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terça-feira, 31 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22500: In Memoriam (406): Alcobaça homenageia personalidades alcobacenses entre as quais José Eduardo Oliveira (JERO) que este ano nos deixou, vítima do COVID-19 (Joaquim Mexia Alves / Blogue da Tabanca do Centro)

Alcobaça > Setembro de 2011 > O jornalista, escritor e nosso camarada e amigo JERO (acrónimo de José Eduardo Reis de Oliveira), autor de "Alçobaça é Comigo", o seu terceiro livro.

Foto e legenda: © JERO (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



Com a devida vénia ao nosso camarigo Joaquim Mexia Alves, transcrevemos o poste 1308, de sua autoria, publicado no Blogue da Tabanca do Centro, que dá notícia da homenagem prestada pelo Jornal Alcoa a diversas personalidades alcobacenses, entre as quais José Eduardo Oliveira, o nosso JERO, camarada e amigo que tantas saudades deixou a quem o conheceu.[*]

Mais do que a notícia propriamente dita, queremos destacar o texto que o Joaquim dedica ao JERO, na verdade uma personalidade ímpar, que assinamos por baixo com a sua permissão.

********************

HOMENAGEM AO JOSÉ EDUARDO REIS OLIVEIRA (JERO)

Estive hoje em Alcobaça participando na Missa e na homenagem que o jornal “O Alcoa” quis prestar a diversas pessoas que se destacaram nas suas vidas durante o ano de 2020, (segundo foi dito), entre elas o meu querido amigo José Eduardo Reis Oliveira.

E escrevo, segundo foi dito durante o ano de 2020, porque o José Eduardo, (para muitos o Jero), penso que se destacou toda a sua vida pelo que sei dele, embora só o tenha conhecido nestes últimos pouco mais de 10 anos, mas que sendo poucos nas nossas vidas de mais de 70, foram os suficientes para fazer nascer e crescer uma amizade forte, inabalável, sincera, confidente cheia de uma profunda admiração e respeito um pelo outro.

Quando eu era novo, se alguém dissesse de alguém - esse é um “homem bom” - tudo estava dito sobre essa pessoa, porque esse “bom” incluía um sem número de virtudes e qualidades que distinguiam essa pessoa das demais.

O José Eduardo era/é um “Homem Bom”!

O José Eduardo podia ter sido advogado ou juiz, médico ou enfermeiro, (que foi na vida militar), professor ou aprendiz, varredor da rua ou professor catedrático, ou tantas e quaisquer outras profissões, que nunca deixaria de ser um “Homem Bom”.

Apaixonado pela “sua” Alcobaça, a sua terra, (fazem falta hoje pessoas apaixonadas pelas suas terras para as servir sem delas se servirem, como o José Eduardo), um contador de histórias, um investigador da simplicidade do verdadeiro do dia a dia, um escritor de escrita “limpa”, um amigo como aqueles que o são, um ombro para quem dele precisasse, um sorriso para os tristes e desolados, um orgulhoso português sem outras peias, um confidente e um humilde “pedidor” de conselhos, um pai de família, um avô de netos, um homem de excepção.

Passear com ele em Alcobaça, era descobrir a terra e as suas gentes, do mais importante ao mais simples, era nunca acabar de cumprimentos, de sorrisos, de abraços.

Em qualquer canto de Alcobaça, com ele como guia, se faziam as coisas melhores do mundo, desde a pastelaria ao vinho e licor, se encontrava a memória e se viviam as histórias, se tornavam vivas as esquinas das ruas e as casas por onde passávamos.

Estar com o José Eduardo era estar com a história sempre presente de Alcobaça, era um reviver da Guiné por onde passámos os dois, mas sem medos, nem recriminações, era um constante perguntar e um permanente responder.

O José Eduardo era/é uma dádiva de Deus à sua família, a Alcobaça, aos seus amigos.

Exagero?

Eu sinceramente acho que não!

Será a amizade que lhe tinha/tenho que me faz escrever assim?

Não, acho que não, porque sinto em mim que o que escrevo é verdade, e não apenas um panegírico de um qualquer louvor, que até ofenderia a sua memória.

É, para mim, um imenso orgulho ter sido e continuar a ser um dos seus bons amigos, ter aprendido com ele um pouco mais da virtude da paciência e da humildade e ter desbravado caminhos de Deus, nas perguntas e respostas que ambos suscitávamos quando vivíamos a fé no dia a dia.

Estive hoje em Alcobaça, a convite da Helena do José Eduardo, (resisto a chamar-lhe viúva), com os seus filhos e netos e senti-me verdadeiramente com o José Eduardo, naqueles que o viveram e vivem bem mais do que eu.

E, para mim, foi uma honra inigualável este convite que fica marcado no meu coração com o selo perene da verdadeira amizade.

E tu, José Eduardo, lá no “assento etéreo” a que subiste, (como dizia o poeta), olha pelos teus, olha pelos amigos, olha pela tua terra e vive a felicidade eterna que tão bem mereceste, nos abraços, beijos e sorrisos que foste distribuindo ao longo da tua vida.

Até já, José Eduardo!

Marinha Grande, 20 de Agosto de 2021
Joaquim Mexia Alves

Na segunda foto aparecem a Eduarda, filha do José Eduardo, e os seus filhos Pedro e Mariana, que receberam a homenagem em nome da família.

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Nota do editor

[*] - Vd. poste de 27 DE JANEIRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P21814: In Memoriam (386): José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (1940 - 2021), ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), escritor, jornalista, bloguista, grande camarada e amigo do peito (Joaquim Mexia Alves / Luís Graça)

Último poste da série de 26 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22485: In Memoriam (405): António Manuel Lapa Carinhas (c. 1947 - 2021), Alf Mil do Batalhão de Intendência. Passou por Bambadinca e Farim, entre 1969 e 1971 (Eduardo Estrela / Carlos Silva)

domingo, 15 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22458: (De)Caras (173): "Afinal, de quem são as árvores?"... Recordando os madeireiros Manuel Ribeiro de Carvalho (Binta) e Albano Neves (Contuboel) (José Eduardo Oliveira, JERO, 1940-2021 / António Rosinha / Valemar Queiroz / Cherno Baldé)






Anúncio da empresas madeireira Manuel Ribeiro Carvalho,  com estabelecimentos em Binta e Farim, em meados dos anos 50. Imagem reproduzidas, com a devida vénia, de Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).


1. Dois conhecidos madeireiros do nosso tempo de Guiné, são aqui evocados, por camaradas nossos, em comentários a postes diferentes,um de 2015 e outro de 2021. Vale a pena ir recuperá-los (**):

(i) José Eduardo Oliveira (JERO) (1940-2020):

"Tropecei" com particular emoção neste anúncio do madeireiro Manuel Ribeiro de Carvalho, que conheci em Binta no 2º.semestre de 1964. 

Pertenci à CCaç 675 que esteve em Binta desde 30 de Junho de 64 a finais de Abril de 1966. Fui o Furriel Enfermeiro da Companhia e recorda-me de ter tratado do sr. Ribeiro duas vezes: a uma retenção de urinas, em que tive o algaliar e um "ataque" de abelhas muito grave. 

A minha Companhia fez-lhe segurança em algumas idas ao mato para cortar madeiras quando se aproximava a data do carregamento de barcos que vinham até Binta, pelo Rio Cacheu. Falei muitas vezes com ele. Era uma pessoa de bom trato e , nesse tempo, já com uns 30 anos de Guiné.

Quando vi o seu "anúncio" nesta postagem fiz uma autêntica viagem ao passado. E já vão 50 anos !!! Obrigado. Jero.

5 de fevereiro de 2015 às 21:02 (**)


(ii) António Rosinha:

Amigo Jero, Binta era de facto um antigo importante ponto de embarque de troncos de madeira, talvez a maior parte para exportação.

Se te lembras tinha uma ponte cais de madeira, pois o governo de Luís Cabral que dava muita importância ao transporte fluvial, ainda conseguiu dinheiro para substituir a pequena ponte cais de madeira por uma idêntica mas em betão armado.

