terça-feira, 28 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22576: Ser solidário (240): Jardim-Escola Capitão Luís Filipe Rei Vilar e Residência dos Professores de Susana "Os Sopitos", duas magníficas obras da Associação Anghilau (Manuel Rei Vilar / José d'Encarnação)




Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Susana > 13 de julho de 2021 > Depois da escola cap ri, foi construida a residência de professores do Agrupamento Escolar de  Susana, com início em novembro de 2020. Tem 7 quartos e 2 salas comuns.


Fotos (e legendas): ©  Manuel Rei Vilar (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Manuel Rei Vilar

1. Duas mensagem do nosso amigo Manuel Rei Vilar, membro da nossa Tabanca Grande (nº 812), líder do projeto Kasumai, irmão do saudoso cap cav Luís Rei Vilar (Cascais, 1941 - Suzana, 1970) (*)

Data - 19 jul 2021 20h37
Assunto - Nova Residência de Professores da Escola de Suzana

Caríssimo Amigo Luís Graça

A construção de uma Residência de Professores foi o grande objetivo da Associação Anghilau para 2021. 

De facto, a necessidade de fixar os Professores da Escola de Suzana numa Residência com condições dignas de habitabilidade foi um pedido a Direção do Agrupamento Escolar de Suzana nos solicitou para assegurar a continuidade do ensino e a presença dos Professores nesta localidade.

As obras da Residência terminaram agora e esta foi já entregue aos professores do Agrupamento Escolar de Suzana, esperando pela Inauguração oficial será efetuada posteriormente logo que as condições sanitárias o permitirem pelos membros da nossa Associação.

Falta agora unicamente completar com o mobiliário, os equipamentos da cozinha e da casa de banho assim como a canalização da agua corrente, o que será realizado nas próximas semanas.

Temos de agradecer aqui a preciosa ajuda de do incansável Padre Vítor, Prior de Susana e do nosso amigo Olálio Neves Trindade, responsável da ONG VIDA assim como da comunidade de Susana que respondeu com o seu trabalho à edificação desta linda Residência.

Kassumai (Felicidade, Paz e Liberdade)

Manuel Rei Vilar



Data- 26 ago 2021 15h03
Assunto - A história de uma inesperad surpresa

Caríssimo Luís Graça

Há uns dias enviei-lhe um texto intitulado "A HISTÓRIA DE UMA INESPERADA
SURPRESA" e publicado num blogue

https://duaslinhas.pt/2021/08/a-historia-de-uma-inesperada-surpresa

Não sei se o recebeu... Trata-se de um pequeno resumo da nossa história e do nosso trabalho em Suzana na Guiné-Bissau. Foi escrito por um amigo meu que gostou da história. O José d'Encarnação é de Cascais e andou connosco na Escola Salesiana do Estoril. Foi ai que ele conheceu o meu irmão. Atualmente, ele é Professor Catedrático reformado da Universidade de Coimbra e exerce muitas vezes o jornalismo. Penso que seria interessante publicá-lo no blogue dos Combatentes e pedia-lhe que se
estivesse de acordo, os meus irmão e eu também gostaríamos que o fizesse.

Um grande abraço e muita Saúde

Manuel Rei Vilar (**)


2. A HISTÓRIA DE UMA INESPERADA SURPRESA – O JARDIM-ESCOLA CAPITÃO LUÍS FILIPE REI VILAR!

por José d'Encarnação

  
Nesse dia do ano 2000, a cabeleireira do lar não estava disponível e D. Maria do Carmo precisava mesmo de lavar a cabeça e pentear-se. Decidiu, pois, sair e ir até à cabeleireira do bairro. Conversa puxa conversa (a gente sabe como é…) e a surpresa apareceu assim de repente, completamente inesperada, mais inesperada do que todas as surpresas. 

A mãe do capitão

Não era a primeira vez que D. Maria do Carmo ia ali. Contudo, desta feita, vendo que a cabeleireira era uma senhora africana, teve curiosidade em saber donde viera. 
– Da Guiné – respondeu. 
– E donde exactamente. 
– De uma aldeia chamada Susana. Fica situada a 5 km da fronteira com o Senegal, no noroeste da Guiné-Bissau. 
– Susana? Mas foi em Susana que o meu filho esteve e aí comandou a sua Companhia… 
– Mas a Senhora é da família do senhor capitão que morreu na guerra, o capitão Luís Filipe Rei Vilar? 

D. Maria do Carmo estremeceu ao ouvir soletrar o nome completo do filho. 
– Sim, sou a mãe. Ele morreu, sim, em combate na Guiné. A 18 de fevereiro de 1970… Mas a senhora, que é tão nova, como sabe o nome do meu filho? 
– É que, em Susana, nós veneramos muito a memória dele! 

D. Maria do Carmo estremeceu ainda mais. 
– Sim? Porquê? 

E a cabeleireira começou a desfiar, com entusiasmo, o rosário de benefícios que o capitão conseguira trazer para a aldeia, quando ali estivera em serviço com a sua companhia. Lutara, sim, ele e os seus homens, para defenderem a população, garantiu a cabeleireira; mas o mais importante ainda foi toda a obra social aí levada a cabo, nomeadamente no domínio da instrução, mediante a construção de uma escola, uma escolinha de 25 x 10 metros. 

«Lutando, construindo e ensinando» era a sua divisa! Em Susana chamavam-lhe o Capitão dos Pretos! As crianças eram recolhidas num raio de 5 km para irem à escola e, antes de serem levadas para casa, partilhavam o rancho dos soldados, da sopa deles… Por isso, esses meninos eram apelidados de “sopitos”. E ainda hoje o são! 

A surpresa da família 

A novidade caiu inesperada. 

Sobre a comissão de Luís Filipe Rei Vilar, nascido em Cascais a 12 de Novembro de 1941, e, sobretudo, acerca das circunstâncias da sua trágica morte,  chegaram a divulgar-se informações contraditórias e a família, contristada, preferiu continuar a ficar com a recordação do excelente percurso académico e militar que o filho tivera. 

Fora brilhante aluno na Escola Técnica e Liceal Salesiana de Santo António, no Estoril; praticara hóquei em patins no Grupo Dramático de Cascais; notabilizara-se na Academia Militar e, nomeadamente, na equitação, tendo participado em vários concursos no Hipódromo de Cascais, que tem hoje o nome de Manuel Possolo, mestre de equitação do Luís. 

Essa informação trouxe, pois, de novo à memória os momentos bons e também os maus. 

D. Maria do Carmo viria a falecer em 6 de Janeiro de 2004. Os filhos Duarte, Manuel e Miguel é que não ficaram sossegados enquanto não tiraram a limpo o que acontecera e qual a razão dessa veneração dos Felupes pelo seu irmão mais velho. 

Fora-lhe atribuída, a título póstumo, a Medalha de Serviços Distintos Prata com Palma («Diário do Governo» de 11-5-1970), tendo sido destacado, na circunstância, que «no campo da acção psicológica actuou como um verdadeiro apóstolo, conquistando o respeito e admiração das populações, que nele confiavam cegamente; no campo operacional salientou-se pela firme determinação em bater o inimigo nas zonas de refúgio e pelo exemplo da sua presença nos locais de maior risco». 

Soube-se depois que, também em Susana, após a sua morte, fora colocada uma placa em sua memória, hoje desaparecida. 

O Município de Cascais, por deliberação unânime de 5 de Junho de 1970, dera o nome ‘Capitão Rei Vilar’ a um arruamento do Bairro Navegador, no mesmo dia em que foi decidido homenagear, no mesmo bairro, a memória de outro cascalense, o Furriel João Vieira, que, aos 23 anos, fora morto em combate, em Angola, a 6 de Agosto de 1965. Aluno da Escola Salesiana do Estoril também ele. 

A obra em marcha 

Em primeiro lugar, a notícia dada pela cabeleireira causou na família muito espanto e alguma dúvida. 

Sucedeu, porém, que, em Abril de 2016, o irmão Miguel recebeu a mensagem de um desconhecido, um certo Luís Costa, antropólogo, recém-chegado da Guiné, aonde fora em preparação da sua tese de doutoramento e que vivera quatro meses em Susana. O teor era o seguinte:

 «Quero-lhe dar conta que a Memória do seu irmão, Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, comandante da CCAV 2538 […] continua bem viva e respeitada. Os habitantes de Susana falam com entusiasmo e saudade do seu irmão e contam o interesse e respeito que ele tinha pelas gentes da Guiné, em especial pelos Felupes». 

E, assim, em Janeiro de 2017, no seguimento desta mensagem, os três irmãos Manuel, Duarte e Miguel partiram para a Guiné. Escreve o Manuel, a 30 desse mês: 

«Quando chegámos a Susana, a surpresa! À chegada, tínhamos uma recepção de cerca de 200 crianças a cantarem e a bailarem, todas lindamente penteadas, limpas e bem vestidas. Não estava a acreditar! Toda a população nos esperava! Permanecemos em Susana 4 dias, alojados na missão católica. Foram 4 dias a conviver com a população, com os Felupes, a etnia local. Fomos ao sítio onde tudo se passara. Ainda há alguns guias felupes vivos que incorporaram a Companhia nessa altura e os seus pormenorizados relatos, nomeadamente das circunstâncias da morte do Luís, foram para nós testemunhos muito importantes». 

Entre outros, o do Padre Zé (José Fumagalli), já com 80 anos, que dirigia a Missão Católica nesse tempo e que conheceu e conviveu com o Capitão, também confirmou essas informações. 

As autoridades locais (o Conselho dos Homens Grandes) acolheram-nos, pois, de braços abertos; e a Missão Católica (liderada então pelo Padre Abraão e, posteriormente, pelo Padre Vítor) proporcionou-lhes um básico alojamento, porque, na verdade, Susana é aldeia pobre, minguada de meios.

 O resultado dessa primeira viagem a Susana foi a promessa dos irmãos Rei Vilar de continuarem a obra, no que respeitava à educação das crianças, em tão boa hora iniciada pelo irmão Luís Filipe, em circunstâncias assaz adversas. Foi assim que surgiu, espontaneamente e com esse objectivo, o Projecto Kassumai, que deu origem, em 2020, à constituição da Associação Anghilau («criança», em língua felupe). 

Foram assim apadrinhadas 35 crianças: a Adelaide da Silva, o André Djejo, a Bequita Ampabagai, o Davide N’Manga, a Necas Sambu, o Olívio Bussa, por exemplo, que aparecem, felizes e tímidas, no vídeo Kassumai, que Casper Steketee e Manuel Rei Vilar realizaram, não apenas para dar conta da vida do irmão Luís, mas, de modo especial, para fazerem jus ao bom acolhimento havido por parte da população e, sobretudo, para motivarem os amigos e familiares a aderirem a este projecto educacional. 

Kassumai, o nome do projecto, é a saudação felupe, que significa simultaneamente «felicidade, paz e liberdade». E quando alguém saúda outrem – «Kassumai»! – o outro deve responder «Kassumai Kep», que quer dizer «para sempre!». Um toque de humanidade a reter dos nossos irmãos africanos! 

Daí até à sugestão de reabilitar a escola e de fazer um edifício a condizer com as necessidades foi um passo. O Jardim-escola, que se encontrava decrépito, foi completamente reabilitado: renovação do telhado, pavimentação das salas, pinturas das paredes, aquisição de nova mobília adequada ao ensino pré-escolar, arranjos das portas totalmente danificadas, novas instalações sanitárias com duas fossas sépticas, criação duma pérgula para as crianças tomarem as refeições e brincarem nos dias de chuva e elaboração duma cerca para maior protecção da miudagem. 

