quarta-feira, 3 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21963: Antologia (76): Os Homens Lobos, um conto por Artur Augusto Silva (Ilha Brava, Cabo Verde, 1912 - Bissau, 1983), da coletânea "O Cativeiro dos Bichos" (cortesia de João Scharz da Silva)



Guiné-Bissau > Bissau > Capa do livro de contos, de Artur Augusto Silva, "O Cativeiro dos Bichos", Bissau, 2006 (Edição de autor).


Trata-se de uma  colectânea de 25 contos, seleccionados pelos seus filhos (Henrique, João e Carlos Schwarz), alguns dos quais escritos na prisão de Caxias, em 1966, outros em Lisboa, entre essa data e 1973.

Preso em 26 de agosto de 1966, à chegada ao aeroporto de Lisboa, por motivos políticos ["actividades contra a segurança do Estado"], libertado quatro meses depois, sem culpa formada, foi-lhe fixada residência em Lisboa, ficando assim impedido de voltar à Guiné onde residia e exercia a advocacia desde 1948 e onde a esposa era professora do ensino liceal. A decisão só foi revogada em 1970, por ordem de Marcelo Caetano, seu antigo professor. Montou escritório de advogado na baixa lisboeta, e só voltou à Guiné-Bissau em 1977. 

Artur Augusto Silva (Ilha Brava, Cabo Verde, 1912- Bissau, 1983) foi um homem de leis e de cultura, amante da justiça e da liberdade. Falava as línguas fulas e mandinga. Era casado com Clara Schwarz da Silva (1915-2016). descendente de judeus polacos, e durante largos anos a decana da  nossaTabanca Grande. De entre os seus filhos, Pepito e João são membros da nossa Tabanca Grande. O Pepito, infelizmente, também já falecido, em 18 de fevereiro de 2014. Teria hoje 72 anos, se fosse vivo.

A esta colectânea de contos pertence este, "Os Homenns Lobos", que vamos  agora reproduzir,  por cortesia do filho João Schwarz da Silva. Outros dois já aqui foram divulgados em tempos no nosso blogue (*)

1. Mensagem, com data de ontem, 2 de março, 10:58,  de João Schwarz da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, desde 2018, irmão do nosso querido e saudoso amigo Pepito, que nos deixou no dia 18 de fevereiro de 2014, prematuramente aos 63 anos:
Olá, Luís:

Espero que esteja tudo bem consigo e que tenha conseguido superar a Covid. Junto envio um pequeno conto que o meu pai escreveu em Maio de 1973 e que relata as desventuras de um homem num tribunal de Bissau. Pode publicá-lo se achar que ele se enquadra no seu site.

Um grande abraço

Joao Schwarz da silva

Os Homens Lobos, 

por Artur Augusto silva

(Maio 1973)

PRIMEIRO QUADRO

O juiz ordenou:

— Senhor oficial, recolha as testemunhas !

E o oficial de diligências começou encaminhando-as para a sala contígua à dos julgamentos, com certa dificuldade.

As testemunhas, incluindo o réu e o ofendido, eram da raça balanta e no seu ar bisonho e desconfiado denotavam logo pouco convívio com o branco.

— Levante-se o réu — disse o juiz — e o intérprete traduziu, o que provocou por parte do arguido um salto brusco, não fosse o branco pensar que não queria obedecer.

— Nome?

— Uaná Nhante.

— Casado ou solteiro?

— Tem mulher.

— Em que se emprega? Em que trabalha?

— Lavrador.

— Nome dos pais?

— Bidjane e Najá.

— Já alguma vez respondeu ou esteve preso?

— Esteve preso na Administração de Mansoa, por ter morto um homem.

— Há quantos anos?

— Não sabe.

—Então não sabe há quantos anos esteve preso?

Aqui o homem embaraçou-se, começou contando pelos dedos, repartia três de uma das mãos e três da outra e ia falando para o intérprete que, a espaços, aprovava com um aceno de cabeça.
Por fim traduziu:

— Ele diz que há mais de seis chuvas.

O juiz, voltando-se para o delegado, observou:

— Não consta do certificado...

O agente do Ministério Público depois de uma leve hesitação, explicou :

— Dantes, as administrações não mandavam os boletins. A justiça lá feita lá morria.

Dirigindo-se ao intérprete. o juiz informou:

— Diga-lhe que até aqui ele era obrigado a responder sob pena de desobediência. Daqui por diante só responde se quiser. Pode delegar a defesa no seu advogado oficioso. Quer responder?

— Quer.

— É verdade que ele quis matar o irmão com uma catana?

— É verdade.

— É porque estava bêbado?

— Não, não estava bêbado.

— Então, porquê?

Repetida a pergunta ao réu, este falou, fazendo gestos estranhos, avançando com os braços estendidos e as mãos encurvadas, agachando-se e abrindo os olhos desmedidamente, emitindonsons guturais, como se estivesse representando uma pantomima.

No final da cena, o intérprete explicou:

— Ele diz que o irmão, ao anoitecer, se vira em lobo e vem perseguir as pessoas da tabanca que se atrasam nos trabalhos do campo.

O juiz deu um salto na cadeira e, com ar severo, de quem não admite graças, disse:

— Advirta o réu de que neste tribunal não se brinca.

Nessa altura o advogado oficioso, mais filósofo do que advogado e que a filosofia levara a exilar-se em Africa havia mais de vinte anos, pediu a palavra para explicar que não havia, por parte do réu a mais pequena intenção de falta de respeito ao tribunal. Era assim: ele acreditava e todos os nativos acreditavam. Desconhecia S. Exa que nas aldeias, lá na Metrópole, o povo também acreditava em lobisomens?

O juiz, mais sereno, só comentava:

—É estranho! É estranho ! E isto em pleno século vinte! !...

— E tem V. Exa, Sr. Dr. Juiz, a certeza de que um homem não se pode transformar em lobo?!

— Mas há quaisquer dúvidas a esse respeito? — inquiriu o juiz, pasmado.

— Tenho-as eu, e grandes mas são contos largos que não vêm ao caso... Se V. Exa perguntar lá no seu íntimo o que é a realidade, talvez encontre um princípio de resposta para esta questão.

— Então o Sr. Dr. acredita...?

— Eu não disse que acreditava; eu conjecturei, quando muito.

— É o mesmo!

— Talvez...

E o advogado filósofo sorria, com um sorriso miudinho que mal lhe aflorava ao canto dos lábios, e parecia conferir-lhe um ar de superioridade e desdém.

O juiz suspendeu a audiência por um quarto de hora e, já no seu gabinete, mandou chamar o advogado. Este apareceu, ainda de toga, uma toga velha, a tornar-se ruça, atestando idade e má qualidade da fazenda. Sem mais preâmbulos, abertamente, o magistrado disse-lhe,

— Sou novato nestes casos de África. Estive quatro anos, como delegado, em Luanda, e lá, mal contactamos com os indígenas. Nunca vi nem ouvi falar destas superstições. O que mais me espanta é que o doutor, com a sólida cultura que me dizem ter, acredite nestas balelas populares...

Ia a continuar, mas o filósofo interrompeu-o:

—Perdão, Sr. Dr. Juiz. Eu não disse que acreditava. Pois, se nunca sei em que hei-de acreditar; se não consegui uma revelação que me afirme «isto é», como posso acreditar? Aceito as coisas, procuro encontrar a sua razão profunda e, até hoje, não a encontrei. O que existe é tudo o que vemos, sentimos e cheiramos, e só isso, ou antes: o que vemos, sentimos e cheiramos, não será uma ilusão dos nossos sentidos? A ciência com «c» pequeno. Bom arrimo para os que só gostam de trilhar os caminhos já percorridos...

