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terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 : P21809: In Memoriam (385): José Pardete Ferreira (1941 - 2021), ex-alf mil médico, CAOP, Teixeira Pinto, e HM 241, Bissau, 1971; cirurgião, médico especialista em medicina desportiva, foi diretor clínico do Hospital de São Bernardo, e presidentedo Rotary Club de Setúbal, poeta e escritor (Hélder Sousa / Luís Graça)


José Pardete Ferreira, médico, natural de Lisboa, 
residente em Setúbal (1941-2021)


Ministério do Exército > CTIG > HM 241 > Bissau, 24 de junho de 1962 >
 BI Militar do alf mil médico José António Pardete da Costa Ferreira



1. Mensagem do Hélder Sousa, nosso colaborador permanente, residente em Setúbal:
 
Date: terça, 26/01/2021 à(s) 01:11
Subject: Falecimento do nosso "camarada da Guiné" Dr. José Pardete Ferreira 

Caros amigos

Como seria de prever, as notícias de falecimentos de camaradas do "nosso tempo" tendem a aumentar e a aumentar rapidamente. Seja pelo avançar inexorável da idade, seja pelas maleitas que nos vão apoquentando, seja por alguma doença "tradicional", seja até por consequência da "doença da moda", a Covid-19,

De facto o nosso "camarada da Guiné", médico, José A. Pardete Ferreira, faleceu, embora não se encontrem muitas notícias sobre isso, nem de que ocorreu o infausto acontecimento.

Procurei junto do nosso tabanqueiro Vitor Raposeiro [ex-Fur Mil, Radiotelegrafista, STM, Aldeia Formosa, Bambadinca e Bula, 1970/72] que ainda tem parentesco com ele e, ironia do destino, fui eu que acabei por lhe dar conhecimento. Nem ele nem a prima ainda sabiam.

Portanto, à falta de mais e melhor informação, adianto que a morte terá ocorrido no passado dia 13 já que encontrei num post do TAS (Teatro Animação de Setúbal) datado de 14 às 07:57 a dar conta do seu falecimento e a lembrar a colaboração que ele tivera com o TAS, nomeadamente com a tradução duma peça levada à cena em 2008.

O jornal regional "Semais" recebeu uma "Nota de pesar" por parte da Liga dos Amigos do Hospital de São Bernardo (Hospital de Setúbal) que a seguir reproduzo.

Nota de Pesar - Dr. Pardete Ferreira,

Partiu um amigo e companheiro - conhecido Médico Cirurgião que conta no seu percurso clínico também o exercício da medicina desportiva. Foi Diretor Clínico do Hospital de São Bernardo - no mandato do Dr. David Martins como Diretor do Hospital.

Com ele, fiz parte da Direção da Casa do Pessoal do HSB. Mais tarde, veio também a integrar os Órgãos Sociais da LIGA - como Presidente do Conselho Fiscal da Liga de Amigos do Hospital São Bernardo/LAHSB-CHS.

Teve relevante intervenção cívica, associativa, filantrópica, cultural e desportiva. Foi Escritor, Membro Rotary e jogador de andebol no Sporting Clube de Portugal.

Os Órgãos Sociais da LAHSB-CHS, associam-se ao pesar sentido pelos seus associados que partilharam e vivenciaram com o Dr. Pardete Ferreira momentos muito felizes e profícuos.

Há a indicação de que a Câmara Municipal de Setúbal em sessão pública ocorrida, salvo erro, no passado dia 21 relembrou e aprovou votos de pesar a três personalidades de Setúbal recentemente falecidas, o Capitão Quaresma Rosa, antigo Comandante dos Sapadores Bombeiros, a 16, e os médicos Machado Luciano, vítima de doença súbita a 11 e Pardete Ferreira a 13, destacando as suas atuações no desempenho de funções no Hospital de São Bernardo.

Por sua vez também obtive do Rotary Club de Setúbal [, cuja página no Facebook está está parada desfe 6/12/2020], a nota que republico:


Participação de Falecimento: O RCS está de luto


"É com profundo pesar que comunicamos o falecimento do nosso sócio representativo José António Pardete Ferreira.

O companheiro Pardete Ferreira entrou para o Rotary Club de Setúbal em 1984 com a classificação "Medicina-Cirurgia", tendo sido 3 vezes seu Presidente (1990-91; 2002-03 e 2009-10) e passado por todas as suas comissões, sendo considerado a referência de "sapiência" rotária do nosso clube.

Adepto do Rotary no seu aspecto mais "puro", defendia intransigentemente o protocolo e a praxis rotária original.

Profissional de excelência, era dono de um intelecto brilhante e professava a sua profunda fé e conhecimento eclesiástico em várias colaborações com a Igreja Católica, escrevendo regularmente para algumas das suas publicações. 

Exerceu várias missões ao serviço de Rotary a nível Distrital, sendo de destacar ter sido Team Leader do IGE em Distrito do Rio Grande do Sul, Brasil.

Era um companheiro muito querido e estimado do nosso clube e a sua perda é impossível de reparar!

O Rotary em particular e Setúbal em geral, ficam mais pobres.Que descanse em Paz!

Cordiais saudações rotárias"

O Presidente Rotary Club de Setúbal

Alberto Vale Rêgo


Caros camaradas, cuidemo-nos! A "ceifa" anda por aí.

Hélder Sousa


2. Comentário do nosso editor Luís Graça:


Hélder, obrigado por nos teres dado, em conversa telefónica,  a infausta notícia. Alguém, desgraçadamente, nos tempos que correm, tem de fazer este indesejável papel de "mensageiro da morte".

Já tinha, entretanto, confirmado, o desaparecimento do teu vizinho de Setúbal e membro da nossa Tabanca Grande, o dr. José Pardete Ferreira, O último poste, dele, na sua página do Facebook é de 12 de janeiro...

Deve ter sido morte súblita. Nasceu em 1941. Ia complementar em 15 de fevereiro próximo os 80 anos. Infelizmente não temos qualquer contacto com a família. Diz-nos que era casado com uma senhora francesa, e primo da mulher da do Vitor Raposeiro, nosso camarada e meu contemporâneo de Bambadinca.

O J. Pardete Ferreira foi alf mil médico [CAOP, Teixeira Pinto, e HM 241, Bissau, 1969/71]. Tem 32 referências no blogue;

Deu-nos preciosas informações sobre os colegas médicos que com ele trabalharam, sobretudo no HM 241, e de outros que conheceu, bem como sobre a organização e o funcionamento dos serviços de saúde militares, no CTIG.

Entrou para a Tabanca Grande em 27/6/2011.  Um resumo do seu "curriculum vitae" está disponível aqui;

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2011/06/guine-6374-p8474-tabanca-grande-292.html

Nascido em Lisboa a 15 de fevereiro de  1941, foi  cirurgião – médico, especialista em medicina desportiva. Entre outras funções,  desempenhou os cargos de:

  • Director Clínico do Hospital de São Bernardo (Setúbal);
  • Director do Centro de Medicina Desportiva de Setúbal;
  • Director do Serviço de Cirurgia II do Hospital de são Bernardo (Setúbal);
  • Médico da Selecção Nacional de Andebol;
  • Presidente do Rotary Club de Setúbal.

Poeta e escritor, publicou, nomeadamente, “ O Paparratos – Novas Crónicas da Guiné – 1969/1971" (romance); Prefácio – Edição de Livros e Revistas, Lda – ISBN: 972-8816-27-8 (DL nº 213619/04). Ver aqui nota de leitura do Beja Santos.

(...) Paparratos é a candura, a simplicidade e a força da natureza daqueles soldados portugueses que se adaptavam como podiam ao meio estranho (...)

 O Paparratos é uma divertimento sério, supera as situações caricatas e cómicas, na senda da literatura de humor, que se perde na noite dos tempos, comprova que muitas vezes o que se diz a rir é para reter em todo o horizonte da amargura, a sisudez pode ser troça e não é difícil provar que há muito Paparratos que servem de carne para canhão.

É o prazer da memória e, insiste-se, não se conhece um fresco tão vigoroso sobre o meio estudantil universitário daqueles longínquos anos 60. (...)

 

Mandou-nos também em tempo uma letra de fado, da sua autoria, o Fado da 'Orion', e que voltamos a reproduzir em sua homenagem e aos nossos camaradas da Marinha, e em especial à malta da LFG Orion:

 
Fado da 'Orion'

Tristes noites de Bissau,
Neste clima tão mau,
Passá-las não há maneira,
Sem comer arroz, galinha.
Ou então ir à "Marinha"
Aos "jantares da quinta-feira"!

Às vezes um Comandante,
Bom amigo, bem falante,
Obriga uma pessoa,
Com uma grande bebedeira,
Pensar que o Ilhéu do Rei
Fica em frente de Lisboa.


Refrão 

Ser marinheiro
De "LFG' no estaleiro,
Sem motores nem cantineiro,
Junto ao cais sem navegar,
E esperando,
A comissão foi passando,
Ai!, os amigos engrossando,
Com o Geba a embalar.


Quando vinha dessa Terra
E voltava à minha Serra,
Nem eu queria acreditar !
Virei-me ainda p'ra ver,
O meu Adeus lhe lançar
E também lhe agradecer:

Com meu suor derramado
No teu chão, tão maltratado,
Deixo-te votos amigos
E, também, as minhas preces,
'squecendo rancores antigos,
Por ti, Guiné, que mereces.

Refrão...


(Nota do autor: 1ª parte e Refrão escritos em Bissau em Novembro de 1970. 2ª parte escrita em Setúbal na madrugada de 15 de Dezembro de 1997. Para ser cantado com a Música do "Fado do Cacilheiro" do Maestro Carlos Dias).


Infelizmente, não tivemos, em vida, ocasião para  nos conhecermos pessoalmente. Trocámos diversas mensagens por email. E a sua colaboração no nosso blogue foi extremamente valiosa. Era um homem crente. Continuará, connosco, em espírito, sob o nosso sagrado e fraterno poilão, no lugar que lhe coube, o nº 505. 

À família enlutada (e muito em particular ao seu filho Jean-Jacques Pardete, que tem página no Facebook), a Tabanca Grande envia a sua solidariedade na dor.(**)


 ____________

Notas do editor:


(*) Vd. poste de 30 de outubro de  2011 > Guiné 63/74 - P8966: Blogpoesia (163): Fado da 'Orion' (José Pardete Ferreira)

(...) Caro Luís, o prometido é devido:

O Fado da Orion foi escrito em Homenagem ao Comandante [Alberto Augusto]  Faria dos Santos [, entretanto falecido em 1986; como 1º ten, comandou o NRP Orion, 1968/70]. 

A LFG {Orion]G passou mais de um ano acostada ao molhe do Pi(n)djiguiti porque tinha cedido à [LFG] Batarda um dos motores.

Quando o recebeu de volta ou ele foi substituído por um novo, já não posso precisar, fez uma viagem experimental e de contrabando "a acreditar nos praticantes da má-língua" e, de seguida, foi o navio almirante da ida a Conacri [, Op Mar Verde,  22 de novembro de 1970], sob o Comando de Faria dos Santos, mais tarde Comandante do porto e, em seguida, Governador Civil de Aveiro.

Poeta e grande amigo, recebia a jantar e bem um pequeno número de amigos na torre, onde, no final, a poesia expulsava o álcool.

Ele foi, igualmente, a nossa chave de acesso à Base Naval de Bissau onde, às quintas-feiras, havia jantar melhorado e aberto a convidados. (...)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21790: In Memoriam (381): Capitão Quaresma Rosa, ex-Comandante dos Bombeiros Sapadores de Setúbal, ex-1º srgt da CCAÇ 3, Guidaje, 1968/69 (Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

IN MEMORIAM

Capitão João Augusto Quaresma Rosa,
ex-Comandante dos Bombeiros Sapadores de Setúbal


1. Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 21 de Janeiro de 2021:

Caros amigos
Junto uma notícia do jornal "O Setubalense" e duas fotos.

Trata-se da comunicação do falecimento de João Augusto Quaresma Rosa, Capitão do Exército, de Artilharia que, durante salvo erro duas comissões, comandou a Companhia de Sapadores Bombeiros de Setúbal e onde desenvolveu incessante trabalho e granjeou bastantes simpatias.

Foi ele que conseguiu transformar um Corpo de Bombeiros Municipais em Bombeiros Sapadores e foi ele que teve possibilidade de inaugurar o seu Quartel, fruto de intensas negociações.

E que tem isso a ver connosco, com a Guiné?

Bem, ele foi nosso "camarada da Guiné".

Integrou, enquanto 1.º Sargento, a Unidade a que, salvo erro, pertenceu Marques Lopes [, CCAÇ 3, Guidaje, 1968/69].

Esteve em Guidaje e ajudou a "dilatar o Império", conforme uma vez me confidenciou, quando durante uma acção de nomadização junto da fronteira com o Senegal, ao reposicionarem alguns marcos que se encontravam derrubados, fizeram-no uns metros mais a norte.

Para o Curso de Capitão contou-me em tempos que o seu competidor, com quem mantinha um despique saudável e que servia para se superarem, era o seu amigo, também já falecido, Capitão José (Zé) Neto.

Estreitámos relações quando ele comandava os Municipais (antes de serem Sapadores) e eu estava na Secção da Natação do Clube Naval Setubalense e era necessária uma viatura para transporte dos nadadores a Lisboa, Algés, Cova da Piedade, etc. e a Câmara Municipal, a quem se solicitava a diligência, endossava para os Bombeiros. Só ao fim de algum tempo é que soubemos que a Guiné tinha sido um destino comum.

A partir daí passamos a interagir mais, a fazer coisas juntas, até que a idade foi-lhe arranjando complicações de saúde e tornou-se mais difícil a disponibilidade para o relacionamento.

Sempre bem disposto, com sentido de humor "corrosivo", recordo uma vez que, tendo-se deslocado ao Quartel das Transmissões em Sapadores onde estava um seu sobrinho, por sinal à época Capitão (hoje é Coronel) e naturalmente de apelido Quaresma Rosa, chegou-se ao sentinela da porta de armas a dizer que pretendia "falar com o Capitão Quaresma Rosa" ao que foi interpelado quem queria falar com o Sr. Capitão, ao que ele muito serenamente disse "Capitão Quaresma Rosa"! O militar de serviço pensou que estava a gozar com ele e mandou chamar o oficial de dia e só depois se fez o esclarecimento devido.

Numa das nossas trocas de comunicação escreveu-me o seguinte:

Olá amigo
Antes de mais uma explicação: - nem todos os dias tenho pachorra para abrir o computa, até por que, está duma lentidão desesperante Tenho que o levar à fisioterapia; melhor dizendo (dizer implica voz, por isso escrevendo), esperando que filho ou neto adquira um novo e faça como com os telemóveis, vão passando para os “ultrapassados” nas novas tecnologias.

Vamos ao assunto:

Daqui um avô com cinco netos e dois bisnetos – a família tem contribuído para que a Europa não fique despovoada ou “islamizada…”-. Parabéns pelo Gustavo, pouco falta para o levar a passear nos jardins da nossa presidente Maria (que, diga-se, estão lindos).

Continua com os seus trabalhos e as “chatices” inerentes aos cargos, ainda bem, por que esta vida do fazer nada é desesperante, leva-nos a ficar presos aos achaques (agora nem Clube Militar funciona às quartas feiras – uns doentes outros foram-se),o que leva, a por falta de uma boa “discussão” agora que tanta matéria existe para tal, a perder vocabulário.

Passando adiante: eu cá ando com as minhas maleitas, já suas conhecidas.

Vou com minhas oito “grandes” cirurgias e mais umas de somenos importância, que levam a fisioterapia permanente.

Não estou retido em casa, vou fazendo umas (muitas) visitas ao Hospital da Luz e fisioterapia 2.ª, 4.ª e 6.ª feira. De quando em vez, conforme o tempo permitir, vou até ao bar existente um pouco antes do PUA não beber um café, mas degustar outra qualquer coisa.

É muito trabalho para a minha motorista (a quem pago pouco).

Pelo que lê, vê que se arranja um tempinho para um café.

Cumprimentos à família e um abraço para si do:
QR


Acabou por falecer no Hospital da Luz-Setúbal e fiquei a dever-lhe mais um café!

Em anexo seguem duas fotos que tirei hoje. Uma quando o carro funerário pára junto ao Quartel dos Bombeiros Sapadores, que foi erigido sob o seu comando, onde lhe foram prestadas honras militares. A outra é no exterior do Cemitério com a "encomendação" proferida por um Tenente-Coronel Capelão dos Pupilos, por indicação do Exército.

Hélder Sousa

Com a devida vénia a "O Setubalense"

Fotos: Hélder Sousa (2021)


____________

Nota do editor

Último poste da série de 2 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21727: In Memoriam (380): Domingos Fernandes (1946-2020), ex-fur mil at art, CART 2520 (Xime e Quinhamel, 1969/70): membro, nº 825, da Tabanca Grande, a título póstumo

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21450: (In)citações (170): Comover-me-ei até ao último dos meus dias, cada vez que penso nos farrapos da farda do fur mil MA Ferreira, da CCAÇ 2616, dependurados nas árvores, no local da explosão da mina A/C armadilhada, na estrada Aldeia Formosa-Buba (Juvenal Danado, ex-fur mil sapador, CCS/BCAÇ 2892, Aldeia Formosa, Nhala, Buba, 1969/71; vive em Setúbal)


Foto nº 1 > Rio Grande de Buba. o cais e a maré a encher (*)


Foto nº 2 > Rio Grande de Buba, Buba, 1974, a partida da LDG 105 Bombarda (que também navegava no Rio Geba)




Foto nº 3 > Rio Grande Buba, Buba, 1974 > A ingrata missão do meu Grupo: carregar do chão os víveres a granel para as viaturas. (**)


Algumas das melhores fotos do Rio Grande de Buba... Álbum do António Murta, ex-alf mil inf, Minas e Armadilhas, 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74).

Fotos (e legendas): © António Murta (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Quínara > Buba > Rio Grande de Buba > 1974



1. Comentário do nosso camarada Juvenal Danado, professor (que julgamos aposentado), a viver em Setúbal, onde colabora com alguma regularidade no jornal da região, "O Setubalense".

Tem escritos comentários no nosso blogue. O último foi a propósito de minas e armadilhas, no poste P21435 (***)



(... ) Fui furriel miliciano sapador de infantaria ( Pelotão de Sapadores / CCS/ BCAÇ 2892, Aldeia Formosa, Nhala, Buba, 1969/71), especialidade tirada no CISMI de Tavira.

A abordagem do furriel à desmontagem da mina (***) também não parece nada correta, pelos motivos apontados: as mangas em baixo, o empecilho do cinturão com as cartucheiras, a posição do corpo, a pá (?!!!).

Desmontar uma mina (ainda por cima as anti-carro, frequentemente armadilhadas) nestes descuidos, era meio caminho andado para se ficar reduzido a picadinho.

Como ficou o desditoso furriel Ferreira, da companhia 2616 do meu batalhão (sediada em Buba), que ignorou os avisos, lá de longe, do alferes do pelotão: «Tem cuidado, Ferreira, que essa merda pode estar armadilhada!», quando, em dia de coluna, procurava desimpedir a estrada Aldeia-Buba de um destes engenhos.

Ao que contavam os assistentes à tragédia, o Ferreira (atirador com curso de minas e armadilhas tirado em Bragança) escavou à volta da mina com a faca de mato, como se deve fazer, enfiou a mão por baixo para ver se detetava algum fio, e hesitou. A coluna vinha a caminho e ele sentia-se pressionado, tinha de limpar o caminho.

Agarrou na mina uma primeira vez e fez menção de a levantar; fê-lo uma segunda vez e continuou a hesitar. O alferes voltou a avisá-lo. À terceira, contavam, terá gritado: «Foda-se, ou ela ou eu!». E puxou a mina para si.

A mina estava armadilhada. Diziam alguns que tiveram a sensação de vê-lo subir no ar e depois desfazer-se. O bocado maior que encontraram dele (um mocetão que pesaria à volta de 80kg) foi um pedaço da coluna vertebral, transportada para Buba dentro de uma caixa de ração de combate, e o que os pais receberiam dentro da urna que lhes enviaram.

Aquela mina e as outras anti-pessoal que o Ferreira desmontou naquele fatídico dia, eram para mim (era a minha vez), que estava em Bissau de regresso da licença na Metrópole, quando recebi a notícia.

Daí a uns dias, fui mandado a Buba, como comandante da coluna de reabastecimento. A certa altura dos 30 km que mediavam de Aldeia a Buba, a coluna parou. Preparei-me para a batalha, uma vez que não estávamos muito longe do carreiro de Uane, onde um ou dois bigrupos do PAIGC passavam constantemente. Não era isso. Era o pessoal a homenagear o Ferreira. Nas árvores por cima do local onde se dera a explosão, farrapos da farda do Ferreira, pendurados nos ramos, pareciam acenar-nos.

Comover-me-ei até ao último dos meus dias, cada vez que penso/falo nisto. Descansa em paz, Ferreira.

Juvenal José Cordeiro Danado (****)

2. Comentário do Juvenal Danado ao nosso convite para integrar a Tabanca Grande (***)

Eu acho que faço parte da Tabanca Grande, desde que a descobri, caro Luís. Peço desculpa pelo atrevimento, mas não sabia que era necessário ser convidado.

Não sei se já o disse no pouco que por aqui comentei, mas este blogue presta um serviço inestimável a todos quantos passaram alguns dos melhores anos da sua mocidade na Guiné-Bissau, numa guerra que poderia ter sido evitada, evitando tanto sofrimento.

A Tabanca Grande é um cantinho onde nos podemos encontrar como num recanto confortável de um café, entre amigos, e partilhar as nossas experiências e mágoas. Grande trabalho, Luís. As minhas felicitações e os meus agradecimentos.

Um grande abraço, alargado a todos os companheiros, os que aqui escrevem e todos quantos passaram pela Guiné.

3. Comentário do editor LG:

Obrigado, em nome da Tabanca Grande, pelos teus dois comentários que nos enriquecem (***)... O teu testemunho sobre a morte do furriel mil Ferreira, da CCAÇ 2616, e  a tua ida, a a seguir,  a Buba, numa coluna logística, é muito forte, Também ainda guardo imagens dessas, ao fim destes anos todos... Eu próprio caiu numa A/C com uma GMC carregada de pessoal...

De facto, tu de há muito que deverias estar sentado, à sombra do nosso poilão... Afinal, faltam apenas aquelas pequenas formalidades: um pedido explicito para integrar a Tabanca Grande, um endereço de email válido, duas fotos (uma atual e outra do antigamente) e uma curta apresentação do teu curriculo militar...

Pedi ao Hélder Sousa, teu vizinho, para te contactar e "apadrinhar" a tua entrada na Tabanca Grande, Tens o nº 820, à tua espera, se te despachares ainda hoje... 

Um alfabravo (ou um abracelo, abraço com cotovelo,  neste raio de tempo de calamidade).

Luís Graça

__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de de 22 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14916: Memória dos lugares (309): O meu rio próximo, e de estimação, era o Rio Grande de Buba (2) (António Murta)

(**) Vd. poste de 20 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14903: Memória dos lugares (307): O meu rio próximo, e de estimação, era o Rio Grande de Buba (1) (António Murta)

(***)Vd. poste de 9 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21435: Fotos à procura de... uma legenda (126): O sapador só se engana três vezes: a primeira, a única e a última (António J. Pereira da Costa)

(****) Último poste da série > 21 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21380: (In)citações (169): Onde esteve a Cruz Vermelha Portuguesa durante a guerra colonial / guerra do ultramar / guerra de África ?

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20583: Agenda cultural (723): Exposição de fotografia do nosso camarada Renato Monteiro, "Festas de N. Sra. da Troia", sábado, 25 de janeiro, 16h00, em Setúbal, no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (MAEDS)



O Museu de Arqueologi e Etnografia do Distrito de Setúbal (MAEDS) fica na Av Luisa Todi, nº 162, 2900-451 SETUBAL.


1. O Renato Monteiro é membro da nossa Tabanca Grande, tem mais de meia centena de reerências no nosso blogue:

(i) ex-fur mil, CART 2439 /, CART 11, (Contuboel e Piche, 1969), e CART 2520 (Xime e Enxalé, 1969/70);

(ii) licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,

(iii) professor do ensino secundário reformado;

(iv) tornou-se um notável fotógrafo do quotidiano, com obra feita (vários álbuns publicados desde 1998; e tem pelo menos 20 blogues de fotografia, com destaque para Fotografares e A Minha Cave;

(v) nasceu em 1946, no Porto, vive em Lisboa;

(vi) um dos seus primeiros trabalhos publicados foi "a Fotobiografia da Guerra Colonial", em coautoria com Luís Farinha (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1990, e Círculo de Leitores, 1998).



Guiné > Zona Leste > R3gião de Bafatá > Contuboel > Junho de 1969 > Passeio de piroga junto à ponte de madeira de Contuboel, sobre o Rio Geba. Furriéis milicianos Henriques [Luís Graça] (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) e Renato Monteiro (CART 2479 / CART 11, Cuntuboel e Piche; Xime e Enxalé, 1969):

Foto ( e legenda): © Luís Graça (2005). Tdoos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

2. Sobre esta tradição de Setúbal, as Festas de Nossa Senhora do Rosário de Tróia, padroeira dos pescadores de Setúbal, encontrámos na Net uma pequena notícia, que reproduzimos, com a devida vénia (texto e foto):



Uma tradição de Setúbal.

As tradicionais Festas de Nossa Senhora do Rosário de Tróia, padroeira dos pescadores de Setúbal, estão de regresso às águas do Rio Sado, de 17 a 19 de agosto. Um concurso de barcos engalanados, um círio fluvial, entre a Setúbal e a Península de Tróia, animação musical e fogo-de-artifício são os destaques do programa deste ano.

O evento popular, que todos os anos atrai milhares de pessoas às margens do rio azul e lhe dá novas cores, arranca no dia 17 de agosto, sábado, com uma missa por alma dos marítimos falecidos, na Igreja de São Sebastião, em Setúbal, seguida de procissão para a capela de Tróia.

No dia 18 de agosto, domingo, está marcado um concurso com dezenas de barcos engalanados, às 17 horas e à meia-noite um espetáculo de fogo-de-artifício. No mesmo dia, pode contar com divertimentos, um arraial e animação musical com André Patrão, na Praia de Tróia.

Os festejos terminam a 19 de agosto, segunda-feira, com o círio fluvial de regresso a Setúbal, às 17h15. O evento é organizado pela Comissão de Festas da Junta de Freguesia de São Sebastião, em parceria com a Câmara Municipal de Setúbal.

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de janeito de 2020 > Guiné 61/74 - P20581: Agenda cultural (722): Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento: Celebrando o 5º Aniversário do Cante, Património Cultural e Imaterial da Humanidade: concertos, em Lisboa, CCB, Grande Auditório, praticamente esgotados, em 20 e 21 de março de 2020.

terça-feira, 9 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19960: Agenda cultual (693): Sessão de lançamento do livro "Padre Nuno / Xico Nuno: um homem actuante em tempos de mudança", de Natália Rodrigues (Coord.), Carlos Figueira, Emília Galego, Jorge Custódio e José Ermitão. Hoje, às 18h30, no Museu do Aljube - Resistência e Liberdade, Lisboa. Participação musical de Francisco Fanhais.



1. Lançamento de livro de memórias e retrato de um padre [Francisco Nuno Oliveira Rodrigues, 1934 - 1989] que ensinava Religião e Moral numa atitude nova e desafiante para os tempos de sombra que se viviam com o Marcelismo. Por isso, é perseguido pela PIDE e é expulso do liceu [, em Santarém,]  onde ensinava e convidava os jovens para o “Tempo Novo”.

Autores: Natália Rodrigues (Coord.), Carlos Figueira, Emília Galego, Jorge Custódio e José Ermitão

Edição de Autor, junho 2019. Preço de capa: 20 euros



Apresentação de Jorge Custódio, Emília Galego e Natália Rodrigues, seguida de um Porto de Honra.

Participação musical de  Francisco Fanhais

Inscrições obrigatórias e mediante os lugares existentes.

Por favor confirme a sua presença para:


mail: info@museudoaljube.pt

ou telef:  (+351) 215 818 535.


Museu do Aljube, Resistência e Liberdade
Rua de Augusto Rosa, 42 • 1100-059 Lisboa



Elétrico 12
Elétrico 28
Autocarro 737
Metro – Estações da Baixa Chiado e Terreiro do Paço





Padre Nuno / Xico Nuno. Cortesia do jornal Comércio & Notícias, de Rio Maior.


2. Nota biográfica sobre o Padre Nuno / Xico Nuno(1934-1989):


(i) Francisco Nuno Oliveira Rodrigues, natural da Mata, freguesia da Chancelaria, concelho de Torres Novas;

(ii) nasce a 14 de março de 1934;

(iii) ingressa no Seminário de Santarém aos 11 anos e continua a sua formação sacerdotal nos Seminários de Almada e Olivais, sendo ordenado sacerdote a 15 de agosto de 1957;

(iv)  a 1 de setembro celebra a Missa Nova, na sua aldeia natal;

(v) é nomeado para professor e prefeito no Seminário de Santarém, onde inicia funções a 1 de outubro de 1957; 

(vi) aqui desenvolve com os jovens seminaristas vários desafios na área da música, teatro e desporto:

(vii) com uma vertente artística muito marcada pinta algumas obras que expõe, de forma individual e coletiva na cidade;

(viii)  excelente caricaturista, deixa um grande espólio na área do desenho;

(ix)  torna-se sócio do Cine Clube de Santarém, criando uma forte amizade com o seu presidente Manuel Alves Castela; 

(x) participa em vários serões musicais e tertúlias com os intelectuais da cidade;

(xi) em setembro de 1963 é nomeado professor de Religião e Moral do Liceu Nacional de Santarém, ficando também com a responsabilidade dos Colégios Andaluz e Sª. Margarida, a Mocidade Portuguesa, a JEC (juventude escolar católica) do liceu;

(xii) preocupado com a Juventude dinamiza, com os jovens estudantes das escolas da cidade, o NATAL DO ESTUDANTE, que na época foi uma autêntica revolução; 

(xiii) no primeiro ano o espectáculo é apresentado no Ginásio do Seminário e posteriormente no pavilhão da FNAT, no campo da Feira do Ribatejo e por fim no Teatro Rosa Damasceno: os espetáculos são sempre um verdadeiro sucesso, trazendo para os mesmos, artistas conhecidos na época e apresentadores como Fernando Correia e A Orquestra da então Emissora Nacional;

(xiv) cria e dinamiza o SCOJ (Secretariado Cristão dos Organismos Juvenis), um andar que aluga e que serve de apoio aos jovens que ali podem estudar, conviver e mais tarde se torna Lar para Estudantes;

(xv) rapidamente cria um pequeno jornal para divulgar o que se faz na casa a que chama também 2 SCOJ; este serve de comunicação para a juventude da cidade e para os que já seguiram para as Universidades e para a guerra colonial;

(xvi) organiza na casa debates onde são abordados temas tabu para a época, nomeadamente Educação Sexual;

(xvii) o jornal está aberto a todos os que quiserem colaborar, sendo um meio onde os jovens expressam, não só a sua criatividade como expõem as suas dúvida e Padre Nuno está sempre disponível para os ouvir e aconselhar;

(xviii) organiza diversas excursões a Lisboa, para assistir a peças de teatro, ópera e exposições que posteriormente servem para tema de debates nas aulas de Religião e Moral;

(xix) é Vice-Presidente da Associação Académica de Santarém; 

(xx) organiza torneios de futebol entre escolas da cidade assim como entre professores do liceu e do seminário;

(xxi) para além das excursões a Lisboa, organiza também excursões a Espanha em 1964 e 69, a Torre de Molinos, Sevilha e Madrid;

(xxii)  participa em reuniões da Oposição em 1969;

(xxiii) perseguido pela PIDE é expulso do Liceu, no fim do 2º período, sendo então encerrado o SCOJ (jornal e casa/Lar de estudantes);

(xxiv) de 1970 a 1974 é colocado, por pequenos períodos, no STELLA MARIS (Organização da Igreja Católica para apoio aos tripulantes dos navios mercantes e pescadores), Paróquia da Ajuda em Lisboa e Externato Diocesano Frei Luís de Sousa em Almada;

(xxv) em 1975 pede a redução ao estado laical e casa com uma sua ex-aluna do liceu de Santarém, numa cerimónia religiosa;

(xxvi) de 1975 a 1982 vive e trabalha em Torres Novas onde é professor na atual Escola Maria Lamas; 

(xxvii) em abril de 1976 funda um jornal A FORJA do qual é diretor até setembro de 1982;

(xxviii) em setembro de 1982, por razões de ordem familiar, ruma a Setúbal, sendo colocado como professor de Português e Latim na actual Escola Sebastião da Gama;

(xxix) membro ativo do MDP (Movimento Democrático Português) tem uma intensa atividade política, sendo membro da sua Comissão Nacional;

(xxx) a sua atividade cultural não se resume às diversas atividades que desenvolve com os alunos, como o Festival de teatro com as escolas da cidade, a Semana da Cultura e Língua Portuguesa, o 30º Aniversário do edifício da Escola Sebastião da Gama, O Centenário do Ensino Industrial em Setúbal. 

(xxxi) dinamiza e participa como ilustrador de livros de poesia de poetas setubalenses;

(xxxii) no verão de 1989 adoece: o diagnóstico é Leucemia Aguda. Tenta-se o transplante de medula em Londres o que, infelizmente, não acontece e vem a falecer em Inglaterra a 10 de novembro de 1989, aos 55 anos;

(xxxiii)  o velório é feito no ginásio da Escola Sebastião da Gama;

(xxxiv) várias têm sido as homenagens realizadas por ex-alunos, amigos e colegas de diferentes locais por onde passou, nomeadamente Mata, Setúbal e Santarém. 

(xxxv) a homenagem, este ano será o lançamento de um livro [, acima referido,] sobre o seu percurso de vida, com testemunhos de antigos alunos, colegas e amigos dos diversos locais por onde passou.

Fonte: Adpat. de AESG - Agrupamento de Escolas Sebastião da Gama > Síntese biográfica do Padre Nuno/Xico Nuno (com a devida vénia)

sexta-feira, 8 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19563: A Galeria dos Meus Heróis (23): Cirurgião no Hospital Militar de Bissau - Parte I (Luís Graça)


Luís Graça, CCAÇ 12,
CIM Contuboel,
 junho/julho de 1969

A Galeria dos Meus Heróis > 

Cirurgião no Hospital Militar de Bissau, 1968/70 - Parte I (Luís Graça)





Fizeram-me um almoço de despedida nessa semana em que passei à reforma.

Sempre detestei as festas de despedida. É como partir, de barco, de um porto seguro para uma viagem desconhecida. Sabes o que tens, ou o que acabas de perder, desconheces o que te espera.

Aconteceu-me isso, talvez pela primeira vez, quando fui mobilizado para a Guiné, em rendição individual, aos 28 anos, em março de 1968. Amigos da faculdade e do hospital, colegas de curso e um ou outro antigo colega do tempo do liceu de Setúbal, fizeram-me uma festa, discreta mas comovente, de despedida.

Foi num café-restaurante das Avenidas Novas, em Lisboa, que já não existe, hoje é uma agência bancária ou coisa parecida. Na altura, eu era monitor de Anatomia na Faculdade de Medicina e trabalhava no Hospital de Santa Maria, à borla, na equipa de um dos "barões" que eram os donos dos serviços… Não havia ainda carreiras médicas, os jovens licenciados em medicina tinham que "pagar para aprender", com um patrono, um grande clínico ou um grande cirurgião…

Como o local do almoço era público e a PIDE costumava vigiar aqueles sítios, não houve grande discursos, e muito menos efusivos, e muito menos ainda contestatários… Aquilo era mais um velório do que outra coisa... Bolas, eu era médico, ia para a Guiné, haveria de voltar, com vida e saúde. Fui eu que tive de animar os meus amigos!

Só muito mais tarde, há uns anos atrás, é que fui à Torre do Tombo, movido por uma curiosidade legítima, mas algo mórbida, e acabei por saber que tinha uma ficha no arquivo da PIDE/DGS… Alegadamente por ser amigo de um tipo da direção da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina, envolvido na crise estudantil de 1962… 

Fator aparentemente abonatório para a minha pessoa: ser filho de militar de carreira, com boa folha de serviços no Ultramar e tido como “adepto da situação”…

Em boa verdade, eu nunca me tinha metido em encrencas até acabar o curso de medicina, não queria ver o meu pobre pai embrulhado em maus lençóis, e sobretudo perder a minha valiosa bolsa de estudos, paga pelo Exército.

Em suma, não tinha liberdade económica para me poder armar em herói antifascista e anticolonialista, como alguns colegas (que papás da classe média alta). Mas confesso, em 1968, era contra o regime e contra a guerra colonial, tal como parte da juventude universitária daquele tempo.

Não vou dizer "boa parte da juventude universitária",  porque quem estudava naquela época eram filhos e filhas de gente da situação, ou que tinha algum poder económico, empresários, proprietários, comerciantes, professores, advogados, médicos, médio e alto funcionalismo público… Mas a maior parte da juventude estudantil, liceal e universitária, acomodava-se e tratava da vidinha, como acontece em todas as ditaduras. Para mais a nossa que até tinha a benção da Igreja...
 Bom, já não era bem assim, tive colegas, católicos, que já não liam a missa pelo mesmo missal...

Entretanto, eu dava conta de que a guerra , de que pouco ou nada se falava em público, começava a mexer com a malta. Havia mortos e feridos, havia refratários e desertores, e alguns até eram da nossa rede de relações ou conhecimentos… 

Guerra, em todo o caso, que era bem longe da nossa terra, da nossa casa, da nossa família, das nossas escolas e locais de trabalho, enfim, dos nossos cafés das Avenidas Novas... (Na altura, eu morava por ali, perto do Campo Grande.)

Quando chegava a hora da verdade, poucos afinal davam o corpo ao manifesto. Participei, em 1962, num ou noutra manifestação de estudantes, com cargas da polícia de choque, tinha 22 anos, sangue na guelra e asco ao autoritarismo, mas sem nunca me meter em nenhuma organização clandestina, nem muito menos assinar papéis que me comprometessem.

Também nunca tive conversas, nem grandes nem pequenas, com o meu pai, quando vinha de férias, ou regressava de mais um comissão de serviço, sobre a situação nos territórios ultramarinos, como então se dizia e escrevia. Sei que ele "não morria de amores pelo regime" mas não podia dar-se ao luxo de morder a mão de quem lhe pagava o vencimento ao fim do mês. Além disso, era um militar de secretaria.


A minha mãe, embora apenas com a 4ª classe mal tirada, era mais politizada do que o meu pai. Ela era natural de Grândola, emigrara, muito jovem, para Setúbal com a família. Trabalhara como empregada doméstica, logo acabada a escola, e depois como operária na indústria conserveira. Foi em Setúbal que os meus pais se conheceram. E foi aí que eu nasci. Tempos difíceis. Valeu-me uma bolsa de estudos do Exército que me permitiu ir fazer, em Lisboa, o curso de medicina, em 1958. Sou do curso de 1958/59.

Em solteira, quando operária conserveira, aos 17/18 anos, a minha mãe terá chegado a distribuir o clandestino jornal "Avante", na fábrica e no bairro onde residia. Não sei se alguma vez foi "antifascista", foi palavrão que nunca lhe ouvi, da sua boca. 

De qualquer modo, depois de casada, acabou o seu eventual "antifascismo". Julgo que ainda viveu, com alguma euforia e esperança, o fim da II Guerra Mundial. Mas teve que ser pai e mãe durante o resto da vida.

A minha mãe também não era beata, se bem que fosse à igreja, uma vez por outra, em cerimónias militares oficiais e em certas datas, por conveniência social: na festa de Natal, no dia do Regimento, no dia nacional da infantaria, etc. Afinal, era casada com um militar de carreira e a tropa era também um pouco a sua família alargada… Se bem que não houvesse grandes misturas, entre as famílias dos senhores oficiais e as dos sargentos…


Em todo o caso, para completar o magro vencimento do meu pai, a minha mãe via-se obrigada a trabalhar de costura, em casa, e fazer bolos para festinhas, nomeadamente para as famílias dos oficiais e sargentos do RI 11, em Setúbal.

Nunca acompanhou o meu pai nas quatro comissões de serviço no ultramar (Cabo Verde, Índia, Angola e Moçambique), ou nas mudanças de regimentos (além do RI 11, em Setubal, esteve em Tomar e nas Caldas da Rainha). E ficaria viúva bastante cedo, aos quarenta e tal anos. 

Era mais nova nove anos do que o meu pai. Nascera em 1920 e teve-me, a mim, aos 20 anos e à minha irmã, mais nova, aos 26, já depois do meu pai regressar de Cabo Verde. (Essa minha irmã, já falecida, foi enfermeira, estava nos finais dos anos 60 no Alcoitão, quando o meu pai faleceu em maio de 1968, ia completar os 57 anos.)


Nasci num ano bissexto, em 1940, no dia 29 de fevereiro, uma quinta-feira, recordava a minha falecida mãe. Nasci em casa, de um parto difícil, já quase de madrugada. Daí talvez eu ser mais mocho do que cotovia.

Não chegou a ser preciso chamar o médico do regimento, o RI 11, onde o meu pai estava colocado, na altura já 2º sargento de infantaria. O médico era um bom homem, alentejano de Évora. O meu pai era de Estremoz. E até se dizia que era do reviralho, só por ser alentejano e republicano.

Tenho uma vaga ideia de o ter ido esperar, ao meu pai, já criança com quatro anos,ou coisa assim,  a Lisboa, ao Cais da Rocha Conde de Óbidos. Regressava de Cabo Verde, com a sua companhia ou batalhão, não sei ao certo.

Terá sido a primeira vez que andei de automóvel e, depois, de barco. Fomos, eu e a minha mãe, de carro, à boleia. Não sei de quem era o carro, penso que era conduzido por um amigo da família, que tinha carros de aluguer na praça de Setúbal. Talvez também fosse de Estremoz, conterrâneo e amigo do meu pai. 

Fomos até Cacilhas, ainda não havia a ponte sobre o Tejo. Apanhámos um cacilheiro até ao cais do Sodré. Não reconheci o meu pai, naturalmente, ele andara fora trinta e tal meses. E não terá vindo bem de saúde, segundo contava a minha mãe. Tinha estado na ilha do Sal e depois na ilha de São Vicente, já para o fim, antes do regresso.

Ou, se calhar, foi mais tarde. Tenho as memórias de infância baralhadas. Se calhar foi quando ele voltou a partir para outra comissão, desta vez para a Índia, já como 1º sargento, aí por volta de 1947 ou 1948. Eu devia ter 7 ou 8 anos. Já andava na escola, deve ter sido, pois, em 1948.

Ele acabou por fazer lá duas comissões, a segunda como voluntário, com direito a vir de férias em 1950. Aproveitou para fazer o 7º ano no liceu de Goa. Virá depois a frequentar, em 1956, a Escola Central de Sargentos, que era em Águeda. Ainda esteve em Angola, em 1961, aqui já com o posto de tenente SGE. Acabou a sua carreira militar em Moçambique, em 1965… 


Regressou em 1967, para morrer um ano depois, já eu estava na Guiné. Morreu cedo demais, o meu pai, ainda primeiro que o Salazar. Foi em maio de 1968. Estava o Schulz a ir-se embora. E eu em Bambadinca, quando recebi a triste notícia. Não fui ao funeral do meu pai, não me deram a devida autorização a tempo de apanhar o avião da TAP. Uma prepotência que nunca perdoei ao comandante do batalhão. Talvez por esse motivo nunca morremos de amores um pelo outro.

Escassos meses depois de chegar à Guiné, fui colocado no Hospital Militar de Bissau, "onde fazia muito mais falta do que no mato", segundo a ordem pessoal que recebi de Spínola, ainda brigaddeira,  que tive a honra de conhecer na altura. 

Com o recrudescimento da guerra e o aumento dos efetivos, havia falta de cirurgiões, anestesistas, estomatologistas, para além dos tipos da medicina tropical, que as doenças infectocontagiosas eram mais do que muitas.

Se não erro, o Hospital Militar de Bissau era o HM 241. E, em boa verdade, foi um grande escola para mim e outros cirurgiões. Foi lá que fiz verdadeiramente o meu internato de ortopedia. Tive lá grandes mestres de cirurgia e medicina. E depois, com o Spínola, o Hospital tornou-se um verdadeiro orgulho para todos nós. Dizia-se, sem exagero, que era o melhor hospital da África Subsariana, só tendo paralelo nos hospitais centrais da África do Sul… (Não sei, nunca lá estive.)

Em suma, cresci com um pai ausente, que eu mal conhecia, a não ser pelos retratos que a minha espalhava pela casa. Quando vinha a casa, recompensava-me com alguns brinquedos, baratos, e sobretudo muitas histórias. Era um bom contador de histórias, sabia as aventuras todos do Tigre da Malásia, dos livros do Emílio Salgari. Mas não falava da guerra do ultramar...


Era um homem meigo, contrariamente à minha mãe, que tinha de ser pai e mãe, que tinha de nos dar o pão, o amor e a educação. Era uma mulher precocemente marcada pela dureza da vida e pelas agruras do casamento. 

Por tudo isto, é difícil responder à pergunta se eu tive uma infância feliz...

Na semana em que fiz 70 anos, o dia 28 de fevereiro de 2010 calhava a um domingo e o dia 1 de março era segunda-feira. Alguém sugeriu fazer a minha festinha de despedida na sexta-feira à noite, mas eu opus-me logo.

Durante os dias úteis da semana não dava jeito, porque afetava o normal funcionamento do serviço e muita gente não poderia vir. E depois nunca se deve comemorar o aniversário natalício, na véspera, porque dá azar. E eu nessas coisas, sou mesmo supersticioso. Ou não fosse cirurgião.

As profissões de risco têm os seus mecanismos de defesa mental. Já alguém me explicou isso: dos toureiros aos pilotos de avião, dos mineiros aos tipos que trabalham nos arranha-céus, dos artistas de circo aos pescadores de alto mar, sem esquecer os polícias e os militares… Todos temos que saber racionalizar os riscos a que estamos expostos. 

No caso dos médicos, lidamos todos os dias com a doença e a morte, pelo que acabamos por ter a perigosa ilusão de que somos invulneráveis e imortais. Por outro lado, estamos sujeitos ao erro.

Enfim, a minha festa acabou por ser marcada para um sábado, dia 6 de março de 2010.

Bolas, já lá vão 9 anos!... Como o tempo passa. Para o ano, se lá chegar, farei os oitenta. Há meio século atrás andava em Bissau a amputar pernas e braços, de homens, brancos e pretos, apanhados pelas malditas minas e armadilhas que o PAIGC punha nos trilhos e picadas. Mas também da população civil, nomeadamente fula, que era atacada com armas pesadas, nas suas tabancas, sem dó nem piada. 

Com Spínola, há uma escalada da guerra. Mas não discriminávamos ninguém: cheguei a operar guerrilheiros do PAIGC, feridos e aprisionados pelas nossas tropas, e evacuados de helicóptero.

(Continua)

© Luís Graça (2019). Revisão; 5/8/2023
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de fevereiro e 2019 > Guiné 61/74 - P19491: A Galeria dos Meus Heróis (22): O "Duque de Palmela" ou o pão que o diabo amassou - II (e última) Parte (Luís Graça)

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18290: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (1): Em Setúbal, o restaurante "Baluarte do Sado", peixinho grelhado, pois claro!...(Hélder Sousa / Luís Graça)


Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 > É uma festa"... Inaugurado em 1930, e construído em estilo "art déco", é um dos ex-libris da cidade... O mercado do peixe, ao sábado, em especial, é uma espectáculo ao vivo!... Em primeiro plano, uma das esculturas de Augusto Cid, a vendedeira de criação (aves e ovos).


Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 >  Um dos painéis de azulejos da entrada principal.


Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 >  Painel de azulejos, da parede do fundo, junto às bancas de peixe. Cenas do mar, do estuário do Sado e dos campos...



Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 >  Percebes do alto mar... Ao sábado os preços inflacionam-se, devido à procura externa... Aqui há de tudo, do camarão de rabo azul à lagosta e ao lavagante, mas o que ainda mais enche o olho é o peixe fresco, dos salmonetes às cabeças de cherne!...



Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 >  Sapateiras  vivinhas da costa...



Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 >  O espadarte...


Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 >  As mangas sem fios... que não são seguramente de Setúbal nem da Guiné...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Vamos inaugurar uma nova série: "No céu não há disto...Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande"...

A ideia ocorreu-me há dias, quando me convidaram para ir a Setúbal para um almoço de aniversário... Fazia anos (, vinte e seis, ) o filho de um casal nosso amigo, meu e da Alice. Setúbal é peixe e marisco, pois claro, mesmo que o rapaz seja da geração do "fast food", das batatas fritas e dos hambúrgueres (sic) (assim é que se escreve, em bom português)... 

O rapaz é aquariano, como eu, tem a sorte de não fazer anos no píncaro do verão, altura em que eu fujo da ponte 25 de Abril, da Caparica, de Setúbal, da canícula e de tudo o que aponta para o sul, o sal, o sol... (A2, A12...). 

Foi no sábado passado, não era de prever uma enchente, mesmo com sol de inverno,  mas, pelo sim, pelo não, era conveniente reservar mesa para sete. Em que restaurante, Zé António ? Os meus amigos ainda estavam em Lisboa, quando eu e a Alice chegávamos à terra do Bocage. Pois que escolham à vontade, queremos é peixinho do bom, a saber a mar, e não a aquário... 

Os meus amigos acabavam de me passar a bola, e eu não os queria dececionar. Ainda por cima gente da Costa Nova... Falo do Zé António Paradela, meu amigo, meu "mano" e nosso grã-tabanqueiro. Mas eu não tinha sequer feito o trabalho de casa, o TPC, como costumo fazer antes de ir almoçar ou jantar fora: ver na Net os sítios mais convenientes para se comer, as comidinhas, a relação preço/qualidade, o que fazer depois do almoço, os percursos, etc. 

E para mais não tinha trazido comigo o meu PC!...  Não gosto de fazer consultas à Net através do telemóvel... Sou um tosco com o telemóvel... detesto o telemóvel... Bem, a solução, ali à mão de semear, era chatear o meu amigo, camarada e ilustre régulo da Tabanca de Setúbal, o Hélder Sousa...

Por azar, não tinha o número dele no meu telemóvel, tinha havido,  há uns tempos atrás,  uma troca de cartões entre mim e a Alice. Eu fiquei com a lista dela, e ela com a minha!... O telélé da Alice tinha, felizmente,  na lista o número do Hélder... Fizemos então uma chamada, ainda  dentro do carro... E nada, silêncio do outro lado da linha. Às 11 e picos já são horas de estar de pé, para mais em terra de gente laboriosa, mesmo ao sábado que é o dia de descanso do Senhor... Podia, o senhor engenheiro estar a tomar o seu duche de sábado de manhã... Ter ido ao SPA... Estar a dar formação... Ir à missa era menos provável... Bem, volta a ligar-se dentro de minutos...

E desta vez ele atendeu mesmo,  mas com a voz baixa: eh!, pá, estou em Lisboa, num reunião da secção regional sul da Ordem dos Engenheiros Técnicos...Já me esquecia que ele pertencia a uma lista candidata aos órgãos sociais da sua Ordem... Eh!, pá desculpa lá, não estou a reconhecer este número!... Como já estou meio surdo, gritei-lhe: é o número da Alice, do Luís Graça, da Tabanca Grande, desculpa tu o mau jeito... Tá-se mesmo a ver que o nosso camarada Hélder estava longe de me imaginar, a mim e à Alice,  por aquelas bandas e àquela hora...

E lá fomos trocando uns mimos, até eu chegar à questão central: onde é que se come à maneira na tua terra ?...E onde é que tu e a Alice estão? Eh,pá, aqui parados, estacionados, por detrás do mercado do Livramento e do Pingo Doce...Não precisas de ir mais longe, tens já aí o "Baluarte do Sado"... Peixinho  fresco, grelhadinhos, sardinha assada no verão...Boa relação qualidade / preço... Pronto, não digas mais, não te maces, vou já lá marcar uma mesa para a 1 da tarde, redonda, 7 pessoas... E desculpa lá qualquer coisinha... Talvez a gente ainda se veja logo à tarde, quando regressar de Lisboa... Obrigado, mas não precisas, estou numa festa de anos, fica para a próxima...

Como havia tempo de sobra, fomos visitar o mercado do Livramento que é um regalo para os cinco sentidos... É um dos pontos obrigatórias de qualquer visita a Setúbal, exceto à segunda feira que está fechado, como todos os mercados tradicionais...De preferência, venham ao sábado, e cedo... Ao meio dia já começam a desmontar a tenda, os vendedores de peixe, feito o negócio...

Fui ver as bancas do peixe e marisco, fotografei os azulejos todos, apreciei o vaivém de gente que entra e sai, procurei não perder pitada da "idiossincrasia" dos/as setubalenses que ali ganham a vida...Mas, ó querida, essas mangas sem fios não serão transgénicas ?... Ó cavalheiro, vê-se mesmo que é turista!... Não me venha cá estragar o negócio!... Qual transgénicas, qual carapuça, chupe-me aqui este mel... e deu-me um bocado de manga sem fios na ponta de um palito...Enfim, gente autêntica, que tem sempre a resposta pronta na ponta da língua, afiada, com todos os ss e rr... E diz a filha ao lado: Ainda tenho muito que aprender com a minha mãe...(que a punha a filha a um canto, medida de alto a baixo...).

Mas vamos ao almocinho, que já são horas, depois de algumas comprinhas feitas... O que é vamos pedir ? Para entrada uns camarões à guilho (num molhinho com pão frito) e depois uma cataplana de peixe para 3 pessoas, um sargo grelhado para mim e uma posta de cherne também grelhadinha para a Alice, que está meio adoentada... E para os nossos jovens (o aniversariante e um amigo), o costume, umas "febras" de porco com arroz e batatas fritas e uma saladinha... No fim, temos um bolinho de anos, que é para cantar os parabéns a você, que o rapaz faz 26 primaveras e é do Benfica...

Ó queridos, mas a gente aqui faz tudo na hora!... Podiam ter pedido a cataplana na altura em que reservaram a mesa,,, É coisa para demorar 40 a 45 minutos... Venha a cataplana, até lá, vamos petiscando. E, oiça, mande-nos um "Terras do Pó", branco, fresquinho, da Ermelinda Freitas, que é cá da terra, isto é, da península...

E pronto, a cataplana chegou "just in time", eu e a Alice fomos para os grelhadinhos... A banca de peixe do restaurante é um regalo para a vista, variada e colorida, como não se vê em muitos restauarantes XPTO do "Boa Coma e Boa Mesa" do Expresso, rapaziada que come com garfo e faca, nunca lhe passou seguramemte  pelos dentes a "bianda" da Guiné nem conheceu os "petiscos" dos nossos "vagomestres"... 

O serviço é simpatiquíssimo e eficiente, a casa estava cheia (2 salas, uma delas para fumadores), o ambiente é familiar,  ruidoso como convém, onde há povo, onde há "tugas"... As moças andam todas numa fona, mas a cozinha despacha bem e depressa... Nada de requintes, as próprias instalações têm o ar típico de muitos restaurantes à beira mar, de "design" popular(ucho)... O peixe do dia anda na casa dos 40 euros /quilo (com exceção do cherne que ontem estava no "super" do Corte Inglês a 60 e tal, e chega aos restaurantes dos ricos a centos e tais...).

Não sei quanto é que o meu amigo Paradela pagou mas não deve a extravagância do rebento aniversariante ter ultrapassado os 20 euros por cabeça, sem sobremesa... ( A sobremesa foi o bolo de anos, revestido com o emblema do Benfica, coitada da Helena, que nos serviu, e que é ferrenha do Setúbal, nunca lhe tinha acontecido fazer um frete daqueles, atravessar a sala com a "águia nas mãos"!...O que uma mulher faz para ganhar a vida!).

O "Baluarte do Sado" (com cerca de duas dezenas de anos de existência)  está provado e aprovado, camarada e amigo Hélder, engenheiro de energia e sistemas de potência, cistagano de nascimento, transtagano por casamento...  Sei que não há conflito de interesses, gostas de lá ir e recomendas aos teus amigos, com o único senão do verão, em que o povo faz bicha à porta do "Baluarte do Sado"...

Para os nossos leitores aqui ficam as coordenadas do "Baluarte do Sado":

O que se recomenda: cataplana de peixe / caldeiradas, choco frito, peixe grelhado (, afinal, a comida mais primitiva do mundo, mas o "grelhar peixe"  tem os seus segredos...);
Horário: das 10h00 às 17h00 (isto quer dizer, que não há jantares!);
Localização: Praça da República, 1, Setúbal 2900-587, Portugal;
Parque de estacionamento: público;
Multibanco: tem;
Telefone +351 265 238 780;
Tem página no Facebook.

PS - Uma chamada de atenção para o incauto turista que vem do Norte:  o "choco frito" é uma das especialidades da terra, mas o choco que aqui se frita e come não é de cá, é da... África do Sul e de Marrocos... Duro que nem cornos, servido em pedaços industriais... No "Baluarte do Sado" não sei como é... Prefiro o "choquinho frito" do meu amigo Vitor, do Peraltabar, na praia da Peralta, Lourinhã (108 km a norte), a quem, de resto,  já dediquei em tempos uns versinhos (*)... Mas nisto de comes & bebes, as paixões não se discutem: eu detesto peixe cru, outros lambem-se por lampreia, outros ainda dão a volta ao bilhar grande só para comer peixe seco... Os fãs do "Choco Frito" de Setúbal também direito à mesa... Logo, nossos companheiros e confrades são, que no céu não há disto... (dizem que há outras "iguarias", eu não sei, afinal nunca ninguém lá foi e voltou)...


2. Quanto aos nossos "vagomestres", aqui chamados à colação... Deixem-me recordá-los: tínhamos com eles uma relação de amor & ódio... 

Dar de comer a milhares e milhares de homens em guerra, no TO da Guiné, entre 1961 e 1974, não era tarefa fácil... Eram escassos os frescos, a carne era um luxo, e o peixe... resumia-se ao bacalhau, seco e feio, que nos chegava, de vez em quando, pela Intendência... Não havia câmaras frigoríficas, só coisas em lata e pó...

Em suma, passava-se fome na Guiné, nos nossos aquartelamentos e destacamentos, já não falo nas tabancas em autodefesa para onde éramos mandados às vezes, uma secção ou duas para reforçar o seu dispositivo de defesa... Os nossos soldados raparam fome, os graduados, esses, tinham um pouco mais de privilégios e de alternativas

Coitados dos nossos "vagomestres", entalados entre o "nosso primeiro" que era uma espécie de ministro das finanças da  companhia, e o batalhão de intendência que, de Bissau, nos fazia chegar os víveres, da cerveja ao chispe de porco, das batatas (um luxo!) às salsichas, da farinha para cozer o pão à massa, dos grelos em pó às conservas... 

A indústria conserveira deve ter ganho rios de dinheiro com a p... da guerra. Além dos mixordeiros do vinho a martelo que nos impingiram muito falso vinho verde... gaseificado à pressão, e vendido a peso de ouro!

Ainda me interrogo: como é que a minha/nossa geração suportou aquela maldita guerra ?!

Coitados dos nossos "vagomestres", obrigados a dar-nos massa com "estilhaços de frango", ou, invariavelmente arroz com filetes de cavala ou ainda arroz com salsichas... Hoje, voltei a comer conservas, sobretudo das boas, das nossas, mas durante anos e anos a fio não podia sequer suportar o seu cheiro... Conservas, salsichas, macarrão, chispe de porco... Como foi possível fazer uma guerra com a "barriga a dar horas" ?... 

No mato, em operações, muitos de nós estavam dois ou mais dias sem comer, porque eram incapazes de tragar as horríveis rações que nos davam... Eu pessoalmente nem sequer as levava para o mato!... Levei uma vez: ia ficando louco com a sede, provocada pelos "enlatados" e os "açucarados" (marmelada, fruta cristalizada)... Nunca mais quis a m... da ração de combate. 

Alguém fez fortuna com as rações de combate, intragáveis, que nos impingiam no TO da Guiné!... E nunca houve "levantamento de rancho" contra as malditas rações... O povo era manso...e tinha boa boca!

Claro que havia dias de festa!... Claro que havia dias em que se tirava a barriga de misérias!... Quando se arranjava um cabritinho ou um leitão, ou uns quilos de camarão ou lagostim do rio Geba...Ou quando o pai do Tony Levezinho lhe mandava, pelo barco da Sacor, a sua encomendida, em geral "bacalhau do especial" da Terra Nova...

É por estas e por outras que a gente tem o direito de, nesta caserna virtual,  mandar uns "bitaites" bem humorados e desabafar, sem risco de ser acusado de blasfémia: "Come, camarada, que no céu não há disto"...

Esperamos doravante que haja mais gente ("vagomestres da Tabanca Grande")  a ajudar a escrever roteiro gastronómico do país & arredores, respondendo ao nosso desafio: "diz-me lá, camarada, onde é que se come bem... e barato, na tua terra ?!"... De Ponta de Lima a Bissau, de Olhão ao Mindelo, todas as sugestões dos nossos "vagomestres", serão bem vindas... De resto, em matéria de comes & bebes, o "império" continua de pé, do Minho a Timor, o mesmo é dizer, o "império à mesa", da cachupa ao arroz de lampreia, das ameijoas à Bulhão Pato ao chabéu de galinha...

PS - A expressão "coma, que no céu não há disto", usava-a eu, muitas vezes, com o meu pai, mesmo na fase terminal da sua doença (,morreu de cancro no estômago, perto dos 92 anos)... A maior alegria, nessa altura, em que ele estava já num lar (entre 2008 e 2012), era levá-lo a almoçar fora, ao sábado (, peixinho, pois claro!, nunca vi aquele homem a comer um bife!), e depois beber um café e um cheirinho à beira mar... onde íamos os dois "lavar a vista"... 

Que saudades, meu pai, meu velho, meu camarada!...

3. Mais restaurantes em Setúbal

No "cartanito" que me deram, verifiquei que há mais dois restaurantes, do mesmo grupo, proprietário ou gerência... Tomem boa nota:

Baluarte da Avenida - Peixe grelhado | Av Luisa Todi 524, 2900-456 Setúbal | telef  265 573 470

Estuário do Sado - Choco frito e caldeiradas | R Guilherme Gomes Fernandes, 47 , 290-395 Setúbal | telef  265 573 068 (Aberto todos os dias da semana).
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 3 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13459: Manuscrito(s) (Luís Graça) (38): Que viva la (mo)vida... e o choco frito do Bar da Peralta!