terça-feira, 17 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1669: Efemérides (1): A tragédia do Quirafo, há 35 anos (Paulo Santiago / Vitor Junqueira / Luís Graça)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Contabane > Quirafo > Feverereiro de 2005 > Mais de trinta anos depois, os restos calcinados da fatídica GMC que serviu de caixão ao Armandino e aos seus camaradas (CCAÇ 3490, Saltinho, 1972/74), no trágico dia 17 de Abril de 1972, na picada de Quirafo (entre o Saltinho, Contabane e Dulombi).

Foto: © João Santiago (2006). Direitos reservados.

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo Alf Mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74) (1)...

Foram utilizados LGFog e Canhão sem recuo. Houve 11 militares mortos, 1 desaparecido... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro. A brutal violência da emboscada ainda hoje é visível, mais de três décadas, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram em Fevereiro de 2005 (2).

Fotos: © Paulo e João Santiago (2006). Direitos reservados.

1. Texto do editor do blogue:

Efemérides. Damos hoje início a uma nova série. O título foi sugerido pelo Paulo Santiago, ao evocar aqui, hoje, a tragédia do Quirafo. Efeméride é uma palavra que nos vem do grego, ephemerís, quer dizer dia a dia. Uma efeméride é uma notícia diária, é o registo de factos sucedidos dia a dia em diversos anos e lugares…

Há acontecimentos, na guerra da Guiné, que nos marcaram para sempre. Não é por masoquismo que voltamos a eles, que regressamos esse universo espácio-temporal, a esses tempos e lugares… Voltamos a eles, regularmente, ora em espírito ora em corpo – como o Paulo, na viagem de todas as emoções, em Fevereiro de 2005. Voltamos para fazer o luto, voltamos para exorcizar os fantasmas que nos atormentam, voltamos para matar saudades, voltamos para tentar (re)organizar as ideias, os pensamentos, as emoções, as recordações… Voltamos por um questão cíclica, por que somos animais circadianos, o sol e o calendário marcam as nossas vidas… Temos necessidade de efemérides e de as celebrar, é uma questão vital… Hoje é o dia do meu aniversário, hoje faz anos que…

Celebremos, pois, as nossas efemérides da Guiné, não apenas as tragédias como a do Quirafo, mas também as boas lembranças da Guiné e das suas gentes, incluindo algumas mais íntimas e pessoais que queiramos compartilhar com o resto dos amigos e camaradas…

Aproveitemos também parta dar a palavra ao nosso inimigo de ontem: até à data, por exemplo, ainda não conseguimos, apesar de algumas tentativas, obter o depoimento do comandante do grupo do PAIGC que montou a emboscada do Quirafo... Sabemos quem foi e onde está... Muito provavelmente ele não quererá falar do dia 17 de Fevereiro de 1972... Há um pudor dos homens que fazem as guerras, que temos de saber respeitar... (LG)

2. Mensagem do Paulo Santigao, enviada ontem às 23.30H:

Passam, amanhã, dia 17 de Abril, 35 ( trinta e cinco ) anos sobre a morte criminosa, sem o mínimo objectivo, de 11 militares, 5 milícias e um número indeterminado de civis. Foi a emboscada/tragédia do Quirafo, encomendada ao PAIGC pelas mentes - já não sei classificá-las ou faltam-me palavras, tal a raiva – do proveta Lourenço e do Castro Lemos (3)

Foi feita justiça ? Penso que não. Neste momento, sei que todos os Tertulianos sabem da tragédia (1), o que, para mim, representa alguma paz de espírito.

Olhem as fotos da GMC, o Túmulo, e por segundos pensem em todos aqueles homens, militares, milícias e civis, imolados pela paranóia do Lourenço e do Lemos.

Descansem em Paz.

Paulo Santiago
16/04/07 às 23.30 horas


3. Comentário do Vitor Junqueira:

Grande Paulo,

Depois de ler o teu e-mail, fui ao browser do blog e reli os teus posts sobre este assunto. Depois fiz esta pergunta a mim próprio: O que é que se pode dizer a um homem que há trinta e cinco perdeu, num estúpido (evitável?) incidente, uma quantidade de gente sua, amigos, conhecidos e camaradas? Palavras de circunstância, lugares comuns? Não, que o Paulo Santiago não é homem para essas merdas. Podia oferecer-te a solidariedade hipócrita ou o cinismo das lágrimas de crocodilo no intento de reavivar a tua revolta contra aqueles que consideras responsáveis pelo acontecimento. Podia, mas qual a vantagem?

Por isso, meu caro amigo Paulo Santiago, e para tentar aliviar a tua memória dorida, ofereço-te o meu silêncio. Um patrício meu disse um dia que nas grande tragédias humanas há cuidar dos vivos e enterrar os mortos. Vá, enterra os teus, que já vai sendo tempo. E aceita um abraço do

Vitor Junqueira
_______
Notas de L.G.

(1) Vd. posts de:

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

Vd. ainda testemunhos de outros camarados camaradas nossos:

24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)

21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)

22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1104: Homenagem ao Alf Mil Op Especiais Armandino, da CCAÇ 3490, morto na emboscada de Quirafo (Joaquim Mexia Alves)

(2) Vd. posts de:

26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P914: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (1): Bissau

29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P923: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (2): Bambadinca

30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane

5 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P938: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (4): branco com coração negro no Rio Corubal

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

13 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P957: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (6): De volta ao Saltinho, Bambadinca e Bissau

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972


(3) Referência ao capitão miliciano da CCAÇ 3490 (Saltinho), e ao tenente-coronel que comandava na altura o BCAÇ 3871 (Galomaro, 1971/74). Vd. posts de:

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)

Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 > 1968 > Um DO (Dornier) 27 na pista de aviação (1).

Foto: © José Neto (2005). Direitos reservados.


Guiné > Bissalanca > Restos do motor do DO 27, do Furriel Piloto Aviador Baltazar da Silva ... Esta imagem foi-nos enviada pelo nosso camarada Victor Barata, que vive hoje em Viseu, e que foi especialista de Instrumentos de Bordo, na nossa gloriosa FAP (1969/1974). Esteve na Guiné, de 1971/73, "na linha da frente dos DO 27". Pedi-lhe para me dar mais pormenores sobre este trágico acidente (2). Descobri agora que o Baltazar da Silva conviveu com outro nosso tertuliano, o António Graça de Abreu, autor de Diário da Guiné (2007) (3).


Foto: © Victor Barata (2007). Direitos reservados.

Vitor Barata ainda não teve tempo de satisfazer a minha natural curiosidade acerca deste acidente: onde, quando, em circunstâncias, etc. Curiosamente, acabei por encontrar algumas respostas ao ler o Diário da Guiné, o livro autografado que me foi enviado pelo seu autor, o nosso camarada António Graça de Abreu. O Abreu foi Alferes Miliciano no CAOP1, primeiro em Teixeira Pinto, e depois em Mansoa e em Cufar (1972/74).

O seu livro é um excelente documento, de interesse memorialístico, sobre os tempos (conturbados) que antecederam o fim da guerra: a morte de Amílcar Cabral, a escalada da guerra, a proclamação unilateral da independência, a conspiração dos capitães, o 25 de Abril de 1974, a retirada das NT, etc.

Não vou agora vou fazer uma detalhada recensão crítica do livro do nosso camarada António Graça de Abreu (3). Vou apenas seleccionar alguns dos seus registos diários, em que é referida a Força Aérea Portuguesa, as suas máquinas e os seus homens. Em dois ou três desses registos, a evocada a figura do Furriel Miliciano Aviador Baltazar da Silva cujo DO foi abatido em Abril de 1973, entre Bigene e Guidaje. Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue.

Teixeira Pinto, 26 de Junho de 1972

(…) Cheguei de manhã, vim de helicóptero (…). O alferes piloto do meu héli sabia que eu era pira, ou seja, periquito (…) e resolveu fazer uma brincadeira com a máquina voadora. Saímos de Bissau com aquela grande casca de alumínio motorizada e barulhenta,a scendendo harmoniosamente no céu. Uns dez minutos depois, sobre o rio Mansoa, o piloto fez subir o helicóptero até quase aos dois mil metros. Logo sde seguida como que o deixou cair (…) a razoável velocidade direitinho às águas do rio. Eu vinha no banco de trás e pensei: Vou morrer. Foram só uma dúzia de segundos, depois o piloto segurou impecavelmente o héli a uns duzentos metros da margem do rio (…). Chegámos e ele divertido, ao ver-me ainda branco como pó de caulino, com as cores do susto e da morte estampadas no rosto.


(…)
Canchungo, 21 de Julho de 1972

O meu dia a dia (…). Por volta das dez, quase todos os dias, chega o DO, a avioneta de Bissau; às vezes vou de jipe à pista, a uns quatrocentos metros daqui, buscar o piloto e os sacos de correio, o particular e o oficial (…).

Capa do Livro Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura, de António Graça de Abreu. Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007.

Foto: Guerra e Paz Editores, SA (2007) (com a devida vénia...)


Portugueses com asas como os pássaros
 
(…) Canchungo, 1 de Agosto de 1972

(…) São doze os DO que voam no território, umas avionetas Dornier de fabrico alemão robustas e funcionais, mas sujeitas a desgaste tremendo. Às vezes voam às arrecuas, salvo seja.

Já têm uns anos, avariam-se com facilidade. A semana passada um DO que voava daqui para o Cacheu viu-se obrigado a aterrar de emergência na tira de asfalto da estrada Canchungo-Cacheu, por duas vezes. O que nos safa é o PAIGC não possuir anti-aéreas (há o boato de que as vão ter em breve), mesmo assim alguns DO já levaram tiros, sem consequências.

Gosto dos alferes e dos furriéis pilotos dos hélis e das DO. Estes homens da Força Aérea, quase todos mais novos do que eu, fazem maravilhas com as máquinas voadoras que lhes foram distribuídas. Vou buscá-los à pista, sentamo-nos na mesma mesa para almoçar, vamos até ao bar beber um café ou um copo, falamos da guerra e da paz. Já os vou conhecendo, admiro estes portugueses com asas como os pássaros

(...)

Canchungo, 20 de Dezembro de 1972

[Depois de trinta e cinco dias de férias em Portugal]

Cheguei de helicóptero, viva o luxo! Dá-me gozo viajar nestas loucas máquinas. A sensação de flutuar, oscilar no céu a grande velocidade, é mil vezes melhor do que aqueles voos assépticos e incolores nos aviões grandes tipo Boeing e quejandos. De helicóptero temos a terra, os rios ao alcance da mão e dançamos no céu.

Mas só quando os hélis voam em zona de paz. Hoje vieram porque havia operação na Caboiana (4). Aproveitei a boleia. De tarde, houve contacto NT/IN na zona de guerra. O mesmo héli em que vim voou para a Caboiana, foi buscar dois feridos e acabou atingido com estilhaços de morteiro 82 disparados pelos guerrilheiros. Continuou a voar, aterrou na nossa pista, fomos verificar o estado do Alouette III, e seguiu para Bissau, com o cone de trás da fuselagem cheio de buraquinhos. A enfermeira pára-quedista Celeste (*) que de manhã viajara com o piloto e comigo desde Bissau, e costuma acompanhar as evacuações no mato, apanhou um grande acagaço. O alferes piloto também estava nervoso.


__________

(* ) Dois meses deopois deste incidente, a enfermeira Celeste Pereira, ao correr para uma DO que se preparava para levantar voo a fimd e proceder a evacuação foi morta pela hélice da avioneta que lhe cortou a cabeça, no aeroporto de Bissalanca (Nota de rodapé do autor, p. 64).

Canchungo, 5 de Janeiro de 1973

(…) Hoje ouvi a DO, fui para a pista com o major P., a avioneta sobrevoava Canchungo, mas nunca mais descia, dava voltas e ais voltas por cima do campo de aviação, até que por fim aterrou. Estranhámos bastante. O piloto vinha a suar, era periquito, baixava pela primeira vez em Teixeira Pinto, estivera uns minutos largos a estar a pista. Chama-se Baltazar, é um furriel piloto aviador com um ar castiço, inconfundível, alto magro, os cabelos muito ruços e encaracolados. Pediu desculpa ao meu major pela demora na aterragem.

(...)

Mansoa, 13 de Fevereiro de 1973

A poesia de Manuel Alegre: Mesmo na noite mais triste / Em tempos de servidão,/ Há sempre alguém que resiste, / Há sempre alguém que diz não.

Resistir. Hoje vi os aviões Fiat cruzarem o céu dos poetas, picarem de cima para baixo e largarem 600 quilos de bombas sobre a floresta próxima onde se escondem guerrilheiros, mulheres e crianças, donos do orgulho, da miséria e do medo. E vi depois a mesma gente, mulheres, um menino morto e mais crianças feridas que as nossas tropas foram buscar, a fim de serem transportadas para o hospital de Bissai. E vi um tenente aviador com o remorso de talvez já ter bombardeado e morto gente inocente, e vi um coronel afirmar que, desde 1961, já contactou muita desgraça, isto agora já não lhe bole com nenhum músculo (…).

Regresso a Bissau com a morte na alma
 

Mansoa, 29 de Março de 1973

Foi abatido um avião a jacto Fiat G 91, um pequeno bombardeiro, lá para o sul, perto de e Guileje (…). O tenente piloto aviador [ Miguel Pessoa](…) ejectou-se, saltando de pára-quedas numa zona onde não foi detectado pelo IN (…).

Ontem repetiu-se o o incidente, foi abatido outro Fiat G 91. Desta vez, o piloto não teve sorte, o aião desintegrou-se e morreu o tenente-coronel Almeida Brito, o comandante das esquadrilhas de aviões na Guiné.

É uma nova realidade com que temos de contar, o PAIGC já dispõe de mísseis anti-aéreos que são eficazes. Os pilotos estão com medo de voar, quem se quer suicidar ?Esta manhã esteve cá o furriel piloto Baltazar da Silva, o tal rapaz alto do cabel encaracolado e muito ruivo, meu conhecido e amigo desde aquela primeira aterragem estranha, alvoroçada em Canchungo. Trouxe a sua DO, pareceu-me preocupado, assustado. Almoçámos juntos, ele quase não tocou na comida, fixava os olhos em coisa nenhuma. Trouxe até ao meu quarto, bebemos um whisky velho, animei-o tanto quanto fui capaz. Regressou a Bissau com a morte na alma.


(…)

Mansoa, 7 de Abril de 1973

Uma DO foi atingida pelos mísseis do PAIGC e caiu lá no Norte. Morreram o piloto, um mecânico e o major Jiame Mariz, que conhecia muito bem, desempenhou algum tempo as funções de 2º Comandante do Batalão 3863, de Canchungo (Teixeira Pinto) (…) .

A morte do Baltazar da Silva

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Mansoa, 8 de Abril de 1973

Outra DO pilotada pelo furriel piloto aviador Baltazar da Silva foi abatida pelo IN quando voava entre Bigene e Guidaje. O rapaz morreu, junto com um alferes médico e um sargento  . O Baltazar almoçou comigo na semana passada, esteve aqui no meu quarto desanimado e triste. Escrevi então que ele havia partido para Bissau “ com a morte na alma” 

[Certamente por lapso, não é referido o major de infantaria graduado Jaime Frederico Mariz, cmdt do COP 3, que ia de boleia para Bigene.]

(…)

Bissau, 29 de Abril de 1973 [Depois de dezoito dias de férias em Portugal]

(…) Pelo que já ouvi contar, a aviação está quase paralisada. Os guerrilheiros, moralizados, passam ao ataque. Sem aviões, sem hélis, complica-se a vida de todos nós.

(…)

A tropa anda amedrontada ... 

Mansoa, 8 de Maio de 1973

(…) Aqui os aviões, muito a medo e com a máxima precaução, recomeçaram a voar. Acabou a segurança com que cruzavam os céus da Guiné. Os hélis ainda não vão buscar ninguém directamente ao mato, no caso de haver um contacto e registarem-se feridos. Por tudo isto, e porque todos sabemos que tem morrido muita gente, a tropa anda amedrontada.

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Notas de L.G.:


(1) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2006 >
Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba

(2) Vd. post de 14 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1661: Tertúlia: Notícias de Lafões, do Rui Ferreira, do Carlos Santos e da nossa gloriosa FAP (Victor Barata)

(3) Vd. posts de:

5 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor

6 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)

27 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)


(4) Ao CAOP1, pertenciam entre outras forças especiais a 38ª Companhia de Comandos, de que fazia parte o nosso tertuliano Amílcar Mendes. Há vários posts sobre a actividade operacional da 38ª CCmds, na região de Caboiana:

15 de Novembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1280: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (7): Um tiro de misericórdia em Caboiana

22 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1200: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (2): Um dia de Natal na mata de Cubiana-Churo

Guiné 63/74 - P1667: Tabanca Grande (7): Artur Soares, ex-Fur Mil Mec Auto da CART 3492 (Xitole, 1972/74)


O Artur Soares, ontem (em baixo) e hoje (em cima). O nosso novo tertuliano foi Fur Mil, tendo pertencido à CART 3492 (Xitole, 1972/74), a mesma unidade a que pertenceu originalmente o Alf Mil Op Espec Joaquim Mexia Alves, antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca) e ainda na CCAÇ 15 (Mansoa).

Fotos: © Artur Soares (2007). Direitos reservados.

Mensagem do Artur Soares:


1. Mensagem do Artur Soares:

Figueira da Foz, 16 de Abril de 2007


Caro Luís Graça:

Antes de mais, quero felicitar-te pelo magnífico Blogue, que nos ajuda a recordar os bons e os maus momentos que passámos na Guiné; pois recordar é viver.

O Mexia Alves já te deu conhecimento que, mais dia menos dia, eu iria entrar em contacto contigo (1)

Peço desculpa do tratamento por tu, mas é uma das regras da Tertúlia.

Eu também estive na Guiné desde Dezembro de 1971 a Março de 1974.

Agora passo a apresentar-me:

(i) Sou o Artur Manuel Soares;
(ii) Vivo em Figueira da Foz;
(iii) Fui Furriel Miliciano Mecânico Auto;
(iv) Pertenci à CART 3492, sedeada no Xitole, companhia que fazia parte do BART 3873, que esteve em Bambadinca;
(v) Desse batalhão, ainda faziam parte as CART 3493 (Mansambo) e a 3494 (Xime). Mais tarde a CART 3493, foi para a zona do Cantanhês e a CART 3494, para Mansambo.

Junto envio duas fotos - uma militar e outra civil, actual. Peço autorização para fazer parte da Tertúlia de amigos e camaradas da Guiné.

Também gostava de estar presente no almoço convívio que se vai realizar em Pombal, no dia 28 de Abril. O Mexia Alves deu-me conhecimento deste convívio (2), há já alguns dias, mas só agora tive oportunidade de me inscrever na Tertúlia.

A ementa será a 1B. Deixo também o meu nº de telemóvel (965647246), no caso de necessidade de algum contacto.

Por hoje é tudo, cumprimentos do
Artur Manuel Soares

2. Comentário de L.G.:

Artur, cumpridas as formalidades, entra e fecha a porta. Fico feliz por encontrares aqui camaradas do teu batalhão e da tua unidade. Como sabes, embora em época diferente (1969/71), passei algumas vezes pelo Xitole, em colunas logísticas, oriundas de Bambadinca. Espero que te sintas bem entre os amigos e camaradas da Guiné. Ficas-nos a dever uma estóroa (pode ser sobre o pessoal da ferrugem ou sobre os malucos dos nossos condutoresou sobre o milagre que vocês faziam, ao manter de pé as Berliet, as MGC, os Unimog)... Encontramo-nos em Pombal, no próximo dia 28 de Abril de 2007. L.G.

3. O Joaquim Mexia Alves anda encantado por encontrar malta do seu tempo de Xitole e da sua CART 3492. Eis algumas mensagens dele:

7 de Abril de 2007

Caro Luís Graça:

Renovo os meus votos de Santa e Feliz Páscoa. Olha só o que faz o teu/nosso blogue:
Fui agora contactado por um Soldado Conductor, David Peixoto, da CART 3492, a minha companhia, que viu o meu telemóvel e as fotografias no blogue.

No espaço de um mês já falei pelo menos com três camaradas da Guiné [, Artur Soares, Barroso, David Peixoto], com quem não falava há 35 anos.

Claro, disse-lhe, ao David, para se colocar em contacto contigo, para se juntar a nós em Pombal no dia 28.

Vai ser uma festa!!! Obrigado Luis, por estas alegrias que nos proporcionas! Abraço amigo, que te darei pessoalmente, se Deus quiser, no dia 28.

Joaquim Mexia Alves
Telemóvel > 913455362


21 de Março de 2007:

Caro Luís Graça

Sem saberes deste-me hoje uma grande alegria. Por causa do blogue e das mensagens do Artur Soares que lá colocaste, telefonou-me agora o Barroso (viu o meu nº de telemovel nessas mensagens), meu camarada Alferes da Cart 3492, e o único oficial do início da Companhia que ficou com ela até ao fim.

Já me lembrou em conversa, que o Alf Oliveira, do 2º Pelotão, não chegou a embarcar connosco para a Guiné e, como já viste pelos meus textos, o Alf Gonçalves Dias, do 4º Pelotão, foi para a CCS sendo substituido pelo Alf Rodrigues que era da CCS e eu próprio fui para as africanas [ Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15] pelo que foi ele o último dos moicanos.

Pedi-lhe para passar a pertencer à nossa Tabanca, como diz o David Guimarães, salvo o erro, e ele respondeu-me que brevemente iria entrar em contacto comigo para depois formalizar contigo a entrada na Tertúlia.

Disse-lhe do agendamento do nosso encontro em Pombal, que poderá servir para nos revermos.

Foi bom ouvir a sua voz, o que não acontecia desde 1972, se não me falha a memória.

Obrigado, Luís, pelo teu trabalho que nos dá estas alegrias!!!

Um abraço forte e amigo do

Joaquim Mexia Alves

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Notas de L.G.:


(1) Vd. posts de:

18 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1609: Álbum das Glórias (9): Pessoal da CART 3942 em Bolama (Joaquim Mexia Alves)

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1608: Xitole, CART 3492: Uma nota de bom humor no quotidiano da guerra (Joaquim Mexia Alves)

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1607: Artur Soares, ex- Furriel Mecânico Auto, CART 3492, Xitole, 1972/74 (Joaquim Mexia Alves)

(2) Vd. posts de:

9 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1649: 2º Encontro da nossa tertúlia: Pombal, Restaurante Manjar do Marquês, 28 de Abril de 2007 (Vitor Junqueira / Luís Graça)

10 de Abril de 2007 > http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/04/guin-6374-p1650-tods-pombal-28-de-abril.html

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1666: Estórias de Mansambo I (Torcato Mendonça, CART 2339) (2/3): O Zé e o postal da tropa

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça na poda...

Évora > RAL 3 > 1967 > Esta foto é de uma das primeiras reuniões de graduados das CART 2338 e 2339. Na primeira fila estão o Capitão Miliciano e o Alf Mil Diniz (na altura, aspirante), ambos da CART 2338 (O Diniz é o oficial que irá mais tarde coordenar a travessia do Corubal, no Cheche, na retirada de Madina do Boé, em Fevereiro de 1968). "Não sei do Diniz. Mas mando-lhe um forte abraço", escreveu há tempos o Torcato (1). O Asp Mil Torcato Mendonça, dfa CART 2339, está na primeira fila, à esquerda do capitão.

Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados (Foto do arquivo pessoal do ex-Alf Mil Cardoso; cópia enviada pelo ex-Fur Mil Carlos Marques dos Santos. A ambos o nosso agradecimento).

Série de estórias do Torcato Mendonça que foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69. Chamei-lhe Estórias de Mansambo (2), por homengem aos heróicos construtores e defensores daquele aquartelamento da Zona Leste, Sector L1 (Bambadinca) (1). A ordem por que aparecem não é nem lógica nem cronológica, é ditada por critérios de conveniência do autor e do editor. A estória do postal foi-me enviado em 12 de Fevereiro de 2007, a par da já publicada, a dança dos capitães (2).

Mais recentemente, pela Páscoa, o Torcato mandou-me mais uma meia dúzia de estórias, subordinadas ao título comum Estórias do Zé... Ora eu já tinha, em boa hora, dado início à série Estórias de Mansambo... Ao telefone, decidimos manter este título... E vamos recuperar outras (pequenas estórias) do Torcato que andam por aí dispersas. Hoje, e numa assentada, publicam-se duas, uma vez que estão interligadas: (i) O José ou o Zé; (ii) O postal [da tropa]...

Estórias de Mansambo (2) - O José ou Zé

por Torcato Mendonça

Conheço o José há tanto tempo que não sei, ao certo, nem onde nem quando o encontrei pela primeira vez.

Fizemos ambos a tropa e estivemos na Guiné. Muito pouco falamos nisso. Talvez o tenhamos feito, uma ou outra vez, porque não podíamos fugir ao tema.

Numa tarde fria e baça, recebi a inesperada visita do José para dois dedos de conversa. O tempo cinzentão deixava-me amolecido. Devagar acabava o trabalho. Ele, depois de entrar e dos cumprimentos, sentou-se num cadeirão e começou a folhear uma revista. Continuei a trabalhar, alheado ao que me rodeava. De repente, levanto os olhos e vejo o José a ler os papéis espalhados na habitual desordem, mais aparente que real, sobre a mesa de trabalho.
- Espreitar não vale – disse-lhe, gracejando.
- Pois é - respondeu-me, meio virado para a janela com olhar de nada ver. E acrescentou, com a sua voz grave e calma:
- Eu estive lá; eu também estive na Guiné há muitos anos. Quase nunca falamos sobre isso.
Fitei-o, esperei um pouco, passei o olhar para os papéis e disse:
– São apontamentos, pequenos textos em exercício de memória, sem ordem nem tema. Recordações minhas, desse tempo, transcritas para o papel ao correr da pena ou da tecla. Um dia posso ordenar tudo ou não.

Na sua voz calma, olhando também os papéis retorquiu:
- Fui tentando esquecer mas, como marca de ferro em brasa, aquele tempo ficou-me indelevelmente gravado na memória. Podemos falar um pouco sobre isso... Cedo, ainda criança, por razões várias apercebi-me das desigualdades no nosso País, do cuidado a ter em certas conversas e não só. Isto, para te dizer que, quando me chamaram para prestar o serviço militar e posteriormente fui mobilizado, sabia não ir defender causa justa. Fui, porque tinha e devia ir. Fugir, desertar, nunca tal foi por mim equacionado.



Sentámo-nos mais confortavelmente. Entre os dois a mesa baixa e, sobre ela a bandeja com chávenas, copos, o termo do café, uma garrafa de água e outra de uísque. Nenhum queria iniciar a conversa. Começou ele, titubeante, a não ir directo ao assunto, a rodar o copo com água ora numa mão ora noutra. Tossiu, respirou fundo, pousou o copo e depois de dar uma palmada no joelho falou mais alto que era o seu hábito.
-Vou contar-te, sem sentido cronológico, sem qualquer pretensão de ligação de factos. Vou fazê-lo, à medida que me vier à memória, aquela parte do meu passado tão fortemente vivido e que me transformou tanto - E continmou:
-Começo então e chamo metamorfoses a essas transformações. Porquê metamorfoses? Porque o jovem alegre, brincalhão, bonacheirão, jogador de unha afiada para o ás, amigo do copo e do petisco, do belo sexo – no bordel, hotel e… em tanto lado –, sofre, de forma maquiavélica e bem programada, uma radical modificação. Resiste. Um dia, sem saber como, sente que claudicou. Saltou o muro e tornou-se solitário. Já não é o mesmo de outrora.
Transformou-se. Muito, muito tempo depois, aos poucos, sente que esqueceu…já não diz, quando sente situação de perigo: - Vou vestir o camuflado… isso foi-se. Mas não. Um som, um cheiro, certas palavras ou uma imagem… sem querer, é o suficiente para voltar a ser solitário. Hoje sabe porquê e, mesmo solitário, também está mais solidário com aquilo… E vale a pena, sente que recordar é necessário.

Estórias de Mansambo (3) - O postal

por Torcato Mendonça

Prefiro contar na terceira pessoa, como se fosse referente a outro indivíduo... Posso, eventualmente, fazer o relato na primeira pessoa. Se bem me lembro...

Naquele ano, descera do Alentejo até ao Algarve já com Setembro á vista.

Sabia que mais tarde ou mais cedo, teria que servir a Pátria. Sinceramente não sentia nada por ela. Gostava e gosta de ser português. Mas Pátria? Cheirava a bafio, a botas, a Estado Novo. Pátria, não.

Já tinha ido à inspecção, às sortes, e pedira adiamento. Continuou a estudar. Mas…sorte madrasta…agora, aí estava ele especado, aturdido. Se tivesse levado um murro no estômago, a surpresa não seria maior. Ali estava ele, com o postal na mão e lia e relia a sentença. O texto era de chapa e de prosa curta: Tem que se apresentar, no quartel das Caldas da Rainha, a 12 de Setembro. Não teve direito a adiamentos. Porquê? Logo agora que até tinha trazido os livros, devido a exames no fim de Setembro. E a faculdade, o curso, o… raio que os parta! Sonhos desfeitos ou adiados.

Pôs a toalha ao ombro e foi até á praia. Sentou-se junto da rebentação para melhor sentir o embrulhar das pequenas ondas. Aos poucos sentia-se mais relaxado ou resignado. Logo neste ano que, ao fim de três ou quatro dias, conhecera aquela miúda. Linda! Cabelo loiro, longo e liso, olhos cor de mar. Aos poucos a rápida empatia…as voltas…as conversas…enfim …o estarem sós… no meio do grupo! E agora?

O regresso a casa, no Alentejo, mais depressa do que imaginara. Ficaram promessas no ar, prisões de amor em traição ou infidelidade próprias dos verdes anos. Dias depois a vinda para Lisboa, a despedida na velha Casa de Fados com os amigos. No dia seguinte, manhã cedo, o comboio apanhado no Rossio – Linha do Oeste... Poucas horas depois, aí estava a cidade das Caldas.

Acompanhava-o um amigo, antigo colega no Colégio que trazia uma cunha para um Alferes, antigo camarada de um seu cunhado na Academia. Falaram com ele e rumaram ao Quartel. Que mundo diferente, a cor verde e o cheiro da caserna…

Dias depois ei-lo a sair para fazer os exames.
-Trazes o papel mas não entregas a ninguém, só quando eu disser.

Alferes manda. Passado cerca de um mês, nova ordem:
-Vai á Secretaria e entrega o papel. Já não te mandam para Mafra.

Conseguiu safar-se da porrada que o Comandante de Companhia lhe queria dar.
- Não entregar as habilitações literárias é grave - berrava o 1º Sargento e berrou o Tenente.
- Esqueci-me.
- Assinaste um papel quando foste á inspecção.
- Não me lembro.

Passou. Tudo serenou e continuou nas Caldas. Bela cidade, boas voltas, cidade com atractivos para militares…o museu e o jardim clar0... para descansar o olhar… e… pois isso também... óptima recruta.

Do Pelotão dele, nem meia dúzia foram para atiradores. Ele estava nesse pequeno grupo. Ia para Vendas Novas, curso de oficiais milicianos, especialidade – atirador.

Raios partam… a dança ia começar!
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P906: CART 2339 e Malan Mané, duas estórias para duas fotos (Torcato Mendonça)

(2) Vd. post de 14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães

Guiné 63/74 - P1665: Operação Larga Agora, Tancroal, Cacheu, local maldito para a Marinha (Parte I) (Lema Santos)

Guiné > Bissau > 1967 > Edifício do Comando de Defesa Marítima da Guiné, no final do T da ponte-cais, em Bissau.

Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.



Texto de Manuel Lema Santos, ex-1º tenente da reserva naval (1965-1972), que serviu como Imediato no NRP Orion (Guiné, 1966/68)(1).

O editor do blogue publica o documento da íntegra, incluindo a segunda parte, constituída pelo relatório (oficial) da Operação Larga Agora: embora extenso, é um exemplo ilustrativo do estilo (burocrático) dos nossos relatórios militares. A II parte será publicada, à parte.

A I primeira parte resulta da apaixonada e apaixonante pequisa documental que o nosso camarada Lema Santos tem vindo a fazer feito sobre a actividade operacional, ou melhor, a epopeia das LFG - Lanchas de Fiscalização Grande, no TO da Guiné. Mais uma vez lhe agradeço, em nome de todos nós, este trabalho altamente profissional.

Recordo ainda que a Operação Larga Agora, na mítica região do Tancroal, foi superiormente comandado pelo Coronel Paraquedista Durão, Rafael Durão, que na Guiné, no tempo de Spínola, fez jus ao apelido. O Coronel D. é uma figura omnipresente, evocada com um misto de temor e de admiração no Diário da Guiné, escrito recentemente pelo nosso camarada António da Graça Abreu, o qual teve a gentileza de me enviar um exemplar autografado (Em breve farei uma recensão detalhada do livro) . O Coronel Durão era o Comandante do CAOP1 (originalmente sedeado em Teixeira Pinto), a que pertenceu o Alf Mil Abreu (1972/74)...(LG)


Caros ex- Camaradas e Amigos,

Comprometi-me, perdi (ou encontrei ?) um fim de semana e aqui vai o texto, bem longo, que se inicia no Cacheu, Tancroal (local amaldiçoado para a Marinha) e o regresso ao relatório final da Operação Larga Agora, inteiramente batido. Espero que corresponda aos mínimos exigidos aí pela equipa. Cortem e emendem o que entenderem.

Um abraço,
Manuel Lema Santos


Texto enviado em 11 de Março de 2007, pelo Manuel Lema Santos

Operação Larga Agora, apenas uma entre tantas! (Parte I)
por Lema Santos

...O juízo que cada um faça de si próprio perde-se na primazia do julgamento que outros lhe outorgarem... (Vice-Almirante Ferrer Caeiro, 1976).


Introdução

Permitam-me que inicie este texto complementar com a referência filosófica acima, extracto de um texto escrito pelo punho do homem e militar que, de 1964 a 1967, conduziu os destinos da
Marinha de Guerra na Guiné.

Acreditando, ele próprio, estar a desempenhar da melhor forma o que lhe era pedido e exigido, ao serviço da Marinha e do País, como homem e como militar e, neste caso pessoal invulgar, também como aviador, que escolheu ser. E fê-lo muito bem, em minha opinião. Com dignidade, determinação, competência e bom senso. Também com muita autonomia e responsabilidade assumida. Era assim necessário...

Não me alongarei em apreciações sobre estratégias e competências militares, individuais ou concertadas, porque mestre e juiz da arte militar não sou. Deixarei essa tarefa à Instituição Militar competente para o efeito, no caso dos militares dos quadros permanentes que optaram, pessoalmente, por essa carreira profissional.

Tão pouco me dispersarei em divagações económicas e político-sociais que apoiem ou justifiquem juizos de valor históricos desajustados, invariavelmente precoces, tentando correlacionar indevidamente o que não é relacionável no tempo. Acontecimentos históricos de contexto social, político e económico profundamente dispares resultam em conclusões sofismadas.

Com o decorrer do tempo, investigadores, historiadores e sociólogos iniciarão a tarefa que prevejo ser bem longa. Acredito sim, piamente, que a História não se esgota em embalagens hermeticamente fechadas, por época ou acontecimento. Há sempre lugar para mais um aditamento.

Pessoalmente, limitei-me, como oficial da Marinha de Guerra da Reserva Naval, a desempenhar como melhor pude e sabia, as funções que me foram cometidas e para as quais fui formado.
A imagem que dessa época guardo foi indelevelmente esboçada e gravada no meu espírito e sentir, pelos locais que percorri, acontecimentos que vivi e em que participei. Também, em grande parte, pela arte de comandar de quem me dirigiu e a minha própria sabedoria de o transmitir correcta e ajustadamente, nas decisões que tive de tomar, aos colaboradores que tive a honra de dirigir.

1. O Tancroal em Amostras

Para quem navegava na Guiné, em LFG como a Orion, o rio Cacheu, lá muito para montante, a juzante de Binta, significava pouco mais do que 60 a 80 m de largo, um misticismo sereno, água e muito tarrafo, mesmo muito, alto e frondoso.

A navegar de montante para juzante, depois de deixar para trás a foz do rio Olossato, o tarrafo que, enquanto alto e espesso, oferecia protecção natural, primeiro estreitava a largura da faixa de vegetação larga e densa mas depois acabava mesmo se interromper totalmente, deixando a descoberto lalas e palmeirais, numa extensão apreciável e sempre ameaçadora.

Guiné > Região do Cacheu > Rio Cacheu > A LFG Orion navega no Cacheu, entre a foz dos rios Talicó e Sambuiá, a montante de Ganturé.

Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.


Atingia-se assim, na região de Tancroal, em terra correspondente a Porto Batu, uma enorme clareira a bombordo para, ainda mais a juzante encontrar a Ponta do Pau e o respectivo porto.

A vulnerabilidade nestas condições era extremamente elevada, transformando o navio e outras embarcações que cruzassem aquela zona em alvos potencialmente fáceis de ser atingidos em emboscadas, muitas vezes ardilosamente montadas.

A passagem no local fazia-se sempre em postos de combate, o que significava cada elemento da guarnição no seu posto pré-definido, peças a fazer o varrimento da margem, concentração plena e dedos nos mecanismos de disparo. Quase sempre, alguns tiros de reconhecimento, na tentativa de prevenir e dissuadir alguma ameaça.

Reconheço que se fosse elemento IN e visse, próximo de mim, a pavonear-se à minha frente, mesmo nas minhas barbas, a transar, uma qualquer LFG com 42 m de comprimento e cerca de 10 m de altura a partir da linha de água, a tentação talvez fosse demasiado grande. A probabilidade de acertar era convidativa e, bom, se tivesse um RPG comigo...

Foi isto mesmo que sucedeu muitas vezes ao logo de 12 anos de guerra com ou sem operações Larga Agora. E volta que não volta, mesmo sabendo que as LFG navegavam com as anti-aéreas de 40 mm, as MG 42 e as ALG prontas a disparar e em companhia ou sós, com fuzileiros embarcados ou sem eles, candidatavam-se na mesma.

O prémio devia ser atractivo e, infelizmente para nós, foram várias vezes bem sucedidos, em alguns casos com perda de vidas e, noutros casos, com feridos graves, outras vezes ligeiros e ainda, em casos mais felizes, só sustos.

Por detrás de cada transporte civil, militar, fiscalização silenciosa, dia e noite, apoio a operações, escoltas a transportes, abastecimentos, evacuações e até partilha do que de bom havia num simples convívio, esteve sempre uma unidade da Marinha: LFG (Lancha de Fiscalização Grande), LDG (Lancha de Desembarque Grande), LFP (Lancha de Fiscalização Pequena), LDM (Lancha de Desembarque Média) ou LDP (Lancha de Desembarque Pequena) e, claro, os Fuzileiros.



Guiné > Bissau > LFG Orion atracada em Bissau. Visíveis na ponte, além de uma placa de honra do rio Cumbijã, o registo actualizado na altura, de ataques, impates e feridos
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.


De forma sucinta e discreta, prefiro-o, dou abaixo alguns exemplos da vida das gentes da Marinha que, muitas vezes na sombra e no isolamento de uma gaiola metálica, como as LFG e as LDG, ou em alguns casos autênticas caixas de sardinhas, as LFP e as LDM, silenciosamente, mas com determinação e eficácia cumpriram, até final, as missões para que foram nomeados:

– Em 27 de Abril de 1965, a LFG Orion, com a guarnição anterior à minha, foi a primeira a ser carimbada, com armamento ligeiro e metralhadora pesada. O resultado foi quase surpreendente pois 83 buracos de bala em todo o navio, sem acertar nos chocolates, foi obra! Mesmo assim, um marinheiro fogueiro, em dia de azar, ao subir para a ponte, acabou por ser atingido por uma bala de pesada num pé, na zona acima do artelho. Teve de ser evacuado.

– Em 4 de Agosto de 1966, novamente a LFG Orion foi atacada no mesmo local do Tancroal com armamento ligeiro e também com metralhadora pesada. Em resposta pronta e eficaz o navio silenciou o IN.

– Em 13 de Janeiro de 1968, a LFG Lira que escoltava a LDG Alfange, depois de ter transportado 3 companhias de FT de S. Vicente para Binta, foi violentamente atacada no Tancroal com RPG, sendo atindida na ponte e no rufo (cobertura) da casa das máquinas. O resultado, além dos estragos materiais, foi dramático: 1 morto e 8 feridos, alguns deles em estado grave, sendo 2 evacuados de helicóptero e 3 de Dornier.
Guiné > Bissau > A LFG Lira, já atracada em Bissau, ao lado da Orion, sendo bem visíveis, na ponte, os estragos provocados pelo rebentamento da granada de RPG, em chapa balística de 0.25 .

Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.



– Em 2 de Março de 1970, a LFG Cassiopeia que acompanhava a LDM 305, foi atacada com morteiro, metralhadora pesada e bazooka, mais a juzante, próximo de Canja (Barro), junto à foz do rio Baião, numa pequena clareira. Inverteu a marcha e efectuou mais duas passagens, detectando as bocas de fogo e ripostando com as Boffors. Apenas alguns estilhaços atingiram o convés, nos rebentamentos junto à LFG.

– Em 20 de Maio de 1973 a LFG Hidra, frente à clareira de Jagali, a juzante da foz do rio Buborim, foi emboscada da margem Norte com RPG, armas ligeiras e morteiro 60 mm. O primeiro RPG deflagrou contra os cunhetes de munições da Boffors de vante, provocando rebentamentos e um grave incêndio, tornando a peça inoperativa. Reagiu de imediato e tudo acabou por se compor, não sem alguns estragos.
Foi elogiada a colaboração de elementos da CCP 121 e BCCmds (Baltalhão de Comandos) que, seguindo a bordo, conjuntamente com o navio, reagiram prontamente com o armamento de que dispunham. O resultado foram 3 feridos graves (Comandos) e 6 feridos ligeiros (Comandos, Paras e LFG).

- Em 5 de Agosto de 1973 as LDM 113 e 412, navegando em comboio de Ganturé para Farim, foram emboscadas violentamente no Tancroal com armamento diverso incluindo RPG. A LDM 113, que ocupava a 2ª posição na coluna, foi atingida por RPG em cheio no sector de ré, zona da cabine, toldo e convés. O patrão, Cabo M, teve morte quase imediata e o Mar C (telegrafista), gravemente ferido, veio a falecer no Hospital Militar de Bissau. Depois de reagirem aportaram a Bigene.

- Em 5 de Janeiro de 1974, a LFG Dragão, com as LDM 107 e 113, de braço dado, foram atacadas da clareira do Tancroal durante alguns minutos. A LDM 107, atingida com uma granada de RPG7 acima do convés, foi totalmente atravessada que ainda perfurou o costado da LFG. Mais 2 granadas de RPG atingiram a ponte da LFG e um terceiro destruiu as antenas de todas as unidades. Tiros de arma ligeira furaram a antena do radar. Estragos materiais enormes, 1 ferido grave (LDM 107) e 4 feridos ligeiros (LFG Dragão).

Guiné > Bissau > A LGF Lira > Os danos no convés, no rufo da casa das máquinas e nos botes de borracha dos FZ .

Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.


Os acontecimentos referidos têm como base relatórios oficiais e são resultado da pesquisa que tenho vindo a efectuar há cerca de dois anos sobre a vida operacional das 10 LFG da Classe Argos. Obviamente, limitei o número de relatos a alguns casos notáveis. Simplifiquei cada relato, reduzindo-o a uma curta descrição e apenas naquela zona.

De 1963 e quase até 1975, o dispositivo naval foi alterado por diversas vezes e relativamente ampliado. Grosseiramente, seria um exercício aparentemente simples extrapolar dos exemplos citados para toda a hidrografia da Guiné e para um dispositivo naval que nos anos 70 chegou a incluir 7 LFG, 8 LFP, 3 LDG, 8 LDP, 24 LDM, 5 DFE e 2 CF. Haverá, com certeza, muitos factos e acontecimentos para pesquisar e citar historicamente.

O meu sentido respeito e homenagem a todos os que lá foram caindo inutilmente, de um lado ou de outro, mas também aos que, acreditando poder modificar os acontecimentos, se bateram sempre por esse objectivo ainda que não o tenham conseguido. Uma referência especial, em nome do Vitor Junqueira, a todos os militares que participaram directa ou indirectamente na operação abaixo relatada (3), exemplo de muitas outras.
(Continua)

_____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos

(2) Vd. post de 6 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)
(3) Vd. posts de:

7 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1571: A Operação Larga Agora, o Tancroal / Porto Batu e as cartas náuticas do Instituto Hidrográfico (Lema Santos)

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1567: Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753 (Vitor Junqueira)

domingo, 15 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1664: Composição da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) (Sousa de Castro)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 1972 > Militares da CART 3494, em passeio despreocupado pela tabanca do Xime. O Sousa de Castro é o segundo a contar da esquerda para a direita.

Foto: © Sousa de Castro (2005). Direitos reservados.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Campa do José Maria da Silva e Sousa, que morreu afogado no Rio Geba, em 10 de Agosto de 1972. Era soldado da CART 3494, pertencente ao BART 3873. Este batalhão, sedeado com a respectiva CCS em Bambadinca (1972/74), tinha três unidades de quadrícula no Sector L1: CART 3493 (Mansambo, 1972/1973); CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974); CART 3492 (Xitole, 1972/74).

Foto: © Sousa de Castro (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem, de 5 de Fevereiro último, do nosso tertuliano nº 2, o Sousa de Castro (2006) (ex-1º cabo de transmissões da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74).


Carissímos ex-combatentes:

Junto a seguir listagem do número de elementos que formaram a CART 3494 (Guiné 1971/1974, Xime e Mansambo). Também uma foto da campa de um soldado que ficou enterrado em Bambadinca, curiosamente esta campa da foto passou em imagens da RTP por ocasião da última reportagem sobre os cemitérios no Ultramar (1). De referir que não consta nos ficheiros os nomes dos Sold Manuel Salgado Antunes e Sold Abraão Moreira Rosa. Estes dois desapareceram de vez no Rio Geba quando iam para uma operação ao Mato Cão.

Abraços, Sousa de Castro

2. Posto e nome do pessoal que compunha a CART 3494:
(Assinalam-se, a negrito, e com o respectivo endereço de e-mail, os que pertencem à nossa tertúlia)

Cap Art Victor Manuel da Ponte Silva Marques
Cap Art António José Pereira da Costa (Agosto de 1972)
Cap Mil Luciano Carvalho da Costa (Novembro de 1972)
Alf Mil Art Acácio Dias Correia
Alf Mil Art António José Serradas Pereira
Alf Mil Art Eduardo A. P. Oliveira
Alf Mil Art João P. R. C. Guimarães
Alf Mil Art Joaquim Silva Martins
Alf Mil Art José Henrique Fernandes Araújo
Alf Mil Art Manuel Barbosa Carneiro
Alf Mil Art Manuel Jorge Martins Gomes
Maurício Viegas
Josué Chinelo Fortunato
1º Sarg Art Carlos de Sousa Simões
1º Sarg Art Orlando Bilro Bagorro
Fur Mil Alim Abílio do Carmo Alves de Oliveira
Fur Mil Inf António de Sousa Bonito
Fur Mil Art António Espadinha Carda
Fur Mil Art Cláudio Manuel Marques Ferreira
Fur Mil Art Inácio José Carola Figueira
Fur Mil Art João António David Godinho
Fur Mil Jorge Alves Araújo
Fur Mil Art José Agostinho B. Vilela Peixoto
Fur Mil José Fernando da Costa Padeiro
Fur Mil Svc Mat José Carlos Mendes Pinto
Fur Mil Enf José Luís Carvalhido da Ponte
Fur Mil Art Luciano J. M. de Jesus
Fur Mil Trms Luís Coutinho Domingues
Fur Mil Art Manuel Benjamim Martins Dias
Fur Mil Art Manuel da Rocha Bento (Morto em combate em 22 de Abril de 1972
Fur Mil Mário Maria Neves
Fur Mil Inf Raul Magro Sousa Pinto
1º Cabo Abílio Soares Rodrigues
1º Cabo Adelino Alves Pereira
1º Cabo Adriel da Costa Lourenço
1º Cabo (Enfermeiro) Alcindo Joaquim Pereira da Silva
1º Cabo (Condutor) Alcino Rodrigues da Costa
1º Cabo (Condutor) Amandino Carvalho dos Santos
1º Cabo António Augusto de Jesus Santos
1º Cabo António dos Santos Pinheiro
1º Cabo António Francisco Leite Avelino
1º Cabo António João Mendes Morais
1º Cabo (Radiotelegrafista) António Manuel Sousa de Castro
1º Cabo (Padeiro) Carlos Bento Fialho
1º Cabo Carlos José Pereira
1º Cabo Diamantino de Oliveira
1º Cabo Fernando Manuel da Silva
1º Cabo (Enfermeiro) Fernando Monteiro Botelho Gomes
1º Cabo Fernando Silva
1º Cabo Francisco Adolfo Pereira Ribeiro
1º Cabo Francisco da Costa Pereira
1º Cabo Jacinto Dias Nunes
1º Cabo (Cozinheiro) João Domingos de Sousa Machado
1º Cabo Joaquim da Silva Oliveira
1º Cabo Joaquim Neves Carvalho
1º Cabo Joaquim Olimpo Milheiro da Volta e Silva
1º Cabo José do Nascimento Ramos
1º Cabo José Mano Sebastião
1º Cabo José Martins Mendes
1º Cabo Laurentino Bandeira dos Santos
1º Cabo Lúcio Damiano Monteiro da Silva
1º Cabo (Cripto) Luís Fernando Pereira Romão
1º Cabo Manuel Amorim do Alto
1º Cabo (Morteiro 81 mm) Manuel da Cruz Ramos
1º Cabo Manuel de Medeiros
1º Cabo Manuel de Sousa Monteiro
1º Cabo Manuel Fernando Valente Marques da Cruz
1º Cabo Manuel Gonçalves
1º Cabo Manuel Lopes de Azevedo
1º Cabo Manuel Pais Moreira
1º Cabo Paulo José Pereira Martins Cândido
1º Cabo Vasco Alfredo de Matos Miranda
Soldado Abel Maia de Pinho Campos
Soldado Abraão Moreira Rosa (desaparecido no Rio Geba em 10-08-1972)
Soldado Adão Manuel Gomes da Silva
Soldado Adílio do Carmo Alves de Oliveira
Soldado Adriano Almeida da Conceição
Soldado Alcides de Sá Pinto Castro
Soldado Alcino Rodrigues da Fonseca
Soldado Alfredo Barbedo Pereira
Soldado Alvarinho Moreira da Silva
Soldado Álvaro dos Santos Ferreira
Soldado Amândio Martins Domingues
Soldado (Radiotelegrafista)António Alves Ramos
Soldado António Augusto Cardoso
Soldado António da Costa
Soldado António da Costa Valentim
Soldado António de Jesus Matias
Soldado António de Oliveira Fonseca
Soldado António dos Santos Azevedo
Soldado António dos Santos Reis
Soldado António Fernando Martins Correia
Soldado António Ferreira Lopes
Soldado António Gomes de Azevedo
Soldado António Jorge Gomes
Soldado (Condutor auto) António Júlio Peixoto
Soldado António Pereira Pinto
Soldado António Soares da Silva
Soldado Armando Alves Dias
Soldado (Trms Inf) Augusto de Oliveira Meireles
Soldado Augusto Vieira Fidalgo
Soldado Carlos Alberto Carvalho da Cunha
Soldado Carlos Dias da Silva
Soldado Carlos dos Santos Monteiro
Soldado Carlos Duarte Teixeira
Soldado Carmindo de Oliveira Moreira
Soldado Carmindo Franklim Tavares da Silva
Soldado Celestino da Cunha Rodrigues
Soldado Cesário Mendes de Pinho
Soldado David Fernandes
Soldado (Aux Cozinheiro) Dionísio Dantas Fernandes
Soldado Eduardo Barata Santos
Soldado Eduardo João de Oliveira Ferreira
Soldado (Trms Inf) Emílio Lima Tojal
Soldado Fernando José Pereira de Almeida Ramos
Soldado Fernando Loureiro de Sousa
Soldado Fernando Martins Teixeira
Soldado Francisco da Costa Ferreira Inocêncio
Soldado Gregório Caetano dos Santos
Soldado Ilídio Ferreira Amaral
Soldado Ismael de Oliveira Pires
Soldado Jaime da Costa Latada
Soldado (Cozinheiro) João da Silva Torres
Soldado João de Almeida Pereira Cardoso
Soldado João Ferreira Gomes
Soldado João Pereira Rodrigues
Soldado Joaquim Carlos Gomes Cerqueira
Soldado Joaquim da Costa Macedo
Soldado Joaquim de Jesus Fernandes
Soldado Joaquim Lino Monteiro
Soldado Joaquim dos Santos Dias
Soldado Joaquim Gomes de Azevedo
Soldado Joaquim Manuel Lino Monteiro
Soldado Joaquim Moreira de Sousa
Soldado Joaquim Pereira de Sousa Ferreira
Soldado Joaquim Torres da Trindade
Soldado Jorge Manuel Marques da Costa
Soldado José de Sousa Monteiro
Soldado (Trms Inf) José do Espírito Santo Vicente
Soldado José Duarte Neves de Campos
Soldado José Fernando da Cruz Moreira
Soldado José Fernando Moreira Dias
Soldado José Gomes Leopoldino
Soldado José Gonçalves de Almeida
Soldado José Joaquim Terra
Soldado José Jorge Antunes Dias
Soldado José L. P. Santos
Soldado José Maria da Silva e Sousa (morto no Rio Geba em 10 de Agosto de 1972)
Soldado Lícinio de Almeida Pereira
Soldado Licínio Domingos Andrade
Soldado Luís Carlos Soares de Oliveira
Soldado Luís dos Santos
Soldado Manuel Adão Freitas
Soldado Manuel Alberto de Almeida
Soldado Manuel Carlos da Silva
Soldado Manuel Carvalho de Sousa
Soldado Manuel da Fonseca Gonçalves
Soldado Manuel da Silva
Soldado Manuel da Silva Amorim
Soldado Manuel de Jesus da Costa
Soldado Manuel de Sousa Monteiro
Soldado Manuel Dias Jeremias
Soldado Manuel Gonçalves da Costa
Soldado (condutor auto) Manuel Guedes Ferreira
Soldado Manuel Henrique Moreira
Soldado Manuel José Gomes
Soldado Manuel Martins Mendes
Soldado Manuel Nunes Pereira
Soldado Manuel Óscar de Almeida
Soldado Manuel Paiva Duarte Almeida
Soldado Manuel Pedrosa Alves do Couto
Soldado Manuel Salgado Antunes (desaparecido no Rio Geba em 10 de Agosto de 1972)
Soldado (Trms Inf) Mário Campos Marinho
Soldado Mário Rodrigues Nascimento
Soldado Nelson Marques Cardoso
Soldado Ricardo de Almeida Teixeira
Soldado Ricardo Silva do Nascimento
Soldado (Radiotelegrafista)Rogério Tavares da Silva
Soldado Salvador Pinto Carriço
Soldado Sérgio Ferreira Fernandes
Soldado Silvério Augusto Mano Reverendo
Soldado Silvino Vaz da Rosa e Silva
Soldado Victor Manuel Ferraz da Rocha Cardoso
Soldado Virgilio Duarte

TOTAL: 184 HOMENS

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1488: Vídeos (1): Reportagem da RTP sobre os talhões e cemitérios militares no Ultramar (Jorge Santos)

Guiné 63/74 - P1663: Recortes de imprensa (1): As nossas mulheres e o stresse pós-traumático de guerra (Zé Teixeira)

Início da série Recortes de Imprensa. O primeiro recorte foi-nos enviado pelo José Teixeira (1º cabo enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70).


Mulheres de combatentes vivem inferno há 40 anos
Stress da guerra colonial passado à família



Correio da Manhã, 27 de Março de 2006

As mulheres dos ex-combatentes herdaram sintomas do stress pós-traumático, uma doença que lhes deixou marcas para toda a vida. Numa troca intensa de correspondência, juraram amor em tempos de guerra e sonharam com o dia em que os noivos regressariam a Portugal. Todas elas esperavam os rapazes por quem se tinham apaixonado, mas viram desembarcar homens sombrios que já não conheciam.

“Cheguei a ir a um bruxo, porque pensava que ele tinha alguma coisa do outro mundo dentro dele. Vinha diferente e ninguém sabia o que ele tinha, ninguém o reconhecia”, recorda Lucília, que encontrou uma resposta no grupo de auto-ajuda da Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra (APOIAR) (1).

É num dos edifícios degradados do bairro da Liberdade, em Lisboa, que a APOIAR recebe quinzenalmente 24 mulheres para as reuniões do grupo de auto-ajuda e para as sessões de terapia de grupo, estas últimas coordenadas por uma psicóloga. Durante décadas viveram isoladas, pensando que o seu caso era único. Só mais recentemente começaram a ouvir falar de “stress de guerra induzido”. Dizem não ter palavras para descrever a angústia e ansiedade e confessam ter momentos em que “perdem o amor pela vida”.

“Eu digo que o meu marido é que está doente, mas sou eu quem toma os comprimidos. O que eu tenho é uma coisa fruto da doença dele”, tenta explicar Conceição, 57 anos, a mais franzina das seis mulheres, que já teve “um esgotamento e várias depressões”.“Vivemos com um morto-vivo que come, dorme e nunca fala. Nunca há um beijo, não há um carinho. Não há um ‘boa noite’ ou um ‘bom dia’”, descreve Maria de Lurdes, que compara o marido a “uma alma que anda de um lado para o outro”, e acrescenta: “O meu marido esteve 24 meses no Ultramar, mas eu estou em guerra há quarenta anos, desde o dia em que casei”, revela Maria de Lurdes.

Aos 61 anos, Maria confessa já ter chegado a dizer à filha que “a preferia ver morta a casada com um homem como o pai”, apesar de saber que o “marido não é mau” e de se orgulhar de ele nunca lhe ter levantado a mão. Já a mulher que se senta ao seu lado não pode dizer o mesmo. Sem querer dar o nome, assume-se como uma das três esposas, presentes na reunião, vítima de agressões físicas.“Às vezes ele bate-me, mas se eu saísse de casa quem é que tomava conta do meu marido?” Ainda assim, todas concordam que “há frases e palavras que magoam muito mais que um estalo”. Elas são muitas vezes o único suporte financeiro e emocional da família, esforço ignorado pelos maridos.

Mais de 800 mil portugueses foram recrutados para a Guerra Colonial (1961-1974). Segundo um estudo do psiquiatra Afonso de Albuquerque, “140 mil homens sofreram graves perturbações psicológicas”.


PELO MENOS 80 MIL VÍTIMAS EM PORTUGAL


O nome técnico é Perturbação Secundária de Stress Pós-traumático. Apesar de não existirem estatísticas rigorosas, os especialistas que trabalham nesta área estimam que haja em Portugal 80 mil mulheres de ex-combatentes com stress de guerra.

Susana Pedras, psicóloga da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra (APVG), com sede em Braga (2), diz que “as mulheres têm sido, ao longo de décadas, vítimas silenciosas de um problema grave” e que “muitas estão seriamente afectadas e não têm tido qualquer ajuda”. Foi por isso que, há dois anos, a APVG resolveu estender às mulheres o serviço de apoio psicológico aos antigos combatentes e os resultados são “francamente animadores”.

Tal como o CM [ Correio da Manhã] revelou a 24 de Janeiro, as mulheres que participam neste tipo de grupos de apoio acabam por encarar a vida de forma mais positiva e, em muitos casos, por contagiar os maridos e levá-los a procurar ajuda. As seis mulheres que participaram no terceiro grupo de terapia de apoio, em Braga, estão “extremamente satisfeitas”. Voltaram a gostar delas próprias e a valorizar os maridos que, em tempos, chegaram a odiar. Rosa diz que viveu mais de 30 anos de inferno. “Quando o conheci parecia um santo, mas nove meses depois deu-lhe o paludismo e, a partir daí, ao rebentar e ao cair da folha, tínhamos sempre novelas em casa”, disse esta mulher, que não tem dúvidas em afirmar que passou a sofrer muito mais de stress do que o marido.


ENLOUQUECEU COM FOGUETES

Conceição começou por rir das atitudes do marido. Julgava-as engraçadas mas, mais tarde percebeu que o caso era bem mais grave. O Grupo de Auto-Ajuda permitiu-lhe compreender a reacção do marido logo no primeiro ‘réveillon’ que passaram juntos. “Quando, à meia-noite da Passagem de Ano, rebentaram os foguetes, ele transformou-se num louco. Começou aos gritos, escondeu-se atrás dos móveis e depois disse-me que pensava que era um bombardeamento. Fartámo-nos de rir. Mal eu sabia a sorte que me esperava.” Os problemas da família de Conceição agravaram-se em 1986. “Começou a ter dupla personalidade – ora era um bom pai, um bom amigo e marido ora era um carrasco, um Hitler”, lembrou. Ainda assim, acredita que a culpa não é dele, mas de quem o mandou para a frente de batalha.


"ESTAMOS CONDENADAS"

Segundo a psicóloga da Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra, “existe em Portugal uma cultura que leva estas mulheres a preferirem ser mal tratadas a abandonarem os maridos. Elas justificam a sua decisão, alegando que eles estão doentes”, diz Carla Santos. Os filhos são a principal razão que apontam para não saírem de casa. Exemplo disso é Maria de Lurdes, a mais traumatizada do grupo: “Tenho tratado do meu marido ao longo de todos estes anos para que a minha filha nunca o veja deitado a dormir num banco de jardim.” Para as mulheres, o stress pós-traumático é uma “doença hereditária” que passa “de pai para filho e de filho para neto”, mas também uma “doença contagiosa” transmitida “do homem para a esposa”. A Guerra do Ultramar, segundo dizem, condenou-os. “Agora a guerra é nossa”, desabafam as mulheres.

Sílvia Maia, Lusa

CORREIO DA MANHÃ - 27.03.2006

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Notas de L.G.:

(1) Vd. sítio da Associação Apoiar

(2) Vd. sítio da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra > Departamento de Psicologia

sábado, 14 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1662: Aumento salarial de 15% da tropa africana em meados de 1973 (António Duarte, CART 3493 e CCAÇ 12)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Estrada Bambadinca-Mansambo > 1970 > Uma coluna auto da CCAÇ 12 a caminho de Mansambo. Em meados de 1973, a tropa africana recebeu um generoso aumento salarial de 15% ... Acentuava-se a africanização da guerra da Guiné e a escalada política e militar do PAIGC... Em Agosto de 1973, o pessoal africano da CCAÇ 12 tinha no mínimo 4 anos e meio de tropa e de guerra, fora o tempo de mílicia, em muitos casos (1)... (LG).

Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.


Texto do António Duarte, ex-furriel miliciano ("Estive na CCAÇ 12 desde Janeiro de 1973, primeiro em Bambadinca e a partir de Abril no Xime, após as rotações das companhias, geradas pela transferência para Cobumba da Cart 3493, minha unidade inicial. Regressei à metrópole em Janeiro de 1974") (2).



Caro Luís Graça,

Por me parecer curioso, transcrevo um texto de Agosto de 1973, da história do BART 3873:

"Acção Psicológica e Promoção Social
"Segundo o que se acentuou, os contactos pop enfrentaram as dificuldades conexas à faina agrícola da época que retém na bolanha a gente das tabancas, durante quase todo o dia.

"O número de apresentados foi de 1 e uma vez mais no Enxalé.

"O aumento dos 15%, agora, pago, sobre os ordenados e pensões da tropa africana produziu uma impressão benéfica. São mais necessidades que se podem satisfazer o que se projecta na subida do nível de vida, não obstante a ignorância de muitos que os leva a desbaratar o dinheiro prodigamente".

Trata-se de um texto que roça o simplório / paternalista, mas que vale como peça da nossa história, mostrando a visão das NT.

Mantenhas para todos,
António Duarte

Cart 3493 e CCAÇ 12 (1971 a 1974)

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Notas de L.G.:


(1) Vd. post de 21 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia)

(2) Vd. os seguintes posts, da autoria do António Duarte (ou com referências a ele):

5 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1565: A CCAÇ 12, o nosso 'neto' António Duarte e os nossos queridos 'nharros' (Abel Rodrigues)

28 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1553: A CCAÇ 12 no Poidão e na Ponta do Inglês, pela enésima vez (António Duarte)

20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVIII: Notícias da CART 3493 (Mansambo, 1972) e da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973/74) (António Duarte)

18 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - DLXI: Um periquito da CCAÇ 12 (António Duarte / Sousa de Castro)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1302: Blogoterapia (1): Palmas para o Amílcar Mendes, o Beja Santos e o Victor Tavares (António Duarte, CART 3493 e CCAÇ 12)

24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)


17 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P966: O Mexia Alves que eu conheci em Bambadinca (António Duarte, CCAÇ 12, 1973)

11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLV: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)

Guiné 63/74 - P1661: Tertúlia: Notícias de Lafões, do Rui Ferreira, do Carlos Santos e da nossa gloriosa FAP (Victor Barata)


Guiné > Bissalanca > Restos do motor da DO 27, do Furriel Piloto Aviador Baltazar... De vez em quando, embora com menos frequência do que o pessoal do Exército, o pessoal da FAP também sofria acidentes graves (e quase sempre mortais). 

Esta imagem foi-nos enviada pelo nosso camarada Victor Barata, que vive hoje em Viseu, e que foi especialista de Instrumentos de Bordo, na nossa gloriosa FAP (1969/1974). Esteve na Guiné, de 1971/73, "na linha da frente das DO 27". Aterrou em tudo o que era bocado de pista (1). Pedi-lhe para me dar mais pormenores sobre este trágico acidente.

Foto: © Victor Barata (2007). Direitos reservados.

Mensagem do Victor Barata, com data de 2 de Março de 2007:


Olá, Camarada Luis.

Pode parecer que ando ausente da tertúlia, mas na realidade não é verdade, todos os dias de manhã e à noite, vou recuperar energias tertulianas para combater as carências sócio-afectivas em que mergulhou este País!

Convidei para almoçar comigo há cerca de 15 dias o Rui Alexandrino e o Carlos Santos, foi para mim uma satisfação conhecer mais um elemento da Guiné, o Carlos Santos, pois o Rui já conhecia. Fez o favor de, tal como a ti, oferecer-me a sua obra Rumo a Fulacunda com uma dedicatória comovente, como só ele sabe fazer (2).

Pois bem, alvitrei durante o repasto propor aos nossos camaradas Tertulianos uma recepção neste lindo jardim que dá pelo nome de Lafões (área geográfica que compreende os concelhos de Oliveira de Frades, Vouzela e S. Pedro do Sul) já com programa elaborado e tudo, solicitando ao Rui, que precisa de se entreter, que fosse o interlocutor contigo para que tal fosse uma realidade.

Segundo a informação do Rui e transmitida por ti, vai haver um almoço em Pombal com o Vitor Junqueira!?...

Vou fazer os possíveis para estar presente a representar a minha FAP [Força Aérea Portuguesa], mas não podemos nem queremos estar à vossa espera para o ano, é muito tempo, e esta confraternização aqui é reclamada por mim, pelo Rui Alexandrino, pelo Martins Julião, pelo Carlos Santos,etc, Vamos lá a fazer um esforço, acreditem que não vamos ficar mal com o programa a proporcionar-vos.

Vamos, Luis, fala lá com a malta, faz o teu esforço a que estas habituado para atingir este objectivo!

Um grande abraço.

Victor Barata
Telemóvel > 917 567 868

Comentário de L.G.:


Victor: Como eu já em tempos de tinha dito, a pista pode ser curta mas é toda tua... Na nossa caserna cabem todos os camaradas, sejam eles terrestres, voadores ou anfíbios. A FAP, tão dignamente representada por ti, é bem especialmente bem vinda à nossa tertúlia e ao nosso blogue...

Também te disse que, sem ter privado convosco (contrariamente ao meu camarada da CCAÇ 12, o Fur Mil Humberto Reis, que adorava viajar pelo ar e fotografar os cantinhos da Guiné), eu sempre tive uma especial, secreta, admiração pelos malucos dessas máquinas voadoras que eram as DO 27 e que nos traziam notícias do mundo, do outro do mundo...

Já não gostava tanto, como também te disse, muito sinceramente, quando elas, em vez do carteiro, transportavam o senhor major de operações ou o senhor comandante de qualquer coisa... Ou sejam, quando de frágil caranguejola eram promovidas a um coisa que pomposamente se chamava o PCV. Do PCV tenho as piores recordações da mimnha vida na Giuné...

A tua proposta - que eu sei que é também do Rui e da rapaziada da tertúlia de Viseu - é irrecusável. Por mim, proponho que o 3º encontro da nossa tertúlia seja nas terras de Lafões. Ms o povo é quem mais orden(h)a...

Dá-me uma valente abraço ao Rui, ao Carlos e ao Julião. Outro para ti. E faz-me o favor de ma ndar estórias desses gloriosos malucos das máquinas voadoras. A minha homenagem, sentida, aos que perderam a vida na Guiné. Encontramo-nos em Pombal.

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Notas de L.G.

(1) Vd. posts de:

10 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLI: Ajudem-me a encontrar o tenente evacuado em 1973 do Corredor da Morte (Victor Barata)

9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXIX: Victor Barata, MELEC da FAP (1971/73)

(2) Vd. post de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P1660: Tertúlia: Presente em espírito no encontro de Pombal (1): Martins Julião, ex-al mil, CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

1. Mensagem do Martins Julião (1):


É com enorme desgosto que te comunico que não poderei estar presente em Pombal (1). Estarei em Itália em negócios inadiáveis.

Por favor aceita ser o portador do meu imenso abraço para todos, abraço de camaradagem, amizade, solidariedade e saudade.

Bem hajam todos, por nos mantermos unidos num País que nos esquece e nos mal trata, mas nós não podemos esquecer, porque , bem ou mal ( à luz da História dos Povos), servimos Portugal.... a nossa Pátria.

Bem hajas tu pela iniciativa que tomaste e que tão bem guias pelo tempo que passa.

Será um grande Convívio e um grande Encontro em Pombal.

Um abraço para todos do

Martins Julião
Ex Alf Mil CCAÇ 2701
(Saltinho, Abril de 1970/Abril de 72).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de


23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P981: Apresenta-se o Alf Mil Inf Martins Julião (CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)

(...) "Só há pouco tempo conheci este espaço de encontro. O Paulo Santiago (Pel Caç Nat 53, Saltinho), foi o camarada responsável pela minha apresentação aos camaradas de tertúlia.Chamo-me Martins Julião, fui Alferes Miliciano de Infantaria da CCAÇ 2701 (Saltinho, Abril de 1970/Abril de 72).Hoje sou um pequeno empresário e gerente de uma unidade industrial, após mais de 20 anos como professor do Ensino Secundário" (...).

(...)"Em meados de Novembro, o Alf Mil Julião, na altura a comandar a companhia [,a CCAÇ 2701,] na ausência do Cap Clemente, em férias, chamou-me ao gabinete para me informar de um patrulhamento que teria de fazer no dia seguinte. Sairia do quartel às 05.00 em coluna auto até Cansonco, donde seguiria a pé, ladeando o rio Pulom, até encontrar o carreiro dos djilas continuando para Madina Buco. Não deveria ter problemas, era mais para me ambientar ao mato, informou-me" (...).


24 de Novembro de 2006> Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

(...) "O Martins Julião estava em Bissau a chefiar a comissão liquidatária da CCAÇ 2701 [, Saltinho, 170/72]: sabendo que me encontrava a bordo da Orion, apareceu no fim de jantar, ainda a tempo de beber uns uísques" (...).

13 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

(...) "Havia depois o Alf Julião, como mais antigo, substituía o Clemente, nas ausências deste. Já é conhecido da Tertúlia, esteve na Ameira (3), e todos sabem termos uma amizade de aço, vinda dos matos da Guiné" (...).

(2) vfd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1659: O Mito do Lobo Mau e as manhas do Capuchinho Vermelho do PAIGC (Vitor Junqueira)



Texto do Vitor Junqueira (Ex-Alf Mil CCAÇ 2753 , Os Barões, Bironque, K3, Mansabá, Ago 1970/ Jul 1972, residente em Pombal onde é médico):

Camarada Raúl Albino,

Acabei de ler o teu texto no Blog (1), com muito interesse, e não resisti ao impulso de acrescentar qualquer coisa da minha própria vivência como palmilhante daqueles sítios.

Começo por confirmar que, de facto, a progressão de qualquer coluna militar (apeada) naquele tipo de mata era extremamente difícil. Na maior parte das vezes, éramos mesmo obrigados a utilizar os trilhos do IN com os inerentes cuidados e perigos. Nesses trilhos ficaram muitas pernas e alguns tomates de camaradas nossos. A opção era poder ficar debaixo de fogo, encurralados sob um tecto vegetal com os corpos e equipamento enredados pelas lianas. E aí sim, eles faziam-nos a barba.

Mas se a escolha dos itinerários de aproximação era um negócio complicado que por vezes exigia horas de estudo àquele a quem calhava a fava, os trajectos de regresso ou retirada eram ainda mais difíceis de seleccionar. Aí, valia a experiência e o instinto, exclusivamente. É claro que isto era válido para a região que conhecemos, provavelmente os camaradas que trabalharam num contexto florístico diferente, teriam de fazer opções de outra natureza.

Quanto ao secretismo das operações, no meu tempo, ele nunca existiu. Em primeiro lugar, porque havia tempo que o PAIGC e as suas forças armadas possuíam um excelente serviço de rádio-escuta. Os seus especialistas desencriptavam Ordens de Operações emanadas de Rep Oper em Bissau e os comandos regionais eram alertados com a devida antecedência.

Nestes casos, acontecia o que descreves, ou seja, os caminhos que conduziam ao nosso objectivo, ficavam sob vigilância e eram muitas vezes emboscados. Depois, porque na preparação de operações da iniciativa das unidades de quadrícula, havia certos sinais impossíveis de neutralizar, que eram facilmente detectáveis por certos elementos da população. Quem não se lembra das colunas em que até à última da hora ninguém piava, e no entanto, ainda antes dos Unimog e das Berliet formarem, lá estava a tabanca inteira com a respectiva quitanda à espera de boleia?

Abordaste também a questão da fidelidade (duvidosa) de batedores ou pisteiros integrados na tua coluna. É assunto sobre o qual não tive qualquer experiência. Não existiam na minha unidade. Na dúvida, inclino-me para que fossem leais. Até porque o seu próprio coiro, corria os mesmos riscos que todos vós.

Outra coisa é a passagem de informações do seio das nossas FA para o IN. Sobre isso não tenho quaisquer dúvidas, é norma em todos os conflitos bélicos.

Para terminar, a questão do Helicanhão. Que se pronunciem os especialistas, mas enquanto tal não acontece, sempre vou adiantando, sujeito a desmentido, que estava armado com um canhão/metralhadora Browning de 20mm cujas munições dispunham de espoleta de tempos. O segundo tempo produzia os estilhaços que podiam atingir diversos níveis, por ex. o solo ou as copas das árvores, dependendo da altitude do sobrevoo.

Naturalmente que todos reconhecemos o esforço e valentia dos nossos camaradas da Força Aérea, que davam tudo por tudo para nos apoiarem em situações de aperto. Estamos-lhes gratos por isso. Infelizmente, não existem armas mágicas ou infalíveis, e todas as aeronaves têm as suas vunerabilidades. No caso dos Helicanhões, para nos apoiarem com eficiência tinham que voar a baixa altitude, o que os colocava ao alcance dos projécteis de armas ligeiras e até dos RPG. Algumas vezes ouvi o seguinte Estou a ser batido, tenho de retirar.... E não havia mais nada para ninguém.

No entanto, a [força]mítica do Lobo Mau (2) manteve-se até hoje. Em grande parte perpetuada por nós próprios, certamente devido ao conforto psicológico que nos invadia quando no horizonte avistávamos a sua silhueta, ou ouvíamos o ruído dos rotores pairando sobre as nossas cabeças, de aflitos mortais. E como mortais que somos, precisamos de mitos. Um dos mais extraordinários e bem aceites que conheço, é o que dá crédito à afirmação de que tendo perdido o domínio do espaço aéreo, com o aparecimento no teatro de operações dos mísseis Strella, perdemos militarmente a guerra!

Hei-de voltar a este assunto.
Peço-te que aceites um abraço do,

Vitor Junqueira

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 13 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1658: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (4): Uma emboscada em Catora e um Lobo Mau pouco predador

(2) Observação adicional do Vitor Junqueira.: " Luís, Lobo Mau, não era alcunha, era o código de identificação e chamada do Helicanhão. Para os Fiat era Tigre, as DO eram Rajá e por aí fora".