Em 2017, os irmãos Rei Vilar tinham encontrado em Susana um homem branco, da ONG VIDA – Voluntariado Internacional para o Desenvolvimento Africano, organização criada em 1992, com sede em Lisboa, na Rua Nova do Almada (http://vida.org.pt), que focou muito da sua actividade na Guiné, em prol de contribuir para acudir às prementes necessidades de nutrição, mormente das crianças, através duma implementação correcta do Programa Nacional de Nutrição da Guiné-Bissau que contribua para a sua sustentabilidade. Como é lógico, gerou-se, de imediato, uma útil parceria com a futura ‘associação’ das boas vontades que a família conseguira congregar em torno de si. 

A partir desse encontro, a figura de um felupe, o Sr. Olálio Neves Trindade, hoje responsável da ONG VIDA na Guiné-Bissau, veio a ser o homem de campo do Projecto, em colaboração com o Prior de Susana Padre Vítor Pereira. Os media foram indispensáveis para manter uma ligação quase quotidiana com Susana e para difundir as actividades do Projecto. 

E, a 18 de Fevereiro de 2020, 50 anos depois da morte do Capitão, dia após dia, as novas instalações pré-escolares foram solenemente reinauguradas, com o nome Jardim-Escola Capitão Luís Filipe Rei Vilar, nome escolhido pela Direcção do Agrupamento Escolar de Susana, na presença de doze padrinhos e madrinhas, que se deslocaram a Susana para esse fim, das autoridades locais (administrativas, religiosas e escolares) e do Comité das Mães. Actualmente, o Jardim-Escola tem uma capacidade para mais de 70 crianças e o Agrupamento Escolar de Susana, que resultou da pequena escola criada pelo Capitão Rei Vilar, é frequentado por mais de 700 alunos. 

A construção de uma Residência dos Professores de Susana foi o segundo objectivo do projecto, crucial para fixar os docentes em alojamentos condignos. A nova residência encontra-se terminada e apta a acolher os professores a partir do próximo ano lectivo: foi entregue nas últimas semanas às entidades escolares. 

A reabilitação do Jardim-Escola assim como a construção da nova Residência para professores foram totalmente pagas com os donativos do apadrinhamento das crianças. 

O que falta? 

Compreende-se, porém, que projectos deste teor nunca podem considerar-se terminados e, após uma solução encontrada, outro problema por resolver se depara com premência. Neste sentido e neste momento, um terceiro projecto tem como objectivo reabilitar os restantes edifícios escolares, incluindo o acabamento do Liceu, que foi inteiramente construído pela comunidade de Susana. 

Em Março de 2020, a Associação Anghilau, recentemente constituída, decidiu dar conhecimento do trabalho realizado em Susana à Câmara Municipal de Cascais, tendo sido pedida, para esse efeito, uma reunião com a Divisão das Relações Internacionais. Nessa reunião, a Câmara dispôs-se a analisar este terceiro projecto, baptizado de Projecto Cascais-Susana, que se encontra ainda em apreciação. 

A aprovação desse projecto seria, de facto, o reconhecimento de todo o trabalho realizado até aqui e também, de certa forma, uma maneira de o Município poder honrar, tal como os Felupes o fizeram, a memória do Capitão Luís Filipe Rei Vilar, um filho de Cascais, sempre presente nesta vila e no coração dos habitantes de Susana. 

José d’Encarnação

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(**) Último poste da série > 7 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22521: Ser solidário (239): Para as crianças deslocadas em Moçambique, a Escola é uma primeira casa - Uma iniciativa da Helpo - Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (Manuel Gonçalves, ex-Alf Mil)

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22575: Notas de leitura (1385): Francisco Serra Frazão e o crioulo guineense (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
Não é nenhuma lança em África, trata-se de um maço de fichas, alfabeticamente organizadas, um curioso em filologia do mundo africano português, quadro colonial em Angola, escritor premiado, ter-se-á interessado pela filologia comparada e foi juntando elementos sobre línguas étnicas da Guiné, que não desenvolveu. O que aqui se mostra é a transcrição das suas fichas e conta-se com a benevolência e a disponibilidade dos camaradas na Guiné para corrigir o que Francisco Serra Frazão terá mal interpretado, junto dos seus interlocutores. Só nas décadas recentes é que apareceram dicionários, Benjamin Pinto Bull doutorou-se com o crioulo guineense e há missionários italianos que devotam ao crioulo um estudo notável.

Um abraço do
Mário



Francisco Serra Frazão e o crioulo guineense

Beja Santos

Nos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa consta um volume que aberto revela um conjunto impressionante de fichas de trabalho que pertenceram a este administrador de circunscrição, sempre em Angola, em 1914 já era administrador no Golungo Alto, no prefácio a um dos seus trabalhos, Norton de Matos tece-lhe os elogios mais rasgados pela exemplaridade como funcionário e como investigador. O livro aqui mencionado, sobre as associações secretas entre os indígenas de Angola, recebeu o 1.º prémio de etnografia no XX Concurso de Literatura Colonial. O curioso dos seus trabalhos era a filologia comparada, não faltam referências a Angola, Cabo Verde, São Tomé e Guiné. Foi admitido como sócio efetivo da Sociedade de Geografia de Lisboa em 21 de novembro de 1944, era o sócio 15003, faleceu em março de 1948.

Verificados todos os maços de fichas, encontra-se um levantamento de vocábulos do crioulo guineense. Convém recordar que a primeira tentativa de dicionário é da autoria de Padre Marcelino Marques de Barros, nas últimas décadas, graças ao labor de missionários investigadores do crioulo surgiram dicionários. Não se sabe o que levou Francisco Serra Frazão a interessar-se por estas expressões, há mesmo uma tentativa, que só desenvolveu de forma incipiente, de comparar vocábulos portugueses em cinco ou seis línguas étnicas, não passou de um esboço. Mas quanto ao crioulo, veja-se o que consta destas fichas:
Abrandar – barandá; acabar – cabá; aceitar – setá; acender – sendê, cendê; achar – ódja; aconselhar – consedjá; afogar – fogá; água – iágo; agudo – gúdu; ainda – inda; ajuntar – djuntá; alguém – àguém; ali, aqui – li; amor – querê; aquecer – quentá; aquele, aquilo – quel; arrozal – bolanha; assim – sima, sim, ês; atirar – djogá, ramangá; avermelhar – burmedjá; bater – batê, bati; Bolama – Blama; balaio – balé; balcão, varanda – balcon; bandeira – bandera; barafustar – barafustá; bem – bem; bolo – bolo; bote – bote; cacho – cacho; caiar – caiá; camisa – camisa; candeeiro – candia; canoa – canua; carneiro – carnél, amonton; casa – can, cassa; cascos (de animal) – sapata; chão – tchon; chicote – chicote; chover – djobê; cobrir – cubri; colher – cudjer; concordar – setá; conta – conta; contar – contá, cuntá; convir – sentá; copo – copo; coroa – crua; dar – dá; deitar – botá, bota; deixar – dessá; demanda – demanda; Deus – Deus, Dês; doce – dôc; dossel, sanefa – mêc; doido – dôdo; dois – dôs; é (verbo) – i; eles – es; embarcar – bác; enganar – anganhá; então – antã, antam; escolher – escodjê; esconder – sucundi; escondido – condidjo, sucundido; esmola – sumóla; espera – pera; eu – mim; falcão – falcon; faltar – mangá; fazenda – fassenda; fazer – fassê, fossê, facêl; feira – fera; fiar, confiar – fiá; ficar – fica; filho – fidjo; fogo – fugo; figueira – fuguera; galinha – galinha; garfo – garfo; grande – garandi; grão – garâ; história – stória; imbecil – amonton; irado – brabu; irmão, irmãos – ermon, ermons; janeiro – djanero; janela – djanela; jarra – djarra; junto de – longo; jurar – djurmentá; lenço – lenç; levar – rebatá; lobo – lobo; loja – lossa; lua – lua; luz – candia; macho – matcho; mãe – mamãe; mais – más; malhar – madjá; mancarra – mancara; mandar – mandá; manobra – manobra; mar – mar, mádje; marrada – modjadera; marrar – modjá; matança – matança; matar – matá; meio – mi; mulher – mindjer; menino – minino; meu, minha – nha; miséria – fede; molhar – modjá; moradia – morança; mostrar – mostrá; mudança – cambança; mundo – mundo; neto – neto; nós – na; nosso – nô, nos; novo – nobo; nunca – nem; oiro – ôro; oliveira – olbera; ovo – obo; paciência – passença; pai – papai; parida – padida; pássaro – pástro, pástros (plural); pau – pó (árvore); pedir – pidi; pessoa – aquém; pilão – pilon; poder – pudê; poilão – polon; pois – pô; pomba – pomba; pôr – pô; porque – parque; porta – porta; pouco – pouco; prata – prata; prato – prato; pressa – de pressa; providência – purbidência; rabo – rabo; rato – rato; queixar – queçá; rabiar – rabidá; recuar – racuá; reino – reno; rende – renda; requebro – requendel; respeito – respêto; responder – respondê; retalhar – ratadjá; revirar – rabidá; rua – rua; sair – saí; satã – seitáno; seco – sêcu; sem – sim; senhor – nho; servir – sirbí; seu, sua – sê; silva – sirbi; só, somente – djusto; sobre, em cima – riba; sol – sol; tardar – tardá; teimoso – amonton (carneiro); ter – tenê, tem; tina – tina; tio – ti; todo – tudo; tolo – amonton; tomar – tomá, toma; tornar – torna; torcido – torcido; trancar – trancá, tarancá; tratar – taratá; três – tres; tudo – tudo; tufo – bucho (diz-se das velas pandas); vaca – baca; vai – bá; vela – vela, bela (de navio); vem – ben; vender – bendê; verdade – bardade; vermelho – burmedjo; virar – bidá; voar – buá; vós – bós.

Ver site da aprendizagem do crioulo guineense:
MONTE DE PALAVRAS

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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22572: Notas de leitura (1384): "Tempo das coisas", tempo de viver, tempo de morrer... A pungente despedida de Renato Monteiro (1946-2021): 31 poemas escritos de rajada na noite de 3 para 4 de julho de 2021 (Luís Graça)

Guiné 61/74- P22574: (De)Caras (177): Ana Carvalho, sobre o seu pai, António Carvalho, autor do livro "Um caminho de quatro passos": "Começa-se a vida com um grande avanço quando pelos nossos pais só sentimos admiração, orgulho e amor"


Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > Ao centro, a filha, mais nova, Ana Carvalho, na mesa, falando com emoção do seu pai. (É doutoranda em ciências da educação pela Universidade do Porto, e fez-se acompanhar de uma série de colegas, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação.) 

Foto: © Fernando Súcio (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Intervenção de Ana Carvalho, na sessão de apresentação do livro do seu pai, António Carvalho, "Um caminho de quatro passos", dia 11 de setembro de 2021, na Tabanca dos Melros  (*)


Olá,  a todas/os!

Sobre o dia 11 de setembro de 2021...

Duas semanas antes o meu pai perguntou-me se no dia 11 eu queria dizer algumas palavras sobre o livro e eu, tão entusiasmada com o grande dia, disse logo que sim. Nos dias anteriores percebi que nunca me tinha sentido tão insegura para falar em público. É que este não seria um discurso para apresentar uma pesquisa, seria o momento de me pronunciar sobre o livro mais bonito que eu já li, e, para dificultar, entre o público estavam os extraordinários amigos do meu pai.

Preparando-me, registei algumas ideias sobre cada um dos capítulos (4 ou 5 frases que não encontro agora) que depois da estrondosa apresentação feita pelo Luís Graça (**), perderam o propósito! Nada podia acrescentar valor àquele discurso. Então, com muita emoção, mudei o plano e falei sobre o que senti ao ler o livro e, do que me recordo, terei dito mais ou menos isto:

Fui lendo "Um Caminho de Quatro Passos" à medida que foi escrito e, tendo sempre ficado muito orgulhosa a cada história, a verdade é que não fiquei surpresa. Era esperado que quando o meu pai se sentasse para escrever um livro, seria um daqueles livros que nos permitem viver a história, sentir emoções, ficarmos tristes, revoltados, felizes e indignados.

 Não tendo ficado surpresa fiquei sempre muito emocionada porque os episódios relatados são histórias de vida, e, por isso, em muitos momentos quis entrar no livro e abraçar aquela criança curiosa e sonhadora, aqueles jovens despejados e abandonados pelo seu país na Guiné-Bissau, os fugitivos da guerra civil de Espanha, o padre excomungado e o presidente de junta que nunca desistiu.

A forma como o meu pai apresenta os seus quatro passos, desde a infância nas Medas, o caminho duro na Mealhada, a insanidade da Guerra do Ultramar e uma vida de dedicação ao progresso da nossa freguesia, permitiu-me reconhecer mais uma vez que ele é a pessoa com maior capacidade de introspeção e discernimento que eu conheço.

Começa-se a vida com um grande avanço quando pelos nossos pais só sentimos admiração, orgulho e amor, e por isso, o meu caminho e o da minha irmã Cláudia, é com toda a certeza mais fácil, mais leve e mais livre, com o seu exemplo.

E no fim acho que disse “Parabéns, pai!”... Se não disse, digo-o agora.(***)

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

13 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22540: Agenda cultural (783): Foi dia de festa na Tabanca dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, o dia 11, em que o António Carvalho lançou ao mundo o seu livro - Parte I: mais de 80 presenças!

19 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22554: Agenda cultural (784): Foi dia de festa na Tabanca dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, o dia 11, em que o António Carvalho lançou ao mundo o seu livro - II (e última) Parte: registe-se com agrado o apoio que "O Bando do Café Progresso" deu ao nosso novel escritor

domingo, 26 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22573: Blogpoesia (749): "Na proximidade do espaço e do tempo"; "A aproximação dos rios"; "Palavras doces" e "Armadilhas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, CachilCatió e Bissau, 1964/66):


Na proximidade do espaço e do tempo

É na proximidade do espaço e do tempo
Que se notam as nódoas e as impingens no rosto.
A aparência é enganadora.
Só no voo rasante dos olhos se vêem as manchas e erupções da pele e faltas de barba.
De longe tudo parece sereno e quase morto.
Não é no momento que se avalia a pessoa.
É preciso segui-la de perto.
Por onde anda e o que faz para viver.
A honestidade só se prova perante o abismo da corrupção.


Berlim, 19 de 2021
16h7m
Jlmg


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A aproximação dos rios

Cobrem de verde as hortas e vinhedos das aldeias.
Regam os campos com regos que ensopam os pés do milho
Que só aloira no verão.
Como é belo vê-los bailando ao vento como velas pandas de moinhos.
Suas margens aninham ninhos do passaredo
Que não tem onde cair de pé.
Sinuosos, enfadonhos, entumecidos,
Fazem curvas e enseadas onde apetece tomar banho.
Como riem às gargalhadas como os putos nus depois da escola.


Berlim, 20 de Setembro de 2021
19h45m
Jlmg


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Palavras doces

Com palavrinhas doces e festinhas mansas se criam amigos para toda a vida.
É impossível viver sem amigos.
Vem uma dor de barriga de ranger os dentes e zás...aí vamos a correr para o médico.
Se calha cumprir pena de prisão- ninguém está livre de pecar,
Corremos todos os amigos de fio a pavio, à espera duma visitinha.
O mundo seria um inferno sem as amizades entre os irmãos.


Berlim, 21 de Setembro de 2021
22h2m
Jlmg


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Armadilhas

A vida está cheia de armadilhas.
A cada passo tropeçamos nelas,
Por mais cuidados que tenhamos.
Para não falar já dos burlões.
Aparecem em qualquer esquina.
E, zás, ficamos sem a carteira.
Todo o cuidado é pouco.
Orelhas arrebitadas e olhos vivos.
É a receita apropriada.


Berlim, 24 de Setembro de 2021
17h20m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22555: Blogpoesia (748): "Palavras coloridas"; "De novo, no bar motocas" e "O meu voo", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P22572: Notas de leitura (1384): "Tempo das coisas", tempo de viver, tempo de morrer... A pungente despedida de Renato Monteiro (1946-2021): 31 poemas escritos de rajada na noite de 3 para 4 de julho de 2021 (Luís Graça)

 

"Livro de quem adivinha o tempo das coisas e que quer deixar, ainda, aos amigos algumas palavras. Pediu-me para o editar. Com um clique encontram as palavras e sei que lhe ouvem também a voz." (Margarida Miranda Monteiro, in Página do Facebook de Renato Monteiro, 23 de julho de 2021)

 


Dedicado ao neto, de 15 anos, Carlos Monteiro, filho do Daniel Monteiro, que de vez em quando perguntava ao avô porque é que ele não escrevia... Escreveu 31 poemas, escassos dias  antes de morrer e pediu à sua mulher, Margarida (Guida, toda a vida) para mandar um exemplar a uma lista restrita de amigos...



Índice dos 31 poemas


"O comboio". o últmo poema (pág. 33): é mesmo um poema de despedida... sob a metáfora do comboio que chega e não chega, "muita terra, pouca ou nenhuma".


"Só", pág. 12. Sem nunca vir mencionada a palavra "morte", ao longo destes 31 poemas,
ela está todavia presente do princípio ao fim. É um homem, de um tremenda lucidez, que sabe vai morrer nos próximos dias, quando o coração parar de bater de vez... E sabe que o fim não tem retorno. E, pior que tudo, que é o ato mais solitário da vida.


"Veneno", pág. 4. O soro, o inútil soro, agora veneno, num corpo que não será múmia... Não há aqui autocomiseração, mas auto-ironia. Ácida.


"Sede", pág. 24.  A metáfora da água que já não dessedenta...


"Coração", pág. 18. O coração já exterior ao corpo, sal-ti-tan-do 
como um inútil boneco de corda.


"Bate bate bate", pág. 29...E que bate, já por nada nem ninguém.


"Arroz de cabidela", pág. 20. Uma metáfora cruel.


"Letras", pág. 23. A incomunicação total ou final. 


"Guida, pág- 14. O último poema de amor. Guida, sempre,  até sempre! Faz os tempos da guerra  que lhe mandava cartas de amor/humor com recortes de letras de jornal...



"Liberdade", pág. 17.  Ah! a liberdade de já não esperar coisa nenhuma!... A liberdade encerrada para balanço final, o do deve e haver da vida.


"Paragem", pág.  26.  O tempo em que tudo pára, mas a paixão da fotografia,
essa, fica expressa em muitos álbuns,  E a paixão da escrita, mesmo que não nos salve. Nada nos pode salvar quando chegarmos ao fim da picada.


"Tempo", pág. 3. O tempo sem mais tempo, o nada, 
um relógio sem ponteiros.



1. O Renato Monteiro (1946-2021) (*) será sempre,  para 0s nossos leitores, o misterioso "homem da piroga" cujo nome  eu procurei durante várias décadas (, desde que, em Contuboel, em 18 de julho de 1969, eu parti para Bambadinca com os meus camaradas da CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, e ele com os seus, os da CART 2479, futura CART 11,  com destino a Nova Lamego).

O Monteiro (,aliás Renato), aqui na foto, com o Henriques (, aliás, Luís Graça), no rio Geba, em Contuboel, em junho/julho 1969... Não sei quem era o terceiro elemento da "tripulação", talvez o Cândido Cunha. Éramos três "desalinhados " do sistema, despejados sem saber como no Centro de Instrução Militar de Contuboel, em pleno "chão fula"...

Ao fundo, a ponte de madeira onde o Monteiro poderia ter morrido, sem também ninguém saber como, numa tarde de julho de 1969. Deu um mergulho, temerário,  e ficou preso na represa, feita pela estacaria de madeira da ponte. Desensarilhou-se no último fôlego de vida. Uma  cena dramática que eu nunca mais esquecerei na vida. Nascido à beira beira-mar, eu não sabia nadar,  nem nunca mergulhei num rio ou braço de mar da Guiné (, por trauma da infância, provocada pela estúpida praxe do dia de São Bartolomeu, o 24 de agosto, em que os adultos batizavama os putos na água revolta e salgada do Atlântico).

 Perdi-lhe o rasto em 18  de julho de 1969,  mas não o rosto, durante 36 anos... Afinal,ele vivia a escassas centenas de metros da Escola Nacional de Saúde Pública, na Av Padre Cruz, onde eu tive um gabinete de trabalho desde 1985.

Reencontrámo-nos, uma ou outra vez, telefonávamos com alguma regularidade (três ou quatro vezes por ano...), trouxe-o para o blogue (não sem alguma resistência da sua parte...) mas perdi a oportunidade soberana de o levar à Lourinhã, para beber um copo, a ele e à sua Guida, com o Mar do Cerro à nossa frente. 

A doença (uma temível DPOC) e a morte, no "annus horribilis" de 2021, em 9 de julho, trocou-nos as voltas... Tendo-me recusado a dizer-lhe "adeus, descansa em paz" (a fórmula ritual do noticiário necrológico), disse-lhe apenas "Até um dia qualquer, meu bom amigo e camarada, num reencontro imediato do 3º grau, na nossa ou noutra galáxia"...

Foi homem e artista de múltiplos olhares e "fotografares" (, feliz títuo de um dos seus blogues): as gentes e as paisagens do Bairro da Graça (onde mora a minha netinha) ao Cabo Carvoeiro, da Trafaria a Cascais, da Quinta Grande a Vila Franca de Xira, do Algarve ao Alentejo, dos ciganos aos cabo-verdianos, dos pescadores do Tejo aos putos da rua, do pessoal das "barracas" aos operários da Lisnave, aos velhos, aos cidadãos anónimos, aos estrangeiros, afinal, "nós outros" (outro feliz título de outro dos teus blogues)...

Deu rosto a muita gente sem rosto, sem voz, sem história, e mais mundo haveria para fotografar se não fora tão curta e ingrata a vida, em plena pandemia... Chorei a sua perda e voltei a emocionar-me quando a Margarida Monteiro, a Guida, me telefonou a pedir a minha morada: o Renato deixou, por imprimir, uma espécie de testamemto poético, febrilmente escrito na noite de 3 para 4 de julho. (**)

Em 22 de agosto, escrevi à Guida por mensagem do telemóvel: 

"Querida amiga,  recebi o livrinho e já o li e reli. Pungente. Um grande documento humano e uma pequena grande obra-prima da poesia em português.Vou ver se consigo por estes dias publicar uma nota de leitura no blogue. Obrigado por tudo. Abraço para os teus homens. Chicoração para ti. Dorme bem. Luís."

E a 2 de setembro, mandei-lhe nova mensagem: 

(...) "Tenho pena de não ter convivido com o Renato e na prática não te ter conhecido na vida dele. Ainda me chegou a manifestar o seu desejo de eu lhe escrever um texto para um álbum fotográfico. A vida, afinal,  é tão curta para as nossas agendas e sonhos. Nunca fui a uma exposição dele!!!...  Ofereceu-me um dos seus álbuns. Manda o livro ao Valdemar Queiroz. "(...) 

Li e reli o livrinho, "O tempo das coisas". Em cada um dos poemas, fiz uma anotação a lápis, com a avalição numa escala de  um (*) a cinco (*****).   A seleção que fiz a acima é dos poemas de que mais gostei, numa primeira leitura. E inseri-os por uma ordem que é mais lógica do que que cronológica. (»»»)

(***) Último poste da série > 23 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22565: Notas de leitura (1383): "Um caminho de quatro passos", de António Carvalho (2021, 219 pp.): apontamentos etnográficos para o retrato da nossa geração, de antigos combatentes - Parte I (Luís Graça)

sábado, 25 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22571: Os nossos seres, saberes e lazeres (469): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (17): As três pancadas de Molière… Silêncio, o espetáculo vai começar! (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
O acervo do Museu Nacional do Teatro e da Dança é gigantesco (contava em 2011 com 300 mil espécies, seguramente que hoje tem muito mais, doações não faltam), uma museologia e uma museografia de topo asseguram ao visitante um panorama altamente esclarecedor deste espólio enormíssimo: figurinos, muitos deles saídos das mãos de alguns dos nossos maiores artistas; trajes de cena verdadeiramente representativos da história do teatro, estão ali as companhias mais marcantes, exemplares de cenografia, maquetes, retratos, desenhos, caricaturas, recorde-se que a coleção de fotografias do Museu Nacional do Traje é inextinguível (mais de 150 mil espécies), cartazes, equipamentos técnicos. Agora, no piso superior, o visitante tem mostras do Museu da Dança e os investigadores podem ter acesso a uma biblioteca/centro de documentação visto que o museu reúne uma das coleções da bibliografia teatral de maior dimensão do nosso país. É uma esplêndida viagem pelas artes do espetáculo, porque se percorre este museu como se estivéssemos num palco ou num proscénio ou acesso aos bastidores, estão ali peças icónicas como o pastel de Columbano Bordalo Pinheiro que retrata o ator e escritor Augusto Lacerda, a cadeira de Garrett, o órgão de luzes do Teatro Nacional de São Carlos quando ele foi reequipado em 1940, o busto da Amália, indumentária luxuosa, não se pode pedir mais para este espaço do Palácio Monteiro-mor, mas até se tem direito a percorrer o aprazível parque, um dos mais belos oásis de Lisboa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (17):
As três pancadas de Molière… Silêncio, o espetáculo vai começar! (o teatro é o escaparate de todas as artes, Almada Negreiros dixit)


Mário Beja Santos

Almada teve as suas razões fundadas para dizer que o teatro é o escaparate de todas as artes. Como escreve José Carlos Alvarez no livrinho que dedicou a este museu, Quid Novi Edições, 2011, “Se tomarmos como exemplo a montagem de um espetáculo de Gil Vicente ou de Shakespeare, facilmente observamos que nele estão envolvidos a literatura e a poesia, a dança, a música, as artes plásticas, a fotografia, a arquitetura, para além da carpintaria, da costura, das técnicas de palco, das luzes, etc. A criação de um espetáculo teatral resulta sempre de um trabalho coletivo”. É o resultado desse trabalho coletivo que o Museu Nacional do Teatro e da Dança expõe, de um acervo monumental sempre a crescer, e na posse de um grande arquivo das artes do espetáculo, é a instituição de referência na museologia e na história das artes do espetáculo em Portugal.
O livrinho de José Carlos Alvarez, de preço altamente acessível, desvela ao leitor a heterogeneidade deste acervo: figurinos, trajes de cena, cenografia, desenhos, retratos e caricaturas, postais ilustrados, cartazes, programas e bilhetes, pintura e escultura, música, teatros de papel, peças de mobiliário e teatros, equipamentos técnicos. É um deslumbramento, o visitante está sempre numa cena, há registos sonoros, imagens em movimento e a surpresa é ver a enormidade de talentos portugueses e estrangeiros que contribuíram para a grandiosidade do teatro em Portugal: Leitão de Barros, Tom, Maria Adelaide Lima Cruz, Paulo Ferreira, Bernardo Marques, Mily Possoz, Maria Keil, Lucien Donnat, Octávio Clérigo, António Casimiro, Mário Cesariny, João Vieira, José de Guimarães, Almada Negreiros, Pedro Calapez.
Os núcleos museológicos são impressivos e sugestivos, pense-se nos trajes de cena, nas artes da cenografia, no que nos é mostrado em retrato, desenho ou caricatura. Foi por aqui que começámos.


Vasco Morgado, Busto em Bronze de Martins Correia, exterior do museu
Máquinas de Cena para o espetáculo de rua Romagem de Agravados, de Gil Vicente, apresentado pelos Criadores de Imagens, Caldas da Rainha, 2002, exterior do museu
A Última Ceia dos Polichinelos, Manuel Amado
Cadeiras do velho cineteatro Éden, 1920
Imagem curiosa do Teatro D. Maria II, fim da primeira metade do século XIX, o Rossio era completamente plano

Como o que se mostra é de uma imensa riqueza, é uma profusão cuidadosamente selecionada, se seguirmos as sugestões de José Carlos Alvarez devemos deter-nos em cartazes que falam por mil palavras, cartazes ou programas de espetáculos. Ele selecionou a Mãe Coragem de Bertolt Brecht, em que Amélia Rei Colaço escreveu que foi um sonho que não lhe foi consentido, a Censura não permitia Brecht.
Não deixa de nos impressionar, até porque está em lugar de destaque do primeiro piso, a chamada Carreira de Garrett que, ao que consta, o escritor usava quando assistia a espetáculos no Conservatório. Esteve na sua última casa, na Rua de Santa Isabel. A seguir à sua morte, o rei D. Fernando II comprou-a e levou-a para o Palácio da Pena. A sua segunda mulher, a Condessa d’Edla, convenceu o rei a oferecê-la a Gomes de Amorim, este legou-a ao Conservatório e daqui veio para o museu.


A cadeira de Garrett

Há retratos de divas e de divos e trabalhos de pintores célebres, como o retrato que Columbano fez de Augusto Lacerda, ator, dramaturgo, professor e crítico teatral. Observa José Carlos Alvarez: “A técnica do pastel permite que Columbano se distancie do esquema pictural que carateriza a sua obra retratística a óleo. Por outro lado, o fundo da pintura contrasta com esse esquema porque o pintor optou por uma tonalidade de camurça que o aproxima do da tertúlia da Cervejaria Leão de Ouro, uma mancha branca e difusa envolve e destaca a figura, o traje é esboçado de forma esquemática com um certo sentido de inacabado. No rosto do ator concentra Columbano toda a sua técnica, sobretudo na modelação dos traços, tratados com uma sensibilidade e subtileza que escapam a muitos dos seus retratos a óleo e a sinceridade direta do olhar do ator resulta da simplicidade do traço que aproxima esta obra da prática do desenho”.
A atriz Ilda Stichini (1895-1977)
Retrato do ator e escritor Augusto Lacerda, pastel de Columbano Bordalo Pinheiro, 1889 Há peças iconográficas que seguramente atrairão o visitante: a bengala de Palmira Bastos, os trajes desenhados por Almada Negreiros, as belíssimas maquetes, um espantoso órgão de luzes, mas os trajes de cena são de enorme riqueza, estão dispostos por núcleos, ligados a diferentes companhias, José Carlos Alvarez lembra-nos o Núcleo Paula Rego, um conjunto de cerca de uma dezena de trajes e adereços por ela criados para o bailado “Pra Cá e Pra Lá”, estreado em 1998 pelo Ballet Gulbenkian, no auditório daquela fundação, que representa um dos raros trabalhos da pintora para as artes do palco, aparece integrado numa importante coleção de trajes para ópera e bailado doados pela Gulbenkian. Núcleos não faltam, para além das companhias que fazem história obrigatória no teatro, há os núcleos Amália Rodrigues, Ivone Silva, Filipe La Féria, das atrizes Maria Matos, Laura Alves, Milú, Eunice Muñoz, Luísa Maria Martins e ainda trajes de cena de Carmen Dolores, Maria do Céu Guerra, Companhia Rafael de Oliveira, Leónia Mendes, Lia Gama, Mário Viegas e Paulo Renato.
A gloriosa, a voluptuosa, a sumptuosa indumentária, requintes cénicos do século XIX que chegaram ao século XX
Maquete do Teatro Apolo que ainda conheci no Martim Moniz, em miúdo, antes da terraplanagem daquela imensidão que deu lugar a casebres comerciais
A arte do cartaz, este saído do talento de Fred Kradolfer
Uma peça indispensável no camarim, aqui o ator transmuda-se, a maquilhagem acentua o personagem
Recordo este espetáculo, estive lá na noite em que Maurice Béjart pediu um minuto de silêncio pela morte de Robert Kennedy, “vítima do fascismo e do imperialismo”. A companhia foi imediatamente posta na fronteira, Salazar justificou-se em Conselho de Ministros. Vi Américo Thomaz aplaudir Béjart, mesmo depois de um minuto de silêncio. Coisas da vida.

Para além do percurso pela exposição permanente, o visitante pode deleitar-se com o espaço exterior, esculturas, A Romagem dos Agravados inspirada na obra Tentações de Santo Antão, de Bosch. José Carlos Alvarez recorda que o museu tem uma pequena coleção de bustos de autores e atores dramáticos, de grande valor artístico, criações, por exemplo, de Soares dos Reis, Martins Correia ou Francisco Simões. Que dizer mais? Este museu é de visita obrigatória, está sediado no Palácio do Monteiro-mor na Estrada do Lumiar 10, a entrada é de preço módico e grátis para quem tem o cartão do antigo combatente.

Três imagens do Parque do Monteiro-mor, quem visita o Museu do Teatro ou o Museu do Traje tem direito a este refrigério, vale a pena passar aqui um bom bocado da tarde, trazer um livro ou umas revistas e ouvir o sussurro das águas, é um prazenteiro complemento a quem visita um dos museus

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22553: Os nossos seres, saberes e lazeres (468): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (9) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22570: Casos: a verdade sobre... (28): a CCAÇ 1546 e o Mareclino da Mata: uma mentira colossal (Domingos Gonçalves, ex-alf mil inf, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)


Guião da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887 (Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta
1966/68):


1. Memsagem de Domingos Gonçalves, ex-alf mil inf, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68):

Data - 24 set 2021 16:17


Assunto - CCaç 1546 / Marcelino da Mata


Prezado Luís Graça;

Tomo a liberdade de enviar este pequeno texto, que poderá ser publicado, caso se enquadre nos objectivos editoriais do Blog

A publicação, pelo colega Carlos Silva do livro sobre os "Roncos de Farim", e a não inclusão no mesmo da referência ao recambolesco, despudorado e inventado episódio, da libertação dos homens da companhia de caçadores 1546, presos pelo PAIGC no Senegal, trouxe para a ordem do dia a personalidade do Marcelino da Mata.(*)

Sobre a mentira colossal em causa só posso dizer que a mesma constitui um ultraje para os homens da citada unidade militar, como para a generalidade do exército português. (**)

Com efeito, quer na Guiné, quer em Angola e Moçambique, penso que ninguém apanhou soldados portugueses à mão.

Soldados portugueses aprisionados houve-os sim, em Goa, mas num processo que lhes permitiu uma rendição digna, e um tratamento de acordo a lei internacional



(Lisboa, Oficina do Livro, 2012. 192 pp.)


Claro que a medalha da vida humana tem duas faces. No caso do Marcelino. uma dessas faces está, de facto, vheia de actos valorosos. Mas, infelizmente, a outra face está vazia. Nessa face vazia falta o humanismo, o respeito pelos vencidos, o respeito pelos direitos humanos, pela verdade, etc.

Com tudo isto pretendo só louvar o colega Carlos Silva, que conseguiu manter o rigor dos factos, mantendo o seu trabalho limpo ao não mencionar a façanha em causa, inventada pelo suposto Rambo da Guiné, e que faz parte do muito lixo informativo que circula na internet. 

A designação "O Rambo da Guiné" aparece no livro "Heróis do Ultramar" (de Nuno Castro), onde o Marcelino da Mata, mentindo, descreve essa façanha. (***)

Domingos Gonçalves
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Notas do editor: