duas comissões no TO da Guiné, a última no QG, já como major. na primeira comissão comandou duas das unidades que passaram por Guileje: a CCAÇ 726 (out 1964/jul 1966) e a CCAÇ 1424 (jan 1966/dez 1966); trabalhador incansável, é também um bom amigo e um grande camarada, a que pedimos informação e conselho sobre as coisas e os feitos da Guiné; é membro da nossa Tabanca Grande desde 10 de junho de 2006]

Caro Luis: Sobre os Perintreps de 1974, já sabes,  não estão ainda trabalhados, tal como sucede com outros anos. Além disso ando cheio de trabalho. De futuro necessito saber : (i) data do acontecimento; (ii) local, (iii) sector do Batalhão; (iv) designação da Companhia cujas forças se envolveram na acção.

Não me agradeças, faz-se o que se pode, mais a mais para um camarada e amigo de longa data... Pena não ter menos uns vinte anos ....

Junto mais umas fotos da CCaç 1424, tiradas no que me diziam (duvido ) serem ruínas de uma antiga escola que nunca foi construída. Talvez algum camarada da CCaç 726 possa fornecer alguma achega,

Na foto nº 1,  o sobredito "capitão fula". Na foto nº 2 as alegadas ruínas com o malogrado Alferes Moura [alf mil inf, António Joaquim Alves de Moura].  Por detrás está o médico, de que não recordo o nome, que veio a Guileje apenas uma vez, vindo da sede do Batalhão em Buba.  Na foto nº 3, tens uma perspectiva geral do material capturado em Salancaur.

No próximo email. vou falar dos “Postes Français" no rio Cacine, que o Pélissier me deu a conhecer e eu consegui identificar.

Abraço
Nuno Rubim

2. Comentário do Virgínio Briote (*)

Meu "Capitão" Rubim, que foi assim que o conheci e juntos andámos pelo Oio mais que uma vez, fomos ao Piai (Canquelifá), eu sei lá que sítios mais. Passaram mais de 50 anos, a memória é como um filtro, ficaram-me imagens, algumas até menos importantes. Mas agora que recordou esse episódio de Chinchim Dari, subitamente veio-me à memória de que ouvi falar na morte do Alves de Moura. Por volta desse dia, estava eu já em Bissau, a entregar no QG o Guião da Cª Comandos do CTIG.

Fico-lhe grato, Coronel Rubim, por avivar factos que foram a nossa vida.
V Briote
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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 17 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16098: O que dizem os Perintreps (Nuno Rubim) (4): A um mês do 25 de abril de 1974, o IN ataca Canquelifá durante 4 dias, com um grande potencial de fogo, e faz violenta emboscada no itinerário Piche-Nova Lamego a coluna auto (Perintrep 12/74, relativo ao período de 17 a 24/3/1974)

Guiné 63/74 - P16159: Parabéns a você (1089): António Azevedo Rodrigues, ex-1.º Cabo do CMD AGR 2957 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Junho de 2016 Guiné 63/74 - P16157: Parabéns a você (1088): António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Osvaldo Colaço, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566 (Guiné, 1973/74)

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16158: Dossiê Guileje / Gadamael (26): É minha convicção que, se as Forças Paraquedistas demorassem mais 2 ou 3 dias, não era preciso mais, Gadamael teria caído (Manuel Reis, ex-alf mil cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74)

1. Comentário de Manuel Augusto Reis [, ex-alf mil  cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74], a  propósito do poste P16152 (*).

O texto foi enviado para a nossa caixa de correio, tendo nós a devida autorização para o publicar como poste, numa série que tem estado  parada há... quatro anos (Dossiê Guileje / Gadamael) e que suscitou muitas dezenas de comentários, nem todos serenos, como deveria ser timbre do nosso blogue.  (***)

O poste do António Martins de Matos foi reencaminhado, mal foi publicado, para um conjunto de camaradas e amigos da Guiné, grã-tabanqueiros, que se têm interessado pelo dossiê Guileje/Gadamael, quase todos protagonistas dos acontecimentos (ou que, em outros tempos, passaram por Guileje e/ou Gadamael, e que têm escrito sobre a guerra no sul da Guiné).

Trata-se, de resto, de um dossiê que nunca ficará encerrado, tão cedo,  por nos  faltar  a competente investigação historiográfica, de base científica, rigorosa, plural, contextualizada e comparada. 

Todos nós, portugueses (mas também os guineenses),  temos "velhas contas por saldar", fantasmas por exorcizar, ganhos e perdas a contabilizar e consolidar, ódios e amores mal resolvidos, histórias por contar, análises de custo-benefício, etc. Não vai ser na nossa geração que a gente vai decididamente "arrumar" esta parte da história pátria...

Mas, enquanto os arquivos continuam em silêncio (e eles nunca falarão se não forem tratados,   disponibilizados e explorados pelos investigadores...) , os protagonistas, de um lado e do outro, vão desaparecendo, vão morrendo ou envelhecendo... Estamos todos cansados (da guerra, da vida, da Pátria, do blogue, etc.) e alguns de nós optaram já por se calar de vez, ao que parece, ou então deixaram-se cair na perigosa armadilha do cíclico nacional pessimismo. De resto, os portugueses são um povo bipolar, dado a euforias e depressões...

O Manuel Reis, no seu mail, via este seu comentário como um mero "desabafo"... Respondi-lhe em tom de brincadeira: "Camarada, o teu 'desabafo' também é para a história.. Vou publicá-lo, se mo autorizares. E dou conhecimento dele, desde já, ao nosso camarada e amigo AMM... Tudo o que se escreveu e a vier escrever  sobre Guileje e Gadamael ainda é pouco... E já não temos muito tempo, que 'a vida é curta, a arte é longa, a ocasião fugitiva, a experiência enganadora, o juízo difícil',  como diria o médico grego Hipócrates, pai da medicina ocidental  (Aforismos, Séc. IV/V a.C.).

A nós, que fomos protagonistas de uma guerra, depois de fazê-la. mal ou bem, por terra, ar e mar, compete-nos falar dela e escrever sobre ela, mal ou bem... Atores, não podemos ser juízes, mas podemos ter opinião, individualizada...   O  Manuel Reis foi o primeiro a responder  ao nosso desafio. E espero que não seja ele a encerrar de vez o "dossiê Guileje / Gadamael" que tem sido, afinal, um belo exemplo da pluralidade  (em termos de  conhecimentos,  memórias,  perceções, valores, sentimentos, emoções, etc,) que faz a riqueza e a originalidade da nossa Tabanca Grande... Aqui cabemos todos,  com tudo aquilo que nos une e até com aquilo que nos separa... (LG)
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De: Manuel Augusto Reis  
Data: 1 de junho de 2016 às 14:50

Assunto: Guiné 63/74 - P16152: FAP (95): de Gadamael a Kandiafara… sem passaporte nem guia de marcha (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

Caro amigo António Matos,

Gostei imenso do teu texto,  muito esclarecedor,  sobre os tempos complicados de Guileje e Gadamel. Muito conversámos sobre isto nos almoços-convívios da Tabanca do Centro. Algumas discordâncias mantêm-se e assim vai continuar a ser. Só me referi ao que vi, tanto em Guileje como em Gadamael. Tu ofereces-nos uma visão mais ampla e mostras-nos outros métodos de actuação da Força  Aérea  e outras estratégias do PAIGC.

Dizer que Gadamael tinha sido apanhado de surpresa não é verdade. Gadamael, através do seu Comandante, conhecia o dia a dia de Guileje, naqueles dias turbulentos, e o Comandante do COP5 foi-o informando, mesmo pessoalmente, quando se deslocou a Bissau. Inclusivamente assistiu à tomada de decisão do Comandante do COP5, pois estava presente em Guileje, embora muito contrariado.

O Comandante do COP 5 [. o major art Coutinho e Lima,] tudo fez para aguentar Guileje. Deslocou-se a Bissau, em missão arriscada, à procura de ajuda. Regressou de mãos a abanar, mas regressou. Como era fácil provocar uma situação anómala e ficar retido, deixando o odioso para outro que o fosse substituir!. Mostrou um brio profissional invulgar ao não abandonar os seus militares. A tomada de decisão foi devidamente ponderada, a situação que se vivia no aquartelamento devidamente escalpelizada e os riscos de semelhante decisão calculados. Não deixou de referir que a sua vida tinha terminado aí.

Em Gadamael cabíamos todos, não havia falta de espaço e é errado responsabilizar Guileje sobre o sucedido em Gadamael. Novo Comandante [, cor pqdt  Rafael Durão], material humano em duplicado e 9 dias para preparar o embate, previsível.

O que foi feitio? Melhoraram-se as valas e fizeram-se patrulhamentos diários, de resultados nulos, apesar dos contactos frequentes com o PAIGC, de que resultaram alguns feridos leves.

A gravidade da situação de Gadamael foi mal avaliada, como o já havia sido em Guileje. O novo Comandante do COP5, a partir do dia 22 de Maio, parte no dia 31 de manhã para Cufar [. sede do CAOP1,],  julgando que a situação de Gadamael estava controlada. Regressa de imediato, na manhã do dia 1 de junho, mas nada há a fazer. Aliás a presença dele em nada alteraria o rumo dos acontecimentos. Não há homens no aquartelamento, nem material capaz de se opor à violência dos ataques do PAIGC. Algum desespero apodera-se de alguns Comandantes e acontecem desastres imprevistos. (**)

Meu caro amigo, no essencial estou de acordo contigo. Gadamael tremeu mas não caiu e tal se deve à actuação do Batalhão de Paraquedistas [, BCP 12,] e à actuação EFICAZ da Força Aérea. Como homem no terreno, é minha convicção que se as Forças Paraquedistas demorassem mais 2 ou 3 dias, não era preciso mais, Gadamael teria caído com estrondo, aprisionando ou matando tudo o que lá se encontrava.

Falei do que sabia, opinei sobre o vi. A tua perspectiva é mais global e interessante e entronca na situação política.  

Um forte abraço,
Manuel Reis.



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de janeiro de 1971 a outubro de 1972) > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971. Foto do cor art ref António Carlos Morais da Silva, e por ele gentilmente cedida ao nosso camarada Manuel Vaz.

Foto: © Morais da Silva (2012) Todos os direitos reservados.[Edição: LG].
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Notas do editor:

(**) Todos os postes anteriores desta série:

12 de dezembro de  2009 > Guiné 63/74 - P5450: Dossiê Guileje / Gadamael (18): Estive 18 horas em escuta nesse dia fatídico para o Sr.Tenente Pessoa e a FAP, em 25 e 26 de Março de 1973 (Victor Affaiate)

11 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5444: Dossiê Guileje / Gadamael (17): Depois do que ouvimos da boca do Sr. Cor Pára Durão, tudo o que vier a ser dito, soa a elogio (Victor Alfaiate)

9 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5434: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (16): Guileje não caiu, foi abandonado (José da Câmara)

7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5417: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (15): Ainda e Sempre Guileje (Victor Alfaiate, ex-Fur Mil Trms, CCAV 8350, 1972/74)

24 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4736: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (14): Na minha opinião pessoal, o Major Coutinho Lima foi um Herói! (Amílcar Ventura)

3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4634: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (13): A desonra da CCAV 8350 ou o direito a contar a minha versão... (Constantino Costa)

14 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4344: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (12): Homenagem dos Homens Grandes de Guiledje a Coutinho e Lima (Camisa Mara / TV Klelé)

5 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4282: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (11): Heróis... (Constantino Costa, Sold CCav 8350, 1972/74)

1 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4271: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (10): Respondendo ao João Seabra (António Martins de Matos)

23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4239: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (9): Eu, a FAP, o BCP 12 e a emboscada de 18 de Maio (João Seabra)

15 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4035: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (8): Amigo Paiva, confirmas que fomos vítimas de ameaças e pressões (Manuel Reis

4 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3982: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (7): Ferreira da Silva, ex-Capitão Comando, novo comandante do COP 5 a partir de 31/5/1973

1 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P3954: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (6): A posição, mais difícil do que a minha, do Cap Cmd Ferreira da Silva (João Seabra)

Guiné 63/74 - P16157: Parabéns a você (1088): António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Osvaldo Colaço, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566 (Guiné, 1973/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16149: Parabéns a você (1087): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1968/70)

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16156: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (4): Arte guineense

1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), com data de 1 de Abril de 2016, reencaminhada a 8 de Maio, com mais algumas fotos sobre a arte da Guiné para o seu Álbum fotográfico:

Olá Camaradas
Desta vez vai arte bijagó.
A terrina com a história do homem a ser engolido por uma cobra enorme. Julgo que deve ser uma lenda comum a vários povos de África e do Brasil. Deve ter uma base qualquer - luta contra a Natureza, contra o predomínio da mulher ou revivalismos do pecado "original" - que eu não conheço e é difícil de determinar.
A outra peça de madeira, o pilão, tem um toque de pirógrafo.
Os antrópologs que se cheguem à frente.

As bases de copos e a base da travessa são trabalho fula com linha ou com palha mais ou menos colorida. O interior da helicoidal é de palha, capim bem seco, julgo eu.

Um Ab.
António J. P. Costa



Terrina

Pilão miniatura


Bases para copos

Base para travessa
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Nota do editor

Poste anterior de 31 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15919: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (3): Arte guineense

Guiné 63/74 - P16155: Efemérides (226): Programa do XXIII Encontro Nacional de Combatentes, dia 10 de Junho, em Lisboa (Manuel Lema Santos)

PROGRAMA DO XXIII ENCONTRO NACIONAL DE COMBATENTES

DIA 10 DE JUNHO DE 2016, EM LISBOA


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Notas do editor

Programa enviado pelo nosso camarada Manuel Lema Santos (1.º Tenente da Reserva Naval, Imediato no NRP Orion, Guiné, 1966/68)

Último poste da série de 14 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16088: Efemérides (225): Comemoração do Dia do Combatente de Matosinhos e do VII aniversário do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, levada a efeito no passado dia 30 de Abril (3) (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P16154: Revisitando o "chão fula", e ligando o passado com o futuro (Patrício Ribeiro, Impar Lda) - Parte III: Canquelifá


Foto nº 1 > > Energia fotovoltaica e água potável, ou seja, o futuro, que chega a Canquelifá, uma terra mártir no final da guerra de libertação, quando o PAIGC a reduziu a cinzas.


Foto n º 2 >  Saltando do passado para o futuro...


Foto nº 3A > Restos do passado... Memorial aos mortos da CCAV 2748 / BCAV 2922 (*)


Foto nº 3 > Restos do passado... Memorial aos mortos da CCAV 2748 / BCAV 2922. Não sabemos se o edifício atrás era de uso militar ou civil (escola, capela,  posto administrativo...).


Foto nº 4 > Memorial da CCAÇ 1623 (1966/68), cujo lema era "Vontade e Valor"


 Foto nº 5 > Memorial da CCAV 2748 /BCAV 2922 (1970-72), visto lateralmente


Foto nº 6 > Memorial ao Soldado Manuel dos Santos Ferreira Reis, da CCAÇ 1623 (**)


Foto nº 7 > Restos do antigo aquartelamento (1)


Foto nº 8 > Restos do antigo aquartelamento (2)


Foto nº 9 > Restos do antigo aquartelamento (3)

Guiné-Bissau > Região de Gabu > Canquelifá > Maio de 2016

Fotos: © Patrício Ribeiro (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Terceira e última parte da fotorreportagem do Patrício Ribeiro, nas suas andanças pelo "chão fula", levando às populações do leste a energia fotovoltaica que simboliza o futuro...

Patrício Ribeiro, foto à esquerda, é um português de lei e de grei, natural de Águeda, criado desde terra idade em Angola, no Humabo (antiga Nova Lisboa)... Por lá casou e fez a  tropa e a guerra. Foi fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, regressou ao "Puto" como retornado, mas teve saudades de África, decidindo montar a sua "morança" na Guiné-Bissau em 1984.

De cooperante passou a empresário, no início dos anos 90, sendo fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda, especializada hoje em energias alternativas, com um portefólio impressionante com mais de 400 instalações. Neste momento a sua empresa leva a energia eléctrica e a água potável (um dos mais elementares direitos humanos!) a quase uma centena de tabancas do chão fula, no leste.

Tem o seu filho a trabalhar com ele e dá trabalho a muita gente. É também conhecido carinhosamente como "pai dos tugas", pelo apoio que tem dado aos jovens portugueses que demandam as terras da Guiné-Bissau. Vive temporariamente em Bafatá, e de vez em quando lembra-se de nós e das suas obrigações como grã-tabanqueiro. Há dias mandou-nos fotos de Bafatá, Piche e Canquelifá. São de Canquelifá as que publicamos hoje.(****)

Um abraço fraterno para ele.
Os editores


2. Legendas complementares (com a preciosa ajuda dos portais Liga dos Combatentes e  Ultramar Terraweb):

(*) Mortos da CCAV 2748 / BCAV 2922 (1970-72)

Guido Ponte Brazão da Silva,  alf mil cav op esp, natural de São Vicente, Madeira, "morto por acidente" [um engenho IN!]  em 22/10/1970: (***)

Alfredo da Silva Amaral, soldado, natural de Ílhavo, morto em combate em 7/08/1970;

Manuel da Conceição Gonçalves, soldado, natural de Vendas Novas, morto por acidente em 5/10/1970

Sajo Baldé, soldado milícia
 
(**) Mortos da CCAÇ 1623 / BCAÇ 1856 (1966-68)

Manuel dos Santos Ferreira Reis, soldado, natural de Vila Nova de Gaia, morto em combate, em 21/12/1966
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.Guiné > Zona Leste > Canquelifá > CCAV 2748 (1970/72) > O nosso grã-tabanqueiro Francisco Palma, posando junto ao brazão da CCAÇ 1623 (1966/68), na altura em belíssimo estado de conservação. O lema da CCAÇ 1623 era Vontade e Valor, como se pode ler. Confronte-se esta foto com a n.º 4.

A CCAÇ 1623 foi mobilizada pelo  RI 2 - Abrantes, desembarcou em Bissau a 18 de Novembro de 1966 e foi colocada em Nova Lamego a fim de efetuar treino operacional e intervir na zona leste. A 29 de janeiro de 1967 assumiu a responsabilidade do subsetor de Canquelifâ com um pelotão destacado em Dunane. Permaneceu transitoriamente em Fá Mandinga de onde marchou para Bissau para aguardar o regresso, embarcando a 18 de Agosto de 1968

Foto (e legenda): © Francisco Palma (2007). Todos os direitos reservados

Guiné 63/74 - P16153: Os nossos seres, saberes e lazeres (157): A pele de Tomar (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Março de 2016:

Queridos amigos,
O tempo chuvoso e os céus encobertos são elementos manifestamente hostis a captar pormenores da cidade e da sua envolvente.
Quando desembarquei em Tomar chamavam-me à atenção para a aura mística, o sentido templário que a cidade conserva. Pode ser que conserve, mas sou atraído por outras dimensões: a grandeza perdida e o denodo daqueles que procuram travar os sinais da decadência; o Nabão serpenteante, que é um chamariz para os olhos e que por ali circulando dá para perceber como a agricultura parece estar de rastos.
É esta comunicação entre a cidade e a sua envolvente que tem tornado a curiosidade inesgotável, os percursos à toa, sempre compensadores, como estas imagens testemunham.

Um abraço do
Mário


A pele de Tomar (7)

Beja Santos



Houvera chuva persistente, veio depois uma friagem daquela que esfarela os ossos, depois o céu abriu-se, foram abertas calorosas que não apagaram as poças de água mas deixaram as paredes enxutas. O viandante pôs-se ao caminho, era sol de pouca dura, por cima de Tomar as nuvens acinzentadas alertavam para as curtas tréguas. Ali para os lados dos Estaus captaram-se estes pedaços de história na via pública, quem os fixa sente-se enamorado pela qualidade das intervenções, a vida prossegue, os prédios requalificam-se, mas o passado não se encobre, muito provavelmente estas pedras viram passar o Infante D. Henrique quando ele andava a vistoriar as saboarias.




Perco-me diante das portas, vou bisbilhotar pormenores, aproximo-me e ponho-me noutro lado, não há portas perfeitas se não harmonizarem com o comprimento e a altura da fachada. A primeira porta é um chamamento do passado, atrai na irregularidade de uma pedra partida e de ser baixa, o que lhe dá ternura, intimidade. A segunda porta tem uma enxertia e de gosto duvidoso. É Arte Deco e muitos anos depois, aí pela década de 1960, enxertaram-lhe novos puxadores. Foi pena, caráter não falta a esta porta e com artes de serralharia ter-se-ia puxadores mais apurados.



Ali para os lados da Fonte do Caldeirão desce-se até junto ao rio Nabão e é-se apanhado por várias surpresas: há piscina, lugares de remanso, algo na outra margem que lembra um açude, já tenho motivos de conversa para apurar o historial deste ponto de lazer. Ter-se-á feito aqui uma comporta, as águas revoltam-se graças ao obstáculo. Por ali o viajante ficou melancólico, com duas pesadas lembranças. Por razões que não vêm ao caso, quando fez a guerra na Guiné, muitos meses a fio teve que que ir montar segurança às embarcações que circulavam num ponto do Geba onde a guerrilha pretendia fazer destruições de montra, era necessário ali estar a ver passar navios em duas direções, cerca de 30 homens com morteiros, bazucas e armas ligeiras. Águas barrentas como estas (no Nabão é assim por ser Inverno) com águas velozes a correrem para fluidos mais espaçosos, a lembrança do viajante foi até esses tempos de guerra, 25 quilómetros a pé com o sol na fornalha e o sol muitas vezes a soltar-se em pó. A outra lembrança eram as histórias da avó tomarense, o rio da sua infância até partir para Angola para casar com 14 anos. Quantas lembranças, tão desencontradas, oferece o Nabão neste fim de Fevereiro!

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 25 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16132: Os nossos seres, saberes e lazeres (156): A pele de Tomar (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16152: FAP (95): de Gadamael a Kandiafara… sem passaporte nem guia de marcha (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)


Foto nº 2  > "Foto de  autor desconhecido mas já por várias vezes publicada,  refere-se à última missão do Cor Moura Pinto na Guiné, com os pilotos e mecânicos do FIAT G-91 (Co a devida vénia ao autor) 


Foto nº 2 A > 


Foto nº 2 B 

Cortesia do bogue Especialistas da Base Aérea 12 Guiné 65/74 > 25 de janeiro de 2009 > O fim de um grande homem, um grande comandante


 Foto e legenda de Arnaldo Sousa:  pessoal dos Fiat G91/R4 e alguns pilotos. O Comandante da Zona Aérea e da BA12, Coronel [Pilav] Gualdino Maria Moura Pinto (, já falecido [. por doença, segundo inmformação do AMM, e não no acidente  com avião da TAP, o TP 425, vindo de Bruxelas, ocorrido a 19/11/1977 no Aeroporto do Funchal]. 

Da esquerda para a direita: em pé: Sargentos Robalo, Antunes, Pinheiro, Gaudêncio; Cap Pilav Letras, Cor Pilav Moura Pinto, Major Pilav Pedrosa, Cabos Veríssimo, Pinto, Sousa, Sargento Duarte. 

Em baixo: Cabo Lopes, Furriel Pinheiro, Sargento Ramiro, Cabos Brás, Veríssimo (II). Na escada do avião o Ten Pilav Matos. 

Esta foto de despedida foi tirada dias antes da partida do Coronel Moura Pinto para a Metrópole. Pessoa muito educada e de poucas falas, passava com muita calma e esboçando um ligeiro sorriso, inspecção ao avião sem tecer comentários e sem encontrar ponta por onde pegar como se costumar dizer. Todos o admiravam.  [...]  Arnaldo Sousa,  MMA 1ª/72.



A. Mensagem, com data de 24 de maio, do nosso camarada António Martins de Matos [AMM]  [ex-tenente pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje ten gen pilav ref; membro da nossa Tabanca Grande]


Caros amigos

Quase chegados às datas importantes de Gadamael, aqui junto um texto que abarca o período de 1 de junho de 1973 até ao 25 de abril de 1974.

Se o acharem com “pés para ser publicado”, gostaria que o fizessem no 1 de junho, data em que os acontecimentos foram “complicados”.

Para adocicar o texto junto 4 fotos:

A 1ª, tirada por mim, é de Pirada, mostra a distância entre o aquartelamento e o marco da fronteira [Foto nº 1];

A 2ª (, de autor desconhecido mas já por várias vezes publicada, ) refere-se à última missão do Cor Moura Pinto na Guiné, com os pilotos e mecânicos do FIAT G-91:

A 3ª e 4ª foram tiradas da Internet, representam o MirageV e o Skyvan.

Abraço
AMM


B. De Gadamael a Kandiafara… sem passaporte nem guia de marcha

por António Martins de Matos

Numerosos são os textos, palestras, opiniões e até filmes sobre os acontecimentos em Guileje e Gadamael entre os meses de maio e junho de 1973, a maior parte das vezes descrevendo e prognosticando o principio do fim das nossas tropas (NT) e enaltecendo a manobra do PAIGC, no que alguns à posteriori e no sentido de valorizar o momento, denominaram de “Operação Amílcar Cabral”.

Inexplicavelmente os referidos textos, palestras e filmes só relatam os acontecimentos no brevissimo período de duas semanas, entre os dias 22 de maio e 5 de junho de 1973, ninguém se mostrou interessado em seguir a estória dos dias seguintes e saber o que realmente acabou por acontecer em Gadamael e em toda a zona sul da Guiné.

Quem se desse ao trabalho de analisar com maior profundidade os acontecimentos desse junho de 1973 acabaria por constatar que a grande ofensiva do PAIGC no sul da Guiné se resumiu apenas àquelas duas semanas e logo se volatilizou, tudo regressando à situação anterior a 1972.

Porquê? Que se passou?

O que travou o avanço do PAIGC e estancou o tão apregoado “efeito dominó”,propagandeado vezes sem conta por 'Nino' Vieira?

A explicação é simples e tem duas vertentes, por um lado a presença do Batalhão de Paraquedistas na área condicionou de imediato os movimentos dos guerrilheiros na zona, por outro lado a Força Aérea Portuguesa (FAP) bombardeou as matas à volta de Gadamael, silenciando várias bases de fogo, e em seguida entrou pelo território da República da Guiné-Conacri, destruindo a maior base de apoio do PAIGC, situada perto da localidade de Kandiafara.

Passados que são 43 anos e antes que o tema acabe por cair no esquecimento, aqui junto algumas considerações sobre a situação então vivida e factos ocorridos nesses dias.



Mirage V (Imagem, de origem desconhecida, recolhida na Internet, AMM)


1. O material em falta

Na Guiné e logo após a identificação do míssil Strela (6 de abril de 1973), os pilotos da FAP tinham pedido três melhoramentos urgentes.  a saber, pretendiam que: (i) fossem substituídas as metralhadoras 12,7 mm do FIAT G-91 por canhões de 20/30 mm: (ii) fosse instalado na aeronave um sistema de alerta anti-míssil:  e, (iii) na base de Bissalanca, necessitavam de um radar de busca/defesa aérea que os apoiasse em operações de dia/noite ou mau tempo.

Ainda que dispendiosos, todos estes requisitos eram fáceis de implementar, na Força Aérea Alemã havia aviões iguais aos nossos mas equipados com dois canhões de 30mm, sistemas anti-míssil já eram usados no Vietname, e Bissalanca até já tinha um radar de defesa aérea desde 1964, montado em torre metálica perto da cabeceira da pista, só que … não funcionava.

Em complemento a este pedido dos pilotos, o Comandante da Zona Aérea, Coronel Moura Pinto, tinha declarado em 15 de maio de 1973, durante a reunião de Comandos no Quartel-general do Comando Chefe, que, face à ameaça dos mísseis Strela e possível entrada no conflito de aviões MIG, para continuar a dar um apoio eficiente às NT precisava de  oito aviões SKYVAN, para substituir os DO-27, cinco helicópteros equipados com armamento axial, e doze aviões do tipo MIRAGE, com um raio de acção não inferior a 300 milhas náuticas.

Este requisito sobre o raio de acção não era inocente, no caso de um futuro ataque de MIG haveria necessidade de retaliar e destrui-los no solo e a única pista apta a receber os aviões, estava situada em Conacri, a uma distância de cerca de 200 milhas de Bissalanca.

Todos estes pedidos foram devidamente registados, logo os estados-maiores entraram na borbulhagem da burocracia e, de reunião em reunião, estudo em estudo e acta em acta, lá se foram adiando as soluções.

Esta inércia, ignorância, desleixo ou falta de respeito pelos militares que em 1973 combatiam na Guiné já há muito se tinha tornado por demais evidente, o Governo de Lisboa não sabia e/ou não estava minimamente interessado em resolver a situação no Ultramar, o seu lema pautava-se por um … “adiar é resolver”.

Tivessem lido os “Tratados sobre Guerra Subversiva” e deveriam saber que, com o passar do tempo, a situação iria evoluir da “tímida flagelação” para uma “guerra convencional”, onde a artilharia e a aviação acabariam por ter um papel fundamental.

No entanto, durante todos os anos do conflito e para além de alguns pequenos melhoramentos no armamento das nossas forças armadas, nada mais tinha sido feito.

Em boa verdade já não existia o capacete de ferro, cartucheiras a tiracolo e a Mauser mas os tempos da primeira mina encontrada (1963) já tinham passado, usávamos dilagramas e bazucas contra o RPG, obuses da 2ª Grande Guerra contra o canhão sem recuo e o FIAT G-91 contra uma previsível e futura aviação de MIG, de dono indefinido e, ao contrário do que muitos acreditavam, quase certamente pilotados por mercenários experientes, oriundos da Alemanha de Leste, URSS, Reino Unido, …como já anteriormente tinha acontecido na guerra Nigéria/Biafra.

Por outro lado e em termos de defesa aérea, a Guiné continuava totalmente desprotegida, não só contra aviões de combate mas também contra qualquer “avioneta” que, de noite, resolvesse vir largar sobre Bissau umas granadas, uns tijolos ou uns panfletos.

Ao chegar o 25 de abril de 1974, um ano depois do aparecimento do míssil Strela e depois de seis aviões terem sido abatidos, de todos os requisitos operacionais então solicitados e tidos como urgentes e imprescindíveis, nenhuma alteração/melhoramento tinha ocorrido.


Short Skyvan SC-7 (G-BEOL) of Invicta Aviation at the Cotswold Air Show at Cotswold Airport, Kemble, Gloucestershire, England. Later in the day it was used to drop a parachute team.
Date June 2010.  

[By Adrian Pingstone (Arpingstone) (Own work) [Public domain], via Wikimedia Commons ]


2. Estratégias

Entre 6 e 8  de junho de 1973 o então CEMGFA, General Costa Gomes, visitou a Guiné, trazendo a resposta/solução do Governo aos pedidos feitos a 15 de maio de 1973 no Quartel-general do Comando Chefe.

Segundo ele e por motivos não explicados, os pedidos de material militar dificilmente seriam satisfeitos, mas, em contrapartida, aceitavam/sugeriam a retracção dos aquartelamentos da fronteira.

Era a segunda visita de Costa Gomes nesse ano, desde logo se tornou evidente que, para transmitir aquelas decisões do Governo não teria sido necessário vir a Bissau, algo que poderia ter sido comunicado por mensagem, a razão da deslocação e a sua principal missão era a de tentar “amaciar” Spínola.

O General Spínola conhecia bem os textos de Clausewitz e Mao Tse Tung, sabia que a guerra na Guiné nunca poderia ser ganha pela força mas sim cativando as populações locais.  A sua estratégia há muito que estava definida, passava por não hostilizar as populações, criando ordenamentos auto-defendidos, com escolas e apoio sanitário, saudando o regresso dos que anteriormente tinham apoiado a guerrilha e deixando em aberto a possibilidade de, num futuro não muito distante, iniciar negociações com os líderes locais tendo em vista a oferta de uma autonomia negociada.

Interessante e quase nunca referido, durante o seu Comando, Spínola proibira terminantemente que alguém, alguma vez, efectuasse algum disparo na zona da Ilha do Como.

Spínola logo rejeitou a solução apresentada pelo CEMGFA, a estratégia da retracção autorizada pela Metrópole só iria conduzir a um beco sem saída, quando, de retirada em retirada e por falta de espaço, não mais pudessem retrair as forças, a saída acabaria por ser semelhante à que os americanos de Saigão vieram a adoptar em 1975, dos telhados da cidade em direcção aos navios fundeados na baía.

Por outro lado, uma retracção iria destruir pela raiz todo o esforço em que se empenhara, iria deixar vulneráveis todas as populações das áreas junto às fronteiras, e às quais tinha prometido protecção.

A estratégia de Spínola não agradava ao Governo, podia vir a ser um mau exemplo para Angola, e, para o Governo de Marcelo Caetano, só Angola era importante.

Desiludido, sentindo-se manipulado, Spínola desistiu, … outros que fizessem melhor…

Ninguém fez melhor.

Entretanto, o Comandante da Zona Aérea, Coronel Moura Pinto, que sabia de estudos na FAP desde 1971 para a compra de aviões MIRAGE V, ao constatar que o apoio urgente e pedido em 15 de maio de 1973 continuava adiado e a não fazer parte das prioridades do Governo e que, em vez disso e em jeito de consolação, ia recebendo equipamento variado mas sem qualquer utilidade, logo criticou as chefias de Lisboa.

Desta vez foram rápidos a reagir, de imediato foi destituído do cargo que desempenhava.


3. Gadamael

Fazendo parte do então criado COP5, juntamente com Cacine e Guileje, Gadamael era um aquartelamento sem grande estória ou posição estratégica, a sua importância resumia-se a uma missão do tipo entreposto, receber via fluvial os abastecimentos destinados a Guileje e …expedi-los.

Até 1968 o aquartelamento tinha-se mantido protegido de ataques vindos da fronteira pela existência dos destacamentos de Cacoca e Sangonhá e, apesar de entretanto estas duas posições terem sido desactivadas, pouco ou nada se alterou, o rio Cacine era um obstáculo natural para o PAIGC, bem mais interessado em utilizar o Corredor do Guileje.

Raramente Gadamael era atacada, como consequência, o plano de defesa do aquartelamento não era muito elaborado, uns mini-abrigos e algumas valas eram mais que suficientes.

Quando em 22  de maio de 1973 e sem qualquer aviso lhe entraram pelo aquartelamento cerca de 200 militares e 500 civis fugidos de Guileje, logo as coisas se complicaram, não havia espaço para acomodar tanto pessoal.

Em 25 de maio de 1973 e depois de se ter recomposto da surpresa de lhe terem oferecido de bandeja um aquartelamento das NT, ainda por cima cheio de víveres, o PAIGC logo procurou explorar o seu inesperado êxito, em cinco dias recolocou a sua artilharia pesada na direcção de Gadamael e passou a executar um “tiro ao alvo” contra o aquartelamento, bem mais intenso do que tinha feito contra Guileje.

Tudo o que depois aconteceu, resultou apenas da … falta de espaço.

A segunda pedra do dominó oscilou, tudo isso sem que os militares de Gadamael merecessem algum reparo ou reprimenda, apenas tinham sido surpreendidos por acontecimentos estranhos e inopinados, para os quais em nada tinham contribuído e eram completamente alheios.

Oscilou mas não caiu.

Entre 1 e 3 de junho de 1973 a FAP evitou fazer bombardeamentos na zona, nada a ver com desculpas de mau tempo, Strelas ou AA [, antiaéreas], mas sim por se saber haver inúmeros militares e população espalhados e em debandada por toda a área, só com a chegada dos paraquedistas em 3 de junho de 1973 a situação ficou mais ordenada.

A partir do dia seguinte as áreas suspeitas foram devidamente identificadas, as bases de fogo dos morteiros de 120 mm acabaram por ser bombardeadas e calaram-se de vez.

De seguida foi a busca das armas de maior alcance, situadas para além da fronteira, durante alguns dias ainda se tentaram encontrar as bases de fogos nas clareiras perto de Satiguia, mas a área era demasiado vasta, mereceu um pensamento apropriado:  “Em vez de andarmos à procura das formigas, o melhor será encontrarmos o formigueiro”.

Estava lançado o mote para destruir Kandiafara.


4. Kandiafara

No inicio do conflito na Guiné os “estrategas” de então terão pensado que o armamento da guerrilha se limitaria à “catana, canhangulo e arma fina”, tal ideia fez com que o dispositivo das forças portuguesas fosse planeado essencialmente de modo a controlar as fronteiras, espalhando os efectivos pelo terreno, alguns quartéis mesmo no limite do nosso território, em missão do tipo controlo de polícia, ver quem entra e quem sai.

Com a evolução da guerra tal aproximação revelou-se desajustada, a Guiné era um território pequeno, tendo por vizinhos o Senegal e a Guiné-Conacri, ambos hostis, e com as suas fronteiras altamente permeáveis a infiltrações.

Não obstante o dispositivo nacional estar espalhado por todo o território, o apoio logístico do PAIGC ao interior conseguia facilmente ser executado através de corredores de abastecimento mesmo nas vizinhanças dos nossos aquartelamentos, Jumbembem e Sambuiá no Norte, e Guileje no Sul disso eram exemplos.

A missão das NT de tentar impedir o fluxo e refluxo de colunas de abastecimento através desses corredores de infiltração sempre se revelou de êxito duvidoso, algumas colunas terão sido bloqueadas, mas o melhor que se conseguia fazer era atrasar o seu deslocamento, grande parte delas terá passado incólume.

Mas não era só o problema de conter as infiltrações que nos devia preocupar, alguns dos aquartelamentos tinham sido construídos a escassos metros da fronteira e por essa razão ao alcance de um simples tiro de arma ligeira disparado do país vizinho, casos de Guidaje, Pirada e Buruntuma.

Com o passar do tempo e o aparecimento na panóplia do PAIGC de artilharia mais potente, inúmeros outros aquartelamentos logo vieram engrossar a lista dos que podiam ser atacados a partir do “estrangeiro”, a saber,  Bajucunda, Copa, Canquelifá, Guileje, Gadamael.

O abandono do Guileje em 22 de maio de 1973 deu ao PAIGC uma nova perspectiva de como bastava posicionar a sua artilharia pesada na zona da fronteira para poder forçar as NT a recuar, tudo isto sem serem obrigados a grandes riscos ou movimentações.

Com a introdução no conflito de uma nova peça de 130 mm (M-46, de alcance superior a 20 quilómetros), a breve trecho outros quartéis iriam ficar em semelhante situação, Piche, Cacine e Aldeia Formosa certamente seriam os próximos alvos.

A não ser tomada uma decisão que contrariasse este tipo de ataques, o PAIGC preparava-se para nos obrigar a retirar de todos os quartéis próximos da fronteira, sem sequer necessitar de entrar no nosso território.

A única maneira de conter estes ataques passava por destruir os grandes centros de logística, ambos situados na Guiné-Conacri, Kandiafara a cerca de 20 quilómetros a oriente de Guileje, recebia o material de guerra desembarcado em Boké e, com a ajuda de Simbeli e Kambera, abastecia todo o sul, e Koundara a uma distância de cerca de 40 quilómetros a leste de Buruntuma que, com o apoio de Kumbamori, abastecia o norte e leste.


5. Os riscos

Portugal já tinha passado por uma má experiência quando da “Operação Mar Verde”.

A maioria dos objectivos tinha falhado, de positivo tínhamos recuperado os prisioneiros portugueses, mas Sekou Touré continuava a ser o presidente da Guiné-Conacri, a oposição ao seu regime tinha sido aniquilada e não estava resolvido o mistério sobre a presença ou não de aviões MIG no seu território.

No plano internacional, de imediato tínhamos sido acusados de um acto de guerra e violação das fronteiras contra um estado soberano, tendo o Conselho de Segurança das Nações Unidas logo aprovado duas resoluções contra Portugal.

Em termos militares pagámos igualmente a ousadia de tal operação, Sekou Touré pediu e obteve um maior apoio militar da URSS, material de guerra que veio engrossar a panóplia do PAIGC.

O Governo Português ainda se esforçou por tentar defender a ideia que nada tinha a ver com a invasão, mas a deserção de alguns elementos dos comandos africanos puseram a nu a nossa participação.

Em termos de lições aprendidas e para um eventual novo ataque dentro do território da Guiné-Conacri havia uma série de riscos que Portugal não podia voltar a correr, a informação sobre o objectivo tinha de estar precisa e actualizada, o alvo tinha de ser totalmente destruído e não podiam ser deixadas “pontas soltas” em território da Guiné Conacri.

Quanto à situação internacional…. logo se veria.


6. O armamento

Cada avião FIAT G-91 foi armado com duas bombas de demolição de 750 libras (cerca de 340 quilos por cada bomba) e 200 munições 12,7 mm em cada uma das 4 metralhadoras.

As bombas de 750 libras, de origem americana, eram de demolição e actuavam por sopro. Obrigavam a um cuidado redobrado na pilotagem, estava-se perto do peso máximo autorizado para a descolagem e, devido à pequena dimensão da asa, não era possível manobrar o avião numa situação de assimetria, as duas bombas tinham que ser largadas na mesma picada de bombardeamento, ainda que pudessem bater dois alvos distanciados de 500 metros.

De referir que este problema de assimetria nas asas custou-nos a perda de um avião em 1 de setembro de 1973 quando, num bombardeamento na área do Morés, o piloto largou uma das bombas e, por motivos não esclarecidos, conservou a outra. (FIAT G-91 5416).

Quanto às metralhadoras, elas apenas seriam usadas para defesa próxima, na remota hipótese de algum encontro imediato com um MIG que nos viesse atacar.


7. A execução

Nessa manhã estavam 8 aviões prontos para operações mas na Guiné e nesse período só havia 6 pilotos qualificados na aeronave.

Logo pela manhã saíram 2 helicópteros de Bissalanca em direcção a Gadamael, tinham como missão ficarem de alerta para uma tentativa de resgate de algum piloto que eventualmente fosse abatido em território da Guiné-Conacri, algo que encarávamos como muito provável, já que sabíamos Kandiafara fortemente defendida com antiaéreas ZPU-4 de 14,5 mm, peças AA de 37 mm e mísseis Strela.

Havia ainda a possibilidade de, caso existissem, sermos confrontados e perseguidos por aviões MIG.

Os de Gadamael ouviram-nos passar, ainda vieram ao rádio, estavam habituados a ver-nos bombardear as matas na zona da fronteira, queriam saber onde íamos, não respondemos, desta vez o objectivo não era na vizinhança mas sim … no estrangeiro.

Em 20 minutos chegámos a Kandiafara, íamos altos, a cerca de 3500 metros de altitude, o que nos dava grande vantagem, lá de cima podíamos ver a área do objectivo na sua totalidade, estávamos ao abrigo de disparos de Strela e, uma vez identificados os alvos, permitia-nos uma picada imediata sobre os mesmos.

Fomos recebidos com um fogo cerrado das peças AA de 37 mm, os projecteis rebentavam um pouco abaixo de nós, formando um tapete branco de pequenas explosões.

Logo de seguida os seis aviões picaram sobre os respectivos alvos e cada um largou as suas duas bombas de 750 libras.

Na recuperação do passe sentimo-nos a ser perseguidos pelo fogo das ZPU-4, o chamado “calor na nuca”; pela minha parte vi algumas tracejantes passarem perigosamente perto da cauda do avião que me precedia, até que ele, com uma manobra brusca, inverteu a direcção da subida.

Depois de, no rádio, verificarmos que todos estavam bem, o regresso a Bissalanca foi “cada um por si”, interessava regressar o mais rápido possível, de modo aos mecânicos reabastecerem e remuniciarem as aeronaves.

Uma hora depois de termos aterrado já estávamos de novo no ar, novamente 6 FIAT G-91, cada um com outras 2 bombas de 750 libras.

Sabíamos que, a haver MIG, esta segunda missão seria o momento indicado para nos atacarem.

A chegada a Kandiafara foi bem diferente da vez anterior, já não houve tapete de explosões de 37 mm, apenas algumas tracejantes de ZPU-4, o que até nos permitiu localizá-las e largar bombas nas suas posições.

Nova verificação de que tudo estava bem e regresso imediato a Bissalanca para mais um remuniciamento.

Mais uma hora de espera e iniciámos uma terceira viagem ao estrangeiro, mais 12 bombas de 750 libras, ao chegarmos a Kandiafara já não vislumbrámos qualquer reacção hostil, nada, …, a área estava cheia de fumo e pó e … parecia deserta.

Esta última largada de armamento já não teve alvos definidos, foi mais na zona, o que tinha de ser destruído já o fora anteriormente.

Ainda ficámos algum tempo a circular à vertical do objectivo, tentando vislumbrar alguma reacção vinda do chão ou do ar, nada aconteceu.

A mais famosa e importante base de apoio do PAIGC acabara de ser destruída.


8. Os resultados 

Em termos diplomáticos a missão acabou por ser um sucesso já que, inexplicavelmente, não houve qualquer queixa internacional.

Como justificação para esta “não queixa” poder-se-á afirmar que, sendo certo que o bombardeamento foi bem dentro do território da Guiné-Conacri, por outro lado foi dirigido apenas contra instalações do PAIGC.

Numa análise mais “elaborada” arriscar-me-ia a dizer que este bombardeamento terá mesmo agradado ao presidente Sekou Touré, o qual há muito que não se sentia seguro com o crescente potencial bélico do PAIGC dentro do seu território, por comparação com a debilidade das suas forças armadas.

Em termos operacionais a missão foi igualmente um sucesso, por um lado nenhum avião foi atingido, por outro lado a capacidade de abastecimento do PAIGC na região sul ficou seriamente abalada e o grande esforço que vinha realizando nessa área, diluiu-se de imediato.

Em resumo, em Kandiafara foram largadas 36 bombas de 750 libras, o equivalente a mais de 12 toneladas de explosivos, o maior bombardeamento da FAP nos 13 anos de guerra em África.

Para o êxito da missão muito contribuíram os mecânicos, tantas vezes esquecidos, por vezes maltratados e que, nessa manhã, tinham feito um esforço sobre-humano para prepararem as 18 saídas e o respectivo armamento.


Foto nº 1 > Guiné > Zona leste > Pirada b> 1973 > "Foto  tirada por mim, é de Pirada, mostra a distância entre o aquartelamento e o marco da fronteira".

Foto (e legenda): © António Martins de Matos (2016). Todos os direitos reservados.


9. O rescaldo 

Em novembro de 1973 e como a indiferença perante a necessidade de melhorar o equipamento militar se continuasse a manifestar, o novo Comandante da Zona Aérea, Coronel Lemos Ferreira, subiu o tom das criticas, “SUGERINDO” que, à semelhança do ocorrido na Índia doze anos antes, o Governo preparava-se para tentar encontrar um “bode expiatório”, algo que permitisse justificar o fim do Ultramar, uma maneira hábil de tentar ilibar os políticos e culpar os militares.

Os recém nomeados Ministros da Defesa e Exército, Silva Cunha e Andrade e Silva e o então CEMGFA, General Costa Gomes, engoliram o “sapo” e nada fizeram.

E continuaram a nada fazer.

Algum tempo antes da missão a Kandiafara a FAP já havia bombardeado Kumbamori (no norte) e Kambera (no sudeste), enfraquecendo a logística de apoio do PAIGC nas zonas norte e sul.

O passo seguinte seria atacar e destruir Koundara, a base que apoiava o leste.

Foi feita uma missão de ensaio onde se verificou que o FIAT G-91 com o armamento apropriado e partindo de Bissalanca, apenas conseguia chegar a Buruntuma, devido ao seu pequeno raio de acção.

Ainda assim, a missão podia ser realizada, mas os aviões tinham de, no regresso, aterrar em Nova Lamego para reabastecer, nada de difícil, apenas mais demorado.

Inexplicavelmente … não fomos autorizados.  Ficava no ar a impressão que “alguém, algures” … queria perder a guerra.

Entretanto o nosso sobrevoo na zona de Buruntuma alertara as NT, nunca se saberá como os identificaram mas, … descobriram aviões MIG no ar.

Em dezembro de 1973 o General Bettencourt Rodrigues ordenou uma vasta operação no Cantanhez.

A comparação com Spínola estava a revelar-se difícil, no seu currículo já tinha uma má nota, responsável pela “comemoração da independência”, ainda que a mesma se tivesse efectuado fora da Guiné.  Necessitava urgentemente de marcar pontos.

Em termos de estratégia, a sua decisão desde logo deixava algumas dúvidas sobre a razão e oportunidade, outrora o Cantanhez fora um santuário do PAIGC mas tudo isso se diluíra devido a três factores: (i) a construção dos aquartelamentos das NT na margem esquerda do rio Cumbijã; (ii) o ataque e destruição de Kandiafara;  e (iii) os posteriores bombardeamentos na área, só terminados quando, depois de termos atacado a tabanca nossa/deles de Santa Clara, a população tinha entrado pelo aquartelamento de Cadique a pedir auxilio.

Tínhamos bombardeado a tabanca e de seguida fomos buscar os feridos, tivesse o Fernando Pessa sabido do acontecimento e logo diria … “E esta, heim?”.

Aos olhos de qualquer piloto habituado a sobrevoar a Guiné era evidente que os apoiantes do PAIGC e habituais no Cantanhêz, há muito se tinham apresentado aos nossos aquartelamentos ou … atravessado o rio Cacine, direcção Guiné-Conacri.

Para a FAP e face à não destruição de Koundara, o novo ponto crítico da Guiné estava há muito definido, o leste, onde a protecção das NT continuava a ser descurada.

Em 1 de janeiro de 1974 e com a missão no Cantanhez ainda a terminar, foi o momento do PAIGC iniciar os ataques a Canquelifá, Bajocunda e Copá, com o apoio logístico da entretanto poupada Koundara e a estratégia já anteriormente usada em Gadamael, o chamado “tiro ao alvo”, desta vez utilizando foguetões de 122 mm.


10. O fim

Quando em janeiro de 1974 o PAIGC se retraiu no sul e norte para poder iniciar os ataques ao leste, os “estrategas” do QG/CTIG já não estavam minimamente interessados em estudar e discutir as tácticas e os planos da guerra, mas sim em como se livrarem dela.

Desde logo identificavam como culpados Marcelo Caetano, o seu Governo e os 50 aviadores de Bissalanca que, segundo as más línguas, em vez de apoiarem as NT, “já nem voavam”, ainda que, misteriosamente, continuassem a largar ferro por tudo o que era sitio e a serem abatidos por Strelas (31 de janeiro de 1974, FIAT G-91 5437).

A 8 de fevereiro de 1974 foi a vez das NT abandonarem Copá.

Os passos seguintes foi lerem o livro de Spínola “Portugal e o Futuro”, prepararem a “estratégia revolucionária para aplicar no 26Abril” e … aguardar.

Quando George Orwell escreveu …“A maneira mais rápida de acabar com uma guerra é perdê-la”... não adivinhava ter conseguido tantos admiradores em Lisboa e … arredores.

Dedicado ao meu mui mui grande Comandante Moura Pinto e aos meus amigos Pedroso de Almeida, Bessa e Gil, todos eles já a voarem por outros céus.

AMM
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