Luís Cabral foi corrido e já não viu a sua obra. Mas os guineenses já não precisavam da ponte cais porque com o equipamento e máquinas modernas e grandes tractores e camiões da Volvo que a Suécia ofereceu, num instante cortaram e transportaram a maioria dos grandes troncos no porto de Bissau, e por via terrestre. (...)

5 de fevereiro de 2015 às 22:18 (*)


(iii)  JERO:

Boa, noite António Rosinha

Tenho muitas fotos da ponte cais que referes e "vi" muitos anos depois a de betão, que descaracterizou Binta. Digo eu. (...) Abraço de Alcobaça. JERO

5 de fevereiro de 2015 às 22:51  (*)

 
(iv) Valdemar Queiroz:


Lembro-me, em Contuboel, da serração do Sr. Albano (Neves). Quem passou por Contuboel, pelo menos, de Fevereiro  a Maio/Junho de 1969, interrogava-se, afinal de quem são as árvores?. Nunca soubemos.

Depois CART2479 / CART11 foi para Nova Lamego, para o Quartel de Baixo. Grandes árvores faziam parte da área no nosso Quartel, principalmente uma grande árvore que fazia sombra ao refeitório dos nossos soldados, á cantina e ao armazém da Companhia. 

Um dia, um enxame de abelhas fez poiso, na grande árvore do refeitório. Tanto o refeitório dos soldados, como o dos oficiais/sargentos, do outro lado, em frente, começaram a ser fustigados pelas abelhas. O 2º. Sargento Almeida, "o Velho Lacrau', aprontou-se para resolver o problema e, munido de um archote ateado, subiu à árvore para escorraçar as a abelhas com o fogo e conseguiu afasta-las para nunca mais serem vistas. Mas criou outro problema, pegou fogo ao 'coração' da grande árvore. Para apagar o fogo no interior da árvore despejaram-se vários 'Unimogs' de água, mas nada conseguia afastar o, mais que provável, desmoronamento da árvore. 

Por isso, surgiu ideia de contactar o senhor (cujo nome já não recordo),  da serração local, para abater a árvore. Depois, numa manhã, bem cedo, dois homens quase nus, apenas de tanga, com grandes serras e cunhos de ferro chegaram para abater a árvore que, entretanto, já tinha sido desbastada dos ramos principais. 

Disseram, quem viu, que os dois homens a serraram, compassadamente, de cachimbo aceso na boca, apenas pararam para meter os cunhos de ferro que iam aguentando a parte serrada, até chegarem ao fim, completamente a verterem suor por todo corpo que mais parecia uma nascente em cascata, até à queda da grande árvore. Depois, foi sendo levado tudo da árvore, para a serração. Não sei, nem agora estou interessado em indagar, como é que foi feito o 'contrato'.

8 de fevereiro de 2015 às 02:00 (*)


(v) Cherno Baldé:

A Serraçao do Português Albano Neves, com sede em Contuboel continuou a explorar madeira nesse Sector antes, durante e depois da guerra colonial (1963-1974). Eu cresci a ver os velhos camiões desta empresa a transportar madeira para Contuboel, inclusive depois da independência a partrir de sitios dos mais improváveis da nossa zona.

E a plantação de novas árvores pelos madeireiros ou quaisquer outras entidades para recuperação ou compensação era um mito, pois eu nunca vi uma única planta de substituição em todo o Sector e nunca vi nenhuma obra de infraestruturas para beneficiar a população local. 

E acreditem que eu conhecia a minha terra como poucos pois fazia pastorícia desde a mais tenra idade e só deixei de o fazer com a minha partida para os estudos em 1985 (em Kiev). Os sinais da exploração da madeira eram visíveis em todas as partes da floresta onde cortavam o bissilão o pau-de-sangue e o pau-de-conta.

A exploração dos recursos do continente, sejam eles florestais ou aliêuticos sempre foram feitos com a participação dos europeus em primeira linha,  sejam eles do Leste ou do Ocidente. Pessoalmente sou a favor da exploração controlada se isso fosse possível num pais tão desprotegido e fragilizado, porque de qualquer modo todas essas riquezas naturais estão condenadas a desaparecer seja pela acção do homem seja por causas naturais ligadas às mudanças climáticas.  E, porque não aproveitar quanto antes (digo eu) ?!

 12 de agosto de 2021 às 11:02  (***)


(vi) António Rosinha:

A "Serração do Albano", só foi do Albano após o 25 de Abril, pois o verdadeiro proprietário entregou as rédeas ao Albano que era o gerente ou encarregado.

Rezavam as crónicas dos moribundos resistentes brancos que iam desaparecendo de Bissau aos poucos,  que aconteceu isso com outros comerciantes e proprietários brancos,  entregarem as suas propriedades e casas a empregados enquanto eles, patrões, cansados de guerra, desvaneceram-se.

Só que o Albano não só manteve como desenvolveu e se entendeu muito bem com aquela empresa com a independência da Guiné Bissau.

Albano, quase sem exemplo, digo "quase". Entendeu-se às mil maravilhas, como peixe na água.

Na Guiné só se modernizou ou tentou modernizar a industria madeireira à "grande e à sueca" com Luís Cabral e seus ministros e continuou.

Até uma moderníssima fábrica de contraplacados e afins se montou em Buba, coisa linda, não sei como estará hoje.

Entraram mais máquinas, tratores, máquinas de corte, giratórias e camiões todo o terreno, tudo Volvo, tudo moderno para a Socotram de 1975 a 1983, do que desde 1500 até 1974 para os rudimentares madeireiros portugueses.

Aliás, era precisamente a medíocre iniciativa industrial e comercial e mineira dos portugueses, que os dirigentes dos movimentos nacionalistas mais criticavam e mesmo ridicularizavam o "portuga" e a sua presença nas colónias.

Dai-nos a independência e vão ver o que fazemos desta terra. (o que eu ouvi em Angola e depois repetido no Brasil, e depois na Guiné na inauguração da fábrica do Nhaie-Citroen).

Falar em ecologia em África é muito complicado, e na Guiné não é o pior país. Há linhas de água na Nigéria que o petróleo de pipe lines rotos contaminou. E nós, exploradores indignos, selávamos furos de prospecção de petróleo.

Eramos mesmo uns ecologistas, lá e cá, só mais tarde é que caímos nessa dos eucaliptos e celuloses, que estupidez de riqueza.

12 de agosto de 2021 às 18:27  (***)
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Notas do editor:

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22116: Recortes de imprensa (115): Relembrando o nosso saudoso amigo e camarada de armas José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (Jornal Público de 18 de Abril de 2021)

1. Com a devida vénia à Tabanca do Centro e ao Jornal Público, transcrevemos o artigo da jornalista Susana Moreira Marques que homenageia, na sua secção Obituário de 18 de Abril, o nosso já saudoso amigo e camarada de armas José Eduardo Oliveira (JERO).

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2. Do blogue da Tabanca do Centro

Uma justa homenagem ao nosso saudoso camarada José Eduardo Reis Oliveira, que todos conhecíamos como JERO, através de um texto publicado hoje no Jornal Público, que transcrevemos com a devida vénia àquele jornal e à jornalista Susana Moreira Marques, autora do texto.




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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE MARÇO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22011: Recortes de imprensa (114): O Capitão cubano Pedro Rodriguez Peralta, "preso político antes do 25 de Abril", "prisioneiro de guerra" depois... libertado em 15 de setembro de 1974 (Diário de Lisboa, 16 de setembro de 1974)

quinta-feira, 11 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21993: A Operação Vaca, em 10 de março de 1965, em que forças da CCAÇ 675, com a ajuda da Marinha, "resgataram" 85 vacas "turras", no Oio, "ronco" que gerou depois um contencioso entre "infantes" e "marinheiros" (Belmiro Tavares, ex-alf mil, Binta, 1964/66)

Guiné  Região de Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1964/66) > c. 1965 >  A ganadaria da "companhia do quadrado"...

Guiné  > Região de Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1964/66) > C. 1965 > Secretaria da Companhia, que funcionava como sala de visitas: da esqerda para a direita, 1.º Ten Batista Lopes, cmdt da LFG Lira (que na época fiscalizava o rio Cacheu),  Ten Cor Fernando Cavaleiro, CMDT do BCav 490  (Farim, 1963/65), Cap Tomé Pinto, CMDT da CCAÇ 675, e Cap Cav Manuel Correia Arrabaça, CMDT da CCS / BCav 490

Fotos (e legendas): © Belmiro Tavares (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Capa do livro "A nossa luta: dois anos de muita luta: Guiné 1964/66, CCAÇ 675)", de Belimiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira, edição de autor, il.. Lisboa, 2017, 606 pp. [Um exemplar autografado foi oferecido ao nosso editor. com a seguinte dedicatória; "Ao caro amigo Luís Graça, com enorme amizade e carinho. Lisboa, 1/2/2021, Belimiro Tavares".]




1. O Belmiro Tavares (ex-Alf Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), Prémio Governador da Guiné (1966), membro nº 390, da nossa Tabanca Grande, desde 1/11/2009,  empresário hoteleiro, é autor da série "Histórias e Memórias de Belmiro Tavares", de que se publicaram 47 postes ao longo de mais de 4 anos, entre novembro de 2009 e maio de 2014  (*). 

Grande parte dessas histórias e memórias foram recompiladas no livro cuja capa se reproduz acima. Com a devida vénia, vamos reproduzir a segunda parte do poste P9646 (**),  que corresonde no essencial, no livro supracitado, à narrativa "10 de março de 1965: um dia agitado: operação "Vaca" (pp. 255/257). É uma história bem humorada, e contada com talento.


Belmiro Tavares, alf mil, CCAÇ 675
(Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66)
Também a famosa "companhia do quadrado" tinha de lidar, como todas as outras, ao longo da guerra,   com o candente problema da "falta de carne", alegadamente pelos mesmos motivos: "os nativos não manifestavam vontade de vender os seus animais", devido à importância que o "gado vacum", em especial,  representava para as famílias e as comunidades... Esse problema tem sido aqui abordado, de um lado e do outro (***).


A operação Vaca

por Belmiro Tavares


Hoje, vou transmitir uma actuação muito esquisita, muito especial, diferente (digo eu) e também com surpresa total, à qual não atribuímos qualquer 
nome – nem houve tempo para tal!  

Posteriormente um oficial da Marinha, o comdt do navio Lira [, Lancha de Fiscalização Grande,]  que patrulhava o Cacheu naquela data, chamou-lhe “Operação Vaca”, nome que aceitámos... 
à posteriori.

Tratou-se duma operação... improvisada (ponham improviso nisso) mas muito lucrativa, materialmente. Não recordo a data; creio apenas que ocorreu em março de 1965 [, dia 10, p. 255 do supracitado livro].

Na madrugada daquele dia (e sem imaginar o que iria acontecer) o meu Grupo de Combate saiu para o mato; regressámos, missão cumprida, cerca das 3h00 da tarde; à entrada do quartel cruzei com os outros dois Gr Comb.: um seguiu para Farim e outro para Guidage.

 O cap Tomé Pinto aguardou que eu chegasse e, depois dum belo banho, almoçamos juntos. A meio do repasto, ouvimos alguém chamar insistentemente:

–  Sr. Capitão! Sr. Capitão!

Depreendemos que se tratava de pessoal da Marinha e fomos averiguar o que pretendiam.

– O nosso Comandante manda dizer que, na bolanha em frente, anda uma grande manada a pastar; se decidirem ir lá apanhá-la, nós temos ali uma LDM que facilita a travessia do rio.

A proposta partia do comdt Baptista Lopes, um grande amigo da CCaç 675. Entre “aquela Marinha” (pessoal do navio Lira) e a nossa unidade... tudo corria sobre esferas: eles faziam ali aguada [, abastecimento de água potável], por vezes almoçávamos juntos (no navio ou nas nossas pobres instalações), emprestavam-nos um motor para regar a nossa horta com água do poço e forneceram-nos corrente eléctrica para podermos ver dois filmes com a Madalena Iglésias e o António Calvário – vimos aqueles filmes todas as noites, mais de uma dezena de vezes!

Uma das nossas preocupações, no tocante à alimentação, era a falta de carne, porque os nativos não manifestavam vontade de vender os seus animais. Recebiam o “patacão”, é certo, mas perdiam evidentes sinais exteriores de abastança. Entre eles não era rico quem tinha dinheiro no canto do baú; a riqueza manifestava-se pela quantidade de vacas que cada um possuía. Sabia-se logo quem era rico... o resto é conversa. As vacas serviam até como “moeda de troca” na “aquisição” de noiva.

O cap Tomé Pinto, o nosso sábio timoneiro, sempre atento a tudo o que nos rodeava, perguntou se eu estava disposto... a ir ao Oio apanhar umas vacas... vivas ou mortas.

– Por vaca... eu vou até ao inferno!

Reuni logo os meus soldados e, acompanhados por militares e milícias nativos, utilizámos a LDM (Lancha de Desembarque Médio) para cruzar o rio... na ponta da unha.

Os indígenas tinham a missão de se aproximar e lidar com os quadrúpedes. Eu sabia que as vacas fugiam dos brancos como se de inimigos se tratasse... e não é que elas até tinham razão?!

Desembarcámos cautelosamente na margem esquerda do Cacheu e à distância, cercámos os ruminantes; era quase uma centena de lindas cabeças. Os nativos abeiraram-se delas e iniciaram a tarefa de as “empurrar”, cautelosamente, para junto do rio onde a LDM nos aguardava.

Pareceu-me estranho que tantas vacas pastassem tão perto de nós... sem vigilância de pessoal armado... nem parecia que estávamos no Oio! Não vimos viv’alma! Soubemos mais tarde que quatro guerrilheiros armados protegiam a manada. Quando se aperceberam que a tropa de Binta atravessara o rio e já montava o cerco ao gado... esconderam-se no tarrafe; houveram por bem que era preferível perder apenas os ruminantes... que deixar escapar também as próprias vidas.

Os nossos negros iam cumprindo a sua missão, conduzindo a manada para o local escolhido. A certa altura, porém, as vacas deixaram de caminhar; nem o diabo as fazia locomover-se: estavam atoladas em mais de meio metro de lama peganhosa.

Reconhecida a impossibilidade de obrigar o gado a aproximar-se da margem, ordenei aos marinheiros que nos trouxessem cordas do quartel. Utilizávamos estas cordas quando saíamos para o mato em noites de puro breu para que ninguém se descarrilasse – éramos os “voluntários” da corda!

Recebidas as cordas, logo quinze vacas foram atreladas à lancha que as rebocou para a outra margem. Houve azar! Esqueceram-se de levantar o “taipal” da barca e as desditosas vacas foram coagidas a atravessar o rio com as narinas debaixo de água; os quinze animais morreram por asfixia! Foi um ar (falta dele) que lhes deu! 

Com as restantes... tal não aconteceu e eram setenta belos animais. Acabou-se a falta de carne! A CCaç 675 passou a ter uma razoável e lustrosa ganadaria que causava inveja – salvo seja – ao chefe da tabanca de Binta, Malan Sanhá.

Foi então que um valente bezerro, o animal mais corpulento da manada, iludiu (ou forçou) a vigilância; subiu ao caminho que ali cruzava a bolanha para sul e só parou a uns bons 300 m. Apontei a G3 mas não disparei porque o animal iria morrer longe; perdíamos a bala e eles ficavam com a carne! Mas... eis que o animal (parado) voltou a cabeça, talvez para afugentar uma incómoda mosca; fiz pontaria e disparei; as pernas dobraram-se imediatamente e o animal caiu inanimado; àquela distância acertei-lhe mesmo no ouvido! Belo tiro! O touro foi logo ali sangrado, “desmontado” e trouxemo-lo “em peças”.

As vacas que morreram por asfixia foram amanhadas e distribuidas: pela CCaç 675, pelo pessoal da Marinha, pelos civis de Binta e pela CCav. 487 de Farim – foi um bodo aos pobres!

Como bons ganadeiros, logo no domingo seguinte, procedemos à ferra dos (já) nossos animais para prevenir confusões com os da vizinhança.

Um serralheiro improvisado elaborou uma letra “C” em ferro que, soldada na extremidade duma haste metálica, serviu lindamente para “marcar” o nosso gado. Convidámos o Comdt do BCav  490 [, ten cor Fernando Cavaleiro],  a equipa de futebol da CCav 487 e seus apoiantes bem como o pessoal do navio Lira que partrulhava o Cacheu.

A festança iniciou-se com um jogo de hábeis pontapés na bola entre as equipas da CCaç 675 e da CCav 487; os infantes triunfaram por concludentes 3 x  0 – sem margem para dúvidas! É certo (invento eu) que os de Farim foram pré-avisados que, se nós não ganhássemos eles perdiam o direito de almoçar à borla e poderiam até sofrer eventualmente, uma emboscada no regresso a Farim. Mas, claro, não foi por isso que vencemos; é brincadeira!

Seguiu-se a ferra, o ponto alto (e o mais hilariante) da festa! A rua 4 de Julho serviu de arena; entre dois grandes armazéns de zinco, encerrámos a rua com viaturas, formando o redondel... que era quadrangular. Um a um, os animais foram apanhados e conduzidos até junto da forja; com a tal letra “C” bem aquecida queimava-se o pelo (por vezes também a pele) de cada vaca ou similar. Alguns não gostavam e escoiceavam duramente tentando escapar, a qualquer preço,  e a cena repetiu-se sessenta e nove vezes!

Houve várias tentativas de toureiro mas só apareceram artistas inábeis e medrosos; houve também tentativas de pegar... desajeitadas... de quebrar o côco... Tínhamos na CCaç 675 um sobrinho do afamado pegador de touros, Salvação Barreto, o tal que “dobrou” o artista no extraordinário filme “Quo Vadis”; este sobrinho, porém, não queria entender-se com cornúptos ao vivo, para ele, vaca só no prato; mas “cantava” embora desafinado: “una lágrima entre os ojos”!

Para encerro da festa ficou uma perigosa vaca que marrava desalmadamente! Como diz o ditado: o rabo é pior de esfolar! Houve várias tentativas de lide mas a vaca era mais manhosa e enganosa que os turras (estes nunca nos obrigaram a fugir); alguns mais afoitos, mal a vaca investia, saltavam logo para a “trincheira” (para cima das viaturas).

Eis que surge na praça um soldado que, aparentemente, nada teria a ver com touradas. Era natural de Figueira de Castelo Rodrigo, de seu nome completo Silvestre Fernando Verges Flor; não sei o motivo por que o alcunharam de “Aguardente” (era percetível) !. 

Este jovem beirão tentou arremedar qualquer aprendiz de toureiro mas nada lhe saiu bem... nem mal. Distraiu-se a conversar com alguém que, de cima duma viatura, tentava, prudentemente, aconselhá-lo; pôs-se a jeito, involuntariamante, para levar uma valente marrada; gritaram-lhe; ele voltou-se e, não tendo já tempo para fugir, curvou-se “corajosamente” para a frente (para amortecer o impacto),  embarbelou-se com altivez e arrojo e dominou a besta astuciosa e má: uma valente e aparatosa pega... de emergência! 

O pior, porém, foi sair de entre os cornos aguçados da bicha... mas com algumas ajudas conseguiu libertar-se daquela melindrosa situação... sem qualquer mazela. Pediu-se, insistentemente, “bis”... mas ele não foi na conversa; desconfiou que a sorte podia não estar de novo do seu lado e comentou: “de repetição é o relógio da torre da igreja lá da santa terrinha”!

Ao fim de um mês a patrulhar o Cacheu, o comdt do NRP Lira rumou a Bissau não sem antes ter recebido mais duas vacas; além disso foi-lhe prometido que, regressando de novo àquelas águas, poderia contar com carne das vacas que havíamos surripiado aos turras assustados; afinal eles detetaram os animais e forneceram a (parte da) logística!

A caminho de Bissau, ao passar na povoação de Cacheu, na foz do rio com o mesmo nome, um oficial de Marinha, de alta patente, subiu ao navio para seguir viagem para a capital da província. Durante o percurso, o comdt do navio Lira informou garbosamente – em off - o seu superior hierárquico, pormenorizadamente, sobre a tal “Operação Vaca”.

Já em Bissau, os comandantes de todos os navios que haviam patrulhado outros rios reuniram, como habitualmente, com o comando naval para informar, de viva voz, tudo o que de importante havia ocorrido. O comdt B. Lopes não referiu a tal caçada de vacas mas o oficial que havia sido informado – em off – lembrou-lhe que devia referi-la e... assim teve de ser.

Uns dias mais tarde a CCaç 675 recebeu um ofício da Marinha a exigir metade das vacas capturadas. Não descontavam sequer as que haviam sido distribuidas a outras entidades,  exigiam apenas 42,5 vacas!

O cap Tomé Pinto não brincava em serviço; elaborou cálculos rigorosos tendo em devida conta os meios humanos envolvidos naquela tarefa (damos como certo que a carne de vaca não fazia parte da dieta alimentar da LDM); referiu ainda que a parte de leão (maior risco) tinha pertencido aos “infantes”. 

Feitas as contas e apresentadas com rigor e clareza, concluiu que a Marinha tinha direito a duas vacas e meia, e como haviam já recebido três, os marinheiros deveriam devolver-nos meia vaca. O cap Tomé Pinto rogou penhoradamente que essa meia vaca nos fosse enviada pelo primeiro navio que viesse patrulhar o rio Cacheu.

A Marinha não respondeu!... mas não desarmou!

O próximo comandante, R.V.V. e Sá Vaz, a patrulhar o Cacheu,  trazia a incumbência de reabrir as negociações. Parecia que ia travar-se uma batalha “fratricida” entre a Marinha e a Infantaria... mas teria lugar fora da água barrenta do rio cor de cinza.

O cap Tomé Pinto, um perseverante e zeloso defensor dos superiores interesses dos seus comandados, manteve intransigentemente a sua posição sumamente documentada e justificada: inadvertidamente, receberam meia vaca em excesso... devolvam-na!

Por fim o comdt Sá Vaz argumentou (em tom de evidente ameaça velada): 

–  A CCaç. 675 ficará mal vista perante a Marinha se não entregar parte das vacas (já não quantificava).

O cap Tomé Pinto, “homem d’antes quebrar que torcer”, não cedeu, garantindo a veraciadade dos números que havia transmitido.

Assim terminou uma das “batalhas” (aliás duas: a captura e divisão das vacas) mais divertidas e lucrativas que levámos a bom porto. Não nos faltou carne até ao fim da comissão... e ao pessoal do navio Lira – sempre que vieram patrulhar o Cacheu – também não.

A ganadaria da CCaç 675 era excelente e..., apesar de tudo, foi barata.

Fez-nos um jeitão do caraças!

Belmiro Tavares

[Com a devida vénia ao autor... Seleção, revisão e fixação de texto para efeitos de publicação neste blogue: LG]
___________

Notas do editor:

(*) Vd. primeiro (1) e último (47) poste:




domingo, 7 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21864: (In)citações (181): Em memória de José Eduardo Reis Oliveira (1940-2021) (Belmiro Tavares, ex-alf mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66)



Lisboa > Hotel Dom Carlos Park > 14 de Outubro de 2009 > Da direita para a esquerda, o dono da casa, o empresário hioteleiro Belmiro Tavares, o seu querido amigo e camarada JERO, e os editores do blogue Luís Graça e Virgíno Briote. 

A foto foi tirada, para mais tarde recordar, pelo sr. Pereira, recepcionista do hotel. A máquina era do JERO. (É assim que ele era conhecido por todo o lado, ainda ontem na Praia da Areia Branca encontrei um velho amigo do meu pai, das lides futebolísticas, e nosso antigo vizinho, na Lourinhã, Abílio Russo, que há mais de meio século foi para Alcobaça, onde casou... Vive hoje em Salir do Porto, concelho das Caldas da Rainha, mas quando lhe falei no JERO, disse-me logo quem era... Era o homem mais conhecido do Oeste, garantiu-me o velho Abílio Russo)

A foto foi publicada aquando da entrada do Belmiro Tavares, em 1/11/2009, para a Tabanca Grande (*)

Foto: © José Eduardo Oliveira (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Capa do livro "A nossa luta: dois anos de muita luta: Guiné 1964/66, CCAÇ 675)", de Belimiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira, edição de autor, il.. Lisboa, 2017,  606 pp. [Um exemplar autografado foi oferecido ao nosso editor. com a seguinte dedicatória; "Ao caro amigo Luís Graça, com enorme amizade e carinho. Lisboa, 1/2/2021, Belimiro Tavares".]


1. Texto, enviado em 4 do corrente, por  Belmiro Tavares Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com 65 referências no nosso blogue:

 

Em memória de José Eduardo Reis Oliveira (o nosso mui estimado JERO)

por Belmiro Tavares


Acabávamos de entrar no mês de maio de 1964 quando começaram a apresentar-se, no RI 16, em Évora, com destino aos quadros da CCaç. 675 os chamados “especialistas”. Até fins de abril daquele ano, a CCaç 675 dispunha apenas de “operacionais”, os homens das espingardas. 

Nos dias que antecederam o embarque e, um pouco a conta-gotas, apresentaram-se: médico, enfermeiros, telefonistas, telegrafistas, cozinheiros, condutores, pessoal da manutenção, o “cifra” (operador cripto), etc.

Entre estes especialistas, um destacava-se pelo seu porte e pela esmerada educação, o furriel enfermeiro José Eduardo Reis Oliveira que viria a ser largamente conhecido por JERO, o acrónimo formado pelas iniciais do seu nome.

Não recordo se, durante os dias que antecederam o embarque e durante a viagem, a bordo do
navio Uíge, até Bissau, houve alguma conversa entre nós, além do serviço estritamente militar. Na verdade, ele estaria assoberbado com os seus equipamentos de primeiros socorros e eu tinha a meu cargo o acompanhamento de cerca de 40 homens o que me daria água pela barba.

O primeiro contacto entre nós, fora de serviço, terá ocorrido em Bissau, quando o Oliveira me encontrou numa esplanada a escrever uma carta ou um aerograma (uma simpática invenção do MNF – Movimento Nacional Feminino ,) que circulava, sem selo, em todo o território nacional. De chofre, ele atirou:

- Ó meu alferes! Não se preocupe, porque faltam apenas 716 dias para o fim da nossa comissão!

Pretendia o nosso companheiro esclarecer que 14 dias já tinham passado… sem complicações assustadoras. Ainda não tínhamos entrado na guerra propriamente dita e 14 dias estavam já vencidos.

Entrámos na quadrícula de Binta (uma aldeia a norte do Cacheu, a 16 km de Farim e sensivelmente à mesma distância de Guidage, junto à fronteira com o Senegal) no dia 29 de junho de 1964.

Os primeiros dias foram passados a… arrumar a casa:

  • Resguardar os materiais inerentes a cada grupo (o Oliveira teria a seu cargo todo o material de enfermagem e não só);
  • Montar uma rede de arame farpado em redor do aquartelamento com alarme anti-intrusão – garrafas vazias penduradas nos arames;
  • Abrir valas em redor do quartel com picaretas mal-enjorcadas;
  • Construir abrigos para sentinelas.

Entretanto o nosso mui ilustre capitão preparava, secretamente, o nosso “batismo de fogo” e o JERO, tal como nós, meteu-se numa “camisa de sete varas”! era aquilo a que tínhamos direito!

Debaixo de bem nutrido fogo (havia ali mais de 160 armas automáticas a disparar em fúria – cerca de 80 eram nossas e as restantes pertenciam aos adversários 
 –  chamei o enfermeiro de serviço, o JERO, para socorrer um 1º cabo que levara um tiro no baixo ventre; o enfermeiro seguiu-me e cumpriu cabalmente o seu dever. Ocorreu então um diálogo trágico entre o sinistrado e o enfermeiro. O ferido desabafou:

- Ó meu furriel! Eu nunca vou ser um homem normal!

O Oliveira tentou deitar água na fervura, alegando:

- Ó rapaz! Isso não é nada de grave! Vais de helicóptero para o hospital, em poucos dias estás de volta e … pronto para outra!

O enfermeiro cumpriu o seu dever, procurando acalmar o sinistrado; ninguém sabia a extensão ou a gravidade do ferimento… só se via sangue.

Outras situações mais ou menos graves ocorreram até que, no dia 5 de agosto, o nosso capitão foi ferido. O Oliveira estava lá, embora os primeiros socorros tenham sido prestados pelo enfermeiro Martins (o Rato). Quando o avisaram do acidente, o Oliveira correu com a maca ao encontro do nosso capitão; cerca 1 km separava o grupo da frente das viaturas.

Os adversários devem ter-se apercebido que algo nos correra mal e logo se apressaram a montar uma emboscada na berma da estrada que estava pejada de abatises. Iniciado o regresso, em marcha lenta, logo sofremos uma das mais duras emboscadas de toda a comissão. Indevidamente, a coluna auto parou e os condutores saltaram das viaturas; o nosso capitão ordenou ao JERO que alertasse os oficiais para abandonar a zona de morte; mas ninguém o ouvia. 

Tudo acabou melhor do que esperávamos porque os adversários devem ter sofrido algo de tão grave que, inesperadamente, deixaram de nos atormentar e o nosso capitão lá seguiu de helicóptero para o hospital.

O Oliveira participou em muitos outros casos semelhantes mas… nem só de armas vivem os homens.

O Oliveira, além de profundamente educado e respeitador, era um cumpridor nato das ordens que recebia do seu chefe, o nosso médico, o saudoso, Dr. Martins Barata, de quem o JERO era o braço direito ou talvez mais do que isso. 
 
De seguida, sem alarde e sem dureza, convencia (principalmente pelo exemplo) os enfermeiros a cumpri-las também. Nunca foi visto a barafustar com os cabos enfermeiros porque o JERO não dava motivos para tal: respeitava para ser respeitado – os grandes chefes são mesmo assim!

Fora das horas de serviço ele não era diferente; estava disponível para tudo, a qualquer hora. Há uns anos, ele segredou-me, com certo orgulho:

 – Durante  a nossa comissão, eu estive sempre em todas as frentes!

Era a mais pura das verdades! Além de, como alegámos, ter sido um bom combatente, era um enfermeiro de alto coturno e distinguiu-se também na ocupação de tempos livres:

  • Participou ativamente na criação de nomes para os arruamentos dentro do nosso aquartelamento e na elaboração das respetivas placas: Av Capitão de Binta;  Av do Aeroporto; Av Marginal com indicação de zona de banhos e de pesca; Av Pathé Baldé, em memória do nosso saudoso guia; Av 4 de Julho – Lenquetó – destruímos aquela povoação e tivemos logo o nosso “batismo de fogo"; Largo “Tomada de Pastilha”, frente à porta da enfermaria – esta foi totalmente da sua lavra;
  • Construímos duas pistas de aterragem e ele continuou sempre na linha da frente;
  • Foi um entusiasta da construção do nosso campo de futebol – nunca se soube ao certo se se tratava de um campo de pontapé na bola onde aterravam helicópteros ou se era um heliporto onde se praticava futebol;
  • Criámos as “aulas regimentais” e o Oliveira era um dos ensinadores.

Para confirmar aquele adágio: “não há regra sem exceção” – nós pusemos a funcionar uma “horta comunitária”; o JERO não participou nessa obra porque… ele não tinha raízes campesinas. Foi o único desvio!

No pós-guerra, sempre colaborou ativamente nas nossas reuniões anuais, quer na elaboração das cartas-convite quer a escrever endereços nos envelopes quer ainda a cobrar o valor do repasto. Pela primeira vez que uma confraternização ocorreu fora da grande Lisboa, foi por sugestão sua e teve lugar em Alcobaça, a sua terra natal; na verdade ele colocou a fasquia demasiado alta, criando inibições.

Participou na colocação de lápides nas sepulturas dos nossos mortos, quer os da guerra quer na daqueles que partiram depois do regresso.

Agora temos… a cereja no topo bolo: o José Eduardo escreveu um diário de guerra onde narra com arte e engenho a nossa atividade durante o 1º ano, na Guiné. É sem sombra de dúvida uma obra extraordinária não só pelos feitos que descreve mas pela forma sublime como os narra.

Aqui, “passamos a bola” ao Dr. M. Beja Santos que fez a recensão daquela obra ímpar que, para nós, tem um valor inestimável. Vejamos o que o Dr. Beja Santos nos legou como “juiz independente”, manifestando a sua surpresa e admiração pela obra invulgar mas também pelo autor. O Dr. Beja Santos referiu:

 “O José Eduardo era um enfermeiro miliciano que foi responsável por uma singularidade histórica: escreveu o Diário da C. Caç. 675, referente ao primeiro ano de comissão. Todos os exemplares são numerados e têm carimbado o termo confidencial; o “capitão do quadrado” escreveu, em ressalva, que “este Diário contém matéria classificada que, como tal, não pode ser do conhecimento de todas as pessoas”.

“O Diário do JERO passou a ser um bem patrimonial, por mérito próprio, pelo desvelo do autor em tudo quanto escreve, refugiando-se num semianonimato, compendiando meticulosamente os atos de um coletivo que deixou memória pelo espírito de corpo e pela sua mentalidade, lá prás bandas do Cacheu”.

“O JERO, ao coligir todos os dados do seu Diário, queria apenas registar um período de uma gesta coletiva anónima; escreve para as gentes da C. Caç 675 e não para nós. Também por essa razão de pura discrição, o autor já então revelava os seus primores de carácter”.

“Nas paredes da secretaria, onde o JERO escrevia, descortinávamos vários amuletos e roupas de alguém que, um dia, teve maus encontros com a tropa de Binta e… morreu (?)… de susto; a decoração completa-se com a seguinte frase elucidativa: - Nem com mezinhos se safam!”:

“Sobre a mesa do capitão encontrava-se a seguinte frase: Vitória é sinónimo de vontade”.

“Afinal”, lembra o recensor, “as surpresas continuam a surgir nesta literatura que, durante décadas, jazeu nos arquivos dos protagonistas”.

“Gostei muito do Diário do JERO pela autenticidade e pela camuflagem da escrita. Publicitar este Diário no blogue, anunciá-lo a quem estuda e guerra da Guiné é um grato dever; surpresa mais gratificante não podia ter!”


Acontece que, já neste milénio, o Oliveira lançou um segundo livro, Golpes de Mão’s; pretendia que fosse o segundo volume do seu Diário; terá sido – com todo o mérito – mas muitos factos de elevado interesse (dizemos nós) continuavam esquecidos!

Um outro marco relevante da sua vida é uma carta que o nosso amigo escreveu à sua querida mãe – que Deus já levou! – onde ele coloca a descoberto a sua esmerada educação, o profundo amor à sua mãe, o seu puro portuguesismo e a sua profunda Fé no Deus “que tudo criou e tudo gere”!

Creio que não será necessário acrescentar o que quer que seja acerca do HOMEM que agora nos deixou; falta apenas dirigirmo-nos aos seus familiares e amigos (relevo especial para os seus companheiros da CCaç. 675) que todos perderam imenso com esta surpreendente partida inesperada. 

Eu perdi um amigo de todas as horas, o amigo incondicional; éramos “unha com carne” e, em simultâneo éramos confessor e confessando.

Malvado vírus que ceifou a vida dum amigo de quem tanto esperávamos, ainda.

Repousa em paz! O nosso bom Deus terá guardado para ti um lugar à sua direita, pois será esse o lugar dos filhos que sempre trilharam o caminho sublime que Ele lhes traçou!

Belmiro Tavares (**)

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(**) Último poste da série > 30 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21825: (In)citações (180): Fotogaleria do José Eduardo Oliveira (JERO) (1940-2021), enquanto membro da efémera Tabanca de São Martinho do Porto (2010-2012) (Luís Graça)

sábado, 30 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21825: (In)citações (180): Fotogaleria do José Eduardo Oliveira (JERO) (1940-2021), enquanto membro da efémera Tabanca de São Martinho do Porto (2010-2012) (Luís Graça)

Alcobaça > São Martinho do Porto > 13 de Agosto de 2011 > Convívio da Tabanca de São Martinho do Porto > O nosso mui querido Jero (o alcobacense José Eduardo Oliveira) e a sua filha, Eduarda Oliveira (Chefe de Divisão de Turismo e Gestão de Eventos na Câmara Município de Oeiras)


Alcobaça > São Martinho do Porto > 13 de Agosto de 2011 > Convívio da Tabanca de São Martinho do Porto > O Pepito, a mãe Clara, o Jero e a sua filha...

 O Jero trouxe consigo dois exemplares de uma obra sobre a baía de São Martinho do Porto, que ofereceu , um, ao Pepito e outro à Tabanca Grande, na pessoa do Luís Graça. Aqui fica referência bibliográfica: Maria Cândida Proença (ed lit) . "A Baía de São Martinho do Porto. Aspectos geográficos e históricos". Lisboa, Colibri, 2005.

Fotos (e legendas):© Luis Graça (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > O João Graça, médico e músico, e o JERO.


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > O JERO fez questão de tirar uma foto com o João Graça, com quem teve o prazer de conversar com algum tempo e vagar... 

O JERO na altura estava um pouco afastado  das nossas lides bloguísticas, por razões de saúde...  Ele veio acompanhado da sua filha Eduarda Oliveira que, no entanto, não pôde ficar para o almoço-convívio que se prolongou pela tarde dentro...

Fotos (e legendas):© Luis Graça (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Tabanca de São Martinho do Porto > Casa de férias da família Scharwz da Silva > 21 de Agosto de 2010 > Convívio, já obrigatório, anual, com membros da Tabanca Grande > Da esquerda para a direita, o régulo da nova Tabanca, o Pepito; o JERO (que tem casa em São Martinho há mais de 40 anos, foi nesta pérola da Costa de Praia que arranjou a sua "bajuda", professora do ensino básico); e eu, dono da máquina fotográfica que tirou esta foto (...mas o fotógrafo foi o Xico Allen, o seu a seu dono!).

Fotos (e legendas):© Luis Graça (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Alcobaça > São Martinho do Porto > Estrada do Facho > 7 de Agosto de 2008 > Casa do Cruzeiro, a casa de verão de Carla Schwarz da Silva (1915-2016), mãe do nosso saudoso amigo Carlos Schwarz (Pepito) (1949-2014)...

Uma vista fabulosa da baía de São Martinho do Porto, a partir da janela do quarto que era, na altura, do Pepito e da Isabel Levy Ribeiro.

Foto (e legenda):© Luis Graça (2008). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Alguns amigos  e camaradas do nosso blogue reuniam-se aqui, na Tabanca de São Martinho do Porto,  todos os anos em agosto, quando o Pepito (Bissau, 1949 - Lisboa, 2014) vinha de férias, no período de 2008 a 2012. 

Alguns de nós tiveram o privilégio de conhecer um pouco melhor  o Pepito e a sua família   a começar pela matriarca, a dra. Clara Schwarz da Silva ( durante vários anos, desde 20010 até à sua morte, aos 101 anos,  em 2016, a "decana da Tabanca Grande").

Estamoa falar da famosa "casa do Cruzeiro", em São Martinho do Porto, no sítio do Facho, uma casa  que o pai da Clara (e avô do Pepito), o engenheiro de minas Samuel Schwarz (1880-1953), judeu de origem polaca, lhe comprara quando ainda solteira, antes da II Guerra Mundial...

Por seu turno, o pai do Pepito, Artur Augusto Silva (1912-1983)  tinha sido  advogado em Alcobaça e em Porto de Mós no pós-guerra. O casal viveu em Alcobaça entre 1945 e 1949, antes de partir para a Guiné (ele, em finais de 1948 e o resto da família em 1949). Foram amigos pessoais e visitas de casa do pintor Luciano Santos (Setúbal, 1911-Lisboa, 2006), que vivia então em Alcobaça.

Bom, o JERO interessou-se por estas histórias e outras  relacionada com os seus vizinhos de praia (que ele não conhecia)  (incluindo as crianças refugiadas austríacas acolhidas, no pós-guerra,  por algumas famílias alcobacenses, e com quem o JERO brincou)  e escreveu um belíssimo texto nos 100 anos da dr.ª Clara Schwarz. (*). 

Mas primeiro é preciso explicar como é que o JERO conheceu a dona da "Casa do Cruzeiro" (, que o Pepito, esse, já conhecia de nome,  da sua participação no nosso blogue)... 

O JERO participou nos  três históricos convívios da Tabanca de São Martinho do Porto (2010, 2011 e 2012),  conforme documentam as fotos que aqui republiicamos, em sua homenagem póstuma. (**)

Mas já agora tenho que voltar a contar como é que eu tomei a liberdade de o convidar, não sendo eu o "dono da casa"... Expliquei-lhe isso  em tempos, em comentário ao poste P6895 (***)

(...) Surpreendentemente tive um neurónio que se me acendeu,  ao passar, de manhã [, em 24 de agosto de 2010,] perto da tua casa, em pleno São Martinho do Porto (que eu ainda não sabia que era a tua, e cujas portas depois, de tarde, me franqueaste)... 

Tinha a ideia de te ter visto, de relance, há um  ano [2009] ou dois atrás  [2008], em Agosto, quando me dirigia á casa da Clara Schwarz / Pepito [, a "Casa do Cruzeiro", no Facho]...

Afinal tu já fazias parte da paisagem balnear e da iconografia de São Martinho do Porto há mais de 4 décadas!...

É obra!... Foi em honra do Pepito, de sua mãe e de ti, que passámos a ter [, em 2010,] uma nova tabanca, a Tabanca de São Martinho do Porto, com convívio (obrigatório) pelo menos uma vez no ano, em Agosto...

Eu sei que estamos a roubar gente à Tabanca do Centro, do régulo Joaquim Mexia Alves, mas é por uma boa causa... Por outro lado, nada impede ninguém de ter várias moranças em vários sítios... (como é o caso do Zé Belo, que é um verdadeiro "nómada", ou do Xico Allen, cujo sonho é ser régulo de Empada)...

Só é preciso que o coração seja grande e generoso como o teu, o do Joaquim Mexia Alves, do Xico Allen, do Manuel Reis, do António Pimentel, do Zé Teixeira, do Zé Belo, do Teco, do Pepito, da Isabel Levy, da Clara Schwarz, e dos demais 400 e muitos tabanqueiros da Tabanca Grande. 

Para o ano [, 2011], temos que "programar" a coisa... E nos 100 anos da Clara, em 2015, vai ser ronco dos grandes!... Ela prometeu-me que alinhava!!! (...)

Infelizmente os nossos convívios terminaram em 2012 ( a 3ª e última edição), não se tendo realizado o de 2013, por impossibilidade do Pepito vir a Portugal (, se bem, me lembro)... E em 2014 ele vem morrer subitamente em Lisboa, em 18 de fevereiro, quatro dias depois da sua querida mãe completar os 99 anos...

Afinal, são três grandes amigos que aqui recordo, ao "revisitar" a nossa fotogaleria: o JERO (****), a  Clara Schwarz e o Pepito!...  (LG)

(**) Vd. postes de:


sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21824: (In)citações (179): Lembranças de JERO e do seu legado literário (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Janeiro de 2021:

Caríssimo,
O JERO vai fazer falta a todos, ficará na memória de muitos e o seu irrepetível legado literário será peça obrigatória que os investigadores, no futuro, não deixarão de esmaltar como caso único de um cronista que deu voz coletiva a um grupo de jovens que seguiu incondicionalmente um inesquecível comandante de companhia.

Um abraço do
Mário


Lembranças de JERO e do seu legado literário

Mário Beja Santos

C
onheci o JERO quando tive a oportunidade de ler o "Diário da Companhia de Caçadores 675"[1], ele era assumidamente o responsável pela narrativa, não escapava ao leitor o tom de exaltação pela figura do Capitão Tomé Pinto (que ficaria conhecido como o Capitão do Quadrado) e as vicissitudes desta unidade durante o ano, por Binta e arredores. Trata-se do primeiro diário de uma unidade militar, tem um escrivão dotado de fala coletiva, teve seguramente acesso aos dados da atividade operacional de uma companhia que chegou a um local, em 1964, infestado pela guerrilha, havia mesmo o desplante da população afeta ao PAIGC fazer descaradamente lavras a escassos quilómetros do quartel. Há momentos impressionantes deste diário de JERO, tenho repetidamente observado aquela descrição em que o capitão é ferido e até ser evacuado para Bissau foi alvo de transportes de um afeto, de uma solidariedade impressionantes pelo que continham de genuíno, de uma afabilidade sentida.

Pedi para falar com JERO, havia algo de estranho naquele diário, era facto que se tratava de uma edição do ano seguinte, mas as comissões são mais prolongadas, o Capitão Tomé Pinto partira para um curso que lhe daria a promoção a major, a CCAÇ 675 acusou a falta daquela figura icónica, aquele verdadeiro traço de união que metia valentia, lucidez e muito tempero na liderança. JERO, bem como o seu afável camarada Belmiro Tavares, explicaram que aquele ano marcara a memória de todos, tudo o mais fora uma sucessão de obrigações.
Este tipo de observações seriam confirmadas pelo livro seguinte de JERO, "Golpes de Mãos"[2], o antigo furriel-enfermeiro sentia-se liberto para ter uma escrita um pouco mais desabrida e descrever os factos circunscrevendo-se à sua própria leitura dos acontecimentos. Fiz a recensão da obra, o General Alípio Tomé Pinto fez questão de nos reunirmos, o que aconteceu num restaurante ali para os lados da Avenida da República, em Lisboa, vieram algumas explicações sobre aquele diário truncado. E conhecedor como sou do que mais significativo se escreveu e compõe a literatura da guerra da Guiné, guardei para os meus livros os adjetivos de admiração deste diário, obra única de voz coletiva pelo punho de um cronista que nunca alardeia qualquer gabarolice, eleva a épica de uma unidade de caçadores que em escassos meses limpa a sua zona de ação, sem desfalecimentos, e às ordens de um destemido capitão.

Encontrámo-nos recentemente, e a afabilidade era a mesma. Estava a preparar o livro "Nunca Digas Adeus às Armas", o ponto de partida era um poeta popular que cantava as lides do BCAV 490, e em dado momento cruzam-se as vidas do batalhão de Farim e os homens de Binta, havia esclarecimentos, o Belmiro Tavares promoveu o encontro a três, de novo contei com a afabilidade de JERO, a rememorar factos. Tínhamos aprazado um encontro para a apresentação do meu livro no Palácio da Independência, obviamente que convidara o General Alípio Tomé Pinto e os seus camaradas, não se efetivou devido à pandemia, conversámos ao telefone, era tudo questão de aguardar uma nova oportunidade. Não haverá nova oportunidade de me encontrar com JERO, mas o seu legado literário, a sua serenidade, o facto de ele ser um guardião de memórias como nenhum outro, faz com que eu o guarde na lista das grandes cordialidades, sabedor como sou do seu diário é obra incontornável da literatura da guerra da Guiné. E assim me curvo respeitosamente diante do cronista de olhar sempre iluminado e basto sorriso.
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Notas do editor

[1] - Vd. postes de:

21 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9071: Notas de leitura (304): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (1) (Mário Beja Santos)

25 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9094: Notas de leitura (305): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (2) (Mário Beja Santos)

28 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9107: Notas de leitura (306): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (3) (Mário Beja Santos)
e
2 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9128: Notas de leitura (307): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (4) (Mário Beja Santos)

[2] - Vd. poste de 26 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8822: Notas de leitura (277): Golpes de Mão's, Memórias de Guerra, por José Eduardo Reis de Oliveira (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 28 de Janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21819: (In)citações (178): Até já, José Eduardo!... (Joaquim Mexia Alvez, régulo da Tabanca do Centro)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21819: (In)citações (178): Até já, José Eduardo!... (Joaquim Mexia Alvez, régulo da Tabanca do Centro)

 

Leiria > Monte Real > V Encontro Nacional da Tabanca Grande > 26 de junho de 2010 > O José Eduardo [1940-2021] e o Joaquim Mexia Alves (, dois dos membros da comissão organizadora, juntamente com Belmiro Sardinha, Carlos Vinhal e Miguel Pessoa)

Foto (e legenda): © Eduardo Magalhães Ribeiro   (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


ATÉ JÁ, JOSÉ EDUARDO!

por Joaquim Mexia Alves

Não vou ouvir mais a frase que sempre te ouvia quando te ligava: "Meu amigo Joaquim!"

Sim, não havia um “alô”, um “está lá”, um “estou”, mas “apenas” uma frase com uma inflexão quase como um canto de alegria: "Meu amigo Joaquim!"

E eu respondia-te: "Meu amigo José Eduardo!"

E falavas de uma história, de um concerto, de uma exposição, do “teu” Mosteiro, da política, da amizade, de tudo enfim, para tudo embrulhares sempre no mesmo convite: "Tens que cá vir, para conversarmos, para matarmos saudades. Tenho tanta coisa para te dizer!"

E eu respondia que sim, que íamos marcar, assim que pudéssemos ambos, e tu respondias que também podias vir aqui, que tínhamos de acertar a data.

E fui tantas vezes e tu vieste tantas também!

Mas passear contigo por Alcobaça era “outra louça”!

Era assim como que um orgulho ir ao teu lado e ver que toda a gente te cumprimentava e que tu tinhas uma palavra para todos e todos te respondiam com um sorriso.

Desde que te conheci, por causa da “nossa” Guiné (*), que percebi de imediato o “homem grande” que tu eras, a bondade que em ti se sentia, a sinceridade das palavras, do coração, a preocupação com os outros e o amor inexprimível à família.

Os almoços da Tabanca do Centro assim o iam confirmando todos os meses e a amizade nasceu naturalmente forte.

Tínhamos tantas coisas que nos identificavam!

Uma noite tive um sonho, literalmente um sonho, meu amigo José Eduardo, que me dizia para te convidar para fazeres o Percurso Alpha connosco na paróquia da Marinha Grande.

Hesitei, pensei e repensei se não estaria a entrar na tua esfera mais íntima, mas decidi fazer o convite, pois um não da tua parte nada significava para a nossa amizade.

Mas não foi assim!

Ouvi um sim decidido, dizendo-me que era o tempo certo para fazer esse caminho.

E depois durante 10 semanas, esperava-te à entrada da Marinha Grande para te indicar o caminho para o local onde nos reuníamos.

E, claro, rapidamente fizeste amigos em todos os que ali estavam, como não podia deixar de ser, porque a tua maneira de ser era assim.

E foi um desencadear de coisas novas que descobriste e me foste ajudando a descobrir, uma ansiedade de paz e tranquilidade que me ias dizendo perceberes em ti.

Não me esqueço, meu amigo José Eduardo, no fim de semana do Espírito Santo, depois de eu ter feito a oração de invocação, o abraço que me vieste dar e como chorámos de paz e alegria nos braços um do outro.

E a tua amizade tão cheia de ternura pelo “nosso” Padre Patrício, como sempre o trataste entre nós, a quem ouviste com atenção e dedicação, “apesar” de ser um jovem perto de nós.

Tantas conversas, tantas confidências, tantas portas que abrimos das nossas memórias, tantos perdões, tanta paz, tantos conselhos recíprocos que trocámos!

Depois veio o ano terrível que “fechou” os nossos almoços, que “proibiu” os nossos abraços, que “escondeu” os nossos sorrisos, que quis “abafar” as nossas conversas.

Gente como tu, (e como eu, também), que vive de afectos e proximidade, sofre mais com estes tempos de distância forçada.

E como não paras, arranjaste maneira de editar um livro e pediste-me para escrever um posfácio, que tentei recusar por não me sentir capaz, mas tu convenceste-me como sempre.

Quando foi a apresentação do livro pediste-me para me sentar também na mesa e depois, com um sorriso desconcertante, disseste-me que eu teria de dizer umas palavras, também!!!

Respondi que não estava preparado para tal, mas a amizade falou mais alto.

Deixei-me levar pelo coração e foi nesse dia que disse publicamente que nunca mais te tratava por “Jero”, mas sim por José Eduardo.

“Jero” era um pseudónimo e a nossa amizade era muito real, pelo que, para mim, “apenas” podias ser José Eduardo.

E acho que a tua Helena gostou!

E não me esqueço também que te pedi pelo meu filho Pedro, para procurares um emprego, uma ocupação que ele tanto precisava e nesse mesmo dia já me estavas a responder e passado pouco tempo já o Pedro estava a estagiar em Alcobaça, no “teu” jornal, e tu o tomavas sobre os teus braços e o acompanhavas sempre.

Enchias-me de orgulho quando me dizias que o meu Pedro era um “rapaz” extraordinário e que gostavas imenso de falar com ele.

Marcaste-o com uma forte amizade que ele guarda dentro de si.

E a Dona Catarina, José Eduardo?

Sempre que te referias à minha mulher lá vinha o Dona Catarina e eu dizia-te: "Não digas isso José Eduardo, que ela afina!!!"

Lembro-me tão bem daquele almoço de frango na púcara, (tinha que ser, em Alcobaça), com a tua Helena, a minha Catarina e nós os dois.

E lá conseguimos acertar mais uma data e há cerca de um mês, lá fui com o Pedro ter contigo a Alcobaça para comermos um opíparo almoço que eu, (usando de chantagem), te obriguei a deixares-me pagar.

Nesse dia, meu amigo José Eduardo, quando nos despedimos, mandámos “às malvas” as regras e demos um abraço forte e sentido.

Esse abraço fica comigo, está em mim, e nunca mais deixarei de o sentir.

Repousa agora meu amigo, junto de Deus que ambos “redescobrimos” e que com certeza, (é tão bom ver as coisas assim humanamente), ouve deliciado as tuas histórias, com os Monges de Cister sentados à tua volta pedindo-te notícias do seu Mosteiro.

Não chegavam as resmas todas de papel para escrever sobre ti e sobre a nossa amizade, nem para tal tenho eu “engenho e arte”, mas mais importante do que isso é eu saber que estás nos braços de Deus e que vives no meu coração.

Espero um dia, pela graça de Deus, chegar ao Céu também e ouvir atrás de mim alguém dizer uma frase com uma inflexão quase como um canto de alegria: "Meu amigo Joaquim!"

Até já, José Eduardo! (**)

Marinha Grande 28 de Janeiro de 2021

Joaquim Mexia Alves
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

5 de julho de  2010 > Guiné 63/74 - P6676: V Convívio da Tabanca Grande (15): Caras Novas (Parte IV ): O JERO, aquele rapaz de Alcobaça e de Binta, lembram-se dele ? (Luís Graça)

(...) O JERO ou José Eduardo Oliveira é um dos mais produtivos membros do nosso blogue (já com mais de 60 referências ou marcadores), para o qual entrou há menos de um ano...

Natural de Alcobaça, bancário reformado, director adjunto do jornal local, ofereceu-se de imediato para organizar o V Encontro Nacional da Tabanca Grande. Acabámos por optar por Monte Real, e associá-lo à Comissão Organizadora (de que fizeram parte, além dele, o Carlos Vinhal, o Joaquim Mexia Alves, o Miguel Pessoa e o Belarmino Sardinha).

O JERO é daqueles camaradas que, uma vez apresentados, se tornam, ao fim de cinco minutos, velhos conhecidos, que a gente se apressa a pôr na lista dos amigos favoritos... Ele é a gentileza em pessoa, uma doçura como os licores e doces da abadia à sombra da qual nasceu e cresceu a sua terra. E tem uma qualidade que é rara entre os primatas: pratica a amizade, é gentil, é prestável, é leal, sem quaisquer pretensões de protagonismo, sem intriga, lisonja ou má-língua...

Cara nova ? Sim, é a primeira vez que ele vem a um Encontro Nacional da Tabanca Grande. Razão por que merece este destaque. (...)

(**) Último poste da série > 12 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21762: (In)citações (177): Contra os canhões marchar, marchar... (António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro)