segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5466: Álbum fotográfico de Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872





1. Álbum fotográfico de Rui Baptista* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74), elaborado com fotografias mandadas em mensagem de 30 de Novembro de 2009:




Álbum fotográfico de Rui Baptista (I)

Foto 1 > Aquartelamento de Cancolim

Foto 2 > Aquartelamento de Cancolim

Foto 3 > Parada de Cancolim


Foto 4 > O pombal na parada de Cancolim (alguns pombos serviram de petisco)

Foto 5 > Apresentação do Batalhão ao ComChefe (Gen Spínola) – Em primeiro plano o Alf Mil Rosa Santos (26-12-71) falecido há pouco tempo.

Foto 6 > No Cumeré na passagem de ano (1-1-1972) – à frente o alferes que nos abandonou e primeiro da última fila o capitão que também se foi.

Foto 7 > Trajando à civil para esquecer a guerra (oficiais e sargentos em 23-09-73) – sentado: Fur Mil Oliveira – 1.ª fila da esquerda para direita: 1.º sarg Romana, Fur Mil Correia (Rodinhas), Fur Mil Silva (Russo), eu, Capelão da CCS, Fur Mil Silva, Fur Mil Peixoto, Alf Mil Andrade, em cima também da esquerda para a direita: Fur Mil Santos, Alf Mil Videira, Alf Mil Oliveira, Fur Mil Conde, Fur Mil Gaspar, Fur Mil Ferreira e Fur Mil Jacinto.

Foto 8 > Um posto de sentinela em Cancolim

Foto 9 > O Fur Mil Jacinto e eu junto do famoso pombal de Cancolim

Foto 10 > "Os Vingadores" (2.º Pelotão da CCaç 3489) prontos para uma patrulha. Ficámos com este nome porque quase sempre nos tocava ir em busca do IN após os ataques ao aquartelamento

Foto 11 > Mais uma partida para o mato dos Vingadores em 15-04-72 após uma flagelação a Cancolim à hora do almoço

Foto 12 > Saída para o mato dos Vingadores para mais uma patrulha

Foto 13 > Segurança à picada entre Cancolim e Sangue Cabomba

Foto 14 > Preparação para uma coluna a Bafatá (parte do 2.º Pelotão)

Foto 15 > O estado em que ficou a viatura que caiu numa mina em 14-08-72 na picada no regresso de Bafatá a Cancolim (deixou-me 40 dias, todo partidinho, no HM 241 de Bissau – além de mim tivemos mais 16 feridos entre eles dois camaradas que tiveram de ser evacuados para o HMP de Lisboa)

Foto 16 > Abrigo da população na orla da mata para espantar os macacos por altura da colheita da mancarra

Foto 17 > O último dia em Cancolim (na parte de cima da foto pode ver-se alguns dos RPG que caíram na parada de Cancolim durante a flagelação ao aquartelamento em 20-01-74 (a única vez que fomos atacados logo de manhã)

Foto 18 > Eu junto ao rio Geba à espera da LDG para Bissau

Foto 19 > O último dia em Bissau antes do regresso à Metrópole

Foto 20 > O Fur Mil Gaspar, o Alf Mil Andrade e eu na escala que o Niassa fez no Funchal no regresso a Lisboa
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5400: Tabanca Grande (192): Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74

Guiné 63/74 - P5465: Blogpoesia (60): Memórias da Escola Prática de Infantaria, Mafra e Macau (António Graça de Abreu)


China > Setembro de 2009 > Com a minha mulher Hai Yuan e os meus filhos João e Pedro, num restaurante em Xangai






China > Agosto de 2009 > Com a minha mulher Hai Yuan em Zhouzhuang, província de Jiangsu.





China > Agosto de 2009 > com actores da ópera de Pequim, em Yangzhou, província de Jiangsu.





China > Macau > Junho de 2009 > No Largo do Leal Senado, em Macau.


Fotos e legendas: © António Graça de Abreu (2009). Direitos reservados


1. Mensagem,  de 10 de Novembro, do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu, ex-Alf Mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa, Cufar, 1972/74; especialista em cultura chinesa, tradutor de clássicos da poesia chinesa, autor de Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra e Paz, 2007).


Blogopoesia - Memórias da Escola Prática de Infantaria, Mafra e Macau


 No dia 27 de Junho de 2009, acabadinho de chegar de Macau e já então a fazer a mala para nova viagem, agora até Xangai, Pequim e arredores, fui um dos quase dois mil convidados presentes num encontro e opíparo almoço no convento de Mafra oferecido pelos antigos governadores de Macau a todos quantos haviam trabalhado e vivido na velha cidade sino-portuguesa na foz do rio das Pérolas.


Por acaso, nunca vivi em Macau, sempre em Pequim e Xangai, mas tenho trabalhado, e muito, para e por Macau. Daí o convite. Comemoravam-se os dez anos da entrega à China do último pequeníssimo - mas rendoso  - bastião do Império.


 Solitário entre tanta gente, reencontrei os espaços tão conhecidos ao longo dos anos por muitos de nós, a parte militar do convento, ou melhor a Escola Prática de Infantaria nele integrada,  onde, em 1970 e 1971, passei seis meses de vida no COM (Curso de Oficiais Milicianos) como soldado cadete do 1º. e 2º. Ciclo, recruta e especialidade (Atirador de Infantaria).


Depois, em 1972 veio a Guiné...


Nesse dia de Junho de 2009, fui anotando num papel ideias e frases a utilizar num poema. Só agora o consegui concluir. Primeiro, três versos apenas, uma espécie de haiku, aqueles brevíssimos poemas japoneses com apenas dezassete caracteres, assim:


Magia em Mafra.
Sem vento
um convento oscila ao vento.
  
Em seguida, um poema mais extenso, deste modo:


 Dois lustros depois do fim de Macau,
efeméride faustosa no convento de Mafra.
Um almoço, mil iguarias,
governadores, embaixadores, amigos,
oportunistas, gente boa, lambe-botas,
mosaico das gentes do mundo.
Regresso ao mosteiro onde vivi há quatro décadas,
não na serena contemplação de Deus,
mas para o exercício das artes da guerra.
O mesmo sol nos jardins de buxo,
os mesmos chafarizes de mármore velho,
os mesmos corredores, as mesmas abóbadas, 
os mesmos nomes, La Couture, Vimeiro, La Lys,
as mesma mesas no mesmo refeitório de frades,
os mesmos  cheiros, a mesma humidade fria.
Depois de Mafra, guerreiro nas franjas do Império,
a gesta, a loucura, uma Guiné em fogo.
Rolaram os anos e veio a China, 
 envolta na bruma de todos os mistérios,
e veio Macau, agasalhando tanto desvairo de mim.
Hoje, um pouco antes do fim,
recolhimento solitário na capela do convento
e, nos Sete Altares vazios,
um cântico, uma prece ao Senhor do Céu.


 António Graça de Abreu

Guiné 63/74 - P5464: O Nosso Livro de Visitas (74): O blogue não deve ser a Praça da Figueira (Salvador Nogueira, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1969)


«Guiné > Teixeira Pinto (ou Canchungo) > CAOP 1 > Talvez a única foto que temos, no nosso blogue, embora de má qualidade, do Cor Pára Rafael Ferreira Durão. "A caminho do almoço de Natal de 1971. Da esquerda para a direita respectivamente, Cmdt do BCaç 3863 (?), Cmdt do CAOP [1] Cor Pára Rafael Durão e Ten Pára da CCP 122". (*)

Foto e legenda:  © Jorge Picado (2008). Direitos reservados


1. Mensagem de Salvador  Nogueira, antigo oficial pára-quedista (Guiné, 1969 - estivemos juntos pelo menos numa operação em que foi aprisionado o roqueteiro do PAIGC, Malan Mané, em Agosto de 1969) (**).    Esteve também em Angola (BCP 21, com o meu amigo e conterrâneo Jaime Bonifácio Marques da Silva, em 1970/1972) e Moçambique, Nacala (BCP 32, onde esteve um ano e meio). É  assíduo leitor do nosso blogue.

Teve a gentileza, há tempos de mandar um livro seu, de short stories, com o irónico título de Notícias da Guerra Pitoresca (edição de autor, 2009), e com a sibilina dedicatória: " De um ponto  [?] algures entre os heróis do mato e os post-traumáticos. Para o Luís  em troca do 'Blogueforanada'. Com um abraço do Salvador". 

Para S. Nogueira,  que passou pelos três TO da guerra colonial (Angola, Guiné, Moçambique), "a guerra não é coisa delicada; falar dela também não"... Talvez por essa razão, ele nunca tenha até hoje aceite o meu  convite para ingressar na Tabanca Grande, preferindo o estatuto, mais independente, de leitor e comentador dos nossos postes...

Amigo Luís

Peço-te que faças um esforço para que o blog (uma notável iniciativa de que decorre a minha consideração por ti) não se converta num bastião de merdas post-seja-o-que-for (desculpa a rudeza da linguagem) ou num coio de heróico-desgraçados que levaram muita porrada e por conseguinte acham ter direito a opinião firmada. A distância no espaço e no tempo não apaga o enquadramento e cada soldado que esteve em África foi-o naquele período de que saca agora recordações, permitindo-se alguns um exacerbamento ou alastramento de opinião para a qual não se adivinham dimensão ou competência, pessoal ou militar, lá! naquele tempo, com as características pessoais de então e no ambiente condicionante de que será bom não abstrair.

É bom também lembrar, tentando evitar a subestima ou escamotear a competência de cada um in locu ou hoje, o que era então cada função, cada posto, cada unidade e cada zona de acção. É também bom reencaminhar os que não têm a noção do escasso significado do testemunho pessoal, subjectivo ou grosseiro, num processo que, como tens dado a entender, se pretende com algum alcance hsitórico, para além da dimensão que possa ter no apoio social e individual a dar aos combatentes da Guiné.

Um abraço

Que se me desculpe alguma insistência, em alguns casos.

PS - O Cor Durão foi meu comandante em Angola e por vezes andava a passear comigo na parada do BCP21, à noite, quando eu estava de serviço, reflectindo sobre a nossa acção em geral e, em particular, sobre a do Batalhão de Angola.

Não me considero apto a comentar a sua conduta e postura nem a sua acção de comando. Interrogo-me como é possível que um qualquer obscuro militar, sem conhecimento alargado visível, possa permitir-se tecer considerações e emitir juízos valorativos sobre um militar muito mais graduado, muito mais experiente e muito mais habilitado.

Se a questão fulcral tem a ver com a ameaça de chapada na cara ou de murro na tromba, então é simples - a ter acontecido, o Regulamento permitia que o militar comunicasse o facto. Lembro que actos de indisciplina, rebeldia, recusa do combate ou colaboração com o inimigo, etc. em campanha eram passíveis de procedimento muito mais expressivo que o tão malfadado murro nas trombas, o qual, ainda assim, era raro.

O blog não deveria ser a praça da figueira podendo ser todavia praça pública - é uma questão de nível e de qualidade da colaboração.

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Salvador:

Embora a gente não se conheça (físicamente falando), já trocámos suficientes mails para ficarmos com um certa  ideia, virtual,  um sobre o outro. Inclusive, devo-te um almoço no bar do meu local de trabalho, a agendar para um dia destes em que venhas a Lisboa, no interregno do teu auto-exílio ribatejano.

Em contrapartida, tu tens a ligeira vantagem de me ver exposto, na montra do blogue de que és visita regular mas não membro, por razões que eu  não descortino mas que respeito. Como leitor, mereces a consideração de qualquer leitor, a que acresce o teu estatuto de camarada da Guiné. O nosso blogue, mal ou bem, é hoje mais do que o somatório de todos os seus membros (inscritos, os que pagaram simbolicamente a jóia de inscrição, e que o alimentam e mantêm vivo, todos os dias)...

Apercebo-me que há muita gente a ler-nos, uns que estiveram na guerra colonial (ou do UItramar, como queiras), outros que estiveram noutros TO que não a Guiné, ou que, tendo estado na Guiné,  optam pelo low profile ou não querem mesmo dar a cara (ou esperam a melhor oportuniddae para o fazer), e ainda outros (e outras), enfim, que por razões várias, afectivas, profissionais, circunstanciais ou outras,  acompanham a nossa produção bloguística...

Ao fim de quase seis anos de blogue (a festejar em Abril de 2010, se lá conseguirmos chegar), verificamos que muita gente, muita e desvairada gente nos lê, uns com alegria, outros com humor, com ironia, com afecto, com empatia (e outros nem tanto, invectivando-nos possivelemente por não fazermos o blogue dos seus, deles, sonhos, pesadelos, ideais, expectativas, causas, projectos, etc).

Também não gostaria, meu caro Salvador, que este blogue onde já "queimei"  7,5% da minha esperança média de vida (que é de 73 anos, para os homens da minha/nossa geração), se transformasse num "coio" [abrigo de malfeitores, esconderijo...] de quem quer que  seja, muito menos dos tais "heróico-desgraçados que levaram muita porrada e por conseguinte acham ter direito a opinião firmada"...

Em teoria (e, espero, na prática), aqui ninguém tem "opinião firmada" [leis-se: assinada, catedrática, definitiva...] sobre nada, no que diz respeito à guerra colonial na Guiné: causas, antecedentes, consequências,  protagonistas, heróis, vilões, grandes batalhas, datas-chave, etc.... Em rigor, ninguém deve (nem pode) impor o seu ponto de vista, muito menos a sua verdade ex-cathedra (leia-se: da cadeira de S. Pedro, da cadeira de catedrático, ou seja, valendo-se do cargo, função ou estatuto no antigamente da guerra...). Tu mesmo me chamaste a atenção, um dia,  para a aparente contradição entre o tratamento romano (tu-cá-tu-lá) entre "camaradas", mantido no blogue,  e o desfile de títulos, antigos ou actuais, militares, profissionais e académicos, com que adjectivamos os membros da Tabanca Grande, que em princípio são todos "amigos e camaradas da Guiné" (e ponto final)...

Por outro lado, sempre procurámos incentivar a criação, entre nós, de uma cultura de liberdade, verdade, rigor, frontalidade, responsabilidade... Há abusos, picardias, excessos verbais, insultos, tretas, comportamentos de bravata, fanfarronice, gente que faz bluff, gente que é menos séria (intelectualmente falando), gente que conta um conto e acrescenta um ponto, gente que não sabe discordar sem puxar pela G3, gente que se põe em bicos de pés, gente da Praça da Figueira (onde até aos anos 50 existiu o principal mercado da cidade de Lisboa...), gente da língua afiada e do argumento curto, gente que não dá a cara e se esconde atrás do baga-baga... ? 

Há, com certeza, pontualmente... Há, com certeza, mais até do que gostaríamos... Mas, ao fim destes anos eu tenho algum orgulho por o nosso blogue não se  ter tornado uma blogopeixarada... Muito menos, ainda a praça dos autos de fé, o muro das execuções sumárias, o palanque dos assassínios de carácter, a arena do combate político-ideológico, o megafone do pensamento único e do unanimismo,  a esponja da história dos vencedores, o muro de lamentações dos vencidos, e por aí fora...

Por isso é importante receber, periodicamente, sinais de aviso à navegação como os teus (e dos demais leitores)...  Sinais que são sempre bem acolhidos pelo timoneiro , espero, também pelo resto da equipagem...

Obrigado. Em contrapartida, ficas-me a dever a história do Malan Mané...  Um Alfa Bravo do paisano... Luís Graça.

___________

Notas de L.G.:
 
(*) 11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3597: O meu Natal no mato (13): De Cutia (1970) ao CAOP1, em Teixeira Pinto (1971) (Jorge Picado, ex-Cap Mil)

(**) Op Nada Consta, vd. post de 30 de Julho de 2005, I Série do Blogue  > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969)  (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P5463: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (24): De volta à guerra, triste realidade

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 13 de Dezembro de 2009:

Amigo Vinhal
Mais uma passagem de “Viagem…” a entremear um ciclo mais aceso de opiniões - expressas a meu ver com todo o direito, desde que com respeito por todos e pelos princípios do Blogue– com votos de que os Camaradas mais aguerridos se recordem daquelas férias que gozaram naqueles tempos conturbados, ficando um nada mais serenos.

Um grande abraço a todos vós para quem renovo VOTOS de UM BOM NATAL e um 2010 PLENO NO QUE DESEJEM
Luís Faria


De volta à guerra

As luzes cintilantes de uma Lisboa meio adormecida são testemunhas do meu trajecto e chegada ao aeroporto da Portela. Trinta e tal dias se tinham passado num ápice.

Pelas duas da madrugada de 13 de Julho de 1971, o Boeing da TAP percorre a pista e levanta voo levando-me nele. Nas suas asas está escrito o meu Destino : Guiné… de novo!

Comodamente instalado, tento e consigo avistar com intermitências o tremelicar das luzes terrenas e estelares.

O pensamento divaga entre a adivinhação de um futuro difuso e o passado próximo com a lembrança fresca de bons e belos momentos vividos durante trinta e tal dias (não recordo porque gozei tantos).

Para trás ficam Lisboa, Porto, Guimarães, Vizela, Vila Real, Felgueiras e outras cidades, vilas e aldeias.

Na memória ficam a paciência e os miminhos dos Pais e Irmãos . A disponibilidade e ternura cúmplices da Noiva. A alegria da Flecha, cachorra pastor alemão nos momentos de brincadeira.

Ficam também belas recordações de convívios com Amigos, piqueniques, viagens, passeios. As corridas de Vila Real onde quase fomos abalroados por um Lolla (creio) em vôo de despiste na passagem de nível, que nos polvilhou de óleo !! As viagens no Austin Sprite em que mosquitos (não os famigerados) às carradas entravam pelas juntas da capota de lona e caíam mortos no tablier e nas pernas, cobrindo-mas e às da namorada como se de uma manta se tratasse??!!! Das cachopetas (mergulhos) no rio Vizela para mostrar à plateia do parque das termas a antítese do mergulhador!! Enfim…

Tinham sido na verdade tempos de férias bem passados e em que pouco ou nada se aflorou sobre a Guiné e a guerra, o que me permitiu de certo modo esquecê-la, digamos assim.

Agora… bom, agora que ela está de novo a perfilar-se no horizonte próximo e ainda para mais em locais de experiências de certo modo desconhecidas, a mente conjectura possibilidades de adiar o reencontro com essa realidade, de modo a conseguir mais uns dias de adaptação e mentalização. Dou comigo a pensar que vou ficar em Bissau mais uma semanita ou assim, por causa de transportes e tal e tal!!

Com este pensamento sinto-me um pouco mais reconfortado e confiante e o sono passa por mim.

O Boeing faz-se à pista e aterra. Está a amanhecer e a porta abre-se.

Malas… só uma pequenita de lona vermelha aos quadrados e com zipper, daquelas que vazias se dobravam.

Aquele cheiro característico (a que chamo cheiro a formigas mortas) e aquele bafo quente e húmido, envolvem-me por inteiro logo que chego à escada.

Não havia dúvida, o Piloto não se tinha enganado. Estava noutro mundo, em que os Adidos eram a próxima paragem. Um servicito e uns diazitos mais em Bissau para a conhecer e me mentalizar de que já não estava no Puto é o que me espera, penso!

Mas o Destino é mesmo assim e no dia seguinte estávamos a embrulhar na zona do Balanguerês!!

Bissau onde me iria mentalizar, tinha ficado para as calendas!!!!
Luís Faria


Leça da Palmeira, 1971 > Luís Faria junto ao Sport Clube do Porto. Ao fundo o edifício do Instituto de Socorros a Náufragos.

Luís Faria e o Flecha

Vila Real, 1971 > Dia de corridas
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5236: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (23): Um Aspirante Xico-esperto e um grande berro

Guiné 63/74 - P5462: Não-estórias de guerra (4): O Parto, essa grande (a)ventura (Manuel Amaro)

1. Mensagem de Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971), com data de 11 de Dezembro de 2009:

Caros Editores,
Antes de entrar no período de férias natalícias, resolvi enviar mais uma não-estória.
Comecei a escrever sobre Guiledje. Mas quando vi que estava a escrever sobre a guerra, desisti.
Depois comecei a escrever sobre o branqueamento daquilo, mas falta-me informação. Não dá.
Acabei por escrever o texto que anexo.

Um Abraço
Manuel Amaro


Não-estórias de guerra IV

O Parto


Creio que quase todos os médicos que estiveram no interior da Guiné (dito mato), tiveram a experiência do parto. Alguns Enfermeiros também.

Quando cheguei a Buba em Junho de 1970, falhei por pouco. O Dr. Sérgio Ribeiro tinha-me deixado uma lista de acções imediatas, entre as quais o apoio específico a um par de gémeos com dois dias de vida. Cheguei atrasado, mas ainda colaborei na recuperação daquela feliz, mas muito debilitada mãe e no desenvolvimento dos dois rebentos.

No final da guerra, em 1974 já estavam com quase quatro anos. Alguém se deve recordar deles.

Em Junho de 1971, em Nhala, quase a chegar ao fim da comissão, faltava-me essa grande aventura. O parto. Assistir? Colaborar? Efectuar? O que fosse, seria!...

Mas em Nhala as mulheres grandes tratavam do assunto, no maior dos silêncios, sem qualquer problema.

Até que um dia… (em tudo há sempre um dia diferente dos outros). Chegou a hora do parto da Binta, mulher do António Baldé.

A mulher do António não era de Nhala. Tinha vindo de Bolama com o António, quando ele lá esteve a fazer a recruta.

O António não era milícia, era mesmo militar. E era ajudante dos enfermeiros.

E essas condições fizeram com que a Binta tivesse sido muito acompanhada por nós durante a gravidez, que era a primeira. Mas sempre pensei que no momento do parto, as mulheres grandes resolvessem a situação.

Qual quê!?

Uma noite (estas coisas acontecem sempre de noite), estava eu na messe, com mais uns camaradas, tentando esvaziar o frigorífico do Ferreira, chega o António, esbaforido, estanca na porta e chama... furriel… furriel…

Levanto-me, saio e ele com dificuldade desabafa…

- Minino não quer sair… vem comigo.

Arrancámos os dois em passo acelerado e pelo caminho fui perguntando pelas mulheres grandes. O que estavam fazendo. O que tinham dito…
O António, não raciocinava… Só dizia que eu tinha que ajudar…

Entrei na morança e lá estava a Binta, na posição de cócoras ou de quatro, sobre uma esteira, gemendo e tremendo, rodeada por três mulheres grandes, as parteiras de Nhala. Creio que estaria despida, porque ainda vi colocarem-lhe um pano por cima, enquanto eu entrava na morança.

As mulheres grandes ficaram sossegadas, não reagiram à minha presença, o que me levou a concluir que podia trabalhar sem empecilhos.

Assim que ouviu a minha voz, a Binta parou de tremer e passou a gemer menos vezes e mais baixinho.

O bebé (não gosto de dizer ou escrever, o feto), estava vivo e cheio de genica.
Os suores não eram frios.

Não houve reacção à mudança da Binta, da posição original para a tradicional posição de parto. Deitada, de costas, com os joelhos levantados…

Até convenci duas mulheres grandes a sentarem-se, uma de cada lado da Binta e darem-lhe as mãos, para ela ter algum apoio onde se agarrar e fazer força.

O toque das minhas mãos na cabeça, na face e na barriga da parturiente, funcionavam como um tranquilizante…
Passada a fase de reinstalação, com alguma acalmia, voltaram as dores intensas.

Mas agora, a Binta, comodamente (?) instalada, agarrada às duas mulheres, com os joelhos apoiados nos meus braços, podia fazer força à vontade e assim, mais facilmente colocar no mundo, aquele matulão, ensanguentado e chorão.

E cumpriu a missão.
Foi uma festa.

O António Baldé, pai do rebento, que não tinha sido autorizado a entrar durante o parto, aguardava cá fora.
Abraçámo-nos, gritou, chorou de alegria e fez-me soltar uma lágrima.

Finalmente tinha cumprido todos os meus objectivos operacionais

No regresso à messe, onde ainda estavam os resistentes do “Dimple”, fui trauteando: - “Meia-noite é meia vida/Meia vida por viver/Guitarra triste esquecida/Que ninguém sabe entender…”, um poema de Álvaro Duarte Simões, cantado por Amália e outros intérpretes do fado.

Durante o luto que cumpri durante mais de 20 anos, depois daquela guerra, tentei esquecer tudo aquilo, mas os convívios, primeiro ao nível do BCAÇ 2892, depois no ambiente mais familiar da CCAÇ 2615 e agora no âmbito do blogue, tudo isto chega em turbilhão.

E eu funciono como um entreposto de informação. Tudo o que chega, é distribuído, partilhado com a comunidade.

Sophia de Mello Breyner, se estivesse aqui, diria que ao escrever estas não-estórias, estou a fazer a minha catarse. Talvez. Não tenho a certeza. Mas, do que é que eu tenho a certeza?

Hoje, apenas por hoje, estou certo que ao escrever as minhas não-estórias, eu estou a libertar-me. E, tal como Sophia, posso dizer que…: - “bem, eu liberto-me como posso”.

Manuel Amaro
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5346: Não-estórias de guerra (3): A minha Escola (Manuel Amaro)

Guiné 63/74 - P5461: Blogoterapia (135): Foi bonita a festa do Manuel Maia, na Tabanca de Matosinhos (Manuel Reis)





FESTA DO MANUEL MAIA




Foi bonita a festa que todos os camaradas presentes ofereceram ao Manuel Maia [, por ocasião do lançamento do seu livro, História de Portugal em Sextilhas]. Ele bem a mereceu.


As querelas e picardias que por vezes exprimimos no blogue foram para as calendas gregas. Algo de muito forte, uma solidariedade forjada na guerra e no sofrimento, nos une nestes [momentos].


Nós o grupo designado pelo "Cozido à portuguesa",  sabiamente baptizado pelo Mexia Alves, tivémos um belo dia, preenchido pela sã convivência, onde a alegria e a boa disposição foram a nota dominante. O condutor, camarada Juvenal, a quem competia a responsabilidade de nos entregar nos locais certos e não beber, cumpriu exemplarmente a sua missão.


O Vasco, um bom palrador, impediu que houvesse tempos mortos.



O Mexia Alves com a sua arte de bem contar, mostrou ao Comandante e Sub-Comandante do Regimento de Artilharia do Porto uma pequena parte dos seus conhecimentos, do fora castrense, os quais não ficaram indiferentes. Estupefacto, o Comandante esboçou (não concretizou) um convite para o Mexia Alves reintegrar a sua unidade. Mexia Alves, perante tão descarado atrevimento, demarcou-se de imediato. Um ex-combantente da Guiné só aceitaria o Comando da Unidade e no posto de General!


Sei que o Mexia não me leva a mal esta brincadeira, mas os camaradas não julguem que isto é apenas pura ficção.


O encontro referido existiu na Área de serviço de Antuã, onde fomos mudar a água às azeitonas, e ficou o convite para aparecermos na Unidade.


Foi um dia diferente, muito divertido, que nos estimula a repetir e que bem sabe, nesta altura do campeonato!


Um abraço camarigo, do tamanho da Tabanca de Matosinhos, para todos os camaradas.


Manuel Reis.


____________


Nota de L.G.:




(*) O Manuel Reis foi Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, 1972/74). Vd. postes de 

12 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4175: Os Bu...rakos em que vivemos (5): Guileje bem se podia considerar um hotel de 5***** (Manuel Reis)



domingo, 13 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5460: Agenda cultural (51): Concerto de solidariedade pela banda Bela Nafa, 18 de Dezembro, Instituto Franco-Português (Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos com data de 7 de Dezembro: Malta, Procurou-me Braima Galissá, o exímio tocador de Korá. Ele agora tem uma banda, a Bela Nafa e vão dar um concerto de solidariedade a partir das 20 horas de 18 de Dezembro, no Instituto Franco-Português, na Avenida Luís Bívar, n.º 91, perto do Saldanha. O concerto tem por objectivo a angariação de fundos para a compra de material hospitalar destinado à nova maternidade do Gabú. O ingresso são 10 euros

Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > Um dos maiores representantes, na diáspora, da cultura guineense actual, o mestre, tocador de Kora e cantor (didjiu) Braima Galissá, mandinga do Gabu. (Recorde-se que o didjiu era, no passado, o tocador e cantor que ia, de tabanca em tabana contando estórias e transmitindo as últimas notícias)…Foram os seus tetravós que inventaram este instrumento único que é o Kora. Na festa do Beja Santos, ele tocou, cantou e encantou. Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados. __________ Nota de CV: Vd. último poste de 10 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5441: Agenda cultural (50): Apresentação do livro História de Portugal em Sextilhas, de Manuel Maia, na Tabanca de Matosinhos

Guiné 63/74 - P5459: Tabanca de Matosinhos (14): Jantar de Natal no Restaurante do Café das Artes, dia 12 de Dezembro de 2009 (Carlos Vinhal)

1. Ontem, dia 12 de Dezembro aconteceu mais um jantar de Natal da Tabanca de Matosinhos. Porque a sala de jantar do Milho Rei já se está a tornar pequena, o local do convívio foi transferido para o Restaurante do Café das Artes, ali para os lados do Campo Alegre, já na cidade invicta.

Desta vez houve um 3 em 1, porque antes do jantar, cerca das 19,30 horas, procedeu-se à reunião da Assembleia Geral da "Tabanca Pequena - Grupo de Amigos da Guiné-Bissau - Apoio e Cooperação ao Desenvolvimento Africano", sob a presidência da Comissão instaladora, para se proceder à eleição dos primeiros Corpos Gerentes, através de voto secreto depositado em urna. Feita a contagem de votos e elaborados os respectivos autos, pelas 21 horas os eleitos tomaram posse perante o Presidente da Assembleia Geral.

2. Ao jantar propriamente dito compareceram muitos camaradas e respectivas famílias que praticamente encheram a sala. Segundo pude apurar junto do Álvaro Basto, o grande administrador destas actividades, compareceram 80 pessoas das 82 que se tinham inscrito.

Nunca é demais realçar o bom ambiente de camaradagem vivido, a presença de inúmeras senhoras, e até algumas crianças, que deram um ar mais familiar ao evento.

Não se pode esquecer nunca o grande ausente fisicamente, mas sempre presente na lembrança da maioria, o Luís Graça a quem se deve estas reuniões, pois sem ele e este seu blogue sobre a Guiné, jamais teríamos estes momentos de convívio que já atingiu um cunho familiar, onde quase toda a gente se conhece. As pessoas deslocam-se propositadamente de várias localidades do país, algumas têm de percorrer uns bons quilómetros, para participarem e conviverem em volta de um ideal, o amor à Guiné do nosso tempo e à Guiné-Bissau de hoje.

O nosso camarada Manuel Carmelita, fotógrafo oficial da Tabanca de Matosinhos, enviou-me umas dezenas de fotografias, das quais destaquei ao acaso estas:

Um grupo de bonitas senhoras

Panorâmica da sala com 80 convivas

Marques Lopes acompanhado de sua família

O camarada António Barroso

David Guimarães e sua esposa Lígia

O sempre presente António Baptista, Paulo Santiago e António Pimentel

Álvaro Basto, a par de José Teixeira, grande impulsionador das actividades da Tabanca de Matosinhos, ladeado pela esposa Fernanda e pelo pai, senhor Rolando. Por trás o camarada Lobo.

Vasco Ferreira e esposa Margarida

António Carvalho e o seu bonito rebento.

António Pimentel e o nosso médico, Francisco Silva.

Camarada Peixoto, o feliz contemplado com o quadro a óleo de autoria de Jaime Machado.

José Teixeira procede à distribuição das prendas de Natal, coadjuvado pela sua simpática filhota.

Fotos de Manuel Carmelita


Que venha o Natal de 2010 onde seremos muitos mais que oito dezenas.
Como diria Fernando Gouveia, até para o ano camaradas.
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 20 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5306: Tabanca de Matosinhos (13): Jantar de Natal de 2009 no dia 12 de Dezembro no Restaurante do Café das Artes, Porto (Álvaro Basto)

Guiné 63/74 - P5458: Estórias avulsas (20): Formigas vermelhas e formigas castanhas (Armandino Alves)



1. Em 13 de Dezembro de 2009, recebemos um texto do nosso Camarada Armandino Alves, que foi 1.º Cabo Auxilitar de Enfermagem na CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68) e que passamos a transcrever:


Formigas vermelhas e formigas castanhas

Camaradas,

Eu não sei o que aconteceu depois de eu ter regressado da Guiné. Mas há uma coisa a que eu acho muita graça. Já li muitos postes sobre operações realizadas após eu ter vindo de lá. Já li o que foi escrito sobre os ataques de abelhas (que eu também sofri), mas nunca ouvi falar em ataques de… formigas.

Rainha e obreiras (in Wikipédia, enciclopédia livre)


Entre os vários tipos de formigas, existiam, no meu tempo, dois tipos delas caracterizadas pelas suas cores, umas vermelhas que se encontravam no Pilão, em Bissau, e que, atacando em conjunto, matavam uma galinha em poucos minutos segundo diziam os naturais locais.


Outras eram de cor castanha e encontrávamo-las no mato, quando andávamos em operações ou patrulhas nocturnas, pois elas só apareciam de noite. Se tínhamos o azar de fazer uma paragem junto de um dos seus formigueiros, era um ver se te avias. Toca a despir o camuflado para as arrancar do corpo, pois elas possuíam umas garras em forma de tenaz que se enterravam na carne e, quando as tirávamos, a cabeça ficava lá presa. Cabeça essa, que depois caía, pois, como é óbvio, tinha sido decepada do corpo.

Para evitar que elas trepassem pelas nossas pernas acima, é que os intervenientes nestas operações, eram previamente avisados para apertarem bem os cordões existentes no fundo das pernas das calças do camuflado, por cima dos plainitos, ou por cima dos bordos das botas de lona.

Em Béli, elas atacavam os nossos abrigos aos milhares e a única maneira de nos defendermos, era fugir cá para fora e esperar o regresso delas aos seus ninhos, o que se dava mal nascia o dia.

Nós esperávamos por elas com um bidão de gasóleo, espalhávamo-lo por cima dos seus corposs e lançávamos-lhes o fogo.

Só assim é que as conseguíamos matá-las.

Mas pelos vistos devemos tê-las matado todas, pois, até hoje, não ouvi mais ninguém falar nelas.

Como me parece que de 1966/68, sou o único sobrevivente em acção, não devo ter mais nenhum Camarada que me ajude a comprovar esta "formigada".

Um Abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Aux Enf CCAÇ 1589
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

13 de Dezembro de 2009 >

Guiné 63/74 - P5457: Estórias avulsas (63): O regresso (José Marques Ferreira)

Guiné 63/74 - P5457: Histórias de José Marques Ferreira (12): O regresso



1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, que foi Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos com data de 11 de Dezembro de 2009, a seguinte mensagem:


A todos os camaradas desta tertúlia;

Aqui vai mais um dos meus modestos contributos para o blogue, que a inspiração e a boa forma encefálica ainda me permite.Nesta época, como digo abaixo, quero desejar a todos (mas a todos mesmo), que passem mais um dos bons momentos que possamos ter na vida: um Santo e Feliz Natal. Até um dia destes…

O regresso

Por acaso tenho presente todas as datas da minha prestação do serviço militar obrigatório. Mesmo quem as não as lembre, tem nas suas cadernetas militares de que são titulares, referidos esses tempos e os relatos de todo o seu percurso na tropa, como é do conhecimento geral.

Eu fui incorporado em 28 de Janeiro de 1963. Embarquei em Lisboa em 14 de Julho de 1963, no navio Sofala com destino ao C.T.I.G. (Comando Territorial Independente da Guiné), fazendo parte da CCaç 462, tendo desembarcado em Bissau em 21 de Julho. Em 7 de Agosto de 1965, embarquei em Bissau no navio Niassa de regresso a Lisboa, em 14 de Agosto.
.....
Depois desta, tenho outras pequenas histórias destas viagens, que não faz mal nenhum partilhar e convosco o farei. Começo pela última (o regresso), embora tenha na forja a da partida para a Guiné, sobre a qual, a 40 e tal nos de distância, apetece-me (agora) comentar. Digo entre parêntesis «agora», porque antes não podia, e se o fizesse cruel destino me esperararia.

Como já disse aqui várias vezes, chegamos à Guiné e ficamos (todos) "alojados" numa escola primária em Bissau (Escola Teixeira Pinto), próximo do Pilão, junto do depósito de água. Ali permanecemos uma semana. Após esse período, organizou-se uma coluna auto e lá fomos em direcção ao mato. Armados de G3 novas em folha, creio que as primeiras armas automáticas a serem utilizadas na Guiné, com destino a Ingoré.

Foi um tormento para lá chegar, menos de 100 Kms de distância! Hoje já não acontece isso, pela existência das pontes de João Landim e de S. Vicente.

O resto da Companhia foi distribuída por Sedengal, S. Domingos, Susana e Varela. Uma área enorme. Não vou agora falar de cada uma destas localidades. Uma região sempre junto da fronteira com o Senegal.

Nesta região, com algumas alterações pelo meio, aqui permanecemos durante dezasseis meses, «Na pousada do sossego!»

Na altura em que se começava, com aquele tempo, a pensar na contagem decrescente para o regresso, enfiaram-nos na zona de Bula, onde a Companhia que substituímos ficou reduzida a quase metade entre mortos, feridos, hospitalizados, evacuados, etc.
Imaginem o quanto sofreu aquela gente, cuja companhia já não lembro qual era, mas da qual tenho aqui próximo (no concelho) um camarada. Era condutor e chegou a andar pelo ar com uma mina na sua GMC, na estrada Bula-Binar-Bissorã.

Todos se interrogavam o porquê, com aquela «idade» de Guiné, terem-nos metido num local daqueles, quando até aí nunca tivemos de dar tiros contra o que quer que fosse.

Pouco tempo lá estivemos. De Bula, fomos ocupar a área compreendida entre Có, Ponate, Jolmete e Pelundo, onde não havia nada que permitisse um mínimo de condições de habitabilidade humana. Tivemos de construir tudo a partir do zero.

Passados uns meses, lá fomos novamente de tralha às costas para Mansoa. Para aqui já eu não me desloquei, porque era um período de permanência, para a espera de regresso a casa.

Como tinha sido 'aproveitado' para «administrador» da Companhia e como já referi em anteriores postes, essa administração era feita a partir de Bissau e então aqui permaneci até ao dia da chegada do Niassa. Inclusivamente estive com o alferes da área administrativa a fechar as contas do BCAÇ 507, que entretanto tinha terminado a comissão de serviço.

Fiz a lista identificativa do pessoal a embarcar (que ainda guardo), assinada pelo capitão Luís Manuel das Neves e Silva, que substituiu o Cap. Mil. Jorge Saraiva Parracho entretanto regressado à Metrópole. Entregue nos vizinhos da Amura (QG) e como estava na secretaria, mantinha-me sempre de ouvido alerta para saber quando chegava o barco e quando poderíamos embarcar.

Um dia chega chegou uma circular a anunciar o tão ansiado facto. Fui o primeiro a lê-la e fiquei assustado, porque não via na lista a identificação da minha Unidade Militar. Tive um assomo de lucidez e virei a página. Porra, no verso lá estava a CCAÇ 462... Era a última da lista... que alívio!

Recebida a ordem de embarque, fui o primeiro da Companhia a entrar no navio, após o almoço. Durante a tarde começaram a chegar os meus camaradas de Mansoa. E quando todos foram para a farra, em Bissau, comemorar a felicidade de regressar e gastar os últimos "pesos" que tinham no bolso, desafiaram-me a ir com eles também. Respondi negativamente, porque dali, de dentro do Niassa, já ninguém me tirava.

Efectivamente foi assim. Já dormi no navio nessa noite e até à saída no dia 7 de Agosto de 1965, ali permaneci. Quer dizer que terei entrado no navio Niassa, que me transportou até Lisboa, no dia 6 de Agosto de 1965.


Navio Niassa


Para todos um abraço,
J.M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes
__________
Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em: