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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16988: Em busca de.. (273): Armindo da Luz (ou Cruz?) Ferreira, ex-1.° cabo n.° 300, 1.° Batalhão Expedicionário do RI 11 (Cabo Verde, Ilha do Sal e Ilha de Santo Antão, junho de 1941 - dezembro de 1943), avô de Albertina Gomes (médica, Noruega)... Diligências do nosso blogue e colaboradores, Augusto Silva Santos e José Martins


Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > A trágica miséria em que grande parte da população vivia no interior da ilha... Recorde-se que em 1940 e depois em 1942 e anos seguintes a seca prolongada foi responsável por uma das maiores catástrofes demográficas da história de Cabo Verde: este é, de resto, o pano de fundo do romance Hora di Bai, publicado em 1962, pelo escritor português Manuel Ferreira (1917-1994), também ele mobilizado como expedicionário em 1941, para São Vicente.


Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > Festa de São João. A companheira do Armindo da Luz (ou Cruz ?) Ferreira, mãe de Armindo Maria Gomes (, nascido por volta de 1942, ) e avó de Albertina Gomes (, hoje médica patologista, a viver e a trabalhar na Noruega), era natural de Santo Antão. Dizemos "era", porque presumimos que já tenha morrido. 

Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, com data de ontem, de Augusto Silva Santos
 [, ex-fur mil, CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73]


Assunto - Procuro dados ou família do ex-1°cabo n° 300 /1° Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (1941-1944)

Olá, boa noite!

Relativamente ao assunto em questão (*), lamentavelmente até agora não tenho nada de relevante a acrescentar.

Tentei, através da escassa documentação que ainda possuo sobre a passagem do meu falecido pai [, Feliciano Delfim Santos (1922-1989)], por terras de Cabo Verde, nas datas assinaladas, descortinar algo que pudesse ajudar na pesquisa, mas não encontrei nada.

Tenho algumas fotos, onde eventualmente poderá estar presente a pessoa procurada (Armindo Ferreira) mas, infelizmente, para além do local e da data, nas mesmas não aparece qualquer outra identificação ou referência.

Também já tentei encontrar ex-camaradas do meu pai desse tempo (tinha referência de alguns, dos convívios que faziam anualmente), mas a informação entretanto recolhida é de que já faleceram, o que é perfeitamente natural (nesta altura já contariam entre os 95 e os 97 anos).

O meu pai era dos mais novos, pois apresentou-se na altura como voluntário para o serviço militar, com 18 anos.

Vou continuar a tentar, mas receio não conseguir nada de positivo.

Melhores Cumprimentos,
Augusto D. Silva Santos


2. Mensagem, do mesmo dia, do José Martins, 
nosso colaborador permanente [, ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70]

Boa noite

Tive conhecimento, através da neta [, Albertinba Gomes,] que nos contactou, que Armindo da Luz (ou Cruz ?) Ferreira teria nascido na zona de Lisboa e que teria prestado serviço na polícia.

Contactada a PSP, pediram a informação da data de nascimento e a sua naturalidade, sem as quais não poderiam iniciar a pesquisa.

Esses mesmos elementos serão pedidos pelo Arquivo Geral do Exército.

Vamos ver o que se consegue.
José Martins


3. Comentário do editor

Obrigado, Augusto... Infelizmente, é uma geração praticamente  já extinta... O único contacto que ainda mantenho com malta do tempo do meu pai, Luis Henriques (1920-2012) é com um ex-furriel, António Correia Caxaria, de quase 100 anos [, nasceu em finais de 1917, era portanto dois anos e meio mais velho que o meu],  mas que esteve sempre no Mindelo, com ele...

Vou publicar a tua mensagem, apesar de tudo... Pode ser que o nosso "Sherlock Homes", o Zé Martins, consiga descobrir algo mais, nos arquivos... Ele tem um sexto sentido apuradíssimo, e a persistência, própria de um bom investigador... Já tem feito milagres...

Ao que parece, e segundo informação da neta, a dra. Albertina Gomes, o nosso camarada Armindo teria passado pela PSP - Polícia de Segurança Pública... Há alguma esperança de encontrar o seu nome nos arquivos desta corporação policial, se soubermos o ano exato em que nasceu...

Se o teu pai foi voluntário, com 18 anos, tendo nascido em 1922, o Armindo deveria ser dois anos mais velho, deve ter nascido em 1920, tal como o meu pai... O meu nasceu em 19/8/1920, ainda tinha 20 anos, ia fazer 21, quando chegou ao Mindelo em julho de 1941, tendo regressado em setembro de 1943. Nunca saiu de São Vicente, mas teve camaradas em Santo Antão. Recordo-me de me ter falado que pediram voluntários para Santo Antão (, a ilha de que era originária a avó paterna da Albertina Gomes).

 O Armindo regressou a Portugal em finais de 1943 e provavelmente deve ter entrado para PSP, e  casado. Não sabemos se manteve posteriormente contacto com a família em Santo Antão.
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quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16970: Em busca de... (272): Meu avô paterno, português, de seu nome Armindo da Luz (ou Cruz?) Ferreira, ex-1.° cabo n.° 300, 1.° Batalhão Expedicionário do RI 11 (Cabo Verde, Ilha do Sal e Ilha de Santo Antão, junho de 1941 - dezembro de 1943)... (Albertina Gomes, médica, Noruega)


O navio a vapor "João Belo" que transportou, em junho de 1941, o pessoal do 1.º batalhão  expedicionário do RI II (Ilha do Sal, 1941/43)


Cabo Verde >Ilha do Sal > 1942 > O Feliciano Delfim Santos (1922-1989), 1.º cabo, 1.ª Companhia, 1.º Batalhão, RI 11, à direita, com outro 1.º cabo, de que se desconhece a identidade.

Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem da nossa leitora Albertina Gomes, médica, a viver e a trabalhar na Noruega:

Data: 19 de janeiro de 2017 às 08:39

Assunto: Procuro dados ou família do ex-1°cabo n° 300 /1° Bat Exp do RI 11, Cabo Verde em 1941-1944

Sr. Luís Graça,

Com muito respeito venho por este meio contactar o senhor após ter lido o seu blog onde relata sobre o seu amigo e pai que foi um ex-expedicionário a Cabo Verde na II Guerra Mundial.

O assunto me interessa bastante assim como ao meu pai que ė filho de um ex-expedicionário a
Cabo Verde na mesma altura que o seu pai permaneceu nesse arquipélago.

Vou me apresentar: Albertina da Conceição Gomes, médica patologista, residente em Noruega, filha de Armindo Maria Gomes.

Estou à  procura de algum dado que me leve a conhecer mais a história ou família do meu avô paterno. As únicas informações que o meu pai, com 74 anos, tem do pai dele são estas:

(i) Armindo da Luz Ferreira, ex- 1° cabo n° 300,
companhia 11 [?], no período 1941-1944 (1943?)

(ii) foi colocado na Ilha do Sal (na altura tinha 21 ou 22 anos);

(iii)  meses antes do regresso a Portugal, esteve na Ilha de Santo Antão com a minha avó e o meu pai, na altura meu pai tinha 16 ou 18 meses.

Foi o pai dele que lhe pôs o nome de Armindo e que em casa devia ser chamado por Salvador (em honra do irmão mais velho do meu avô).

Numa das viagens que o meu pai fez a São Tomé,  conheceu um médico que foi grande amigo e ex-companheiro de serviço em Cabo Verde. Segundo esse amigo, o meu avô se chamava ou chama Armindo da Cruz Ferreira. Quando o meu pai viajou a Portugal, na tentativa de conhecer o pai,  não encontraram nenhum registo com esse nome de Armindo da Cruz Ferreira.

Agradeceria se pudesse ajudar-me em encontrar alguma pista do meu avô ou família.

Saudações,
Albertina Gomes.


2. Resposta do editor:

Cara amiga e doutora Albertina Gomes: as minhas melhores saudações, e votos de que  consiga as informações que procura, incluindo o contacto da família do seu avô, aqui em Portugal e em Cabo Verde. Da nossa parte, ficamos muito sensibilizados pela sua mensagem. Vamos ver em que é pudemos ajudar.

Temos um camarada nosso, membro deste blogue, Augusto Silva Santos, cujo pai, Feliciano Delfim dos Santos, era também 1º cabo e pertencia ao 1º  batalhão do Regimento de Infantaria nº 11 [, RI 11, de Setúbal, ] que esteve na Ilha do Sal, com passagem pelas ilhas de  Santiago e Santo Antão, entre 1941 e 1943. Veja aqui, se é que não viu já. o nosso poste P9674 (*).

Vou pô-la em contacto com o meu camarada Augusto Silva Santos, ele poderá ter mais informação do que aquela que publicou no poste P9674. Infelizmente, o pai do Augusto, já morreu, em 1989. (Nasceu em 1922, deveria pois ser da mesma idade do seu avô Armindo, e seguramente que se conheciam, e muito provavelmente até pertenciam à mesma companhia, 1 ª; em princípio, um batalhão tem 4 companhias, de cerca de 150/160 homens cada uma: a companhia do seu avó deve ser a 1ª e não a 11ª, que em princípio não existiria). O percurso do Feliciano Delfim deve ter sido o mesmo: ambos eram 1ºs cabos, embora pudessem não ter a mesma especialidade.

Vejamos, sumariamente, o que diz o meu camarada a respeito da vida na tropa do pai dele:

(i) nasceu em 1922, em Lisboa;

(ii) terminou a recruta em julho de 1940, no RI 11, Setúbal;

(iii) frequentou posteriormente a escola de cabos;

(iv) foi 1º  cabo, com a especialidade de Observador Telemetrista;

(v) foi mobilizado para fazer parte do 1º Batalhão Expedicionário do RI 11 (Setúbal)  / 1ª Companhia, com destino à então colónia de Cabo Verde, durante o período da 2ª guerra mundial;

(v) em meados de junho de 1941, já com mais de um ano de tropa, embarcou no navio a vapor "João Belo", tendo desembarcado na cidade da Praia, ilha de Santiago, a 23 do mesmo mês;

(vi) o Batalhão viria a ser colocado na ilha do Sal, a mais inóspita de todas as ilhas do arquipélago, "onde já não chovia há 5 anos, não havia árvores, água potável, fruta, e legumes frescos";

(vii) transitou também por outras ilhas  (Santo Antão e S. Vicente), onde a água potável para consumo diário era igualmente racionada (não chegando a um cantil) e, para banhos, só havia água salgada;

(viii) dos cerca de mil  homens que inicialmente compunham as forças do RI 11 (1º batalhão  mais a companhia de comando regimental), no final só viriam oficialmente a regressar à metrópole,  incorporados no mesmo, cerca de 500: morreram na missão perto de 20 militares (todos eles por doença), e os restantes foram regressando antecipadamente por baixa médica, na sequência das mais diversas doenças (escorbuto, tifo, paludismo, anemia, disenteria, tuberculose, doenças venéreas, etc.);

(ix) regressou à Metrópole  no início de dezembro de 1943, e a passagem à disponibilidade (, ou seja, à vida civil) foi no final do mesmo mês, ao fim de uma comissão de serviço de 30 meses (dois anos e meio: junho de 1941 / dezembro de 1943).

Cara Albertina, entre estas duas datas (junho de 1941 e dezembro de 1943), nasceu o seu pai, que esteve com o seu avô e a sua avó na ilha de Santo Antão, "meses antes do regresso a Portugal"; se o seu pai tinha 16/18 meses, o seu avô deve ter conhecido a sua avó no ano de 1942, e muito provavelmente na ilha do Sal (onde o 1º batalhão expedicionário do RI 11 passou a maior parte do tempo, se não mesmo a totalidade).

A sua avó será da ilha de Santo Antão, o seu avô deve ser do sul de Portugal, talvez Alentejo, ou até de Lisboa (como o Feliciano Delfim), tendo sido mobilizado pelo RI 11, de Setúbal.

Deixe-me ser sincero consigo: a probabilidade de o seu avô  ainda estar vivo é pequena, tendo em conta o ano do seu nascimento e a esperança média de vida da sua geração, embora eu ainda conheça alguns, raros, homens desse tempo... O meu pai, nascido em 1920 e também mobilizado nessa época para o Mindelo, por exemplo, morreu aos 92 anos, mas ainda tem um camarada vivo, com cerca de  97 anos, com quem costumavam ir aos convívios anuais do pessoal expedicionário  do RI 5,  nas Caldas da Rainha.

Também o Feliciano Delfim Santos "na sua passagem por aquelas terras, chegou a viver maritalmente com uma local, de seu nome Maria Helena Almeida, de quem viria a ter um filho chamado Fernando Almeida Santos" (...). Ambos faleceram prematuramente por doença, muito provavelmente na sequência da seca e da fome que assolaram  tragicamente  as ilhas naquela época. (*)

O pai do meu amigo e camarada Augusto Silva Santos morreu, precocemente, aos 66 anos, reformado como  civil da Marinha de Guerra portuguesa. 

Quanto ao meu pai,  Luís Henriques (1920-2012), também ele era 1º cabo, tendo estado como expedicionário,  nesta época,  em Cabo Verde,  no Mindelo, ilha de São Vicente, mas pertencia a outra unidade, o 1º batalhão do RI 5, Caldas da Rainha.  Portanto, não é uma boa pista para chegar ao paradeiro do seu avô Armindo. A maior parte das forças expedicionárias, mobilizadas para Cabo Verde, na II Guerra Mundial, concentravam-se no Mindelo.

Haverá mais informação a explorar no Arquivo Histórico Militar, do Exército Português, em Lisboa, mas de momento não tenho qualquer disponibilidade para passar por lá e fazer mais pesquisas na Net. A informação que  partilhamos consigo é toda ela oriunda do nosso blogue.

Outro camarada nosso que poderá ajudar a dra. Albertina Gomes é o Adriano Miranda Lima, natural de Mindelo, São Vicente, coronel de infantaria na reforma, residente em Tomar, que tem escrito no nosso blogue e noutros blogues sobre este período e as tropas expedicionárias portuguesas. Vou pô-la também em contacto com este camarada e com o nosso colaborador permanente, José Martins, que tem informação preciosa sobre os nossos mortos desta época (**) bem como sobre o dispositivo militar em Cabo Verde (***).

Para já, tudo indica que o seu avô tenha regressado vivo a Portugal. Para localizar a família, era importante saber a terra ou região da sua naturalidade.

Segundo o trabalho de pesquisa do nosso camarada José Martins, o número total de expedicionários metropolitanos em Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial, era superior a 6300, mais de metade dos quais (cerca de 53%) estavam concentrados numa só ilha, a ilha de São Vicente, dado o seu interesse estratégico (porto atlântico ligando a Europa com a América Latina, a par dos cabos submarinos, na baía do Mindelo). O resto distribuía-se pela ilha do Sal (35,3%) e pela ilha de Santo Antão (11,8%). No Sal, o RI 11 tinha mais de 1100 homens (1 batalhão mais comando e serviços). Os batalhões do RI 5, RI 7 e RI 15 (uma parte)  estavam em São Vicente (e outra  parte do batalhão do RI 15 em Santo Antão).

O seu avô paterno, Armando da Luz Ferreira (ou Cruz Ferreira...) deve ter passado a maior parte do tempo na então inóspita ilha do Sal.

É tudo o que, por enquanto, lhe podemos "oferecer". Vamos responder-lhe por email, para lhe dar os contactos acima referidos. Disponha deste blogue para levar a cabo (e dar conta de) as suas diligências na pesquisa da sua história familiar (****).

Boa saúde, bom trabalho. (LG)
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de março de  2012 >  Guiné 63/74 - P9674: Meu pai, meu velho, meu camarada (27): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1º cabo, 1º Comp /1º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto S. Santos)

(**) Vd. poste de 21 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10284: Meu pai, meu velho, meu camarada (31): Expedicionários em Cabo Verde, mortos entre 1903 e 1946 e inumados nas ilhas de São Vicente e Sal (Lia Medina / José Martins)

(***)  20 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10282: Meu pai, meu velho, meu camarada (30): Dispositivo militar metropolitano em Cabo Verde (Ilhas de São Vicente, Santo Antão e Sal) durante a II Grande Guerra (José Martins)

(****)  Último poste da série > 3 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16553: Em busca de... (272): Major inf (hoje possivelmente cor inf ref) Carlos Graciano de Oliveira Gordalina... O meu pai, antigo fuzileiro do DFE 12, encontrou há anos umas tábuas de madeira exótica (talvez alguns salvados) com o seu nome pintado a branco... Sabemos que este oficial foi secretário da direção da Liga da Multissecular Amizade Portugal - China, em 2011/14 (Rui Ribolhos)

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16353: Meu pai, meu velho, meu camarada (48): No 10º aniversário da morte do meu pai (Victor Barata, fundador e comandante do blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74,


[Reproduzido aqui com a devida vénia e um alfabravo fraterno para o Victor, um dos veteranos do nosso blogue]


Domingo 30 de Julho de 2006. 7:30h toca o telefone… Tão cedo…a um domingo?

Atendo recebendo a triste notícia de que o meu pai estava mal e tinha ido para o Hospital.
De imediato entro na minha viatura e percorro os 100 km que me separavam do local (Lousã) em 45m.

Chego ao centro de saúde deste concelho e deparo com a minha querida mãe, sozinha, sentada no muro com a mala â frente dos joelhos, um pouco despenteada, completamente desolada e a chorar. Tento ganhar forças para a enfrentar,pois a situação transmitia-me a notícia que menos esperava, não consegui. Já não tinha o meu QUERIDO E SAUDOSO PAI VIVO!

Neste momento sinto nos meus lábios a frieza da tua testa como quando, deitado naquela pedra fria, te beijei.

Ai. Paizinho, quantas saudades tenho de si, meu AMIGO! De seu olhar que dizia mais que mil de palavras.

Que saudade de sua mão que sempre me foi oferecida nos momentos em que eu mais me sentia só. Quantas vezes ela me guiou pelos caminhos do medo, das incertezas ?

Meu pai, quanta saudade tenho de si. Já passaram 10 anos sem o ver, sem o escutar. 10 anos de um silêncio assustador, mas compreensível pois você jamais concordaria que eu estivesse aí em seu lugar.

Sou o que você me fez ser. Um homem honesto, cheio de amor ao próximo, desprovido de soberbas, tolerante e amigo de todos os meus semelhantes.

Consigo aprendi a mais sublime das virtudes humanas: a solidariedade e o respeito,  a liberdade e o direito de exercê-la.

Ter sido seu filho foi uma experiência única.

Sabe,  pai, hoje eu derramei uma lágrima mas ela não foi muito amarga talvez porque você aí do céu, me tenha poupado e adocicado com boas lembranças, a saudade e o amargo que meus olhos teimaram em derramar.

Feliz de quem assim, como eu, teve um pai tão virtuoso no amar e educar, como tive.

A foto que apresento  [, acima,] foi aquela,entre muitas que me deixou,tirado em 1952 no muro da Marginal junto á praia de São Amaro de Oeiras.

Victor Barata [, foto atual à esquerda]

[Victor Barata: ex-1ºcabo especialista,  DO 27,  BA 12, Bissalanca, 1971/73; o fundador e comandante do blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74, membro séniro da nossa Tabanca Grande, foi um dos participantes do nosso 1º encontro nacional, na Ameira, Montemor o Novo, em 2006}
______________

domingo, 29 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16142: Manuscrito(s) (Luís Graça (84): Por que te calas, camarada ?



Foto nº 1


Foto nº 1A

Foto nº 2

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >19141 > Chegada do 1º batalhão expedicionário do RI 5 (Caldas da Rainha) (foto nº 1). "23/7/1941... Na foto [, do batelão que nos levou para terra,] estou eu com mais alguns camaradas da minha companhia. No porto do Mindelo [foto nº2]  fomos entusiasticamente recebidos"].

Fotos do álbum de Luís Henriques (1920-2012), ex-1º cabo inf, mobilizado pelo RI 5 (Caldas da Rainha), expedicionário, que viria a integrar o RI 23 (Mindelo, Ilha de São Vicente, Cabo Verde, 1941/43).

Não tenho a certeza absoluta mas na foto nº 1A poderá ser o meu pai o militar assinalado com um rectângulo a amarelo.

Fotos © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



Por que te calas, 
camarada ? (*)

por Luís Graça (**)
  


O meu pai, Luís Henriques (1920-2012), 
também andou "lá fora", 
no ultramar,
a defender o Império, a Pátria,
durante a II Guerra Mundial, 
em Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 
entre 1941 e 1943...

Cresci, fascinado, 
a folhear o seu álbum de fotografias,
que andava lá por casa, escondido, 
numa gaveta, 
entre papéis velhos...
Mas ele nunca me sentou ao colo
e me explicou, tim por tim,
por que terras e mares tinha passado,
por que é que andou a "engolir pó" 

até ficar doente dos pulmões
(dir-me-ia mais tarde),
durante 26 meses,
lá nessa terra distante, semidesértica,
enfim, não me contou as histórias desse tempo, 
do seu tempo de menino e moço,
ainda eu não era nascido...

Afinal, era eu que as tinha que adivinhar, 
fantasiar,
criar as minhas próprias histórias, 
enredos,
personagens, 
mesmo se muitas dessas fotos tivessem legendas, 
lacónicas no verso,
escritas a tinta verde,
no tempo em que o vermelho era proibido ser vermelho,
ou só se dizer "escarlate" ou "carmesim", 
por causas das coisas e das moscas...
Foi aí que aprendi a legendar:
o Monte Cara, 
o ilhéu dos pássaros,
o Porto Grande, 
os navios hospitais italianos,
o vapor Mousinho de Albuquerque, 
o tubarão, 
o macaquinho fugido da fome de Santo Antão, 
o cemitério da tropa, 
os exercícios, 
as paradas, 
as antiaéreas,
os cavalos, 
o senhor ministro das colónias,
as meninas lá da terra, as bias,
em fatinho de chita, domingueiro, de ir à missa...
Mas, como eu era puto, 
e mal sabia ler, 
e muito menos sabia de história e geografia,
não entendia nada...

Cresci, arranjei outras brincadeiras,
na rua do Castelo da minha terra,
e no largo do Convento,
fronteiro à escola,
que era o mundo que eu conhecia e pouco mais,
esqueci o álbum das fotos da tropa do meu pai,
mas não pude esquecer a guerra
que, já adolescente, aos catorzes anos,
me irá caber em sorte...

Um dia, também a mim,  tocou a vez
de ir cumprir o serviço militar obrigatório 
e de ir "defender a Pátria", 
neste caso, 
ainda mais longe, 
lá na verde e rubra Guiné, 
em plena África, 
quase trinta anos depois...
Nunca falámos, nem ele me deu conselhos: 
olha isto, olha aquilo,
cuidado com isto, cuidado com aquilo... 
Nem sequer se foi despedir de mim,
que era longe a capital do império
e mais longe a terra para onde zarpava o velho Niassa...

Por pudor, perguntar-me-ás, camarada ? 
Sim, por pudor...



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 19 de agosto de 1942 > "No dia em que fiz 22 anos, em S. Vicente, C. Verde. 19/8/1942. Luís Henriques ".



Minto: ofereceu-me umas botas,

de cano alto, 
até ao joelho,
de montar,
porque sabia que na Guiné
havia mato, com capim alto, e pântanos, e cobras...
Agradeci-lhe a ternura,
mas não as levei:
pesavam que nem chumbo!

Voltei, "são e salvo" (?), 
e continuámos sem falar, 
da tropa, 
da guerra, 
das áfricas... 
Era lá coisas que os pais falassem com os filhos
e os filhos com os pais!

Veio o 25 de abril, 
esqueci (?) a guerra, 
por um estranho sentimento de culpa, 
por pudor, 
por vergonha,
por estúpido preconceito talvez... 
Era politicamente incorreto, nesse tempo, 
falar-se da (ou até pensar-se na) 
maldita da guerra colonial, 
ou do ultramar, 
ou de África...

Passaram-se os anos 
até que, em 1980, 
comecei a interessar-me pelas minhas vivências da Guiné, 
publiquei uma série de escritos no semanário "O Jornal"... 
e por tabela fui "redescobrir" 
o velho álbum do meu pai, 
já desconjuntado. 
amarelecido, 
comido pela traça e pela humidade...

Com o blogue, 

a partir de 2004, 2005, 
começámos a ter conversas de maior "cumplicidade", 
eu e o meu pai, 
como dois bons e velhos camaradas... 
Afinal, Cabo Verde e a Guiné, ali tão perto...

Publiquei com ternura as fotos dele, 
no Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, 
(as que restaram, ao fim de tantos anos...) 
e fiz diversos vídeos com entrevistas com ele, 
sobre esses tempos de "expedicionário"... 


Luís Graça, Bambadinca, c. 1970
Criei, no nosso blogue, uma série,
Tenho pena de, por razões de saúde, 
nunca o ter podido levar em viagem de saudade, 
de regresso, 
a São Vicente... 
Teimoso, ele nunca quis fazer uma artroplastia das ancas... 
A velhice (e o blogue) aproximou-nos
por volta dos oitenta e tal anos... 
Tarde, 
mas valeu a pena...



Provavelmente, sem o blogue, 
ele teria morrido, como morreu, 
há quatro anos atrás, 
sem eu ter sabido mais nada 
sobre os três anos e tal de vida 
que ele passou na tropa e na guerra, 
os seus medos, temores, amores, desamores,
saudades da terra e das uvas em setembro, 
as cartas que escreveu, 
centenas e centenas para os seus caramadas
que não sabiam ler nem escrever,
os versos de amor que mandou para a minha mãe,
os problemas de saúde, 
as amizades, 
as cumplicidades,
as histórias de vida daqueles homens,
abandonados no meio do Atlântico, 
em plena II Guerra Mundial,
e, mais tarde, os convívios do seu batalhão,
até que a morte os levou, um a um,
ano após ano...
Estão todos sepultados na vala comum do esquecimento...





Lourinhã > Abril de 1999 > Luís Henriques (1920-2012), com 78 anos,  e Maria da Graça (1922-2014), com 76



Espantoso, 
ouvi o meu pai, horas e dias a fio,
falar de Cabo Verde,
mas eu continuei sem nunca lhe falar da Guiné...
Acho que vou levar esta mágoa comigo
na última viagem que irei fazer,
através do rio Caronte,
o tal que, segundo os gregos antigos, 
todos os homens vão ter que atravessar um dia, 
e que só tem uma margem, 
a do lado de cá,
viagem da qual ninguém regressa,
a não ser os deuses e os heróis.

Afinal, boa pergunta: 
por que te calas, camarada ?


Lisboa, 20/4/2014 | Lourinhã, 28/5/2016


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16134: (In)citações (91): "Um gajo não sabe o que foi a guerra colonial", diz Marcos Cruz, filho do Dr. Adão Cruz, um dos médicos do BCAÇ 1887 (Francisco Baptista, ex-Alf Mil)

(*) Último poste da série > 9 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16067: Manuscrito(s) (Luís Graça) (83): As nossas máscaras, ontem e hoje... Apontamentos sobre o XI Festival Internacional da Máscara Ibérica (Lisboa, 6-8 de maio de 2016)


terça-feira, 3 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16045: Historiografia da presença portuguesa em África (70): Vozes do império que não chegavam ao céu: António de Almeida, antropólogo e deputado à Assembelia Nacional: intervenção, antes da ordem do dia, por mor de Cabo Verde, em 24 de fevereiro de 1944




Folha de rosto do Diário das Sessões, nº 48, de 25 de fevereiro de 1944, 


1. António de Almeida (Penalva do Castelo, 1900 - Lisboa, 1984)

(i) professor, antropólogo e político português: foi, entre 1938 e 1957, deputado à Assembleia Nacional,pela União Nacional, o partido (único) do Estado Novo;

(ii) nasceu a 21 de agosto de 1900, em Sezures, em Penalva do Castelo, no distrito de Viseu;

(iii) formado em Medicina, exerceu medicina escolar e foi professor na Universidade de Lisboa e no Liceu Normal (Pedro Nunes);

(iv)  fez um pós-graduação na Escola de Medicina Tropical e na Escola Superior Colonial; doutorou-se em medicina pelo Instituto de Medicina Tropical (IMT);

(v) beneficiou, em 1934, de uma bolsa da Junta de Educação Nacional;

(vi)  dois anois depois, realizou trabalhos antropológicos em Angola e, a partir de 1935, foi lecionar Quimbundo e também Etnologia e Etnografia Colonial, na Escola Superior Colonial;

(vii) dirigiu o Centro de Estudos de Etnologia do Ultramar:

(viii)  participou em várias expedições antropológicas e etnológicas nas colónias portuguesas;

(ix) a partir de 1953 até 1954, chefiou a missão antropológica de Timor, acompanhado, entre outros, do antropólogo Mendes Correia e do poeta e investigador Ruy Cinatti;

(x) como antropólogo salientou, "com muita minúcia, nos seus estudos, a diversidade étnica dos povos, a vida cultural e social e a fisiologia e carácter dos indígenas";

(xi) "as suas publicações, escritas para um grande público ou para congressos internacionais, serviram para criar e fortalecer a imagem do trabalho científico dos portugueses nas colónias";

(xii) em 1970, foi jubilado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU), onde lecionou as matérias de Etnologia do Ultramar Português e de Antropobiologia;

(xiii) enquanto professor, "preocupou-se com o ensino colonial, tanto no estrangeiro, como em Portugal, e expôs várias medidas que permitiriam reformar a instrução ultramarina";

(xiv) faleceu a 16 de novembro de 1984, em Lisboa.

Fonte. Adapt de António de Almeida. In Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2016. [consult. 2016-05-03 10:37:58]. Disponível na Internet: http://www.infopedia.pt/$antonio-de-almeida,4



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Baía do Mindelo > c. 1943/44 > A foto não tem referências a datas mas é visível tratar-se do [navio] Colonial [, ainda a navegar no final dos anos 40]. Foto do álbum do Hélder Sousa (*)

Foto: © Hélder Sousa (2009). Todos os direitos reservados.

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III legislatura (1942-1945) > 2ª sessão legislativa (1943-44)

Castilho, J. M. Tavares – Almeida, António de. In: Os deputados à Assembleia Nacional: biografia e carreira parlamentar. [Em linha] Lisboa: Assembleia da República. [Consult em 2 de maio de 2016],. Disponível em http://app.parlamento.pt/PublicacoesOnLine/DeputadosAN_1935-1974/html/pdf/a/almeida_antonio_de.pdf

Excerto de intervenão, antes da ordem do dia, em 24 de fevereiro de 1944, do depuitado António de Almeida,  referindo-se ao decreto-lei nº 33.508 que autorizava o governo a enviar a Cabo Verde uma missão técnica  "com o propósito de estudar e resolver os problemas relativos à construção e melhoramento das estradas, ao aproveitamento de recursos hidráulicos e ao revestimento florestal". Diário da Sessões, nº 48, pp. 65-66. Reproduzido com a devida vénia. Revisão e fixação de texto., (ª*) LG.


65 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António de Almeida.

O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: durante a interrupção dos trabalhos da Assembleia Nacional o Governo publicou, pelo Ministério das Colónias, um importantíssimo diploma, cuja futura e benéfica repercussão económica e social consideravelmente se há-de fazer sentir no Arquipélago de Cabo Verde, ao qual se destina tão oportuna disposição legislativa. Refiro-me ao decreto-lei n.° 33.508, que autoriza o Governo a organizar e a enviar às terras crioulas uma missão técnica com o propósito de estudar e resolver os problemas relativos à construção e melhoramento das estradas, ao aproveitamento de recursos hidráulicos e ao revestimento florestal.

Sr. Presidente: descobertas há cerca de quinhentos anos pelos nossos navegadores, as desabitadas ilhas de então cedo constituíram objeto da nossa intensiva ação colonizadora; porém, a partir do domínio castelhano inicia-se a via dolorosa da população caboverdeana - ainda hoje não terminada -, parecendo que os agentes adversos, humanos e meteorológicos, se têm conluiado para molestar esta valiosa parcela do nosso Império de além-mar.

66 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48

Assim, até ao final do século XVIII, as ilhas não mais deixaram de ser alvo de persistentes assaltos dos corsários estrangeiros; algumas erupções do fumegante vulcão do Fogo projetaram suas lavas devastadoras a grandes distâncias; uma pavorosa inundação arrastou para o mar um quarteirão completo da vila da Ribeira Grande, a capital de outrora; e, por seu lado, no século XIX, os governos da metrópole alhearam-se dos assuntos cabo-verdianos, em virtude de, primeiramente, andarem empenhados em expulsar os franceses e depois por serem possuídos pela preocupação obsessiva de implantar entre nós as recém-importadas ideias liberais.

Para cúmulo da desventura surgem, temporariamente, as horrorosas crises alimentares, que, persistindo até aos nossos dias, irão vitimar muitas dezenas de milhar de pessoas e de animais: três grandes períodos de fome no século passado e já outros tantos no atual - em 1903, em 1921 e o último há três anos apenas; e para ensombrar mais este quadro de infortúnio, em 1856, uma mortífera epidemia de cholera morbus dizima famílias inteiras, ficando desertas muitas aldeias da Ilha de S. Nicolau.

Sr. Presidente: a ação erosiva dos homens e dos animais - especialmente os milhares de cabras domésticas e selvagens que, na maior liberdade, vagueiam pelo Arquipélago - tem auxiliado enormemente a repetição das vagas de miséria, motivando profundas alterações meteorológicas, derivadas da destruição contínua e desorientada das espécies botânicas que cobriam as ilhas até à data do seu descobrimento; e haveremos apontado as principais origens das calamidades cabo-verdianas se acrescentarmos as violentas lestadas, que, acelerando a desarborização, comprometem a pluviosidade e, por conseguinte, condicionam a escassez de água, com prejuízo grave para o clima e para a vida e bem-estar da gente crioula.

Frequentemente, também, se tem imputado à imperfeita divisão da propriedade, ao primitivismo de processos agronómicos utilizados pelos naturais e à sua indolência uma cota parte das causas dos males que afetam o Arquipélago. Se, com efeito, o cabo-verdiano não sabe ainda tirar da terra tudo o que esta lhe pode oferecer, no entanto numerosas pessoas, no tempo das lavouras, mourejam nos campos ingratos e ressequidos, desenvolvendo esforços pertinazes e admiráveis; outras dedicam-se afanosamente às labutas da pesca marítima, laboram nos trapiches ou engenhos do açúcar, nas fábricas de conservas de peixe e de manipulação de tabaco e na indústria salineira, quando não se ocupam no transporte de pesados fardos, à cabeça e a pau e corda, por carreiros alcantilados, pedregosos e difíceis, tão característicos destas acidentadas ilhas.

E se seus habitantes não conseguem empregar-se na terra-mãe e arranjam possibilidades de emigrar, fazem-no de preferência para as colónias portuguesas de África, Américas e ilhas de Sandwich, territórios onde são apreciados condignamente, tanto pelo seu amor ao trabalho como pelas qualidades morais e intelectual que possuem.

Ultimamente, e por causa da guerra, as dificuldades dos caboverdeanos aumentaram extraordinariamente; a falta de navios mercantes estrangeiros que, antes do conflito e não obstante a temerosa competição das Canárias e de Dakar, se serviam dos seus portos a fim de se abastecerem de alimentos frescos e de combustíveis, junta a outros fatores de esmorecimento comercial, concorre bastante para o estado de depressão económica em que o Arquipélago se encontra.

Sr. Presidente: o Governo, após a elaboração de demorado e indispensável plano de obras - para o qual preponderantemente contribuiu a visita a Cabo Verde do ilustre Ministro das Colónias, realizada em 1942 -, conhecendo minuciosa e perfeitamente todas as circunstâncias, propõe-se enfrentar satisfazer as mais instantes necessidades da colónia e estimular o seu progresso, promovendo, tanto quanto humanamente for possível, a extinção ou a neutralização das crises de fome que, de onde em onde, apoquentam os naturais.

No notabilíssimo relatório que acompanha o decreto-lei n.° 33.508, em síntese magistral, focam-se as múltiplas facetas dos problemas postos em equação: construção de estradas e caminhos de montanha e beneficiamento das vias existentes, poucas e mal conservadas; aproveitamento da água das ribeiras, das nascentes e do subsolo, quer para abastecimento de água potável às povoações e para os serviços de salubridade pública, quer para regas, favorecendo a fertilidade dos terrenos e melhoria da produção; e, finalmente, a intensificação do repovoamento florestal, tarefa basilar, sem a qual não se obterão regularidade de chuvas, abundância de água e benefício do clima.

É a primeira vez, Sr. Presidente, que as ilhas crioulas veem as suas questões vitais tratadas em conjunto pela metrópole, com o carinho, inteligência e bom senso que há tanto tempo reclamavam o portuguesismo dos cabo-verdianos e o excecional valor político e estratégico da posição do Arquipélago no Atlântico. (Ao fazer esta afirmação não pretendo esquecer as diferentes tentativas parcelares, e que por isso resultaram infrutíferas, ensaiadas em favor de Cabo Verde).

A par das indicações de carácter administrativo e técnico e dos patrióticos fins a atingir pela missão, e com a maior brevidade - no diploma declara-se que as obras começarão a executar-se imediatamente após a conclusão dos trabalhos de gabinete e dentro de um prazo que nunca excederá dezoito meses -, a presente medida legislativa contém nova e excelente doutrina que enche de contentamento não só os cabo-verdianos como ainda todos quantos se entregam ao estudo dos seus problemas.

Sr. Presidente: a demonstrar, por forma objetiva e insofismável, que «ali também é Portugal», o Governo da Nação, depois de haver preparado, convenientemente, um plano de trabalhos, vai ordenar o respetivo estudo in loco, em condições análogas às que, em matéria de obras públicas, se estão pondo em prática nas ilhas adjacentes, o que equivale a dizer que os encargos da missão correm por conta da Mãe-Pátria, talqualmente o que acontece com as missões técnicas enviadas à Madeira e aos Açores.

Contudo, não é a liberalidade financeira do Governo central que deve impressionar, mais em especial esta nobilíssima atitude, de incalculável significado político, nacional e internacional, no momento presente, traduz absoluta garantia e certeza indubitável da dedicação e interesse que a Nação vota às ilhas, de Cabo Verde, aproximando-as espiritualmente cada vez mais da metrópole, colocando-as em situação moral semelhante à das ilhas adjacentes - o caminho natural para a respetiva identidade de regimes administrativos, a aspiração máxima dos portugueses de lei que são todos os filhos do Arquipélago, completamente integrados na civilização ocidental e cristã, inteiramente assimilados ao nosso espírito, à cultura lusitana.

Tenho dito.

2. Comentário do editor LG:

É um texto de um grande cinismo ou de uma grande ingenuidade. O médico e professor de antropologia colonial António de Almeida fala-nos da grande tragédia que foi, afinal,  a sociedade esclavagista de Cabo Verde, e das grandes secas e fomes que dizimaram a sua população ao longo dos séculos.  Mas é incapaz de dar conta do germes do nacionalismo que começam a despontar, no início dos anos 30 do séc. XX, muito antes de Amílcar Cabral, guinéu de origem caboverdiana. É verdade que, com a I República, as gentes de Cabo Verde foram os primeiros, de entre as populações africanas, a aceder ao estatuto de cidadania portuguesa. Mas como é que se podia, em 1944,evocar genuíno e arreigado o portugesismo dos cabo-verdianos. e "demonstrar de forma objetiva e insofismável", que 'ali também é (era) Portugal', quando o auxílio de Salazar chegava tarde e a mais horas ? Mais fizeram, isso sim,  os "expedicionários" que, como o meu pai, Luís Henriques (1920-2012)  ou o pai do Hélder Sousa, Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), ou o pai do Luís Dias, Porfírio Dias (1919-1988),  ou o capitão médico José Baptista de Sousa (1904-1967), Chefe dos Serviços Cirúrgicos das Forças Expedicionárias de Cabo Verde, organizaram, livre e espontaneamente, campanhas de socorro à população das ilhas (, nomeadamente da ilha de São Vicente onde se concentrou o grosso das NT durante a II Guerra Mundial).
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Notas de leitura:

domingo, 29 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15420: Manuscrito(s) (Luís Graça) (71): o país onde os nossos pais nasceram, cresceram, amaram, casaram, viveram, trabalharam e morreram... e que nós herdámos

Notas de leitura:

FERRÃO, João (Geógrafo, ICS/UL) – População. In: Dicionário de História de Portugal, suplemento, vol IX (Suplemento P/Z). (Coord. António Barreto e Filomena Mónica). Lisboa: Figueirinhas, 2000, pp. 127-133.


Portugal (1926-1974) – Dinâmicas sociais e populacionais 



O Portugal onde nasceram, cresceram, amaram, casaram, viveram  trabalharam e morreram os meus pais (Luís Henriques, 1920-2012, e Maria da Graça, 1922-2014) conheceu profundas mudanças, nomeadamente de natureza demográfica, epidemiológica, social,  económica, política e cultural...  

Foi a pensar neles, e  na sua geração, que eu, nascido em 1947, publico agora estas notas de leitura do artigo de João Ferrão sobre Portugal, 1926-1974... O país que eu herdei... O país que herdámos...


Crescimento natural (fecundidade, natalidade, mortalidade…);

Movimentos migratórios (internos e externos);

Factores endógenos e exógenos;

Mudanças conjunturais e estruturais;

Três fases, um período longo: 1926/74: consolidação dos padrões demográficos modernos: processo de transição demográfica > de longo ciclo de taxas de natalidade e mortalidade elevadas (> 30 por mil e 20 por mil, respetivamente) para um outro (c. 10 por mil);

Passagem de uma sociedade rural, pré-moderna, de economia fechada, fracamente monetarizada, para uma sociedade industrializada, de economia aberta (adesão à EFTA, 1959) e desenvolvimento urbano;

A transição demográfica coincide também com o fim do ciclo da emigração transcontinental (“Novo Mundo”: Brasil, EUA) e substituição por um outro, o da emigração europeia (França, Alemanha)


1ª fase – 1926-40:

Início da quebra das taxas de natalidade e mortalidade, fim de ciclo emigratório (“Novo Mundo”), contexto adverso à emigração (crise internacional de 1929, guerra civil de Espanha, início da II Guerra Mundial, em 1939)

2ª fase – 1941-50:

Recuperação das taxas de natalidade, crescente papel polarizador de Lisboa em relação ao êxodo rural, suburbanização, economia nacional fechada e corporativa;

3ª fase – 1951-74:

Consolidação das tendências demográficas modernas, irreversível processo de transição demográfico, no contexto de novo ciclo emigratório (continental), abertura da economia ao exterior, industrialização (plano de eletrificação do país, barragem de Castelo de Bode, 1950; EFTA, 1951); guerra colonial; crise do petróleo de 1973; 25 de abril de 1974; duplo retorno (emigrantes europeus e população das colónias africanas).


1926-1940



Alvarina de Sousa, mãe de Luís Henriques, morreu em 1922,
de tuberculose, quando ele tinha dois anos, provavelmente grávida.
Teve dois filhos. O pai de Luís Henriques, Domingos Henriques,
casou três vezes.  Do primeiro não teve filhos. Do terceiro casamento teve 

mais 11 filhos. A mãe de Alvarina de Sousa, Maria Augusta Maçarico
(Ribamar, 1864-Lourinhã, 1932)  teve 7 filhos nados-vivos.
Foto de LG.

Situação anterior (início do sec. XX): das mais elevadas taxas de natalidade, mortalidade e emigração na Europa; Rio de Janeiro,  a "segunda cidade portuguesa"; centralidade do setor primário e da ruralidade;

Portugal, 1930: 6,8 milhões de habitantes; 1940: 7,7 milhões (a taxa acréscimo anual de 12,8 por mil, na década de 1930) > quebra acentuada da taxa de mortalidade, entraves à emigração (Brasil, EUA), êxodo rural para os centros urbanos – Lisboa e Porto); 

a partir de 1927, inflexão das taxas brutas de natalidade ( < 30 por mil), embora regionalmente desigual; reflexos na fecundidade: o nº de filhos por mulher fértil passa de 3,8 em 1930/31, para 3,1 em 1940/41;

o declínio da taxa de mortalidade inicia-se em meados da década de 1920 (dos 20 por mil para os 12-13 por mil ao longo dos anos 40); aumento da esperança de vida (que em Portugal rondava os 50 anos); melhorias sanitárias e ambientais no combate à 1ª causa de morte (doenças infecciosas e parasitárias):

mantem-se a mortalidade infantil acima dos 100 por mil;

transição epidemiológica, historicamente associada à transição demográfica (vd. 3ª fase);

redução da emigração, devida à crise internacional e às restrições dos EUA (anos 20) e Brasil (anos 30); durante 20 anos (décadas de 1930 e 1940) emigram apenas 200 mil pessoas, 4 vezes menos do que no período anterior… 80% para o Brasil: reunificação familiar, origem norte e centro; fim do ciclo emigratório transcontinental;

acentua-se o processo de êxodo rural/atração interna; deslocamentos temporários ou sazonais (‘ranchos’, 100 mil trabalhadores sazonais em 1957), e deslocamentos definitivos (, mecanização da agriculturaarroteamento de charnecas no sul, “colonização interna”: foi criada, em 1936,  a Junta de Colonização Interna: (...) "era um organismo com personalidade jurídica, de funcionamento e administração autónomos; (...) incumbia-lhe a execução dos planos de colonização interna; (...) pelo Decreto-Lei nº 27:207, de 16 de novembro de 1936, (...)  tinha, nomeadamente, as seguintes competências: (i) tomar conta dos terrenos que lhe foram entregues pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, instalando nesses casais agrícolas; (ii) promover a constituição de associações e regantes e a instalação de Postos Agrários; (iii) efectuar o reconhecimento e estabelecer a reserva dos terrenos baldios do Estado; (iv) proceder à aquisição de terrenos para colonização; (v) estudar o regime jurídico a que devia obedecer a concessão de glebas.")

Lisboa polariza 60% dos movimentos internos (Porto, 17%): orientação para a cidade e para atividades não agrícolas (indústria, serviços); início do processo de suburbanização (sobretudo Grande Lisboa, margem norte do Rio Tejo):

1941/1950

Luís Henriques, expedicionário em Cabo Verde (1941/43). 
Foto de LG

Aprofundamento das tendências anteriores;

Aproximação tendencial aos padrões demográficos dos países europeus mais desenvolvidos;

Portugal, 1950: 8,7 milhões (desaceleração do crescimento demográfico);

Disparidades regionais, norte/sul, litoral (Lisboa/Porto) / interior;

Lisboa e Porto: taxas de natalidade ainda relativamente elevadas e taxas de fecundidade mais baixos do que no resto: comportamentos demográficos mais modernos, urbanização, abertura ao exterior, feminização da mão de obra… Lisboa: 1,79 filhos por mulher em idade fértil (valor que só ocorrerá em 1982 para o conjunto do país…);

Desaceleração da taxa bruta de mortalidade, a partir de 1943; 12-13 por mil ao longo da década;

Declínio da mortalidade infantil (< 100 por mil, na maioria dos distritos), por razões endógenas e exógenas; transição epidemiológica ainda tímida nesta década;

Esperança média de vida aproxima-se agora dos 60 anos;

Aumento da clivagem norte/sul (por ex., aumento da população no norte; diminuição no sul; taxas de fecundidade, mortalidade infantil e mortalidade elevadas no norte, baixas no sul…); recessão demográfica no Alentejo depois dos arroteamentos das charnecas e da campanha do trigo (anos 30); norte e centro litoral beneficiam de fatores conjunturais: (i) retorno do Brasil e dos EUA; (ii) “boom” do volfrâmio e do têxtil e calçado com a II Guerra Mundial; 

Contenção da quebra da taxa de natalidade (c. 25 por mil) entre 1940 e 1960, nos distritos do norte e ilhas, deve-se à contenção da emigração;

 Lisboa polariza 75% dos movimentos internos (12%, o Porto); movimentos internos particularmente significativos no sul;… mas Lisboa capta apenas c. 48% do êxodo rural;

Crescente litoralização do país;


1951-1974


Lourinhã, 1947 > Luís Henriques e
Maria da Graça,   com o seu primeiro filho,
de quatro filhos. O primogénito tem, 2 filhos.
Foto: LG

Confirma-se definitivamente o declínio das taxas de natalidade e mortalidade;

Em 1950 e 1974 Portugal tem a mesma população: c. 8,5 milhões. 9 milhões em 1960; perde pela primeira vez população desde que existem contagens de âmbito nacional (ou seja, de há 3 séculos): crescimento médio anual de 12,8% na década de 1930, 9,3% na década de 1940, vai desacelerar: 4,4% na década de 1950, e – 3,3% entre 1960 e 1970… 

Novo ciclo de emigração (para a Europa, mas também colónias de África…) leva à queda da natalidade (menos de 20 por mil no final desta fase) e da fecundidade… menos 250 mil residentes entre 1960 (8,9 milhões) e 1970 (8,6 milhões);

Tendências para o “envelhimento” (ainda não é a “revolução grisalha”, que começa a preocupar, nos anos 70, alguns países europeus): (i) envelhecimento na base (peso decrescente dos com 14 anos ou menos no conjunto da população); (ii) redução da população ativa (15-64); e (iii) mesmo envelhecimento no topo da pirâmide (aumento dos idosos com 65 ou mais, a partir do início da década de 1970);

Transição da família alargada tradicional para a família nuclear moderna;

Esperança média de vida: 65 anos;

Consolidação definitiva do processo de transição epidemiológico: as doenças cérebro-vasculares ocupam agora o 1º lugar nas causas de morte; a mortalidade infantil detém agora um peso menor no conjunto da mortalidade;

Transição facilitada pelo êxodo rural (migrações externas e internas), melhoria da alimentação, da assistência médica e hospitalar, das condições de vida e de trabalho;


Luís M. Graça Henriques (n. 1947). Psssou pelo TO da Guiné
(1969/71). Casado, tem 2 filhos. Foto de LG

População portuguesa em África, em 1940, muito baixa: 44 mil (Angola); 27500 (Moçambique); no final dos anos 40, fluxo anual médio, para o Ultramar, é já de 12 mil; atinge os 25 mil no período de 1965/63… Em 1960: c. 173 mil pessoas de origem europeia em Angola; 97 mil em Moçambique… Política de povoamento a partir de 1961 (início da guerra colonial em Angola)…

A França, a partir de 1957, é o principal destino da emigração… Em 15 anos (1960/74) parte 1 milhão, legal ou ilegalmente, para a França, Alemanha e outros países da Europa. Paris é "a segunda cidade portuguesa";

A clivagem norte/sul é agora substituída pela oposição litoral/interior; a Grande Lisboa polariza agora 85% dos movimentos internos… Mas só c. 16% do êxodo rural se encaminha para a área de Lisboa.. Um em cada cinco portugueses habita na Grande Lisboa, no início dos anos 70… 

Litoralização (70%), urbanização (27%), metropolitanização (Lisboa: 22,8%; Porto: 11,5%)… Causa e consequência dos processos de transição demográfica, familiar e epidemiológica, a par dos movimentos migratórios (internos e externos)…

Evolução das taxas de população ativa empregue na agricultura: 50%/45% (entre 1930 e 1960); 41,2% (em 1960), 29,8% (em 1970)… 

(LG)

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Vd. também Graça, L. (1999) - Evolução Histórica da Legislação Portuguesa sobre a Saúde e o Trabalho, no Contexto do Processo de Modernização do País: 3. O período de 1926-1974: A modernização bloqueada. [Em Linha]. Página pessoal, Saúde e Trabalho. [Consult em 17 de junho de 2015]. Disponível em  http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/historia1_legis1926_1974.html

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15408: Manuscrito(s) (Luís Graça) (70): O Alzheimer da história

domingo, 25 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15289: Meu pai, meu velho, meu camarada (47): A minha mãe terá adorado esta fotografia do seu namorado, pelo aprumo e elegância, realçados pela distinção da farda que lhe assentava tão bem, que se lhe assemelhava a um general conquistador (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 21 de Outubro de 2015:

No quarto dos meus pais, lembro-me desde criança, da fotografia deste jovem soldado. A minha mãe por não ter outra fotografia dos bons tempos de namorados, em que ambos trocavam olhares com promessas de beijos e palavras cheias de significado e de futuro, tirou esta fotografia da caderneta militar deste soldado garboso e colocou-a num lugar de destaque no quarto do casal.

Nesses tempos antigos do século XX, até à década de cinquenta, em que todos os militares tinham direito a uma farda número um, com dólman e quepe, semelhante aos dos oficiais superiores, em lugar do quico e do blusão verde dos nossos tempos, a minha mãe, costureira e esteta amadora, terá adorado esta fotografia do seu namorado, pelo aprumo e elegância que já lhe reconhecia, realçados pela distinção da farda que lhe assentava tão bem, que se lhe assemelhava a um general conquistador.

Emídio Baptista, meu pai

A fotografia dos últimos trinta anos ou talvez mais, já não será a original, pois a minha irmã mais nova, que sempre gostou de recordações da família, mandou fazer uma cópia e guardou para si uma delas.

À minha mãe, esse retrato de militar, devia trazer à memória recordações gratas da sua juventude e do seu namorado, tão discreto mas que sabia tão bem dizer-lhe as palavras apropriadas, que acompanhadas por um sorriso afável, lhe adoçavam os dias, a faziam sonhar e lhe prometiam um futuro radiante.

Apesar de todas as contrariedades e dissabores próprios do casamento, a minha mãe continuou a confiar para sempre nesse homem, que ela conheceu menino, adolescente e jovem.

Ele morava tão perto da sua casa, a menos de 100 metros. Aos 19 anos, por morte do pai dele, por ser o mais velho de 4 irmãos, teve que tomar conta da casa de lavoura e de dar todo o apoio possível à sua mãe viúva. Nesses anos e em anos anteriores teve tempo e oportunidade de avaliar esse vizinho, da idade dela, que passava à sua porta com as vacas e vitelos, com o carro puxado pelas vacas, vazio, para trazer cortiça, trigo, ou lenha, ou outros produtos agrícolas, ou com as charruas e os arados para lavrar as hortas, as oliveiras ou os campos de trigo e centeio. Muitas vezes se terão cumprimentado conforme os usos e costumes da terra: Bom dia Maria! Bom dia Emídio! E pela urgência das lides quotidianas ou pela timidez de um ou do outro, a troca de palavras terá ficado por aí.

Afinal, apesar do silêncio, da reserva e da dureza da vida após o casamento, o seu homem não era pior do que todos, mesmo irmãos ou cunhados. O seu homem era trabalhador e responsável e nunca faltaria com o indispensável às necessidades da família que ia aumentando ano após ano. Nessa sociedade patriarcal todos tinham essa máscara ou marca de rudeza, que tinham herdado dos pais e avós que lhe dava autoridade, até demasiada, mas que lhe iria também exigir muitas responsabilidades. O sustento da mulher de dos filhos ficaria para sempre a seu cargo, bem como todos os trabalhos agrícolas. A mulher teria o encargo de criar os filhos e de ajudar em alguns trabalhos agrícolas menores, se possível, como por exemplo alguma ajuda no tratamento da horta.

A minha mãe, uma mulher inteligente, acreditava na escolha da sua vida, pelo conhecimento e enamoramento que terá crescido dentro dela desde criança, ao longo dos anos, pela forma gentil com lhe terá dito que gostava dela e pelo seu sorriso simpático de garoto brincalhão ou trocista. Na fotografia desse soldado, a melhor representação do seu amor juvenil, que imaginou para a vida inteira, a minha mãe apostou todo o seu projecto de vida.

Apesar dos seus silêncios, do seu feitio reservado que não lhe conhecia bem dos tempos de namorado, os filhos iam nascendo para alegria dela, cada qual o mais belo (os filhos são sempre tão lindos), para compensar desgostos passageiros. Ao seu marido autoritário ela sabia que o sabia vergar e moldar aos seus gostos quando fosse necessário. Recordo-me bem quando plantávamos a horta, com feijões, tomates, cebolas, batatas, pepinos, melões, etc., as guerras que a minha mãe tinha com o meu pai, por ele não lhe querer garantir um bom lote de terreno para plantar as suas flores: os crisântemos, as sécias e as zínias. A nossa mãe ganhava sempre.

Quando os filhos começaram a crescer, depois de fazerem a escola primária, a minha mãe lutou como uma leoa para que a todos fosse garantida toda a continuação da educação escolar possível.

O nosso pai já a pensar que com a ajuda dos quatro filhos varões podia aumentar bastante a riqueza da família teve que se curvar perante as exigências da mulher, que não sendo autoritária, se sabia impor em defesa das suas flores e dos seus filhos, os bens que mais amava.

A vida deste militar, garboso e aprumado, com o mesmo porte que conservaria para o resto da sua vida civil, continua a ser para mim um enigma, já que ele nunca falava do seu passado, civil ou militar, nem das suas recordações da meninice ou da juventude. Sei somente algumas coisas que a minha mãe ou outros contaram.

Consta-se que era da arma de Cavalaria e que terá tido uma repreensão por um dia ter vergastado um cavalo mais rebelde. Terá passado por Mafra em 1939, por onde eu passei 30 anos mais tarde. Sei que escrevia cartas muito meigas à namorada que a minha irmã mais nova, já depois da sua morte, morreu cedo, aos 59 nos, encontrou numa arca de madeira. no meio de lençóis de linho.

Cartas que tinham sempre no cabeçalho duas palavras: Minha Maria. A minha irmã, sempre a mais nova, teve tempo de ler duas cartas porque entretanto foi encontrada pela nossa mãe, nesse delito de inconfidência, as cartas, com os segredos desses namorados, terão sido queimadas ou bem escondidas, o que se sabe é que não mais foram encontradas.

Esta é a minha homenagem singela, que se me permitem os meus camaradas, presto a estes dois guerreiros que lutaram até ao limite das suas forças, pelo futuro dos filhos, e que a todos deixaram uma herança tão grande em valores humanos: honra, honestidade verticalidade, companheirismo, dedicação e solidariedade .

Um abraço.
Francisco Baptista
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OBS: 
- Foto editada por CV
- Título do poste da responsabilidade do editor 
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14648: Meu pai, meu velho, meu camarada (46): O meu avô, cruz de guerra de 1ª classe, esteve na I Grande Grande, nas margens do rio Rovuma, norte de Moçambique.... Quando regressou, trouxe com ele um "filho da guerra", que seria mais tarde o meu pai, que eu sempre adorei e adoro (Jaime Machado, ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70; membro do Lions Clube Lusofonia)

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14648: Meu pai, meu velho, meu camarada (46): O meu avô, cruz de guerra de 1ª classe, esteve na I Grande Grande, nas margens do rio Rovuma, norte de Moçambique.... Quando regressou, trouxe com ele um "filho da guerra", que seria mais tarde o meu pai, que eu sempre adorei e adoro (Jaime Machado, ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70; membro do Lions Clube Lusofonia)

1. A propósito do tema "Filhos do Vento", o Jaime Machado mandou-nos ontem a seguinte mensagem:


Caro Luis

Este assunto (*) diz-me particularmente respeito.

Meu pai foi trazido do norte de Moçambique. Nasceu de um "amor" em tempo de guerra. Nasceu na  I Guerra Mundial,  no norte de Moçambique, em Quelimane.

O meu avô (cruz de guerra de 1ª classe) esteve lá no teatro de guerra nas margens do rio Rovuma.

Quando regressou, num barco militar(!),  trouxe com ele o meu pai que eu adorei e adoro.

Abraço, Jaime Machado


PS - Junto foto do meu avô, de nome Antonio Rodrigues Machado. Prometo mandar mais alguns dados sobre os meus familiares.(**)


[Jaime Machado vive em Matosinhos, é membro do Lions Clube Lusofonia; foi  alf mil cav, cmdt  do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70; foto atual à direita]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14642: Agenda cultural (400): Conferência "Filhos da Guerra", Festival Rotas & Rituais, 2015, Lisboa, Cinema São Jorge, 6ª feira, 22, 19h30... Participantes: Catarina Gomes (moderadora), Margarida Calafate Ribeiro (Os netos que Salazar não teve), Luís Graça (Que guerra se conta aos filhos?) e Rafael Vale e Reis (Filhos do vento: direito ao conhecimento das origens genéticas?)... Entrada gratuita... Às 18h, inauguração de exposição sobre o tema

domingo, 12 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14461: Meu pai, meu velho, meu camarada (45): Meu pai Horácio Gouveia (1913-1977) e o meu avô Benigno Gouveia (1880-1951) (Fernando Gouveia)

1. Mensagem do nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec Inf, Bafatá, 1968/70) com data de 2 de Abril de 2015:

Carlos
A pedido e para alimentação do blogue, mando o texto em anexo para a série MEU PAI, MEU VELHO, MEU CAMARADA. Lamento só possuir uma fotografia do meu pai e de fraca qualidade, bem como uma do meu avô, de quem conto uma história, e que seguem também em anexo.
Da tropa do meu pai pouco sei. Não sabendo onde assentou praça sei que andou por Vila Real e pelo “30” de Bragança.
Quando deixou a tropa, no princípio da 2.ª guerra, conservou, por algum tempo, a farda numa mala para o que “desse e viesse” mas felizmente não chegou a ser necessária.

Um abraço
Fernando Gouveia


Meu pai, meu velho, meu camarada
 

Horácio Gouveia (1913-1977)

Irei falar do meu pai como tropa miliciano que foi. Vou, no entanto, começar por abordar um facto, ligado à Segunda Guerra Mundial, passado com o meu avô paterno.

Nordeste Transmontano. Naquele tempo a única riqueza que por lá existia era a terra.Vendiam-se azeite e amêndoa. Tudo o resto era para consumo próprio, sobrevivência. Todo o agricultor tinha sempre uma ideia em mente, adquirir mais terras, ladeiras.

Benigno Gouveia (1880-1951)

O meu avô Benigno, com sacrifícios, adquiriu, entre outros, um belíssimo prédio com cerca de doze hectares, a quinta, como lhe passaram a chamar. Apesar de se situar no Nordeste, a propriedade tinha (e tem) quatro poços onde a água corria, mesmo no verão, pelo prédio abaixo e que permitia que ali se desenvolvessem centenas de oliveiras e amendoeiras, vinha, árvores de fruta e óptimos chãos para horta, onde tudo medrava. Era a “menina dos olhos” do meu avô. Era raro o dia em que não ia lá, montado no seu cavalo, o Carriço.

Entretanto estourou a Segunda Guerra Mundial. Apesar de não termos entrado na guerra, muitos hábitos se alteraram, muitas novas situações surgiram como, por exemplo, o meu pai ter que ir diariamente ao botequim próximo tomar um café, ou não tomar, só para trazer para casa um pouco de açúcar para adoçar o leite ao seu filho, que por acaso nasceu (nasci) em 1942. Era o racionamento.

Pior que tudo, a dada altura, e porque a situação o impunha, pois poderíamos ter que entrar na guerra, requisitaram o cavalo do meu avô. Autêntica catástrofe emocional. Enquanto o cavalo andou lá pela tropa o meu avô não mais foi à quinta, seu prédio predilecto, fazendo lembrar e, salvo as devidas distâncias, os casos dos cães que, estando os donos no leito de morte, não mais se alimentam nem saem do tapete, acabando por acompanhar os donos na viajem para o além.

Como teria gostado de ver o meu avô, no momento em que um soldado lhe foi entregar o Carriço, após os nazis capitularem.

Sempre soube que, no quintal da casa dos meus avós, existiu um caramanchão de glicínias e ainda vi vestígios do seu enorme tronco. Um caramanchão, no Nordeste Transmontano, com o calor que faz no verão, é um local apetecível e indispensável, pelo menos para quem o pode ter. Soube, muito recentemente, que foi cortado pelo meu avô, na época da depressão que teve por causa da ausência do cavalo.

Sinto uma certa felicidade ao pensar que tive o privilégio de dar passeios num cavalo, em que se podia pendurar o chapéu no osso saliente da anca. Não era o Rocinante, era simplesmente o Carriço do meu avô.

Abraços
Fernando Gouveia
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14380: Meu pai, meu velho, meu camarada (44): Meu Velho, meu Amigo e meu Camarada (José Saúde)