sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19137: Notas de leitura (1114): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (57) (Mário Beja Santos)

Fachada principal do Cineteatro de Bolama

Fotografia de Francisco Nogueira, inserida no livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Março de 2018:

Queridos amigos,
A extensão deste texto decorre da substância que encerra uma resposta do gerente de Bissau para a Administração do BNU em Lisboa quanto à possibilidade de entendimento com um conjunto de grandes exportadores guineenses. Nada conheço da epistolografia que deixe tão claro, à época a que se reporta o documento, a natureza de uma concorrência quase demencial para garantir a compra e exportação da mancarra, é uma denúncia do que no mercado, como noutras facetas da vida, se chama o atropelamento sem regras. Era assim o negócio da mancarra, a guerra sem quartel em que as casas exportadoras pretendiam cilindrar a Filial do BNU, e a CUF não era inocente.
Outro tema, que se tornará recorrente, versava a criação de uma Dependência do BNU em Bafatá, à data de independência o BNU envidava esforços para ter uma nova sede em Bissau e criar uma Dependência em Bafatá, mas não aconteceu.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (57)

Beja Santos

No impressionante acervo avulso referente à correspondência trocada entre a Filial de Bissau e a sede do BNU há documentos de irrecusável leitura, uns são apontamentos do quotidiano, outros são narrativas bem detalhadas de negócios guineenses, a historiografia, estamos seguros, irá agradecer estes papéis que revelam dados económico-financeiros, usos e costumes, evolução de mentalidades.
Alguns exemplos.

Em 29 de janeiro de 1948, o gerente Virgolino Pimenta escreve para o Conselho Administrativo:
“Na Filial de Bissau há uma geleira do tipo antigo que tem muitos anos de serviço e não satisfaz, mesmo usando-se nela gelo.
Além disso, tem frestas por onde entram baratas que, diariamente, inutilizam os alimentos guardados e terá que ser posta fora de uso.
À semelhança do que tem sido utilizado para outras Dependências, pedia a V. Exªs. o favor de ser autorizada a compra de uma geleira, tipo médio, funcionando a petróleo”. E nada como reproduzir o Frigidaire Refrigerator Model DI-7. Alguém na Administração escreveu, a lápis e com muita elegância: “A verba aprovada para a aquisição de móveis e utensílios no exercício de 1948 é de Esc.
20.000. Ainda não foi gasta qualquer importância”.


Retomemos os móveis e utensílios. A empresa Meiolândia, com escritórios na Rua do Telhal e com exposição na Av. Duque d’Ávila, 30, tudo em Lisboa, envia em 2 de janeiro de 1950 uma carta com proposta para o fornecimento de mobílias, tudo destinado a Bissau: uma mobília de casa de jantar, em castanho, tipo holandês, toda maciça, composta de dois móveis, uma cristaleira, uma mesa, dez cadeiras e dois fauteuils, observando que é igual à que se forneceu anteriormente para a Filial da Praia, leva o mesmo esmerado acabamento; uma mobília de casa de jantar, tipo moderno, em mogno brasileiro, toda maciça, polida, composta de dois móveis, uma cristaleira, uma mesa, seis cadeiras e dois fauteuils; um outro conjunto de mobília semelhante ao anterior, em vez de onze peças este tem doze.
E faz-se a seguinte observação:
“Apesar das mobílias em mogno brasileiro serem de boa construção, aconselhamos a do tipo holandês por ser de um tipo de fabricação mais forte e por conseguinte de maior duração”.

Em 1952 surge a primeira referência ao anseio de haver uma delegação do BNU em Bafatá. É o que podemos inferir de um documento dirigido ao gerente do BNU em Bissau proveniente da Junta Local de Bafatá, estamos em 16 de junho:
“I – A Vila de Bafatá, depois de a cidade de Bissau, é um dos centros da Província com maior movimento comercial, computando-se em muitos milhares de contos o valor de mercadorias importadas pela Alfândega e encomendas postais para sortimento dos estabelecimentos comerciais das áreas de Bafatá e Gabu.
II – Daí o grande movimento de letras que obriga os comerciantes interessados a deslocarem-se grandes distâncias para ir a Bissau satisfazer os seus compromissos com o BNU, com prejuízos resultantes da sua demora nessa cidade, havendo comerciantes que chegam até a fechar os seus estabelecimentos durante esta ausência.
III – Pelas razões acima apontadas, na sessão ordinária desta Junta Local, reunida no dia 7 do corrente mês, se deliberou oficiar a V. Exª. pedindo os bons ofícios no sentido de ser estabelecido em Bafatá um correspondente desse Banco.
IV – Esta medida, uma vez tomada, representará um grande melhoramento na vida económica de Bafatá – vila hoje mais do que nunca em franco progresso – e resolverá as justas aspirações dos comerciantes desta área e da do Gabu.”

Resta esclarecer que à volta de 25 de abril tudo se encaminhava para construir uma dependência do BNU em Bafatá.

Terá havido exposições de algumas das principais firmas guineenses para a sede do BNU que mereceu do gerente da Filial uma peça de indiscutível interesse, com data de 18 de janeiro de 1952, conforme se pode ler:
“Quanto à sugestão feita pelos epigrafados de procurarmos um entendimento com as grandes firmas exportadoras desta Província de modo a fazerem uma boa parte das suas operações através do nosso Banco, é providência que só V. Ex.ª poderia tomar, pois todas elas têm aí as sedes ou as suas administrações ou donos, mas estamos de antemão convencidos de que se isso se diligenciasse, todas essas casas procurariam pôr-se à margem tão airosamente como aquela (refere-se a Barbosas & Ct.ª) o fez, porque todas elas têm mais ou menos essas íntimas ligações com bancos da Metrópole, pois António Silva Gouveia, Lda. trabalha com o Banco José Henriques Totta, Lda., Ed. Guedes, Lda., com o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa e a Nosoco com o último também, restando apenas a Sociedade Comercial Ultramarina que opera connosco, porque é nossa, mas também nenhuma intervenção tendo nós na sua importação, pois tudo aí é pago com a parte livre das suas exportações.
Nem acreditamos que estejam essas casas dispostas a isso e o que talvez pretendem é tirar-nos mais do que já têm tirado com a ilegal concorrência que nos têm feito na transferência de fundos para a Metrópole, como largamente o poderíamos demonstrar se nos fosse dado examinarmos as suas escritas.
Cremos mesmo que seja esse o seu único objectivo, porque há três anos que eles certamente vêm sentido a nossa acção, pois não deixariam de anotar desde que nenhuma transferência nestes três anos a Filial recusou e que consequentemente eles deixaram de fazer, mas é que, ao contrário do que supõe, não é desse financiamento que temos feito ao pequeno comércio exportador que nos têm advindo as coberturas que nos permitem dar todas essas transferências para que ninguém tenha de recorrer aos nossos concorrentes.

Se assim não é, como se explica então nunca terem feito tal sugestão anteriormente, se é certo nos anos 1947 a 1949 o financiamento feito a esses pequenos exportadores foi muito maior que de 1950 a 1952, pois só Aly Souleiman & Cª. levantava 4.000 contos anualmente?
É que até 1949 as coberturas estavam sempre a escassear e eles todos eram mais Bancos do que nós pois davam todo o dinheiro necessário e desnecessário para as campanhas dos produtos, faziam todas as transferências, gratuitamente ou não, conforme as necessidades de ocasião, etc.
A ganância impede-os de ver bem, pois se se limitassem a compulsar exportação, logo verificariam também que verdadeiramente desses pequenos comerciantes só um se pode classificar de exportador, que é Aly Souleiman & Cª, pois Mário Lima e A. V. d’Oliveira e Cª. têm vendido a sua mancarra à União Fabril ou à Casa Gouveia, que é a mesma coisa, e MAmud Elawar & Cª. Lda vende-a à Sociedade Comercial Ultramarina.
E que mancarra pôde Aly Souleiman & Cª. comprar com os 2.500 contos com que os financiámos no corrente ano?
Apenas 1000 toneladas, que nem chegam a 3% das 34.000 que os cinco grandes exportadores compraram e já exportaram!
E no ano anterior, como V. Exª. sabe, o financiamento a Aly Souleiman & Cª. foi apenas de 1.500 contos, que apesar do preço baixo de então para mais não chegou.

A concorrência séria de que se queixam, se existe, não lhes é feita por nós e sim pelos seus próprios clientes, os aqui chamados ‘intermediários’ e a que os Srs. Barbosas classificam agora de ‘agentes’, os tais a quem o grande comércio abona dinheiro para a compra da mancarra.
Concorrência, sim, estão os Srs. Barbosas agora a fazer aos seus colegas grandes exportadores como aos pequenos comerciantes, com os postos de compra que estão a abrir por toda a Província, não para terem agentes de compras como dizem, mas sim para comprarem directamente ao indígena, pagando a estes preços que vão até aos fixados para os intermediários.
Nós temos procurado neutralizar, em tudo ao nosso alcance, a concorrência que esses grandes comerciantes fazem ao nosso Banco, mas com o financiamento de Aly Souleiman & Cª. só temos tido em vista a cobrança do nosso avultado crédito.
Ora, como V.Ex.ª vê, para se chegar ao entendimento de que os Srs. Barbosas & Ctª. se fizeram porta-voz, ter-se-ia também de ponderar a situação que nos adviria se aqueles clientes, deixando de ser financiados, não nos pudessem pagar a dívida e sem considerar que ganhamos algumas centenas de contos, anualmente, com eles.
E os Srs. Barbosas, como todos os outros grandes exportadores, sabem disso perfeitamente, mas fingem não compreendê-lo e querem talvez, se a um entendimento se chegasse, cumpri-lo como o têm feito com os seus colegas no chamado ‘acordo da mancarra’, em que todos os anos se acusam mutuamente e não obstante por vezes ser possível obter a prova das infracções cometidas, foge-se a isso porque convém que o acordo se mantenha…

Para que melhor se possa compreender a mentalidade e moralidade destes senhores grandes exportadores, permita-me V. Ex.ª relembrar o que o nosso antecessor, que tendo aqui vivido cerca de doze anos, os pôde conhecer bem, pensava e dizia a respeito deles a páginas 1 e 2 da sua informação de 4 de abril de 1949 para a Repartição de Estudos Económicos:
‘A vida da colónia está circunscrita a dois círculos principais:
Tempo de ‘campanha’ cuja actividade maior vai de fins de Dezembro a fins de Abril. Em fins de Dezembro, perdoe V. Ex.ª a classificação, tudo perde a cabeça com o início da campanha da mancarra. Conhecem-se as cotações por que será paga e são essas as cotações que servem de base para a cotação local. Mas ninguém quer saber delas e todos os intermediários só querem que se lhes pague a mancarra por preços desproporcionados face aquela cotação-base.
E assim perturbam os mercados, não hesitando mesmo em perturbar o indígena que para as suas vendas aos grandes compradores, na esperança de ter o ‘Tercio gaudet’ nesta luta por maiores preços. Em face disto, que se pode julgar?
Julga-se que o intermediário tem capital próprio para fazer vingar a sua intenção de elevar preços, brincando, por assim dizer, com as grandes casas que o têm.
Mas não, salvo poucas excepções, o intermediário não tem capital.
Mal chega a ‘abertura da campanha’, vai às grandes casas e pede dinheiro emprestado para comprar a mancarra e dá, como garantia, regra geral, um ‘vale’.

Munido de dinheiro alheio, por vezes estabelecido ao lado ou em frente de quem lho emprestou, mas sempre agindo na área da acção deste, entra logo a fazer-lhe concorrência e a procurar elevar preços na compra directa ao indígena!
Não sei se, em qualquer outra parte do mundo, haverá maneira semelhante de negociar pois não há inteligência que compreenda que os que têm capital o dêem aos que o não têm para estes lhes fazerem temida concorrência e estragar preços e negócios!
Tem sido assim.
No ano de 1948 e no corrente, já houve uma certa reacção dos capitalistas mas ainda não é suficiente para terminar tão extraordinário estado de coisas. Mas não é ainda a suficiente e a razão de não o ser está em que cada um deles ainda não viu inteligentemente que estará na união leal e honesta de todos a inutilização do velho e mau sistema do qual se lhe tem resultado e resultam prejuízos de ordem vária.
Tem sido a Sociedade Comercial Ultramarina o maior campeão para a moralização de hábitos de bem comerciar. Algo se tem conseguido, a Sociedade põe nos acordos feitos lealdade e honestidade, não se sabe bem se os outros assim actuam.
Está-lhes na massa do sangue furar todos os acordos."

O sucessor de Virgolino Pimenta termina o seu documento dizendo:
“V. Ex.ª resolverá como o seu superior quiser e entender, mas em nossa opinião não há que fazer entendimentos com essa gente, antes nos devemos manter firmes até que, já que se sentem prejudicados, se vejam forçados a vir pedir esse entendimento mas em bases leais e seguras e sem que pretendam com os seus manejos obstar-nos à realização de operações legais, que estão dentro da nossa esfera de acção e são necessárias à defesa dos nossos legítimos interesses.
Aqui, os nossos concorrentes são muito poderosos mas também vamos vencendo porque a razão continua a nosso lado e a atestá-lo também a curva ascendente dos nossos resultados.
Felizmente que também temos um grande aliado que é a lei que obriga à entrega ao Estado de 50% das suas cambiais da exportação, porque se não fora isso não sabemos a que proporções a concorrência desses senhores grandes exportadores não nos teria já reduzido!”

(Continua)

Imagem extraída do livro “Uma Apoteose – duas visitas – uma despedida”, 1953.
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Notas do editor

Poste anterior de 19 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19117: Notas de leitura (1112): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (56) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 22 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19126: Notas de leitura (1113): Quem mandou matar Amílcar Cabral, reportagem publicada no Expresso em 16 de Janeiro de 1993 (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19136: Agenda cultural (654): Colóquio internacional "Da Grande Guerra à Pandemia do Século: 1918 - o ano de todas as (des)ilusões". Data e local: 7 de novembro de 2018, Casa da Escrita, Coimbra. Organização: CEIS20/UC (Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX / Universidade de Coimbra)





1. Convite que nos chega,  com data de hoje, por mão de Sérgio Neto, historiador, CEIS20/UC (Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX / Universidade de Coimbra):


Caro Luís Graça,

Espero que esteja tudo bem. Vinha por este meio convidá-lo a estar presente no Colóquio "Da Grande Guerra à Pandemia do Século: O Ano de 1918", sobre o impacto deste ano que marca o fim da Primeira Guerra Mundial e da Gripe Pneumónica. Terá lugar na Casa da Escrita, em Coimbra, no dia 7 de Novembro, a partir das 9.30.

O colóquio faz parte de uma série de iniciativas que visam assinalar os vinte anos do CEIS20.

Envio o convite e o programa. Pedia, se estiver de acordo, a publicitação no vosso blog.

Agradecendo
Com os melhores cumprimentos

S. Neto
Investigador Integrado | Integrated Member
Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) | Centre for 20th Century Interdisciplinary Studies (CEIS20)
Universidade de Coimbra | University of Coimbra
Rua Augusto Filipe Simões, n.º 33 | 3000-186 COIMBRA | PORTUGAL
Tel.: +351 239 708 870

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19135: Efemérides (293): Homenagem aos paraquedistas que completaram 50 anos de brevet (1968-2018): Tancos, 27 de setembro de 2018 (Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-alf mil pára, 1ª CCP/BCP 21, Angola, 1970/72)


Tancos, Regimento de Paraquedistas > Monumento aos mortos em combate > Inaugurado em 3 de julho de 1968... O conjunto arquitetónico é da autoria do arquiteto Aleixo Terra da Mota; a  escultura é de Domingos Soares Branco; e a pintura e a decoração são de Hernani de Oliveira.

Foto (e legenda): © Jaime Silva (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem, com data de ontem, de Jaime Bonifácio Marques da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, natural de (e residente em) Seixal, Lourinhã, preofessor de educação física, docente reformado do ensino superior politécnico, ex-alf mil pqdt, BCP 21, Angola, 1970/72 [, foto à esquerda]


Caro Luís
Vai aqui o texto de que te falei.
Vê se se adequa ao espírito do blogue.
Vai foto, se bem que poderás encontrar melhor na Net.
Abraço, Jaime.



Regimento de Paraquedistas, Tancos,- 27 de setembro de 2018


HOMENAGEM AOS PARAQUEDISTAS QUE COMPLETARAM 50 ANOS DE BREVET 1968 – 2018: Cursos 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, e o 8.º de Enfermeiras Paraquedistas.


No passado dia vinte sete de setembro o Regimento de Paraquedistas e a União Portuguesa de Paraquedistas homenagearam os paraquedistas que completaram 50 anos de Brevet (Cursos 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, e o 8.º de Enfermeiras Paraquedistas).

Esta cerimónia realiza-se anualmente desde que o 1.º Curso (1955) comemorou os seus 50 anos (2005).

Este ano tive o privilégio de estar presente a convite do meu camarada e amigo Joaquim Maria Inácio. Fizemos parte do 3.º Pelotão da 1ª CCP do BCP 21 em Angola e durante os dois anos de comissão cimentámos a nossa amizade nas dificuldades que fomos ultrapassando nas operações de combate realizadas no Norte e Leste de Angola.

HOMENAGEM AOS PARAQUEDISTAS MORTOS DO 46.º e 47.º CURSO

O programa do encontro incluiu uma cerimónia de grande significado cívico e de recolhimento junto ao monumento erguido no Regimento em memória dos Paraquedistas mortos durante a Guerra do Ultramar pertencentes ao 46.º e 47.º Curso de paraquedistas: A “chamada dos mortos” em combate, respondendo os participantes na cerimónia – PRESENTE – sempre que cada um dos nomes era “chamado”.

Relação dos paraquedistas que tombaram na guerra
i) Curso n.º 46:

BCP 31: 

Alf. Mili. Pára Luís Filipe Corte Real – 19.12.19 (CBT)

Sol/Pára Engrácio de Jesus Meio Tostão rato – 21.2.1970 (ACV)

BCP 21:

Sol/Pára Ernesto Rocha Casaca – 20.2.1971 (CBT)

Sol/Pára Joaquim Ferreira Fonseca – 17.6.1970 (CBT)

Sol/Pára Vitalino da Silva Gomes – 16.6.1970 (CBT)

Sol/Pára António da Silva Ramos – 25.6.1970 (CBT)

ii) Curso n.º 47:

BCP 12

1.º Cab/Pára Gabriel Parreiras Campilho- 26.3.1970 (CBT)

Foi um momento de grande emoção para todos os presentes que têm bem viva na memória os amigos que tombaram a seu lado.

O primeiro nome a ser “chamado” foi o do Soldado Paraquedista António da Silva Ramos do 46.º Curso e que tombou em combate a 25.6.1970. Pertencia ao meu Pelotão – 3.º Pelotão da 1ª  CCP do BCP 21.

O Ramos foi abatido numa operação que decorreu nos Montes Mil e Vinte, na região do Onzo, no Norte de Angola. Recordo-me dessa operação como se fosse hoje: Dois aviões da FAP (Fiat G91) lançaram quatro bombas de Napalm sobre o acampamento IN, ao mesmo tempo que o helicóptero SA 330 se aproximava do objetivo e largava o meu grupo de combate nas imediações do mesmo.

O Pelotão atuou de acordo com Ordem de Operações que tinha recebido: assaltar, destruir, capturar. Enfim, o trivial para as circunstâncias. Percorremos parte do acampamento (um dos maiores que já tinha visto) e decorrido pouco tempo, o grupo foi atacado, resultando daí a morte do Ramos (o único morto do pelotão em toda a comissão).

Depois da evacuação do corpo do Ramos pelo Helicóptero (Aluette 3), percorremos a zona, montámos nova emboscada e pernoitámos no local. No dia seguinte, quando nos preparávamos para abandonar a mata a fim de preparar o local para o Heli nos recolher, fomos fortemente atacados pelos guerrilheiros que nos tinham emboscado. Foi um dos momentos mais delicados que o 3.º pelotão teve para resolver durante a comissão, no confronto com os guerrilheiros.

Sem qualquer réstia de tiques de heroísmos injustificáveis hoje, como sempre, estou seguro que nesse momento veio ao de cima toda a mentalização psicológica e o resultado do treino duro a que os paraquedistas foram sujeitos durante a instrução. Lembro-me do comportamento de dois homens nesse momento: Um, homem com “H” grande,  e outro (e não era soldado) com “h” bem pequeno. O primeiro foi o Cruz, o HOMEM da HK 21 (o outro!).

Enfim, memórias vivas que só a morte se encarregará de levar!

Ainda hoje me interrogo, como responsável por aquele grupo de jovens como eu, o que poderia ter feito para que o Ramos não tombasse e o Santos não pisasse a mina que lhe levou a perna!


MONUMENTO AOS MORTOS EM COMBATE
REGIMENTO DE PARAQUEDISTAS EM TANCOS


Não posso deixar de registar o quanto significa para nós Paraquedistas, aquele Monumento. Vi-o, pela primeira vez, em julho de 1969 quando entrei no RCP para fazer provas de acesso ao curso de paraquedismo, vindo da EPI [, em Mafra,] e reparei que todos os militares, quando passavam na sua frente, faziam a continência. Foi- me explicado o seu significado e simbologia pelo Diretor do meu Curso o, então, capitão António Ramos.

No entanto, a apreensão do seu verdadeiro significado só foi interiorizado quando regressei a Tancos após ter cumprido a minha comissão de serviço. Nessa altura, sim: quando olhei para aquele monumento senti que podia ser eu, também, um dos que tombaram. Só a vivência da guerra e a morte dos camaradas ao nosso lado no mato, nos fazem fazer compreender verdadeiramente a essência do seu significado.

Aquele monumento, ao evocar a memória daqueles que tombaram, honra os Paraquedistas e lembra a todos os que por ali passarem, o sacrifício de uma juventude que deu o melhor de si mesmo à sua Pátria - a sua vida. E não foram, assim, tão poucos os que tombaram em cada um dos três teatros de operações onde combatemos:

Durante a Guerra do Ultramar morreram 210 Paraquedistas.  Guiné – 67. Angola 65. Moçambique - 78.

O Monumento aos Mortos em Combate foi inaugurado em 3 de julho de 1968 com a presença do Presidente da República Almirante Américo Tomás. À data, o Comandante do RCP era o Coronel Paraquedista Mário Monteiro Robalo que, a determinada altura do seu discurso, disse:

“(...) Ficaram mais pobres as suas famílias, com a sua morte.
Ficou mais rica a terra portuguesa, com o seu sangue.
Mas ficou-nos, sobretudo, a todos o exemplo da grandeza do seu sacrifício.
Sacrifício que não podemos permitir que se venha a tornar inútil, que não poderá ser, jamais, traído!

(…)Há que fazer opções sobre a aplicação mais rentável de, pelo menos, uma parte da nossa juventude.” (in: “BOINA VERDE” – Setembro de 1968)



Até parecia que o Comandante adivinhada o desfecho da inutilidade daquela guerra!

Como nota final: O conjunto arquitetónico foi da autoria do Arquiteto Aleixo Terra da Mota. A escultura de Domingos Soares Branco. A pintura e decoração de Hernani de Oliveira.

Na base do monumento a inscrição: “AQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE”

Jaime Bonifácio Marques da silva

(Ex- Alf. Paraquedista - 1ª CCP / BCP 21, Angola, 1970/72)

Guiné 61/74 - P19134: Historiografia da presença portuguesa em África (134): Relatório referente ao uso e costumes dos indígenas da Região de Farim (Mário Beja Santos)

Farim
Imagem extraída do site Trip Suggest, com a devida vénia


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
A governação de Vellez Caroço está relativamente bem documentada, desde a atividade de operações militares, às ideias de desenvolvimento e fomento, mandou abrir estradas, criar bairros, escolas, etc.

Armando Tavares da Silva refere no seu livro, a páginas 795, que a área da justiça mereceu a atenção do governador, dizendo “Para proporcionar a sua regular aplicação no meio indígena, são criados, nas sedes de circunscrição, Tribunais Indígenas, presididos pelo respetivo administrador, assistido por dois assessores indígenas com voto consultivo” e em nota de rodapé refere que "a Junta Consultiva de Justiça Indígena funcionava em Bolama, composta pelos secretários dos negócios indígenas, pelos dois inspetores de Circunscrição Civil e pelo Delegado do Procurador da República na Comarca da capital.”.

Assim sendo, ganha claridade este relatório do administrador da circunscrição de Farim quanto aos intentos e argumentos utilizados nas respostas.

Um abraço do
Mário


Relatório referente ao uso e costumes dos indígenas da região de Farim

Beja Santos

Este relatório é assinado por Caetano Barbosa, Administrador da Circunscrição Civil de Farim e tem a data de 20 de dezembro de 1924. Está nos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa. Diz responder à Circular n.º 6 desse ano, procurei no Boletim Oficial, nada encontrei, seguramente, e tendo em consideração o teor da resposta, Bolama insistia em saber as formas de aplicação da justiça e para isso solicitava ao Administrador elementos sobre organização familiar, poder paternal, entre outros elementos, centrando-se nas práticas da justiça.

Começa por dizer que a população de Farim é constituída pelas raças Fula, Mandinga e Balanta, havendo ainda um pequeno número de Brames e Futa-Fulas, imigrantes. Os homens são polígamos. O casamento consiste em um ajuste ou contrato entre o grande (pai, tio ou outro membro da família, reconhecido como venerável) da mulher e o grande do homem. O Mandinga contrata o casamento da sua filha ainda criança de peito, e quando o faz já em idade casadoira ela não é consultada. O nubente tem que trabalhar e dar pequenos presentes até que a rapariga tenha idade, e só então dá o verdadeiro presente de casamento para receber a sua mulher, que muitas vezes leva filhos. O tio, irmão do pai da nubente, tem sempre conhecimento do ajuste, é ele que trata do casamento.

O Fula e o Futa-Fula imitam hoje o Mandinga, o contrato de casamento é muito semelhante ao do Mandinga. Os Balantas e Brames nunca impõem às filhas determinado marido, podendo contudo dar indicações, mas elas podem recusar.

Falando do poder paternal, direitos sobre filhos legítimos ou legitimados, no caso dos Mandingas e Fulas, o relator observa que só o pai tem direito sobre os filhos, a mãe não tem direito mesmo pela morte do seu marido. São legitimados os filhos de mãe solteira cuja mãe venha a casar com o pai dos seus filhos ou com outro qualquer e os filhos de pais que não tenham até então pago os presentes mas que sejam os seus grandes a fazê-lo.

Filhos ilegítimos são aqueles de mãe solteira ou de pais casados e de viúva que a família não tenha recebido os presentes.

Entre o Balanta e o Brame, as mulheres solteiras que tenham filhos deixam-nos em casa dos pais delas quando vão casar e o marido nunca terá direitos sobre estes filhos anteriores.

Abordando a questão da propriedade, o Administrador afirma não haver verdadeiro regime de propriedade entre os Mandingas, mas nas povoações onde vivem é-lhes reconhecido, sobre os lugares de lavor, direitos que passam para os herdeiros. Perdem esses direitos quando se mudam para outra povoação. Consideram as mulheres e os filhos como propriedade.

Todo este vasto introito precede a análise da justiça nativa e uma possível adequação do Código Penal então em vigor. Diz o relator que quase todos os delitos entre indígenas eram castigados pelos régulos, chefes e grandes, e por meio de pesadas multas ou confiscação dos bens. De acordo com as observações do Administrador, as penalidades dos factos criminosos revertiam para o bolso dos régulos e dos gerentes, era frequente o confisco dos bens. Diz mesmo que o indígena prefere pagar grandes multas que ir para a prisão, aceita fazer trabalho e não pagar nada. E escreve:  

“O código que se pretende fazer é de uma necessidade única para a boa administração da justiça, uniformizando as resoluções das questões indígenas em todas as circunscrições. Vou enumerando pelos artigos do nosso Código Penal os delitos devido ao seu grau de civilização e indicando a pena que se deve ser aplicada. Nem todos os crimes que entre nós correspondam a pena maior podem ser classificados assim para com os indígenas. A todos os crimes não enumerados a seguir, devem ser aplicadas as penas do nosso código penal”.

E fala nos casos de prisão correcional que se pode saldar não em prisão propriamente dita mas em trabalho para o Governo. É um documento que concita uma enorme curiosidade pois vai referindo sucessivos artigos e parágrafos do Código Penal exemplificando situações de pena de prisão para grandes ou chefes de morança que prendam ou mandem prender sem ter poderes para o fazer, régulos que tenham retido alguém preso empregando violência ou ameaças, as autoridades indígenas que tenham cometido suborno e corrupção, os particulares que tenham sujeito a cativeiro algum homem livre, espraia-se por três longas e espessas páginas e termina dizendo que “para resolução de questões entre indígenas deve haver um tribunal composto de três membros que serão escolhidos entre os grandes de cada raça, isto é, para uma questão entre maometanos serão nomeados os membros da mesma seita, e assim com as outras raças. As audiências devem ser quinzenais e com assistência do administrador. As nomeações ou escolha de membros pode ser feita por cada questão, para evitar corrupções. Julgada uma causa, se no fim de trinta dias não for contestada, é considerada definitiva. Para questões contestadas deverá haver um tribunal composto de régulos ou chefes. As questões serão registadas em livro próprio. Os crimes devem ser julgados sumariamente pelo Administrador, havendo apenas um livro para registo. A questão mais difícil será quanto aos grumetes ou indígenas que se dizem civilizados e que querem ser tratados hoje como civilizados, mas para isso creio que há só uma forma de os qualificar que é considerar a todos que não sabem ler nem escrever a nossa língua como indígenas. É tudo quanto me oferece informar sobre o assunto”.

Documento curioso, devia merecer a atenção de um historiador, tratar-se-á possivelmente do propósito de um governador em querer ouvir os seus administradores para que fossem adotados critérios de aplicação de justiça, à luz do código penal existente.


Comércio de Farim
Imagem extraída do site Trip Suggest, com a devida vénia 
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19067: Historiografia da presença portuguesa em África (132): Um administrador de Fulacunda reticente às ordens do Governador Carvalho Viegas, 1935 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19133: FAP (112): Há aviões... e aviões, há o Cessna 152 e o Dornier, DO 27 (E. Esteves de Oliveira)


Foto nº 1 > Cessna 152


Foto nº 2 > Dornier [DO] 27

Fotos (e legendas): © E. Esteves de Oliveira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de E. Esteves de Oliveira, nosso camarada e leitor:

Data: domingo, 9/09/2018 à(s) 21:14

Assunto: HÁ AVIÕES... E AVIÕES

Camarigueiro Luís Graça,

Um alfa-bravo para começar.

Para continuar: nem de propósito, esta tarde estive com os meus netos na BA 1, Granja do Marquês, e, chegado a casa, abri o blog da Tabanca Grande - agradável surpresa! O álbum de fotografias do Virgílio Teixeira: Guiné e aviões, que bela combinação. (*)

Mas o bichinho crítico que vive escondido algures no meu bestunto disparou o alarme na foto nº 8: a avioneta na pista de Nova Lamego não é um Dornier 27, é um Cessna 152.


Foto nº 8 > Nova Lamego, novembro de 1967 > Avioneta civil, dos TAGP, uma Dornier, de 2 passageiros, aterrando em Nova Lamego. (Estas aeronaves faziam voos privados, normalmente para levar ou trazer passageiros, que se deslocam de, ou para, Bissau. A população civil está presente.) (*)

Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

As diferenças são várias, para lá dos fabricantes e modelos: em cima, na foto nº1 , Cessna, e na foto nº 2,  o Dornier.

Ambos são mono-motores de asa alta e ficamos por aí de parecenças. O Cessna 152 tem dois lugares (piloto e passageiro), trem de aterragem triciclo; o Dornier 27, bem maior e robusto, pode transportar seis passageiros (incluindo o piloto) e tem trem de aterragem convencional. (**)

A memória, por vezes, prega-nos partidas, sobretudo com o avançar da idade. A velhice é uma chatice, não a recomendo a ninguém... (***)

E. Esteves de Oliveira

Ex-oficial miliciano de Infantaria, Guiné 1963-65, Angola 1965-66, Moçambique 1966.

P.S. - Os meus textos são redigidos em profundo desacordo e intencional desrespeito pelo Aborto Ortopédico - perdão! - Acordo Ortográfico.

Visitem o meu blog http://asopadospobres.aboutlisboa.com/ s.f.f. É de borla, não tem anúncios nem muitos links, ainda funciona a vapor... 


2. Comentário do editor LG:

Obrigado, caro camarada e leitor Esteves de Oliveira. Vamos corrigir, se o Virgílio oTeixeira concordar, também me parecia que era um Cessna. No meu tempo (1969/71), acho que os TAGP não tinham Dornier, apenas Cessna. A DO 27 era-nos mais familiar,. trazia-nos o correio e víveres, fazia evacuações, além de servir de PCV (Posto de Comando Volante) (o que era "irritante" para os "infantes", quando no mato, em operações...).

Vejo que o camarada Esteves de Oliveira acompanha com maior ou menor regularidade o nosso blogue e já tem feito mais comentários. È uma pena não estar "formalmente" integrado na nossa Tabanca Grande, o mesmo é dizer, poder estar sentado à sombra do nosso mágico e fraterno poilão... Para mais conheceu a Guiné nos anos de chumbo (1963/65), além dos TO de Angola e Moçambique... O convite fica feito: só precisamos das 2 fotos da praxe... Até um dia destes!


3. Resposta do Virgílio Teixeira, com data de... 18 de setembro último (*):

(...) O camarada E.Esteves de Oliveira, disse:

'agradável surpresa! O álbum de fotografias do Virgílio Teixeira: Guiné e aviões, que bela combinação.'
Obrigado, espero que gostem, embora nalgumas eu estou muito ridículo, mas é do clima.

Já percebi que não é uma DO 27, mas sim um Cessna. Se é 152 isso não é da minha lavra.
Viajei pelo menos 4 vezes neste, ou noutro Cessna dos TAGP, como único passageiro.

A última e derradeira, em finais de Fevereiro de 1969, tenho uma história para contar de arrepiar os cabelos - os meus - que vou um dia fazer um Tema, que, não tendo fotos, pode servir mesmo esta deste Cessna, pois era igual. Tenho o Bilhete para Postar, lembrei-me agora. Talvez para Postar no dia em que faz 50 anos, falta pouco.

Resumo: Tinha um novo Comandante de Batalhão, mau, ele assinou a Guia de Marcha para eu ir de férias, comprei o bilhete, o Cessna chega com o piloto civil, eu quando ouvi o ruido do motor, toca a correr para a pista, ele descarrega o correio e outras coisas, talvez tenha deixado algum passageiro, vejo um jipe em grande velocidade na minha direcção, a poeira que ele deixava atrás, e parou junto ao Cessna. O Piloto normalmente não desligava sequer o motor, o comandante, resumindo, não queria que eu fosse, apesar de ter assinado a Guia de Marcha. Os minutos que se passaram são daqueles filmes de suspense, ele quase me agarra para eu não entrar, tenho um pé dentro e outro fora, os minutos parecem uma eternidade, a poeirada das hélices nem deixavam ver, o Piloto dá o último aviso, se não entra vou descolar, dou um salto para dentro do avião e deixo o comandante e outros de boca aberta, chegamos a Bissau. Só quando o avião da TAP estava no ar, tive a certeza que já ninguém me apanhava, até lá, nem vos conto, os dias de pavor, à espera de receber uma ordem para me apresentar novamente em São Domingos, quando eu queria era ir para junto da minha namorada, lá cheguei a Lisboa, na manhã do dia do seu grande Terramoto.
Foi a última e derradeira viagem de SD para Bissau, depois nunca mais lá voltei. Voltarei um dia a estas pequenas aventuras, esta vale muito para mim, e por deixar aquele Lavrador - o Papaias - com um grande melão...

Quanto ao 'Desacordo Ortográfico', estamos quites.

Virgílio Teixeira

... E hoje voltou a confirmar, em email que nos acaba de mandar:

A Foto nº 8 é de um Cessna dos TAGP, bem como a Foto nº 23 e a Foto nº 26 (é duplicada de Foto nº 23). Neste Poste a única avioneta DO27 é a Foto nº 33 com o meu amigo Emanuel Lima Leite.
E está bem, eu andei nestes Cessna 2 a 3 vezes, com bilhete pago. As asas do DO27 são diferentes.
Como não sou especialista, e por cautela, já ressalvei no texto, qualquer erro ou omissão da minha parte.
Não vejo nenhum problema em corrigir, agora vejo melhor.
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(***) Último poste da série > 14 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18922: FAP (111): A Força Aérea Portuguesa e os incendios florestais (José Nico, TGen PilAv Ref / Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12)

Guiné 61/74 - P19132: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLVIII: Metralhadoras e lança-granadas


Foto nº  12 >  Metralhadora pesada, de modelo desconhecido [ Não será uma Metralhadora pesada Degtyarev DShK, de calibre 12.7, apreendida ao IN ?]


Foto nº 14 > Metralhadora pesada... [Não é uma Breda, é uma Browning] (**)


Foto nº 13 >  Metralhadora Browning 12.7


Foto nº 10 > Metralhadora pesada com suporte de pé, Browning 12.7; de perfil, o Virgílio Teixeira.


Foto nº 9 > Metralhadora ligeira M42, de fita.


Foto nº 15 >  Bazuca 8.9 e respetivas granadas; 


Foto nº 8  > Lança-roquetes (ou LGFog) 37 mm


Foto nº 19 > Armamento e munições apreendidas ao IN.

Guiné > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69 >  Metralhadoras e lança-granadas.

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 90 referências no nosso blogue.


Guiné 1967/69 - Álbum de Temas > T901 – AS NOSSAS ARMAS DE DEFESA > ARMAMENTO FIXO E MÓVEL > SÃO DOMINGOS E NOVA LAMEGO - Parte II (*)

Legendas:

F07  [Foto não publicada, por falta de qualidade] – Abrigo e ninho de uma metralhadora pesada. 

Não sei de que tipo se trata. A foto é fraca. Contudo por comparação com outras, parece-me ser uma Browning (**), um dos muitos modelos, tendo em vista o tripé em que assenta. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F08 – Lança Roquetes [37 mm]

Um militar está a fazer uma experiência no lançamento de um roquete. Pode ver-se um lança-roquetes ou lança-granadas foguete [LGFog, 3.7] na mão, bem como um roquete nas mãos de outro militar.  Estes exercícios eram feitos regularmente no cais fluvial do Rio São Domingos, disparando para o rio ou mato, para fazer experiências vom o  armamento.n Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F09 – Metralhadora ligeira pessoal MG 42

Parece-me que se trata de uma MG42, uma metralhadora  ligeira, pessoal, transportada por um homem, sendo o carregamento por fita, a qual era normalmente trazida a tiracolo em cruz. Arma de grande poder de fogo, são restos das armas da II Guerra Mundial, modificadas.
O atirador – trata-se do soldado condutor auto, Arsénio, já falecido, que era o impedido do nosso 1º comandante – está a fazer tiro de experiência no cais do Rio São Domingos. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F10 – Metralhadora pesada com suporte de pé, Browning 12.7

Acho tratar-se de uma Browning, de calibre 12.7, arma pesada fixa, no seu ninho, com abertura para fazer tiro em 180º. E encontrava-se num dos vários ninhos e abrigos de armas pesadas. A foto é apenas uma foto, do próprio autor. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F11 [Não publicada por falta de qualidade] – Ninho de metralhadoras de porte médio.

Trata-se de uma metralhadora de pé, com carregador de caixa [, não seria portanto uma Breda, que é de lâminas]. Não distingo o nome nem modelo da arma.

F12 – Arma pesada de balas tracejantes

É uma arma pesadíssima, sendo transportada por carrinho de rodas, e com carregador de rolo. As munições são invólucros grandes, não sei bem o calibre, na ponta tinha uma cor ou amarelo ou vermelho, e disparadas de noite, é para isso que se utilizam, pode-se seguir o rasto e efeitos da bala, espectáculo bonito, quando não mata.

Como não é uma lição de armas, fico-me por aqui, já li muita coisa na Net e tem a ver com aquilo que eu tinha na minha mão na Guiné. Curiosa a infantilidade, pois quando regressei, já tinha embalado duas balas daquelas, que ostentava estupidamente na sala com outras recordações da guerra. Depois com o nascer dos filhos, eles começam a mexer naquilo, então tive de me livrar delas, não sei ainda como o fiz, mas hoje gostava de as manter novamente, como um ‘escalpe de guerra’. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F13 – Ninho de metralhadora Browning M2 ou M3.

Arma pesada utilizada em ninhos ou abrigos, com um raio de 180º. Do outro lado de lá, para onde está apontada, é para a Republica do Senegal, ali a dois passos, onde se localizavam alguns ‘santuários de turras’, com a conivência de Senghor. Julgo tratar-se de uma arma idêntica à da foto F10, isto é uma Browning, o modelo não se sabe. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F14 – Abrigo e ninho de metralhadoras.

Julgo tratar-se de uma arma idêntica à da foto F10, isto é uma Browning, modelo não se sabe.
Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F15 – Abrigo e depósito da Bazuca 8.9 com as respetivas  munições (granadas)

Lança granadas foguete (LGFog),  mais conhecida como bazooka , ou bazuca, utilizada, na guerra clássica,  para ‘furar’ blindagens, através do seu poder de destruição. 

A bazuca que acompanhava sempre um Grupo de Combate numa operação rotineira, era levada ao ombro por um soldado, e as munições – a carga útil – são transportadas por outros soldados devido ao seu peso. Este foguete é colocado na parte traseira do Lança Granadas (, contrariamente ao  RPG2 e RPG7, do PAIGC, em que a granada pela carregado pela frente do tubo).  Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F19 – Armamento e munições apreendidas ao IN.

Trata-se de uma captura de diverso armamento do Inimigo, entre as quais, Bazucas, Lança Roquetes, Granadas de mão, caixas vazias, e possivelmente aparelhagem de transmissões e rádio. Foto captada em Nova Lamego durante o 4º. Trimestre do ano de 1967.


«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ 1933/ RI15,Tomar  (Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69)".


NOTA FINAL DO AUTOR:

As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir. Nada mais. 

Acabadas de legendar, hoje,

Em, 2018-10-05

Virgílio Teixeira
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(**) Vd. poste de 24 de agosto de 2010  > Guiné 63/74 – P6892: Armamento (4): Metralhadoras Pesadas (Luís Dias)

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19131: Efemérides (292): Há exactamente 50 anos que embarquei para a Guiné - 23.10.68-23.10.18 (Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG - STM/QG/CTIG)

1. Mensagem de hoje, 23 de Outubro de 2018, do nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), a propósito da data em que se perfazem 50 anos do seu embarque para a Guiné:

Há exactamente 50 anos que embarquei para a Guiné 
23.10.68 – 23.10.18

Tudo começou muito antes

A Inspecção Militar a que todos os mancebos eram sujeitos, era o princípio da vida militar e era feita na sede do concelho de residência dos referidos, no ano em que se faziam vinte anos. Eu, porque tinha nascido e morado sempre em Alcanena, foi na minha terra que fui inspeccionado juntamente com os outros quarenta e nove. Logo de manhã fomos para o Salão Nobre do edifício da Câmara Municipal, portas fechadas e janelas corridas, mandaram-nos despir e deram-nos um papel onde um soldado apontou o nosso peso e a nossa altura. Todos nus, com um papel na mão.

No Gabinete do Presidente da Câmara estavam os médicos militares que nos inspeccionavam, um a um, muito à pressa e lá nos davam a notícia que estávamos “apurados” para todo o serviço militar. É certo que um ficou “esperado”, porque era baixo e gordo e outros dois ficaram “livres” sem se saber porquê.

Quando nos íamos vestindo o tal soldado que nos tinha pesado e medido vendia-nos uma fita verde e vermelha, com um alfinete, para colocarmos na lapela do casaco, a dizer que estávamos apurados. Os que ficavam livres, tinham direito a uma fita branca.

Nesse dia, apesar de tudo foi dia de festa. Houve jantarada do grupo e depois baile até de madrugada. Era assim.

Depois foi só aguardar que os editais nos chamassem para a vida militar. A minha sorte mandou-me para a Escola Prática de Cavalaria em Santarém, no dia 10 de Outubro de 1967. Era uma segunda-feira e tudo era novo para aqueles trezentos e sessenta recrutas do Curso de Sargentos Milicianos. A maioria, onde eu estava incluído, só entrou depois do almoço e depois de ter sido dado mais um toque no cabelo, e lá entrámos. Logo de seguida fomos receber o fardamento, deram-nos um número – eu era o 2060/67 – indicaram-nos a caserna e o nosso número lá estava numa cama. Nada de enganar.

Aprendemos, assim-assim, a formar para o jantar. O refeitório era do outro lado da parada, no primeiro andar. E lá jantámos tendo-nos sido dito que às nove horas tínhamos uma palestra no mesmo refeitório para aprendermos o que era a tropa. Claro que ninguém faltou. Todos presentes para aprender onde estávamos metidos. O porta-voz foi o Comandante do meu Esquadrão, o Tenente Sentieiro que em palavras simples nos elucidou perfeitamente onde estávamos e o que o futuro nos reservava. Dessa palestra há passagens que ficaram na memória e que hoje aqui merecem ser recordadas. Por exemplo: “Essa coisa onde estão a deitar a cinza dos cigarros e as beatas, agora é um cinzeiro, mas amanhã de manhã é uma chávena de vista alegre para beberem o café com leite e à hora do almoço é um copo de cristal por onde vão beber o vinho ou a água”. Afinal aquilo era só um púcaro de alumínio… Outra dessa noite com alguma piada, mas sem graça nenhuma, foi quando o orador nos disse que só poderíamos sair para a rua quando soubéssemos todos os postos da hierarquia militar e bem assim os que mereciam ser cumprimentados militarmente – com continência – para evitar que fossemos bater pala ao porteiro do Hotel Abidis que tinha uma farda que parecia um marechal. E assim foi.

No outro dia foi o princípio. Aprendemos a marchar, aprendemos a rebolar nas barreiras, a saltar ao galho, a fazer a ponte interrompida, saltar a vala, rastejar, subir ao pórtico e lá fazermos alguma manobras, saltar das camionetas a não sei quantos à hora, devidamente enrolados, e sempre a marchar.

As barreiras, antes da recruta acabar, foram proibidas. Não por causa de alguns braços partidos e outros pequenos ferimentos, mas porque as fardas estavam a desfazer-se.

O tiro era treinado, de dia e de noite, na Carreira de Tiro fora do quartel com todo o tipo de arma desde a pistola até às várias metralhadoras pesadas.

As instruções nocturnas eram normalmente às terças e quintas-feiras e duravam até depois da uma da manhã, quando não era até mais tarde. Íamos para as Ómnias, lá para as margens do Tejo, para o Monte do Zé Morto, para o caminho de Rio Maior e na semana de campo fomos para lá da Chamusca, sempre a pé e com a carga toda às costas, incluindo a Mauser e o Capacete na cabeça. Nessa semana nem uma tenda pôde ser montada, apesar de irmos carregados com todos os apetrechos. Parece que o “inimigo” estaria ali por perto. Ordens são ordens. Esta semana de campo foi depois da tragédia das cheias, inundações e morte de centenas de pessoas na zona de Vila Franca, Alenquer, Loures e Odivelas. Só para nos centrarmos no tempo.

Depois de tudo isto, lá chegou o dia do Juramento de Bandeira e logo a seguir ficámos a saber que a maioria do pessoal, daqueles dois Esquadrões de Instrução, tinha chumbado e passado para o Contingente Geral. Dos trezentos e sessenta, foram só duzentos e um que chumbaram. E mais tarde, já na Guiné, é que vim a saber de fonte segura a razão de tanto chumbo. Foi o Comandante daquele Grupo de Esquadrões de Santarém, que também estava na Guiné e, infelizmente, lá morreu no acidente do helicóptero que caiu e onde iam também alguns Deputados da Assembleia Nacional que estavam de visita à Guiné que morreram também, que me disse que tinha havido um erro na classificação das pautas de tiro, que dependiam da Direcção da Arma de Infantaria a quem podiam pedir a revisão das mesmas. Mas como éramos de Cavalaria, ficou assim.

Não vale a pena continuar a falar, agora da especialidade, nem do resto do tempo até ao embarque. Mas passei pelo RTM no Porto onde tirei a especialidade, fui depois para o BT, na Graça, em Lisboa, a seguir para o QG em Tomar, depois de mobilizado voltei ao BT, e logo de seguida fui para o 15 em Tomar, que foi a minha Unidade Mobilizadora e na véspera do embarque fui passar a noite aquele hotel estrelado que era o Depósito Geral de Adidos.

É verdade. Parece que foi ontem e já lá vão CINQUENTA anos desde o dia do embarque para a Guiné, mas está tudo bem guardado na memória.

Depois de uma noite muito mal dormida nos Adidos, na Calçada da Ajuda, logo de manhã lá estava ataviado a preceito para embarcar para a guerra.

Dois dias antes, ainda no RI 15 em Tomar, a minha Unidade Mobilizadora, soube que ia para o BCaç 1911 que nunca vi e que parece que veio no barco onde fui, apanhei uma boleia com um senhor da minha terra que lá foi buscar o filho, para também embarcar para a guerra, salvo erro era para Angola. Lá fomos os três no Volkswagen 1300 do senhor, a caminho dos Adidos em Lisboa. Almoçámos, já não me lembro onde, e lá chegámos à capital do Império e aos Adidos.

Entrámos os dois pela porta de armas, cada um foi para o seu sítio, mas no dia seguinte deixei de o ver. Afinal ficou cá. Não chegou a embarcar. Tinha as suas mazelas certamente.

No dia do embarque, no dia 23 de Outubro de 1968, como disse, logo de manhã lá estava fardado como deve ser, de saco às costas com os meus pertences. Foi só esperar que as camionetas começassem a chegar para levar toda aquela malta de rendição individual para o cais de Alcântara. Éramos cerca de sessenta, tudo de cabeça baixa, sem saber para onde ia.·

Quando chegamos ao Cais, o grosso dos expedicionários já estava devidamente formado; era o Batalhão de Caçadores 2856, também do RI 15 de Tomar, constituído por quatro Companhias, mais um Pelotão de Polícia Militar que ia para Cabo Verde e ainda outras Unidade mais pequenas, género Pelotões de Canhão Sem Recuo, Pelotões de Apoio Directo, etc.·

Nós ficámos livres da formatura e, certamente por isso, fomos dos primeiros a embarcar. Ao cimo das escadas lá estavam as senhoras do MNF – Movimento Nacional Feminino a darem um maço de cigarros "Porto", um isqueiro e uns aerogramas a cada um. Também por lá se viam uns senhores de chapéu e de sobretudo, que alguns mais vividos diziam serem da PIDE.

O Uíge atracado à espera, com a tropa formada, depois de um General ter passado revista às forças ao som de uma Banda Militar, depois dos discursos da ordem, lá começaram a embarcar, sempre com a Banda a tocar marchas militares.

Os nossos familiares estavam do outro lado das barreiras e muitos nas varandas da Gare, com os lenços brancos nas mãos e as lágrimas nos olhos.

Os lenços brancos a acenar eram mais do que muitos. Da minha parte lá estavam os meus pais e os meus tios que moravam em Lisboa. Sabia mais ou menos onde eles estavam posicionados porque tínhamos combinado antecipadamente. A amurada do barco do lado do Cais estava repleta de militares o que provocava um relativo adornar do navio.

Entretanto, cerca do meio-dia, as máquinas do navio começam a fazer mais barulho e a silvar. Vêem-se já os rebocadores que o há-de ajudar a largar e a ganhar o rumo da Barra do Tejo. Foram momentos difíceis de descrever. Adivinhávamos facilmente que os familiares no Cais choravam. Alguns até gritavam e ouvia-se bem apesar da distância ser cada vez maior. Mas ouvia-se.

Navio Uíge em Bissau
Foto: Torcato Mendonça

A bordo também havia lágrimas em muitos olhos. O barco ganha rumo, a ponte "Salazar", era assim que se chamava a que hoje se chama "25 de Abril", começa a ficar cada vez mais perto, até que passámos por baixo dela. Dali até à Barra e depois ao mar alto parece que foi um momento.·

Mal ou bem lá fomos encaminhados para os nossos aposentos, para largarmos o nosso saco e para tomarmos conhecimento dos nossos beliches. A esmagadora maioria, onde eu estava incluído, viajou nos porões que noutras viagens transportavam tudo e mais alguma coisa. O cheiro era horroroso. As camas eram mesmo tipo beliche, mas em madeira de pinho, com colchões de palha e uma manta da tropa em cima. A estrutura das mesmas, porque em madeira, estava já cheia de dedicatórias de toda a ordem que se possa imaginar, fruto de outras viagens de idas e de regressos.

Já no mar alto fomos para a primeira refeição, o almoço, numa sala grande, a sala de jantar do barco, e a comida era aquela que nos quiseram dar, porque os orçamentos naquela altura já eram apertados, mas ninguém se queixou.

Depois foram cinco dias a ver-se só mar e céu, tudo azul, e de vez em quando uns peixes voadores a acompanhar o Uíge e por vezes até golfinhos como que a desejarem-nos boa viagem. Raras vezes avistámos outros barcos, mas sempre ao longe. Passámos relativamente perto das Canárias. Disseram-nos que, como aquilo era um Transporte de Tropas, estávamos a ser a ser acompanhados por um submarino. Já era a psicossocial a funcionar.

No convés havia uma espécie de um bar onde se vendia cerveja e Coca-Cola, sendo esta uma novidade autêntica uma vez que na Metrópole a mesma ainda era proibida. A cerveja era holandesa. Eram garrafas de meio litro, verdes, que nós nunca tínhamos visto. Claro que com estes estimulantes a viagem e o tempo parece que custavam muito menos a passar.

Nos porões, logo no primeiro dia, foram montadas bancas para a batota, neste caso a lerpa, e os profissionais dessa jogatina lá assentaram arraiais e foram depenando os mais desprevenidos, que era a esmagadora maioria.

E assim chegámos a Bissau no dia 28, ao final do dia, tendo o barco ficado ao largo e o pessoal desembarcado para barcaças que de imediato tinham rodeado o navio por todos os lados.

A todos os companheiros, camaradas e amigos que vão sobrevivendo e que há 50 anos viajaram comigo no Uíge, um grande abraço e votos de muita saúde.

Carlos Pinheiro
23 de Outubro de 2018
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19093: Efemérides (291): Faz hoje 51 anos: 12 de outubro de 1967, o dia em que eu morri....Por outro lado, sou o "único culpado" do suicídio do ex-alf mil, madeirense, Gouveia (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

Guiné 61/74 - P19130: Agenda cultural (653): 1.º Encontro Nacional de Militares Escritores, Coimbra, FL/UC, 4.ª feira, dia 24 (Manuel Barão da Cunha)



Amanhã, 4.ª feira, dia 24 de outubro, realiza-se, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), o 1.º Encontro Nacional de Militares Escritores. O evento insere-se no âmbito das comemorações do Dia do Exército Português. A sessão vai contar com os seguintes palestrantes: Coronel Manuel Barão da Cunha, Coronel Carlos de Matos Gomes, Coronel Nuno de Lemos Pires, Tenente-Coronel Pedro Marquês de Sousa, Tenente-Coronel Luís Brás Bernardino e Sargento-Chefe Jorge da Silva Rocha.

A sessão decorrerá no Teatro Paulo Quintela (FLUC – 3.º Piso), a partir das 15 horas.



1.º ENCONTRO NACIONAL DE MILITARES ESCRITORES

FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

24 de outubro de 2018


PROGRAMA


14H50 – Receção dos convidados e ocupação de lugares no Anfiteatro

15H00 – Chegada de Sua Excelência o General CEME

15H05 – Início da Conferência

– Intervenção de Sua Excelência o General CEME

– Intervenção do Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra

– Troca de lembranças institucionais


15h30 – Primeira Mesa

– Moderadores: 
Prof. Dra. Manuela Ribeiro | Prof. Dr. António Ventura

– Palestrantes: 
Cor Matos Gomes | Cor Lemos Pires | TCoR Marquês de Sousa

– Debate

16H30 – Intervalo

16H45 – Segunda Mesa

– Moderadores: 
Prof. Dra. Manuela Ribeiro | Prof. Dr. António Ventura

– Palestrantes: 
Cor Barão da Cunha | TCor Brás Bernardino | SCh Silva Rocha

– Debate

17H45 – Entrega de lembranças aos Moderadores e Palestrantes e Fim do Encontro
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1.º ENCONTRO NACIONAL DE MILITARES ESCRITORES 

FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

24 DE OUTUBRO DE 2018


PALESTRANTE
OBRA
EDITORA
Coronel Manuel Júlio Matias Barão da Cunha
Radiografia Militar e os 4 DDDD? Fim do Império, anverso e reverso?
Âncora Editora
Coronel Carlos Manuel Serpa de Matos Gomes (Carlos Vale Ferraz)
A Última Viúva de África
Porto Editora
Coronel Nuno Correia Barrento de Lemos Pires
Cartas de Cabul
Tribuna da História
Tenente-Coronel Pedro Alexandre Marcelino Marquês de Sousa
Bandas de Música na História da Música em Portugal
Fronteira do Caos
Tenente-Coronel Luís Manuel Brás Bernardino
Timor Leste. Da Guerrilha às Forças de Defesa
Mercado de Letras
Sargento-Chefe Jorge Manuel Lima da Silva Rocha
PLANEAMENTO DE DEFESA E ALIANÇAS
Portugal nos primeiros anos da Guerra Fria 1945 - 1959
Comissão Portuguesa de História Militar
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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19128: Agenda cultural (652): DocLisboa 2018, 16º Festival Internacional de Cinema...Todo o cinema do mundo: 243 obras, de 54 países... Uma sugestão do nosso blogue: vejam o filme "Para la guerra", de Francisco Marise, na Culturgest (Grande auditório), na 5ª feira, dia 25, às 19h.