E voltando-se de frente para o juiz:

— O que interessa neste caso é sabermos se o réu acreditava ou não que seu irmão se transformava em lobo e vinha comer as pessoas da tabanca. Se isso era uma realidade para ele,
tão real como a sua presença neste julgamento. Se, psicologicamente, ele agiu nessa convicção,
agiu em legitima defesa própria e colectiva ou então é juridicamente um inimputável: um caso de psicopatia a definir pelos médicos.

E acrescentou:

— Sr. Dr. Juiz: para mim, neste caso interessa a certeza da verdade do réu, desde que ela coincida com a certeza da verdade das testemunhas.

— Mas, então, vamos comtemporizar com a barbária?

—Dois mundos paralelos que, por mais que se prolonguem, não se encontram. — comentou o filósofo.

A audiência reiniciou-se passados momentos, com a audição do ofendido. Este explicou que
havia muitos anos, já, seu irmão o via com maus olhos, que o mataria porque era feiticeiro. Que o homem que o irmão matara fora grande amigo e companheiro dele, ofendido. Que não existia qualquer razão de inimizade entre ambos.

As testemunhas afinaram pelo mesmo diapasão, acrescentando que o réu era pacato, bom pai
de família e trabalhador. Matara um homem há anos, mas esse homem transformava-se em lobo e fazia mal à tabanca.

A instâncias do advogado declararam, ainda, que não havia dúvida de que o homem que ele
matara se transformava em lobo. Quanto ao irmão, não podiam afirmar, mas era voz corrente que também se transformava em lobo. Um pouco mais apertadas, vieram a confessar que toda a gente sabia que o homem se transformava em lobo e era um elemento perigoso na povoação.

Perguntados como é que um homem se podia transformar em lobo, foram unânimes em dizer
que bastava que ele fosse inteligente e tivesse nascido no primeiro tornado depois da primeira
chuva do ano.

O delegado e o advogado limitaram-se a pedir justiça. Um porque “crime era evidente”, outro,
porque era impossível refazer as consciências. O réu foi condenado em três anos de prisão maior.


SEGUNDO QUADRO

Na tabanca, à hora em que o Sol se esconde no horizonte e as pessoas velhas, de autoridade e
conselho, se reúnem para comentar os acontecimentos do dia. E nesse dia havia acontecimentos graves a comentar, porque tinham regressado as testemunhas do julgamento do Uaná. Mesmo aqueles mais velhos, que pela sua extrema idade já mal andavam, tinham vindo para se inteirarem de como tudo correra e saber da justiça do branco.

Taná, que fora como testemunha e, no consenso geral, era o mais avisado dos presentes, encarregou-se de contar o feito. Taná preparou o ambiente, mandando que os circunstantes se sentassem em círculo, por forma a que, no meio, pudesse falar para todos. Acenderam-se uns molhos de palha sobre os quais puseram uns troncos de árvores e Taná começou:

— Casa onde branco faz justiça é grande e bonita. Tem muitos bancos mas ninguém se senta neles. Numa mesa veio sentar-se um branco velho, de boa cara, mas vestia um fato com saias, como as mulheres deles, e pôs-se a escrever. Depois entraram dois brancos — com uma capa preta e logo a seguir outros dois brancos novos, também com saias de mulher. Todos se
levantaram : um deles era o dono da justiça dos brancos. O dono da justiça falou e nós fomos
levados para outra casa. Eu fui o primeiro a sair dessa casa e a voltar para onde estava Uaná. O
dono da justiça falava para um balanta que eles lá tinham e este perguntava-nos o que ele queria. Nós respondíamos. O dono da justiça não acreditava que um homem se pudesse transformar em lobo e perguntou-me multas vezes se era verdade. O tal branco que entrou primeiro, esse acreditava. Perguntou-me como era e eu dei uma resposta qualquer. Depois vi que o branco falava balanta — falava mal, mas eu percebi-o. O diabo até conhecia a nossa tabanca. Disse-me que já caçara um cavalo marinho na bolanha das palmeiras. Vocês lembram-se?

Houve uma pausa e um velho recordou que há muito tempo estivera ali um branco a caçar. Assim alto e forte, com uns vidros no nariz, até lhes tinha dado a carne do cavalo marinho...

— Já me lembro, já me lembro! — comentaram diversas vozes.

— Pois devia ser esse — aquiesceu Taná, que continuou contando as diversas cenas do julgamento, procurando imitar a voz e os gestos das pessoas.

Por fim, contou que Uaná, iria ficar preso durante três anos. Fez-se um silêncio geral em que se poderia ouvir um zumbido de um mosquito. Então o mais velho dos presentes comentou:

— Estes brancos são pessoas crescidas, mas têm coisas de meninos... Então o dono da justiça dos brancos não sabia que Uaná tinha razão?

E a pergunta ficou em suspenso porque ninguém podia imaginar o que o dono da justiça dos
brancos pensava.

Artur Augusto Silva (***)

[Originalmente publicado na separata Artes e Letras do "Diário de Noticias", de 24 de Maio de 1973: Sobre o autor, ver aqui a belíssima e exaustiva evocação feita pelo seu filho, João Schwarz da Silva, no seu sítio, Des Gens Intéressants]

2. Relembrando o Pepito (Bissau, 1949 - Lisboa, 2012)

Lisboa, campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa > 7 de setembro de 2007 > 

Neste rosto luminoso e fraterno, havia carisma, afabilidade, determinação, coragem física e moral, visão estratégica e capacidade de liderança, seis qualidades pessoais que eu identificava e admirava no engº agrº Carlos Schwarz da Silva (1949-2014), mais conhecido por Pepito ("nickname" que vem dos tempos da meninice: segundo o irmão João, o Carlos tinha um herói, uma das figuras de banda desenhada do "Cavaleiro Andante", o Agapito, um nome com 4 sílabas, difíceis de pronunciar por uma criança, e que ele abreviava, chamando-lhe "Pepito"). A foto foi tirada em 2006, sob uma pequena palmeira, que foi crescendo junto à fachada do edifício da Escola Nacional de Saúde Pública / Universidade NOVA de Lisboa, na Av Padre Cruz, onde então trabalhava.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa > Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa > 18 de fevereiro de 2016 > 

A palmeira cresceu, cresceu até gaklgar o segundo piso, estava vigorosa, contrariamente a muitas que na zona foram atacadas pelo escaravelho da palmeira (Rhynchophorus ferrugineus Olivier) e morreram... 

Sempre que passava por ela, lembrava-me do Pepito e da sua face luminosa, e continuava a sentir o vazio da sua ausência. Há uns meses atrás, em plena pandemia de  Coiviod-19, voltei lá e, para grande desgosto meu, tinham cortado a palmeira, possivelmente com o argumento de que, quando foi desenhado o edifício (pelo arquiteto Pardal Monteiro), ele não quis lá pôr nenhuma palmeira. 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

O Edifício da Escola Nacional de Saúde Pública, integrado no conjunto das instalações do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. 

O projecto do edifício inicial foi desenvolvido pelo Arq António Pardal Monteiro e ficou concluído em 1972. Teve uma ampliação em 1985. Como se vê não há nemhuma palmeira. Foto s/d.

Foto: cortesia do sítio Pardal Monteiro Arquitectos



Portugal > Alcobaça > São Martinho do Porto > Estrada do Facho > Casa do Cruzeiro > c. 1957 > O pai, Artur Augusto Silva (1912-1983), com os filhos, da esquerda para a direita, João, Iko (já falecido)  e Carlos (1949-2014). Cortesia de João Schwarz da Silva, que nos diz que a data deve ser "provavelmente 1957"... Teria então o Pepito (, nascido em Bissau, em 1949) os seus oito anos...

Foto (e legenda): © João Schwarz da Silva (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:



(***) Último poste da série > 5 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9000: Antologia (75): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (8): Ilha do Como, 15 de Março de 1964: E Deus desceu à guerra para a paz (Último episódio)...

terça-feira, 2 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21962: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (20): a entrega do nosso destacamento aos guerrilheiros do PAIGC, em 17 de julho de 1974


Foto nº 1 > Guiné > Região de Quínara  > Nova Sintra > 2ª C / BART 6520/72 (1972/74) > 17 de julho de 1974 >  Uma data histórica > Menos de dois meses depois Portugal reconhecia a independência da República da Guiné-Bissau, hoje um país irmão, lusófono, integrado na CPLP.


Foto nº 1A> Guiné > Região de Quínara  > Nova Sintra > 2ª C / BART 6520/72 (1972/74) > 17 de julho de 1974 > Representantes do PAIGC e das NT


Foto nº 1B > Guiné > Região de Quínara  > Nova Sintra > 2ª C / BART 6520/72 (1972/74) > 17 de julho de 1974 > Os representantes do PAIGC vieram armados, como aconteceu em todos ou quase todos os sítios: afinal, o terreno não era neutro... O Comandante do Setor do PAIGC, Quinto Cabi, aqui de perfil, à direita, mostra-se confiante, mas não larga a Kalash.



Foto nº 1 C > Guiné > Região de Quínara  > Nova Sintra > 2ª C / BART 6520/72 (1972/74) > 17 de julho de 1974 > O comandante do pelotão de milícia, de camisola branca, parece estar de semblante carregado, tal como os seus homens.

Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 17 de julho de 1974 > Entrega do destacamento de Nova Sintra aos guerrilheiros do PAIGC.

Foto (e legenda): © Ramiro Figueira / Carlos Barros (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mais uma pequena história do Carlos Barros:

(i) ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974; (ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem mais de 2 dezenas e meia de referências


Quando os guerrilheiros entraram no destacamento de Nova Sintra, o Comandante, Capitão Machado e outros graduados, devidamente fardados com os seus camuflados de combate, receberam com dignidade os combatentes do PAIGC acompanhados com uma população civil que lhe era afeta.

Numa fase inicial, depois de contactos prévios com os Comandantes do PAIGC, foram autorizados a entrarem no aquartelamento e, por mera coincidência, os furriéis Barros (eu próprio) e o Ferreira tomaram a iniciativa de irem ao encontro dos guerrilheiro, abrindo-lhes o " portão" junto às bananeiras.

E não houve qualquer problema nessa convivência, embora numa fase inicial, existia um certa "receio", natural, porque algo poderia acontecer de menos bom, como aconteceu em Angola e Moçambique.

Estes são os factos para a história, entre muitos, da Guerra Colonial.

Legenda das fotos:

O primeiro com boina e óculos [1], é o Tenente-Coronel Fernando José de Almeida Mira (falecido). Era o comandante do BART 6520/72 (Tite).

De costas,  o Capitão Mil Inf João Barbosa Machado,  de Nova Sintra [, 2ª C / BART 6520/72] [2]. (Antes dele, a companhia teve dois comandantes: cap mil inf Armando da Fonseca Cirne e cap art José Manuel Campante de Carvalho.)

Boné azul,, o Comandante do Setor do PAIGC, Quinto Cabi (apresentou-se como tal...) [3].

À direita de barrete na cabeça e camisa branca, o Comandante de Milícias que tinham sido
colocados em Nova Sintra. [4]

De camisola verde, junto ao Ten Coronel Almeida Mira, outro comanante do PAIGC, o responsável  da artilharia da zona de Tite, de seu no
me Tchambu Mané [5]. Não se lhe vê o rosto, apenas o peito. Enverga uma camisola com a efíge do Amílcar Cabral.

Fotografia [nº 1] cedida pelo ex-Alferes Miliciano Ramiro Figueira, de Nova Sintra, 2ª CART / Bart 6520/72 (1972/74).


2. Comentário do editor LG:

O Jorge Pinto, ex-alf mil, da 3ª C/BART 6520/72, que estava em Fulacunda, já aqui contou como se processou lá a visita dos homens do PAIGC, a primeira depois da assinatura da paz [, foto à esquerda, desarmado, num grupo de guerrilheiros, na margem esquerda do Rio Geba] (**):


Tentando esclarecer algumas dúvidas e para melhor compreensão do "acontecimento" retratado pelas fotos, importa saber:

1º Em 1972/74, Fulacunda é uma tabanca totalmente isolada. A única picada transitada era a que servia de acesso ao porto de reabastecimento e que distava uns 4/5 km

2º O referido grupo Bunca Dabó, pelo que sei, patrulhava/circulava a zona entre Fulacunda e os rios Corubal e Geba e por isso flagelava/atacava Fulacunda de vez em quando.

3º A visita deste grupo, composto por cerca de 50 elementos a Fulacunda, durante 1 dia, foi programada e preparada, mas desconheço pormenores. Sei, apenas que o mesmo já tinha acontecido noutras localidades da Guiné.

4º  Naturalmente que a população de Fulacunda recebeu estes guerrilheiros, que vinham fortemente armados, em grande tensão. As fotos 3,4 e 4B, demonstram isso.

5º A "exigência" da ida ao porto de Fulacunda, no mesmo dia da visita, considerei-a inútil, pois não fomos fazer nem ver nada de novo. Nesta viagem de 4/5 Km iam cerca de 15 (guerrilheiros), bem armados, conforme fotos demonstram. Da parte das NT ia eu, um furriel e o cabo condutor, totalmente desarmados. Nenhum elemento da população nos acompanhou. Esta ficou dentro do recinto que era cercado por arame farpado conversando com os restantes elementos do PAIGC. As fotos 5 e 5A retratam a saída da Tabanca para o Porto. As outras são tiradas no próprio porto.

Sei que foram colocadas outras questões, mas para essas não possuo respostas com o "rigor cientifico" que a "delicadeza" da situação histórica vivida nessa época exige. O "devir histórico" se encarregará de as desnudar...

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 21 de fevereiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21930: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (19): o nosso macaquinho de estimação, o Piquete

(**)Vd. comentário ao poste de 3 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15818: (De)caras (32): Visita a Fulacunda, em julho de 1974, de Bunca Dabó e do seu bigrupo, "armado até aos dentes"... (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74)

Guiné 61/74 - P21961: Blogpoesia (722): "Como eu te vi Guiné" (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845)

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70) com data de 23 de Fevereiro de 2021:

Olá Carlos Vinhal

De novo o chato do costume e para te enviar mais este trabalho. Espero que os Tertulianos gostem e só para o 01100467 não desanimar.

Mais trabalhos guardo aqui e prontos para a Tabanca Grande, da qual faço parte, e da mesma que gosto.

Sem mais e para não te maçar mais, paro aqui mas antes envio um bom abraço para todos os Tertulianos e, de uma forma muito Especial para os Chefes de Tabanca, Luís Graça, Carlos Vinhal e companhia.

Sou o Albino Silva

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Nota do editor

Último poste da série de 28 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21955: Blogpoesia (721): "Atracção fatal"; "Lago dos Cisnes" e "Carlos Paredes", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21960: O segredo de... (35): José Ferraz de Carvalho (ex-fur mil op esp, CART 1746 e QG, Xime e Bissau, 1968/70): "Não matem a bajudinha!"


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74) > População sob controlo do PAIGC, no subsetor do Xime, capturada no decurso da Acção Garlopa, em 19 de julho de 1972, num total de 10 elementos.

Foto (e legenda): © Sousa de Castro (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem conplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Voltamos a publicar este texto do  José Ferraz de Carvalho  (ex-Fur Mil, Op E Esp, CART 1746, e QG, Xime e Bissau, 1968/70); radicado em Austin, Texas, EUA, desde meados de 1970, tem duas dezenas de referências no nosso blogue: faz parte da Tabanca Grande desde 19 de novembro de 2011 (*); é autor da série "Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz";  tratando-se, de algum modo, de um "confissão" ou "confidência", este texto  (***) merece ser reproduzido agora na série "O segredo de..." (****)


O segredo de... (35): José Ferraz de Carvalho:
 "Não matem a bajudinha!"


Falando de acção psicossocial, de que sempre fui partidário, lembrei-me que, durante uma operação de penetração ao sul do Xime, aprisionámos 2 elementos IN.

Depois de interrogados, guiaram-nos a uma tabanca IN. Fizemos um assalto e durante esse combate ferimos uma miúda, bajuda, com um tiro por detrás do joelho que lhe destroçou a patela [ ou rótula].

− Mata a miúda...  − disse alguém.

− Não mata nada − disse eu  [, que estava a comandar o 2º  pelotão].

E ordenei ao meu pessoal para fazer uma liteira, trazendo a bajuda para o Xime de onde foi posteriormente helitransportada para o hospital em Bissau. Oxalá ainda seja viva.

Nem tudo na guerra é destruição. Talvez alguém dos meus tempos no Xime se lembre deste episódio.

Mas ainda a respeito desta bajudinha do Xime, alguém que não tenha estado nesta situação, é capaz de não perceber o que me levou a fazer o que fiz.... 

Por outro lado, se alguém que tenha estado lá comigo se lembrar [deste episódio], seguramente dirá que o tempo que levámos a preparar a liteira, deu tempo ao IN para começar a mandar morteiradas para dentro da tabanca e tiroteio de armas ligeiras como eu nunca tinha visto. De facto, poderia ter causado sérios problemas, mas graças a Deus tudo correu bem.

A minha intenção é apenas a de dizer publicamente que nós, no mato, e em situações de perigo, tínhamos coração e respeito pela vida humana, nem sempre tudo era ronco e destruição de tudo por onde pássavamos - a [alegada política da] "terra queimada".
 
PS - Curiosamente fui eu que fiz os prisioneiros... Íamos a sair da mata para uma abertura com capim talves de meio metro de altura e um trilho que cruzava essa abertura em sentido perpendicular ao nosso sentido de marcha (se bem me lembro eram dois e não um) quando nos demos conta que eles vinham na nossa direcção a conversar e, portanto, não se deram conta de nós ( ainda bem que tinha ensinado ao "pessoal balanta" os sinais aprendido em Lamego). 

Indiquei que se alapassem e eu deitei-me de costas para o chão ao lado desse trilho. Quando, eles se deram conta de mim, só talvez a um par de metros donde eu estava deitado, levanteio torso, apontei-lhes a G3 e disse: "A bo firma ai"...  Tremiam como se tivessem visto um fantasma e eu ri-me... Foram então levados para junto do comandante dessa operação,  interrogados e vocês ja sabem o resto da história. 

Também me lembro agora uma histária mais do Júlio [, o nosso "pilha-galinhas"] (*****) que, como responsável pelos dilagrams,  andava sempre ligado a mim. Quando o contra-ataque se desencandeou, ele e eu abrigámo-nos detrás de um baga baga enorme. Começámos a responder e o Júlio por um lado de baga baga e eu pelo outro tivemos que nos desabrigar. Disse-lhe para onde atirar os dilagramas e dou-me conta de que o Júlio de joelhos no chão a disparar dilagramas e cai pra frente, redondo. 

Atirei-me para junto dele com terrível ansiedade porque estava convencido que ele tinha sido ferido. Quando me dei conta que estava vivo a primeira coisa que me disse foi: "Furriel, os meus tomates?"... Houve mais tiroteio,  acabou o contacto, levanto-me, ajudo o Júlio a levantar-se e, quando de pé ele puxa as calças abaixo dos "tomates",  lá estava um buraco de bala, uns centimetros mais a cima e pobre pobre do Júlio!...  Disse-lhe em descarga nervosa: "Ah,  Júlio ainda bem..., senão nunca mais comíamos galinha" ...

José Ferraz

2. Comentário do editor LG:

Poderá ter-se tratado  da Op Baioneta Dourada, iniciada em 2 de Abril de 1969, na área de Poindon / Ponta do Inglês, às 0h00, com a duração prevista de dois dias, e com o objetivo de "se completarem as destruições dos meios de vida na área, executadas quando da Op Lança Afiada [8-18 de Março de 1969]".

As NT eram constituídas por dois 2 destacamentos:

(i) Dest A: CART 1746 (Xime) (a 3 Gr Comb) + CCAÇ 2314 (Tite e Fulacunda, 1968/70))(1 Gr Comb);

(ii) Dest B: CCAÇ 2405 (Galomaro) (a 2 Gr Comb) + CCAÇ 2314 (Tite e Fulacunda, 1968/70) (1 Gr Comb).

Oportunamente, poderemos publicar um excerto do relatório desta operação, em que foi capturado um elemento IN, desarmado [, o Zé Ferraz refere dois elementos]. Na exploração imediata de informações dadas pelo prisioneiro, o Dest A fez uma batida à zona, surpreendendo "9 homens sentados acompanhados de 2 mulheres" (sic). Aberto fogo, foram capturadas as duas mulheres, feridas [, O Zé Ferraz refere apenas um "bajudinha", ferida].  Os restantes elementos fugiram, com baixas prováveis.

Entretanto, "ao serem prestados os primeiros socorros às mulheres feridas, um grupo IN de efectivo não estimado flagelou as NT durante cerca de 6 minutos com LGFog, mort 60 e cerca de 6 armas automáticas", sem consequências para as NT.

(Fonte: BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70. História da Unidade. Cap II, pp. 78/79).

_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9065: Tabanca Grande (307): José Ferraz de Carvalho, português há mais de 40 anos nos EUA, ex-Fur Mil da CART 1746 (Xime, 1969)

(...) Em 1965 o pai  [oficial superior da Marinha]foi nomeado para ser o Senior Portuguese Officer no SACLANT [The Supreme Allied Commander Atlantic,], em Norfolk, Virgínia. Vim então estudar Engenharia nuclear para o Virginia Politecnical Institute, mas tive que ir primeiro para o Old Dominion College para fazer estudos de habilitação.

Sempre quis fazer tropa e estava aqui com uma licença militar porque era da incorporação de 65. Lisboa nunca me reconheceu os meus estudos aqui, pelo que em vez de ir para Mafra [, COM], fui para as Caldas [, CSM].

(...) Ofereci-me como voluntário para a 16ª Companhia de Comandos com a qual cheguei a Guiné em 68 [, 16 de agosto]. No fim da fase operacional [, IAO, que decorreu em Bula, Binar e Có, em setembro] não quis ser comando e fui então destacado para a Cart 1746, Xime, onde o Capitão [António] Vaz [ 1939-2015] me responsabilizou em formar um grupo de combate com o segundo pelotão cujo alferes tinha sido enviado para Lisboa doente" (...).

O J. Ferraz de Carvalho, uma vez terminada a comissão da CART 1746, em junho de 1969, foi colocado em Bissau, no QG, e deve ter regressado à Metrópole, com a 16ª Ccmds, em 24 de junho de 1970 (**)..
.



(*****) Vd. poste de 30 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9116: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (10): Júlio, o pilha-galinhas do Xime

segunda-feira, 1 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21959: Notas de leitura (1344): “Um Mergulho no Muxito”, por Jorge Paulino; Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
Não desmerecendo, é uma auspiciosa estreia literária de um médico nascido em 1958. Foi buscar o Complexo Turístico do Muxito, um crime ali ocorreu em 1966, logo a seguir à inauguração da Ponte Salazar, um engenheiro norte-americano a trabalhar para a Lisnave e a sua mulher apareceram mortos na vivenda 13. Em 2000, o filho, arquiteto cotado, vem fazer semestre sabático em Lisboa e quer desvendar o passado. E consegue, fala-se de Operações como a Tridente, outras que glorificaram Alpoim Calvão e a Mar Verde, descobre-se uma trama criminosa e haverá um final em efervescência com revelações de verdadeiro aturdimento. Jorge Paulino tanto procurou a perfeição que a certa altura se excedeu e há muita verbosidade que é companheira da enxúndia, o demasiado palavroso que seguramente em próximas obras ele deixará de lado.

Um abraço do
Mário


Um Mergulho no Muxito:
Crime e mistério, com muita Guiné à mistura


Beja Santos

“Um Mergulho no Muxito”, por Jorge Paulino, Chiado Editora, 2017, é uma auspiciosa estreia literária. O autor é doutorado pela Universidade Nova de Lisboa em Transplantação Hepática, professor convidado de Cirurgia na Faculdade de Ciências Médicas e trabalha no centro clínico da Fundação Champalimaud. Estamos em agosto de 1966, época da inauguração da Ponte de Salazar. Um engenheiro norte-americano a trabalhar para a Lisnave tem a sua mulher e filhos na “Estância Muxito”, ao tempo um empreendimento turístico que suscitava muita curiosidade. A Lisnave alugara um quarto a Jack Polk, ele trouxe a família, ficaram em bungalows muito próximos. Jack irá assistir no sábado 6 de agosto à inauguração da ponte, no dia seguinte a vida daquelas duas crianças, Joe e Kathie, fica virada do avesso, o engenheiro e a mulher tinham sido brutalmente assassinados na vivenda n.º 13. Em 25 de abril de 2000, Joe Polk, durante a visita ao navio-escola “Sagres”, no porto de Norfolk, é sacudido por várias recordações que tinham a ver com um botão que fora deixado por um dos assassinos, o botão tinha uma pequena inscrição “Tridente”. Em tumulto, Joe Polk, professor no Departamento de Arquitetura da Universidade de Yale, decide fazer semestre sabático na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, quer apurar exatamente as razões daquele crime, ele e a irmã jamais aceitaram a interpretação dada pela Polícia Judiciária de que os pais praticavam espionagem.
Jorge Paulino move-se com agilidade na organização da trama, primeiro o escritório de advogados a que recorre e a organização dos primeiros passos da investigação, a Dra. Isabel Santos será a desbravadora desses contatos. Joe Polk aluga habitação em Verdizela, perto do Muxito. Começa as suas atividades na Faculdade de Arquitetura, irá interessar-se vivamente pela obra de um grande inovador, Cassiano Branco, um visionário que projetara algo de revolucionário para a região da Costa da Caparica e até mesmo para Cascais. A Dra. Isabel vai até ao Instituto de Medicina Legal, Joe começa a frequentar as praias da Costa, tem um derriço com uma brasileira, a narrativa acelera, a história do Muxito é desvelada, o proprietário, a firma Lino & Zimbarra abrira falência em 1973, tendo o Complexo Turístico do Muxito fechado as portas nessa altura. Em 1975 converteu-se na Comuna Che Guevara, o recheio das habitações foi sistematicamente pilhado, o glamoroso Muxito converteu-se em ruínas. Joe irá visitar essas ruínas com a Dra. Isabel, ali serão molestados por marginais e drogados, saem dali com o coração na boca, uma fuga precipitada para não deixarem lá a pele.

Depois dos relatórios médicos seguem-se conversas com a Polícia Judiciária, Joe entretanto conhece o arquiteto do Muxito, Nuno Cordovil. A investigação anda agora à volta das provas balísticas, o engenheiro Polk fora abatido com uma arma de guerra, as investigações começam a encaminhar-se para a Marinha, há visitas à Escola Naval do Alfeite, assim se chega à referência da Operação Tridente, no romance tratada como a maior operação secreta da Marinha Portuguesa na guerra colonial (o que na verdade não aconteceu). Apura-se que o proprietário do botão de punho tinha sido um militar da Marinha miliciano. Descobre-se que há incompatibilidades nos relatórios da Marinha e da Polícia Judiciária, fala-se longamente sobre a Operação Tridente, o comandante Fragoso sugere novas diligências. Conclui-se que o engenheiro Folk ouvira na vivenda 13 conversas na vivenda 12, ali se dirigira e vira cenas da maior infâmia, práticas de pedofilia. Todas as investigações se centram nesse passado e as descobertas são explosivas, havia oficiais da Armada responsáveis pela compra de armamento que se tinham aproveitado para fazer negócios ilícitos, havia um armazém na Fonte da Telha e um oficial, responsável por essas operações, vivia na vivenda 12. Já estamos na Escola dos Fuzileiros Navais, em Vale de Zebro, já se sabe da existência da empresa Sezimbarra, Lda., e dos negócios que envolviam a Guiné em guerra. Num passeio no Tejo com o comandante Fragoso, vão-se esclarecendo mais coisas sobre essa Operação Tridente, romanceiam-se as conclusões, o comandante Fragoso entrega a Joe o número de 2010 da Revista da Armada, onde se conta a Operação Tridente, diz-lhe que a solução do problema está ali. A Dra. Isabel e Joe ainda visitam o comandante César Augusto Brito em Évora, este imprevistamente desata a fazer ensaios com armas e fala-lhe de um camarada que andou envolvido na Operação Mar Verde, ali teria sucumbido o assassino de Jack Folk. Entretanto, enquanto tudo parece acelerar-se para se apurar a trama que levou ao assassínio de dois inocentes, é noticiado que na Operação Mar Negro, a Polícia Judiciária desmantelara uma organização criminosa, fizera apreensões junto às praias da Costa da Caparica. A Judiciária já sabe quem é o criminoso do Muxito, fora militar-miliciano altamente condecorado, para além de destemido, envolvera-se em transações de armamento com potências estrangeiras, e depois fizera experiências no tráfico de seres humanos. Como num romance a tudo se perdoa, até se pode aceitar o que o Jorge Paulino diz: “Sempre se fazia acompanhar por um ou dois marinheiros guineenses, pertencentes ao Batalhão de Comandos Africanos por ele treinados e que acabaram todos massacrados em Bissorã em 1974, depois do final da guerra”. Enfim, pequenos dislates que a ficção sabe perdoar…

E ficamos por aqui porque tudo se encaminha para um final turbilhonante, haverá revelações de caixão à cova, quem se julgava morto nas operações de Conacri ressuscita e prepara o seu desaparecimento. Os afetos escaldantes entre a Dra. Isabel e Joe não terão seguimento. Esta fica atónita quando descobre que caíram milhões e milhões de euros na sua conta bancária. E tudo termina no passado, no Hospital Militar de Bissau, em 29 de junho de 1965, ficaremos a saber quem era um jovem tenente que patrulhava a foz do rio Cacine, que amava uma rapariga Fula, não resistiu aos ferimentos, nascera uma menina que o general Schulz entregara ao Movimento Nacional Feminino.

O romance de Jorge Paulino, insista-se, está bem urdido como romance de crime, mistério, aventura amorosa. Nota-se que houve exigência no apuramento dos perfis e dos lugares, mas o autor é por vezes excessivo e palavroso, quebra o leitor pelo cansaço no exato momento em que lhe devia exigir a compulsividade na leitura. É uma estreia, o novo romancista pode sentir-se compensado pela obra equilibrada, esperamos que da próxima vez faça poda e limpe a enxúndia, ganhará o romance e cativará o leitor. E obrigado por se ter lembrado da Guiné, ele que nasceu em abril de 1958 – é prenúncio que uma geração que não foi à guerra também não a quer esquecer.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21939: Notas de leitura (1343): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte II: os "mentideros' de Bissau (Biafra, 5ª Rep) e ainda e sempre a retirada de Madina do Boé (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P21958: Fichas de unidades (16): a 16ª CCmds (1968/70), de que temos um único representante no blogue, o ex-fur mil op esp, José Ferraz de Carvalho, que vive hoje nos EUA, no Texas, em Austin




Capa do livro de José Pardete Ferreira - O Paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971. Lisboa : Prefácio, 2004, 169 p., [12] p. il. (História militar. Memórias de guerra). ISBN 972-8816-27-8.


1. O soldado 'comando' Gabriel, aliás, "Paparratos", é uma criação literária do nosso saudoso camarada J. Pardete Ferreira. A sua fonte de inspiração foi seguramente algum bravo soldado da 16ª CCmds, na altura  em que o médico  esteve afecto ao CAOP, em Teixeira Pinto, entre fevereiro e  junho de 1969, antes de ir para o HM 241, em Bissau. 

 Temos escassas referências a esta companhia de comandos, que serviu no CTIG entre agosto de 1968 e junho de 1970. Apresenta-se a seguir a ficha da unidade. (*)

E o único representante da 16ª CCmds na Tabanca Grande é José Marçal Wang de Ferraz de Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp,  que  foi depois colocado na CART 1746 (Xime, 1968/69), a companhia que veio de Bissorã, comandada pelo nosso querido amigo  e saudoso capitão mil António Vaz (1939-2015). 

O José Ferraz de Carvalho tem 18 referências no nosso blogue.Vive hoje em Austin, Texas, EUA. [Foto à direita.] (**)



Ficha de unidade: 16ª Companhia de Comandos


Identificação 16ª CCmsds

Unidade Mob: CIOE - Lamego

Cmdt: Cap Inf Cmd Jorge Duarte de Almeida

Partida: Embarque em 11Ag068; desembarque em 16Ag068

Regresso: Embarque em 24Jun70


Síntese da Actividade Operacional


Após efectuar o treino operacional nas regiões de Bula, Binar e Có, em coordenação com o BCav 1915, desde 6Set68 até 26Set68, ficou instalada em Brá (Bissau), como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe.

Em 30Set68, foi deslocada para Binar, a fim de tomar parte em patrulhamentos e emboscadas na região de Binar-Bula, em reforço do BCav 1915, até 180ut68.

Em 270ut68, foi atribuída ao BCaç 1932, deslocando-se para Farim, a fim de tomar parte na operação "Boas Vindas", na região de Bricama, após o que se instalou, a partir de 2Nov68, em Jumbembém, com vista a actuar nas acções de contrapenetração no corredor de Lamel e recolhendo a Bissau em 12Dez68.

De 1 a 12Jan69, tomou parte em operações realizadas pelo BCP 12 na região de Fulacunda, sendo depois atribuída ao CAOP, com vista à realização de operações na região de Jol, Bachile, Pijame e Có, de 4Fev69 a 31Mai69, ficando então instalada em Teixeira Pinto.

De 4 a 27Jun69, acompanhou o Pel Cav do CAOP, deslocando-se para Aldeia Formosa, para intervenção na operação "Grande Salto", após o que se deslocou, a partir de 2Ju169, para Bula, com vista à realização de operações nas regiões de Churo e Caboiana e à segurança e protecção dos trabalhos da estrada Bula-S. Vicente, estes em reforço do BCav 2868.

A partir de 2Ag069, regressando a Teixeira Pinto e à dependência do CAOP, efectuou diversas operações nas regiões do rio Costa/Pelundo, de 1 a 300ut69; de Burné-Bijope, de 200ut69 a 09Nov69, de 1 a 21Dez69 e de 10Jan70 a 3Mar70; e de Jolmete, em 16 e 17Nov69.

Voltou a reforçar o BCav 2868, em acções no sector de Bula nos períodos de 3Mar69 a 7Abr69 e de 29Abr69 a  1Jun70, tendo ainda ministrado instrução de aperfeiçoamento operacional à 26ª  CCmds, de 7 a 29Abr70.

Em 2Jul70, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa 0.° 118 - 2.a Div/4." Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pág. 532

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 10 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21881: Fichas de Unidades (15): CAOP, CAOP Oeste, CAOP1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1968/74)

(*) 14 de novembro de  2011 > Guiné 63/74 - P9043: Camaradas da diáspora (7): José Marçal Wang de Ferraz de Carvalho, Fur Mil Op Esp, da 16ª CCmds e da CART 1746 (Xime, 1968/69): vive hoje em Austin, Texas, EUA

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21957: Blogues da nossa blogosfera (151): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (61): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


O JARDIM QUE EU FIZ

ADÃO CRUZ
© ADÃO CRUZ

O jardim que eu fiz
tinha água sonhos e sol.
O jardim que eu fiz
tinha noites de lua cheia.
Não tinha palavras carnívoras
nem ratos comedores da razão.
Os dedos tocavam as flores…
sem perigo.
O dia nascia
e da noite vinha uma promessa de eterno deleite.
A lua deitava-se suavemente no teu regaço
como desejo contido
que sempre haveria de florir
no jardim que fiz um dia.
E os dedos tocavam as flores que se abriam de prazer.

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21928: Blogues da nossa blogosfera (150): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (60): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P21956: Facebook...ando (60): o gen Bettencourt Rodrigues, em 16 de novembro de 1973, em Madina do Boé, com dois jornalistas alemães, para verem "in loco" o sítio onde o PAIGC teria alegadamente proclamado a independência unilateral


Foto nº 1

Guiné >Região do Gabu > Boé > Madina do Boé > 16 de novembro de 1973 > O jornalista alemão, da Reuters,  Joachim  Raffelberg, e o gen Bettencourt Rodrigues, governador-geral e com-chefe que, a partir de 21/9/1973, substituiu o carismático gen António Spínola.


Foto nº 2

Guiné >Região de Gabu >  Boé > Madina do Boé > 16 de novembro de 1973 > Os dois  jornalistas alemães, à esquerda (Joachim  Raffelberg, da agência Reuter, e Guenter Krabbe,  do Frankfurter Allgemeine Zeitung; e à direita  o gen Bettencourt Rodrigues. Ao centro, um oficial superior não identificado e um oficial paraquedista, da força do BCP 12 que montou a segurança no local (Op Leopardo, Madina do Boé, de 15 a 17 de  novembro de 1973,  em que participaram as CCP 121 e CCP 122, tendo a CCP 121 ficado de reserva em Dulombi, segundo informação do nosso camarada Manuel Dâmaso). 

Recorte do Diário de Notícias, 23/11/1973



Foto nº 3

Recorte do Diário de Lisboa, 23/11/1973


Foto nº 4

Guiné > Região do Cacheu > Rio Cacheu > c. 13-20 de novembro de 1973 > O jornalista alemão da agência Reuters,  Joachim Raffelberg a bordo do NRP LFG Cassiopeia, de 300 toneladas, e 27 tripulantes, a caminho da fronteira com o Senegal, depois da visita a Madina do Boé (no dia 16).

1. Na página do Facebook do antigo jornalista da  agência Reuters, Joachim Raffelberg, chamada Raffelnews, Serviço comunitário, encontrámos esta "preciosidade", um álbum sobre Madina do Boé, com fotos (legendadas  em inglês), inseridas em 29 de janeiro de 2018, incluindo recortes de jornais portugueses (Diário de Notícias e Diário de Lisboa) que reproduziram a notícia da agência noticiosa portuguesa, ANI, dando conta de uma visita de jornalistas estrangeiras, de helicóptero, à antiga Madina do Boé, acompanhados do gen Bettencourt Rodrigues, o então novo comandante-chefe do CTIG.  

A visita terá ocorrido no dia 16 de novembro de 1973, quase dois meses depois da proclamação unilateral da independência que o PAIGC reclamava ter sido feita na antiga Madina do Boé, evacuada em 6 de fevereiro de 1969. (*)

Com a devida vénia, reproduzimos alguns desses documentos, que são importantes para informação e conhecimento dos nossos leitores, antigos combatentes  (**),  com tradução nossa, livre,  para português, das legendas (, no todo ou em parte), que se reproduzem, a seguir, em itálico:

Foto nº 1

(....) Os cerca de 500 anos de domínio colonial português estavam a chegar  ao fim. (...)  Apesar das minhas reportagens críticas, em 1971,  sobre o uso de napalm no teatro de operações de Angola, o Governo português convidou-me,  mais uma vez,  para visitar uma das suas colónias africanas, desta vez, a Gyuiné, um pequeno ponto na costa da África Ocidental

[O antigo jornalista também tem um pequeno álbum sobre o alegado uso de napalm em Angola, vd. aqui: Napalm in  Angola 25 jan 2018]

(...)  Aqui, na Guiné,  o PAIGC de Amílcar Cabral, um dos principais líderes anticoloniais africanos (assassinado em janeiro de 1973), esforçava-se por derrubar  as forças armadas portuguesas,  primeiro sob o comando do general do monóculo,  António de Spínola, e agora, em 1973, sob a liderança pelo general José Manuel de Bettencourt Rodrigues, ex-ministro da Defesa.

Lisboa sempre rejeitou, como falsa,  a reivindicação do PAIGC de extensas áreas libertadas no  interior do território, mas quando o PAIGC em 1973 declarou que tinha proclamado a independência da Guiné-Bissau num  local chamado Madina do Boé em 24 de setembro, as autoridades militares portuguesas levaram, até lá,  jornalistas estrangeiros,  sete semanas depois,  para provar que os rebeldes estavam errados.

Hoje já sabemos qual foi o desfecho: o próprio General de Spínola abriu caminho aos libertadores,  com o seu livro “Portugal e o Futuro”,   que pôs em marcha a revolução dos cravos de 1974: ao som da canção “Grândola, vila morena”,  tocada pela Rádio Renascença a partir da meia-noite de 25 de abril, em menos de 24 horas, seria derrubada a ditadura mais antiga da Europa.(...)


Fotos nº 2:

Guenter Krabbe (...) e eu  fomos acompanhados pelo governador Bettencourt Rodrigues (...) no nosso passeio de helicóptero ao local, situado a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conacri. Depois de Bafatá, o piloto vestiu o seu colete à prova de bala para não correr nenhum risco. 

Verificamos o percurso no mapa do comandante. Em Madina do Boé, o nosso grupo foi saudado por Forças Especiais Portuguesas [. tropas paraquedistas, CCP 122 /  BCP 12,] que tinham enviadas previamente para limpar a área, em caso de necessidade. (***)

O general  deu-nos 'uma pausa para o cigarro' , o tempo suficiente para dar uma olhadela no terreno à volta,  antes de regressarmos. Tudo o que encontramos no terreno de savana  foram os restos de um edifício que parecia um barraco e as fundações de várias palhotas. Não tínhamos permissão para inspecioná-los porque o local havia sido minado, conforme aviso que nos fora feito. 

Se o PAIGC tivesse ter declarado aqui a independência, eles bem poderiam  ter atravessado a fronteira próxima e regressado a correr,  após uma possível breve cerimónia.

Embora o Krabbe tenha escrito que não havia nenhuma povoação em Madina do Boé, muito menos com aspeto de estar inserida numa zona libertada, os jornais portugueses citaram extensivamente a minha história com um enfoque no colete anti-balas do piloto.

Foto nº 3

(...) Sem mo dizer, o QG da Reuter tinha enviado, ao mesmo tempo que eu,  um colega a Conakry para confirmar, do “outro lado”, a declaração de independência alegadamente feita em Madina do Boé,  e a Reuters atrasou a transmissão da minha reportagem aos nossos nossos subscritores, até que eles validassem comigo as coordenadas do lugar que nos disseram ser Madina do Boé, uma vez que tinham detectado um erro  no grau de latitude no meu fax. Acontece que o grau correto se perdeu na transmissão (...)

J. Raffelberg, na altura  correspondente da Reuter em Bona,  tinha recebido instruções para  explorar a oportunidade de obter informação em primeira mão  sobre um assunto controverso (a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau), o mesmo é dizer, conseguir um "furo jornalístico", mas o relato do repórter deveria passar primeiro pela sede da Reuter em Londres, com vista a garantir que os padrões da agência, de objectividade,  imparcialidade e triangulação de fontes,  estavam assegurados.

Foto nº 4

 "Os marinheiros nos disseram ter [, a Cassiopeia.]  participado da invasão marítima de Portugal à Guiné-Conacri em [22 de novembro] de 1970 para capturar ou matar Amílcar Cabral, mas a missão falhou. Quando naveguei com eles no rio Cacheu em 1973, o seu comandante  era o 1.º tenente António Silva Miguel".

O gesto do novo comandante-chefe e governador-geral,  gen Bettencourt Rodrigues, parece ter chegado demasiado tarde. E não terá tido grande repercussão na imprensa internacional: os dois jornalistas alemães terão estado menos de 15 minutos em Madina do Boé, e com forte protecção militar. Acrescente-se ainda o facto de a Op Leopardo não ter ficado barata, dada a mobilização de meios que implicou (parte do BCP 12 e parte da frota de Helis AL III).
 
Cerca de 8 dezena de países, sobretudo do bloco soviético, China e países não-alinhados africanos, árabes e asiáticos,  foram reconhecendo o novo país. Portugal, como é sabido, só   um ano depois, em 10 de setembro de 1974, é que reconhece "de jure" a independência da Guiné-Bissau. E também só nessa altura, a 17 de setembro de 1974, é que a Guiné-Bissau é  reconhecido como novo membro da Assembleia Geral da ONU. Guiné-Bissau que é agora um país lusófono, integrado na CPLP.   

(...) Assunto - P3909: Perguntas, por que é que a FAP não bombardeou Madina de Boé em 24/9/73 ?

Não tenho qualquer dado para responder a isso, mas posso contar o que aconteceu em 69

(...) Como sabes, Madina foi abandonada mas ficou "minada". Passados uns dias (?) desta retirada, Spínola foi com um fotógrafo, o Maj Bruno e cinco páras, fazer umas fotos pois o Paris Match tinha publicado imagens de Amílcar Cabral como sendo em Madina, com a legenda "A tomada de Madina".

Eram dois Helis, eu seguia num, com os Páras (picadores na especialidade). As ordens eram as seguintes: Eu largava um Pára que picaria o terreno para os Helis aterrarem. Assim foi executado.

Para que o IN pensasse que havia muita tropa, foi feita uma manobra de diversão. Enquanto o Gen Spínola estava em terra, os dois helis aterravam e levantavam fazendo voltas de pista, para sugerirem muitos efectivos.

As movimentações em terra eram feitas com muito cuidado. No único local onde há montes na Guiné [, as famosas Colinas do Boé,], os Helis apareciam e desapareciam para dar a ideia de muito aparato.

Recuperado o Chefe, Maj Durão, fotógrafo, e julgo mais um graduado, e os quatro Páras, que seguiram comigo, nunca mais voltei a aterrar em Madina do Boé.

Com estas fotos, Spínola queria mostrar que Madina ainda era controlada por nós, mesmo abandonada.

Porquê toda esta tosca explicação?

Acho que seria inapropriado o PAIGC ir com o seu Povo fazer uma cerimónia de independência num local que eles sabiam estar minado. Não saberia a FAP que eles nunca iriam a Madina ?

A cerimónia terá sido mesmo em Madina do Boé, dentro da Guiné? A Guiné-Conacri fica ali a dois passos.

Gostaria de saber se, em 1973, o Gen Bettencourt Rodrigues aterrou em Madina ou só fez umas passagens para ver se havia alguém.

Afinal não estou a esclarecer nada, estou a aumentar as dúvidas!!! (...)

(**)  Último poste da série > 5 de janeiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21736: Facebook...ando (59): Sobre a CCAV 678 a que pertenceu o fur mil Jorge Nicociano Ferreira, já falecido: (i) esteve menos de 3 meses na ilha do Sal, Cabo Verde; (ii) foi render a CCE 342 (?); (iii) em Bissau, e antes de partirem para a Zona Leste (Bambadinca), fizeram escoltas a barcos de reabastecimento às NT em Catió (Rui Ferreira / Eduardo dos Santos Roque Ablú)



Guiné > Região de Bafatá > Dulombi > Op ÇLeopardo (15-17 de nevembro de 1973) > Heli Al III estacionados em Dulombi. 

Cortesia de António Dâmaso / Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 61/74

(***) Segundo informação prestada pelo Manuel Dâmaso, membro da nossa Tabanca Grande, no Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 61/74 >1 de setembro de 2011 > Voo 2465: Um comandante de ideias fixas (2)

António Dâmaso, Srgt-Mor Paraquedista.
Azeitão

(...) Gozei as minhas merecidas férias, regressei mais renovado e continuei a comandar o 2.º
Pelotão, nestas funções tomei ainda parte na Guarda de Honra que a CCP 121 fez à recepção da chegada do novo Governador da Província, General Bettencourt Rodrigues em 21 de Setembro de
1973. (...)

A actividade operacional tinha abrandado muito, enquanto estive de férias a Companhia só fez uma operação conjuntamente com a CCP 123.

Comandei o Pelotão até 01Nov73, data em chegou um Alferes para o comandar, participei na Operação “Leopardo” de 15 a 17 de Nov73, em Madina do Boé em que participaram as CCP 121 e CCP 122, consistiu em levar uma equipa de fotógrafos ao local onde diziam que tinha sido declarada a Independência, mas quem lá foi disse que não havia lá nada, nem indícios,  não há dúvidas que filmaram foi noutro local e não em Madina do Boé. (...)

Desta vez não fui como operacional, fui como responsável pela logística da Companhia, no dia 15 fomos jantar e dormir a Bafatá, pela manhã arrancámos até Dulombi em viaturas auto, a minha Companhia  [, CCP 121,] ficou de reserva em Dulombi, já lá tinha estado 4 anos antes em 1969 (...).

Guiné 61/74 - P21955: Blogpoesia (721): "Atracção fatal"; "Lago dos Cisnes" e "Carlos Paredes", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


Atracção fatal

Quando desperta um ideal, fica-se escravo.
Tudo se sacrifica para o alcançar.
Uma carreira. Uma profissão.
Cada um tem suas tendências.
Se o talento existe,
Fica-se preso.
Uma obra de arte que se prossegue,
Em cima duma mesa ou duma tela.
A centelha dum poema que desperta, de repente.
Depois, é a saciedade. Quase o êxtase.


Ouvindo HAUSER - Adagio (Albinoni)

Berlim, 26 de Fevereiro de 2021
14h29m
Jlmg


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Lago dos cisnes

Albo luar da madrugada.
Batendo em cheio nas águas prateadas deste lago,
A fumegar de luz e sonho.
Brasa quente calcinada.
Vulcão de lava a arder.
Bailam os cisnes, albos.
Descrevendo arcos de fantasia.
Batendo as asas, de vez em quando.
Como se gaivotas sobre as ondas.
Chega aqui sua brisa.
Miusculas ondinhas circundantes
Tecem redes. Fazem rodas de mãos dadas.
Como a criançada no recreio.
É a alegria que chove gratuitamente
E cai dos céus...


Ouvindo "O lago dos cisnes" de Tchaikowski

Berlim, 24 de Fevereiro de 2021
10h54m
Jlmg


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Carlos Paredes

Forja em fogo. Esparzindo chispas de melodia.
Irrequietas. Zumbem como vespas.
Mas têm o encanto das madressilvas.
Escorrem doces. Lânguidas. Serenas.
Brotam da alma como um rio.
Trazem as saudades das latadas de Coimbra. Anfitriã.
O Mondego conhece-o bem das noitadas da vadiagem de Estudante.
Cordas tensas da guitarra retinem tão sonoras.
Parecem amoras dos silvados encapelados.
Refúgio das abelhas debicando o mel.
Dá vontade de adormecer ouvindo-o a cantar...

Ouvindo Carlos Paredes

Berlim, 23 de Fevereiro de 2021
16h27m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21927: Blogpoesia (720): "A gratidão"; "Senhor Guilherme - latoeiro" e "Casa do brasileiro", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21954: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (23): O cardápio secreto do "chef" Tony (Levezinho) - Parte II: Canja de garoupa e pimentos estufados em vinho do Porto


Portugal > Vila do Bispo > Tabanca da Ponta de Sagres - Martinhal > s/d > 

Canja de garoupa



Portugal > Vila do Bispo > Tabanca da Ponta de Sagres - Martinhal > s/d > 

Pimentos estufados em vinho do Porto

 
Fotos (e legendas): © António Levezinho (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação de sugestões gastronómicas, nacionais e internacionais, apropriadas ao reforço da nossa resiliência ao confinamento e à fadiga pandémica, sugestões que nos são  facultadas  pelos "vagomestres" e "chefs" da Tabanca Grande. (*)

Com 3 anos de tropa e de guerra em cima do lombo,  sabemos, de experiência própria, que não há um "bom moral na tropa" sem um bom rancho... Daí a razão de ser desta série "No céu não há disto... Comes & bebes"...

Como prometido, vamos hoje revelar-vos mais dois partos  do cardápio, até agora "secreto" (**), do nosso grande amigo e camarada dos bons e maus momentos da Guiné, o António Levezinho (Tony para os amigos, e aqui na Tabanca Grande, Tony Levezinho, com cerca de 7 dezenas de referências no blogue, desde 9 de maio de 2006,  ou seja, já velhinho cmo o caraças...).

Recorde-se que foi  fur mil at inf, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, maio 69 / março 71). Está reformado da Petrogal. Perdeu recentemente a sua companheira de uma vida (50 anos!), a Isabel Levezinho. E amanhã, o seu filho mais velho, o Nuno Levezinho, faz anos. Parabéns para ele. Um grande abraço, extensivo ao resto da família. 

Sei que o "chef" Tony tem  estado confinado, com o neto de 14 anos,  na casa do Martinhal, em Sagres, ou melhor, na Tabanca da Ponte de Sagres - Martinhal de que ele é o régulo. E, infelizmente, ele agora tem de ser o homem grande e a mulher grande da casa. 

Sabendo nós que ele é, entre outros talentos, um cozinheiro de primeira água, desafiei-o a "dar um cheirinho" dos seus pratos. Sempre discreto, mas solidário, não quis deixar de colaborar nesta série. Mandou-me dúzia e meia de fotos "com inteira liberdade" para as selecionar e editar, e partilhá-las com os nossos leitores,  Selecionei uma meia dúzia.

Hoje saem uns Pimentos estufados com vinho do Porto e uma Canja de garoupa. Eu, que tenho estado a pão de farinha de trigo de barbela com mistura de alfarroba, chá e aguinha da torneira, já estou a salivar como o cãozinho do Pavlov!...  A dieta (oito dias) é por um,a boa causa, a saúde, ou melho,  umas "chapas" que tenho de tirar,  devendo levar a tripa vazia e a bexiga cheia... Há coisas piores, como apanhar a Covid-19 nesta altura do campeonato. 

Fiquem bem, caros/as leitores/as, não percam o gosto nem o olfacto e sobretudo a vontade de continuiar a saborear uns bons petiscos,antes da viagem para o céu... Que lá, no restaurante do São Pedro, dizem, não há disto, uma canjinha de garoupa, com espinafres e umas ameijoas algarvias... LG
 
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