segunda-feira, 16 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1957: Em busca de... (1): Antanho Victor Ribeiro Mendes Godinho, Cap Mil, CART 3492, Xitole, 1972/74 (Álvaro Basto)


1. Mensagem do Alvaro Basto (1) para Manuel Cruz:

Caro Manuel Silva F. Cruz:

Antes de mais gostaria de lhe pedir desculpa por esta abordagem mas, percorrendo o Blogue do Luís Graça, descobri que foi Capitão Miliciano na Guiné e comandante da CART 3493 [,BART 3873, Mansambo e Cobumba, 1972/74].

Eu fui Furriel Enfermeiro no Xitole, na mesma altura, na CART 3492 [, pertencente ao mesmo BART, com sede em Bambadinca,] e, com algum tempo livre actualmente, tenho-me dedicado a executar buscas no sentido de recolher informações actualizadas de todos os oficiais, sargentos e praças com quem (con)vivi de Novembro de 71 a Abril de 74 por terras de África.

Ora acontece que praticamente só me falta o contacto do Antanho Victor Ribeiro Mendes Godinho, na altura capitão miliciano da nossa CART e que decerto conheceu bem por força das responsabilidades que na altura sem dúvida partilharam.

Gostaria de saber se por acaso não tem um contacto qualquer dele, já que todas as tentativas que fiz no sentido de o encontrar têm sido goradas.

Antecipadamente grato e com votos de boa saúde, receba as minhas saudações amigas.

Álvaro Basto

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Nota dos editores:

(1) Vd. post de 26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1888: Tabanca Grande (19): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf, CART 3492/BART 3873 (Xitole, 71/74)

Guiné 63/74 - P1956: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (2): Passa-se fome, muita fome

Guiné > Zona Leste > COP7 > Margem esquerda do RCorubal > Gampará > 38ª Companhia de Comandos > 1972 > O Comando Amílcar Mendes.

Guiné > Bissau > Brá > 38 CCmds > "Dia 14 de Agosto de 1972, na véspera de partir para Gampará, recebi o Crachá no quartel dos Comandos em Brá" (AM).

Guiné > Zona Leste > COP7 > Margem esquerda do RCorubal > Gampará > 1972 > 38ª CCmds > "Estou atrás, à esquerda. Em segundo plano com o braço metido na ligadura o 1º cabo Cmd Simão que um ano mais tarde viria a morrer na ponte do Bachile" (AM).

Guiné > Zona Leste > COP7 > Margem esquerda do RCorubal > Gampará > 38 ª CCmds > 1972 > "Como vês, alojamentos de primeira classe. A ventoinha que aparece na imagem, nunca trabalhou em Gampará" (AM).

Guiné > Zona Leste > COP7 > Margem esquerda do RCorubal > Gampará > 38ª CCmds > 1972 > Gampará > "Eu, à direita, a almoçar na tabanca do padeiro. À esquerda o Sold Cmd Balsinha, de Borba, e ao meio o padeiro. Dias mais tarde num ataque a padaria foi c'os porcos " (AM).

Guiné > Zona Leste > COP7 > Margem esquerda do RCorubal > Gampará > 38ª CCmds > 1972 > "Começa a notar-se os efeitos de uma boa alimentação..." (AM).

Guiné > Zona Leste > COP7 > Margem esquerda do RCorubal > Gampará > 1972 > Monumento da CART 3417 (Magalas de Gampará), "assinalando a passagem da minha Companhia" por Gampará (AM). Vê-se que por ali também passaram, ao servlço do COP (Bafatá), vários DFE - Destacamentos de Fuzileiros Especiais (4, 8, 13, 21, 22), a CCP 121/BCP 12, a 2ª CCA - Companhia de Comandos Africanos, o Pel Art 29 e o Pel Mil 331.

Fotos e legendas: © Amilcar Mendes (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Amílcar Mendes, com data de 24 de Junho de 2007:
Amigo Luís Graça: Assim que puder vou-te mandar a continuação do diário (III parte). Podes publicar o documento e as fotos que te envio, mas ressalvando sempre os direitos de autor.

Um abraço do A. Mendes,
ex-1º Ccabo Cmd da 38ª CCmds

2. Continuação de Diário de um Comando: Gampará (Agosto a Dezembro de 1972) > II Parte (1)

2ª quinzena de Agosto de 1972


Passa-se fome, mesmo muita fome. Saímos em patrulhamentos ofensivos dia sim dia não, para as regiões de Campana, Nhala, Guebambol, Ganjaurá, Sama, Gambachicha, etc. etc.

Dormimos em colchões pneumáticos mas já há muito que não tenho esse luxo porque as formigas roeram-me o colchão por baixo e estou a dormir no chão. A luz vem de candeeiros improvisados: uma garrafa de cerveja com gásoleo e com corda a servir de pavio.

Come-se muito mal, a não ser algum cabrito roubado ou alguns papagaios que se matam e o resto é bianda com marmelada, bianda com chouriço, bolachas com bianda e assim se vai vivendo. Perdi cerca de 10 kg até agora.

Tivemos problemas sérios com a população. O 1º cabo Simão (que meses mais tarde viria a morrer na estrada Teixeira Pinto -Cacheu) roubou um porco que se matou e assou no forno do padeiro para melhorar um pouco a diete do pessoal. Só que, e sabe-se lá como, o Homem Grande da tabanca descobriu e foi-se queixar ao comandante. Fomos obrigados a pagar o porco e de castigo fomos p'rá mata.

10 de Setembro de 1972

Os cabos da Companhia reuniram-se hoje todos e fomos falar com o comandante Capitão Pinto Ferreira. As condições de alimentação e dormida são péssimas e a intensa actividade operacional está a levar-nos a zero.


26 de Setembro de 1972

Hoje faço anos. Como prenda sai para o mato e à noite quando cheguei tinha muitas cartas e uma encomenda com alguns petiscos que desapareceram todos num instante.


13 de Setembro de 1972

Saímos hoje para uma operação helitransportada e vou anexar os relatórios (Acção Águia Errante):

38ª CCmds - História da Unidade > Cap II, página 9 > Registo da actividade da actividade operacional, em 12, 13, 16 e 18 do mês de Setembro de 1972, com destaque para o dia 13: Acção Águia Errante

Foto: © Amilcar Mendes (2007). Direitos reservados.

Missão: (

i) Acção de patrulhamento, emboscada e golpes de mão imediatos na região de Lagoa de Bionrá; (ii) Destruir instalações e meios de vida, criando um clima de instabilidade; (iii) Cpaturar ou aniquilar os elementos IN que se revelem e recuperar as opopulações.

Força Executante: 3 Gr Comb actuando isoladamente.

Planos estabelecidos para acção:
~
(i) Helitransportados os 3 Gr Comb, colocando-se na parte Norte de Lagoa de Bionrá, em locais diferentes,s endo recuperados de helicóptero a Norte de Farená Beafada; (ii) Apoio de DCON (DO 27 armado), em alerta no solo de Bissau e helicanhão, assim como helicópteriod e evacuações, em alerta no solo de Gampará; (iii) Apoio do Pel Art sediado em Gampará.

Duração da acção: 12 horas

Resultados obtidos:
(i) Pelo IN, 2 mortos e vários feridos, visto terem, sido deixados vários rastos de sangue; (ii) Feita a captura do seguinte material: 1 Met Lig Degtyarev; 1 Esp Semi-Aut Simonov; 1 Tambor de Met Lig Degtyarev com munições.

(Continua)
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post anterior > 7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1930: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (1): Um sítio desolador
(...) "15 de Agosto de 1972:
(...) "Gampará à vista! Desolador! O quartel é só tabancas que a tropa divide com a POP, arame farpado a toda a volta e uma dúzia de torreões com sentinelas. É aqui que iremos viver até quando calhe" (...).

domingo, 15 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1955: 300 mil, vítimas de stresse pós-traumático de guerra: estude-nos depressa, doutora (Virgínio Briote)

1. Excerto de artigo publicad0 hoje no Diário de Notícias ("Guerra sem fim")


(...) Continuam em combate trinta anos após o fim da guerra colonial. À noite, são assolados pelas imagens de morte e chacina e, de dia, perpetuam o medo e a angústia. Vivem mal com eles próprios e com os outros. Uma equipa coordenada pela psicóloga Ângela Maia, tentou saber quem são e como vivem hoje os ex-combatentes. Concluiu que, no mínimo, 300.000 homens poderão estar profundamente doentes e abandonados à sua sorte. (...)


2. Comentário do co-editor Virgínio Briote:

Toca-nos a todos. Não ficou nas matas e bolanhas da Guiné. Veio connosco nos Uíges e Niassas, pôs os pés em terra na Conde de Óbidos, entrou nas nossas casas. Muitos dos nossos pais, das nossas mulheres, dos nossos filhos, sentiram que havia algo em nós que não batia certo. Um assunto a continuar a debater, até que já não haja vestígio de ex-combatentes.

vb

Guiné 63/74 - P1954: Tabanca Grande (25): Apresenta-se Jorge Zacarias Rodrigues da Rocha (2ª Companhia do BCAÇ 4612/72, Jugudul, 1972/74)


Guiné-Bissau > Região do Oio (Mansoa) > Jugudul > Abril de 2006 > O antigo aquartalemento das NT, em Jugudul, cujas instalações foram cedidas, a seguir à independência, ao Manuel Simões, guineense branco de Bolama, para a sua fábrica de aguardente de cana.

Foto: © A. Marques Lopes (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem de Jorge Zacarias Rodrigues da Rocha para o nosso amigo Luís Miguel da Silva Malú (1), com conhecimento ao editor do blogue. Data: 18 de Junho de 2007.


Caro Luís Miguel:


Sou engenheiro civil, trabalho na REFER-EP e estive em Bedanda entre Junho e Setembro de 1974 – no final de um período de dois anos de Guiné, de 1972 a 1974.

Quando cheguei a Bedanda encontrei lá um antigo companheiro da Escola Secundária de Guimarães (período de 1960 a 1965), ao tempo dono (por parte do Pai dele) de uma mercearia.

Durante o tempo de permanência em Bedanda almocei e jantei em casa dele. Quer com ele, quer com conterrâneos seus ao tempo a estudar em Coimbra e em Lisboa, fazíamos, sobretudo ao fim de semana, autênticas tertúlias culturais e políticas.

Será possível saber o nome e morada desse amigo?

Um abraço e bem vindo à tertúlia.
Jorge Zacarias Rodrigues da Rocha
TM > 91 891 2563

2. Mensagem enviada ao Luís Graça:

Só há dias soube do teu blogue e da tertúlia. Estive na Guiné no BCAÇ 4612/72 (1972/74), 2ª Companhia, no Jugudul. A sede do Batalhão era em Mansoa (onde às tantas até conheci o Pai do Luís Miguel!).

Além do Jugudul, estive em Cufar e em Bedanda…..

Os meus parabéns pelo teu trabalho e também de todos os que têm participado nesse extraordinário documentário.

Se possível gostaria de fazer parte desta tertúlia. Adoro África... A minha Mãe nasceu em Angola e o meu Avô está lá sepultado.

Jorge Zacarias Rodrigues da Rocha

3. Comentário de L.G.:

Meu caro Jorge: Desculpa o atraso nas boas vindas. És seguramente bem vindo à nossa Tabanca Grande. Fico a aguardar as fotos da praxe. Espero também que nos contes mais estórias sobre os sítios por onde andaste, e nomeadamente sobre Jugudul. Já cá temos pelo menos um camarada do teu batalhão, o Jorge Canhão , que pertencia à 3ª Companhia (2). Sobre Jugudul, encontrei um post, do A. Marques Lopes (que lá esteve em 2006, com mais camaradas da nossa tertúlia). Como podes ver, o teu antigo aquartelamento é hoje uma destilaria de cana (3).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 19 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1858: Tabanca Grande (14): Engº Luís Miguel da Silva Malú, nascido em Bedanda, em 1973, doutorando em urbanismo (Luís Graça)

(2) Vd. post de 18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1855: Tabanca Grande (13): Apresenta-se o ex-Fur Mil At Inf Jorge Canhão, da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72

(3) Vd. post de 7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P854: Do Porto a Bissau (26): leitão à moda de Jugudul (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P1953: O cruzeiro das nossas vidas (6): Ou a estória de uma garrafa, com o SPM de Mansoa, que viajou até às Bahamas (Germano Santos)


O Carvalho Araújo (1930-1973), um navio da frota da Empresa Insulana de Navegação (1871-1974). Por quem se interessa pela história da nossa marimha mercante, recomendo o belíssimo sítio do Carlos Alberto Monteiro, que é um velho passageiro da Insulana, e em especial do Funchal, e um apaixonado coleccionador de postais e outros documentos relacionados com a frota da Insulana.

Foto: Ships Insulana, página de Carlos Albert Monteiro (2006) (com a devida vénia...).





Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1971 > "Foto 16 - Na rua principal de Mansoa. Eu estou de camuflado com o meu amigo Sampaio, de Guimarães, infelizmente falecido o ano passado" (GS)

Fotos e legendas: © Germano Santos (2007). Direitos reservados.


1. Texto do Germano Santos, ex-operador cripto da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, (1)

Caro Luís Graça,

Conforme prometido há já uns tempos, aqui vai, finalmente, a minha história sobre a garrafa que decidiu dar uma grande volta marítima.

É uma história sem guerra, mas que nasceu do facto de eu ter ido para a guerra.

Como sabes, eu fui Operador Cripto (1), logo não operacional, e portanto a minha guerra foi muito diferente das guerras de alguns dos nossos camaradas.

Contudo, também sei o que é a guerra, através das diversas flagelações que Mansoa sofreu durante a minha estada por lá.

Também vi coisas que não queria ver; também passei por coisas que não desejava ter passado, etc.

Mas falemos então da viagem da minha garrafa, que começa exactamente na minha viagem para a Guiné.

Estamos em 1970, 19 de Dezembro, quando a bordo do navio Carvalho Araújo (2) - que até aí, segundo me relataram, fazia constantemente o transporte de gado dos Açores para o Continente - inicia a sua viagem para a Guiné o Batalhão de Caçadores 3832, formado pela CCS e pelas Companhias de Caçadores 3303, 3304 e 3305. Eu era um dos dois Operadores de Cripto desta última Companhia.

Este início de viagem não correu lá muito bem, dado que logo nesse dia o navio avariou e passámos a noite sob a ponte 25 de Abril.

Porém, lá fomos navegando e a certa altura mais me parecia que estava num barco de amotinados do que outra coisa qualquer, tal era a quantidade de gente mal embriagada e indisposta com a viagem.

Convém referir que estávamos em vésperas de Natal e passar esta quadra festiva, longe da família e a caminho da guerra, não era evidentemente o que nós desejávamos mais.

Já não me recordo muito bem, mas nesse dia de Natal ou no dia a seguir, alguns de nós - talvez uns quatro ou cinco - decidimos carpir as nossas mágoas com alguém que estivesse noutras paragens, e do mar nos quisemos servir como meio de comunicação. Vai daí, lançámos ao mar algumas garrafas com as mais variadas mensagens. A minha era tão só um cartão de visita, no qual acrescentei o SPM do Batalhão ou do local para onde íamos (Mansoa).

O tempo foi passando e a guerra também.

E surpresa das surpresas. Em finais de Janeiro de 1972 (um ano e pouco após ter deitado ao mar a garrafa), recebo uma carta proveniente dos Estados Unidos da América, mais concretamente de Milwaukee, datada de 19 de Janeiro desse ano e assinada por uma Senhora de nome Lillian Drake, dando-me conta de ter encontrado a garrafa com o meu cartão.

Como não sabia inglês, fui pedir ajuda ao meu Major de Operações - o saudoso, porque falecido, Major Cerqueira Rocha, irmão do então, salvo êrro, Comandante Chefe das Forças Armadas em Portugal (não sei se era assim a designação, mas fica a idéia). Quero deixar aqui uma palavra de muito apreço para os familiares do Major Cerqueira Rocha, um militar e um homem extraordinário, com quem foi um prazer conviver durante dois anos na Guiné.

Foi ele que me leu a carta e que, tal como eu, ficou muito surpreendido por tudo o que nela era referido.

Dizia a Senhora que tinha encontrado a garrafa na Ilha de Eleuthera, nas Bahamas, a pouca distância do continente norte-americano, em 10 de Dezembro de 1971 quando se encontrava naquela ilha a visitar amigos. Mais dizia que estava a passear na praia, apanhando conchas e outras coisas, quando reparou na garrafa. Na carta perguntava-me quando e onde é que eu a tinha atirado ao mar.

Passados dias, com a ajuda do meu Major, satisfiz a curiosidade dela.

Aproveito para informar que naquela altura as Bahamas eram pertença dos Estados Unidos da América, sendo, desde 1973, um país independente.

Já após ter regressado a Portugal, tive oportunidade de me deslocar à Embaixada dos Estados Unidos da América e falado com um funcionário sobre esta história. Na altura esse funcionário pedíu-me para esperar um pouco e, passados uns minutos, fui recebido pelo Embaixador que ficou encantado com o ocorrido, e fez o favor de me mostrar não só o mapa americano como o Atlas, para me explicar todo o percurso que a garrafa tinha feito desde o Golfo da Guiné até às Bahamas.

Também li recentemente que o percurso efectuado pela minha garrafa está dentro das 50 maiores distâncias até hoje percorridas por uma garrafa lançada ao mar.

Eu sei que não é uma história de guerra, mas sem a minha ida para a guerra esta história não existiria.

Se achares que é interessante para colocar no blogue, força.

Um grande abraço.

Germano Santos

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Germano: Aqui aparece todo o tipo de estórias, umas mais trágicas ou dramáticas, outras mais cómicas ou divertidas, umas outras ainda mais intimistas e pessoais... Estórias de guerra, de amor, de paz, de camaragem, de solidariedade, de humor... Todas elas estórias de homens (e de mulheres), afectados directa ou indirectamente por uma guerra. A tua estória merece a melhor atenção de nós, até pelo seu insólito e pelo seu simbolismo: o mar, apesar da sua imensa vastidão, é também um ponto de encontro...

Como já tive ocasião de te dizer, tenho uma estória parecida com essa. Um vizinho meu, da Lourinhã, costumava ir pescar para a Praia da Peralta, a sul da Praia da Areia Branca. Isto por volta de meados da década de 1960. Um belo dia apanhou, na praia, um garrafa de gin ou de rum, com uma carta lá dentro, redigida em inglês. De regresso a casa, deu a carta a ler à minha irmã. Era de um súbdito de Sua Majestade a Rainha de Inglaterra, embarcado num navio da Royal Navy. Ela mesmo respondeu à carta, com a mimnha ajuda, e fez um novo amigo. O marinheiro Barry começou a trocar correspondência com ela. Hoje, passados mais de quarenta anos, continuam amigos. E já se visitaram várias vezes: ele veio a Portugal, ela foi a Inglaterra... Ele inclusive aprendeu a falar e a escrever o português!...

Parabéns pela estória e pela tua garrafa que, na época, bem poderia ter entrado para o livro de recordes do Guiness (que já existia, desde 1951)... Obrigado pelas fotos (cerca de 20) que tu me mandaste, algumas da bela vila de Mansoa que tu ainda conheceste. Fica também aqui uma correcção: tu nunca pertenceste à CCS do BCAÇ 3832, mas sim à CCAÇ 3305, desse batalhão.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1814: Tabanca Grande (8): Apresenta-se o Operador Cripto da CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832 (Mansoa, 1970/73) , Germano Santos

11 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1835: Tabanca Grande (10): Germano Santos, ex-1º Cabo Op Cripto, CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73

12 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1840: A trágica história dos sapadores Alho e Fernandes da CCS do BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73 (César Dias / Gerrmano Santos)


(2) Vd. posts anteriores desta série:

11 de Janeiro de 2007> Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P1952: Álbum das Glórias (18): A minha morada em Bambadinca (Mário Beja Santos)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1968 > Aquartelamento de Bambadinca, novinho em folha : edifício do comando e instalações de oficiais e sargentos. Ao fundo, vê-se já a tabanca de Bambadincazinha que era atravessada pela estrada que seguia para Mansambo e Xitole. À direita era a pista de aviação. Em primeoro palno, a parada com os esteios das árvores ainda recentemente plantas. Na altura, o sector L1 era guarnecido pelo BCAÇ 2852 (1968/70). (LG).

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea do aquartelamento de Bambadinca. Assinalado a vermelho, o edifício do comando e as instalações de oficiais e sargentos. Na altura, o sector L1 era guarnecido pelo BCAÇ 2852 (1968/70). (LG)

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.


Guiné-Bissau > Zona Leste > Bambadinca > 1997 > Antigas instalações dos oficiais (à direita) e dos sargentos (à esquerda). A messe de sargentos ao fundo, do lado esquerdo; a dos oficiais, à direita (a cozinha era comum). Eram excelentes instalações hoteleiras, para a época (em que estive lá, eu e o pessoal da CCAÇ 12, Junho de 1969/Março de 1971) , por comparação com os aquartelamentos das unidades de quadrícula (Xime, Mansambo e Xitole).
Depois da independência, Bambadinca foi palco de trágicos acontecimentos: julgamentos populares e execução sumária, por fuzilamento, de régulos fulas, além de combatentes que estiveram integrados nas NT. Em 1997, as forças armadas da nova república ocupavam o edifício. É patente o estado de degradação a que chegara ao fim de menos de 30 anos... (LG)

Foto: © Humberto Reis (2005)., Direitos reservados.

1. Texto do nosso camarada Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). O Beja Santos foi desenterrar o álbum de fotografias da mãe:

Como me lembro desta minha morada!... Até sinto as botas a calcar este saibro incendiado pela laterite... Por aquela porta terei entrado centenas e centenas de vezes, à procura de um duche, dormida,mesa,repouso.Entrei por ali em todos os segundos que faz um dia.

Contornando à squerda,vendo a linha de janelas, tínhamos o gabinete do Major de Operações,cheio de mapas e sigilo, depois o gabinete do 1ºComandante e depois do 2º. Ao fundo, o universo do cripto, ali o Calado (1) não deixava entrar ninguém.

Em frente a este corpo do edifício,estendia-se a estrada que,trezentos metros à frente, bifurcava para o Xime e Mansambo.Passei por ali a última vez em 1991,vindo de Aldeia Formosa. Depois do que vi à ida, preferi virar a cara,no regresso...
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Nota de L.G.:

(1) Fernando Calado, Alf Mil Trms, da CCS do BCAÇ 2852 (1968/70), membro da nossa tertúlia: Vd. posts:

27 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1788: Convívios (10): Pessoal de Bambadinca 1968/71: CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e 63 (Luís Graça)

25 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1786: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (47): Finete já está a arder ? Ou o ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969

sábado, 14 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1951: Álbum das Glórias (17): A tabanca de Cutia (César Dias)

Guiné > Região do Óio > Mansoa > Cutia > Tabanca > c. 1970 > Foto enviada pelo César Vieira Dias, ex Furriel Miliciano Sapador, CCS / BCAÇ 2885, um batalhão que esteve em Mansoa e Mansabá desde Maio de 1969 a Março de 1971 (1) .
Não sei se Cutia era um reordenamento: a avaliar pela foto, parece-me bem que sim, os cibes cortados, em primeiro plano; o desenho europeu, colonial, rectangular, das casas; os arruamentos feitos a régua e esquadro; a falta de árvores seculares entre as moranças... De qualquer modo, há semore algo de mágico quando paramos para olhar o quotidiano da vida das pacíficas gentes da Guiné, sejam eles balantas, fulas ou mandingas (não conheci outras etnias)... Apesar da guerra, a vida continua(va)...
Por outro lado, o que é fantástico nesta tertúlia é a prontidão de resposta dos seus membros, a sua sensibilidade e a sua solidariedade... Não há ftos de Cutia, um buraco que ninguém sabe onde fica ? Um camarada responde de pronto: - Eh, eu estive lá, passei por lá, tenho uma chapa, memórias, recordações...
O meu muito obrigado ao César pelas suas fotos de Cutia, em meu nome, em nome do Aires Ferreira e do Mário de Oliveira. Em nome também dos anónimos habitántes de Cutia. Este também o seu Álbum das Glórias.
Foto: © César Vieira Dias / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.



1. Mensagem do César Dias:
Camarada Aires Ferreira (1):

É verdade, o Luís Graça tem razão, essa foto do fortim de Cutia era minha, caso não tenhas nenhuma aí vai mais uma, esta da tabanca.

Um abraço

César Dias

2. Segunda mensagem do César Dias, a esclarecer melhor a foto, o seu conteúdo e contexto:


Olá Luis

Apreciei bastante a homenagem que fizeste às gentes daquele lugar, Cutia. Gostaria no entanto de dizer que as duas fotos que enviei, mostram a totalidade da aldeia em 1970, 4 ou 5 tabancas de cada lado na estrada Mansoa / Mansabá, e ao fundo o fortim que alojava a guarnição.

Este destacamento era bastante frequentado pelas gentes das armas pesadas, obuses 14, oriundos de Mansoa e Bissau. Foram deslocados até lá para flagelarem a mata do Morés, integrados em operações nesta zona.

O nosso co-editor Carlos Vinhal passou muitas vezes por este lugar, recordá-lo-á concerteza.

Foi só mais uma achega.

Um abraço
César Dias

Mansoa 69/71 (2)

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1472: Sobrevivente do BCAÇ 2885 (Mansoa e Mansabá) (César Dias)

(2) Vd. post de 12 de Julho de 2007: Guiné 63/74 - P1946: Estórias de Mansoa (2): um capelão em apuros na estrada de Cutia (Aires Ferreira)

Guiné 63/74 - P1950: Louvores e condecorações (3): Louvores atribuídos a militares da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

A CART 2732 (1) foi uma Companhia de quadrícula que suportou alguns sacrifícios. Estando colocada numa ZA muito importante, tanto para as NT como para o PAIGC, a região do Oio e, tendo próximo a base do Morés e os corredores envolventes, foi obrigada a participar em imensas operações durante a sua subordinação ao BCAÇ 2885 e, posteriormente, ao COP 6.

Não foi por acaso que permaneceu em Mansabá durante 22 meses ininterruptos. A coragem e espírito de sacrifício dos seus militares foi inexcedível, chegando por vezes ao limite humano.

Colaborou de forma intensa na protecção aos trabalhos de construção do troço da estrada entre o Bironque e o K3, o que lhe trouxe como prémio inúmeros contactos com o IN no mato e ataques ao aquartelamento de Mansabá.

No mês de Dezembro de 1971, a escassos dois meses de acabar a Comissão, sofreu duas baixas por morte em combate em Mamboncó , no troço de Mansabá/Cutia, quando fazia mais uma das numerosas colunas auto a Mansoa.

Neste aziago mês, A CART 2732, em combate teve 2 mortos, 14 feridos graves e 27 feridos ligeiros. Muitos deste feridos foram evacuados para o Hospital Militar Principal de Lisboa.

Assim justifico a publicação destes louvores, não com vaidade, mas com orgulho de ter pertencido à CART 2732.


Louvores atribuídos a militares da CART 2732

Pelo General Comandante-Chefe das FA

Alf Mil At - Américo Almeida Nunes Bento
Sold At - António Góis Perestrelo
Sold At - Domingos Martins Perestrelo
Sold At - Fernando da Costa
Sold At - José Bernardo Rodrigues Espírito Santo
Sold At - José Figueira da Silva
1.º Cabo At - José Manuel Ornelas da Silva
Sold At - José Patrício Caldeira
Alf Mil At - Manuel António Casal


Pelo Brigadeiro Comandante Militar

1.º Srgt - João da Costa Rita
Sold At - José Espírito Santo Barbosa (A Título Póstumo)
Sold At - José Oliveira Torrinha
Alf Mil At - Luís Filipe Nunes Oliveira Rodrigues
Sold At - Manuel Vieira (A Título Póstumo)


Pelo Comandante do COP 6

1.º Srgt - António da Piedade dos Santos
Capitão - Armando Vieira Santos Caeiro
1.º Cabo Coz - Armindo Ferreira Lopes
Fur Mil At MA - Carlos Esteves Vinhal
Sold Trms - Francisco da Silveira Rebelo
1.º Cabo Ap Met - Inácio Rodrigues da Silva
Sold Trms - João Marcelino Malhão Gonçalves
1.º Cabo At - João Samuel Rodrigues Ramos
1.º Cabo M. A. R. - José Alves da Costa
Sold At - José Augusto Pinheiro Miranda
Sold At - José Dias Freitas Alves
Fur Mil Alim - José Gabriel Amorim da Costa
1.º Cabo Enf - José Mateus Reis Pedro
Sold At - Júlio Vieira Freitas Muchacho
1.º Cabo Op Cripto - Mário Romana Soares


Pelo Comandante da CART 2732

Sold At - Adelino Viveiro Francos
Sold At - Albertino da Ponte
Sold At - António Carlos dos Ramos
Sold At - António Ribeiro Teixeira
Sold At - António Rodrigues da Silva
Sold At - Avelino Gonçalves Pinto
1.º Cabo Escrit - Duarte Moreira Oliveira
Sold C.A.R. - Fernando da Costa Oliveira
Sold At - Francisco José Gouveia
1.º Cabo At - João Abel Gouveia
Sold C.A.R. - Joaquim Sousa Santos
1.º Cabo At - José João Pereira Pontes
Sold At - Silvestre dos Santos Pinto
Sold Coz - Virgílio Anastácio de Abreu

Carlos Vinhal
Fur Mil Art MA
_______________

Notas de CV:

(1) Sobre a madeirense CART 2732, vd. os seguintes posts (ordem: dos mais recentes para os mais antigos; lista exemplicativa)

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1889: Tabanca Grande (20): Inácio Silva, 1.º Cabo Apontador de Metralhadora, CART 2732 (Mansabá, 1970/72)

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1671: Efemérides (2): Há 37 anos a CART 2732 desembarcava em Bissau (Carlos Vinhal)

10 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1163: Destacamento temporário do Bironque, inaugurado pela madeirense CART 2732 (Carlos Vinhal)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P1949: Simpósio Internacional "A memória de Guiledje na luta pela independência da Guiné-Bissau", Bissau, 1-7 de Março de 2008 (Pepito)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de1973 > O PAIGC toma conta do aquartelamento de Guileje, abandonado à pressa pelas NT (CCAV 8350, a que pertencia o nosso camarada José Casimiro Carvalho: vd. foto a a seguir). Um guerrilheiro em posição de hastear a bandeira do PAIGC, ao lado de um poster com a imagem o Amílcar Cabral, assassinado 4 meses antes´, em 20 de Janeiro de 1973.

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) / Fundação Mário Soares (2007). Direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > o Fur Mil At Inf Op Esp Casimiro Carvalho, membro da nossa tertúlia, junto ao monumento aos mortos e feridos da CCAÇ 3325 (que esteve em Guileje de Janeiro a Dezembro de 1971). Trata-se do mesmo monumento da foto acima.

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do Pepito, de 12 de Julho último:


Caro Luís:

Gostaria de levar ao conhecimento de todos os tertulianos algumas das informações recentes sobre a preparação do Simpósio Internacional de Guiledje, tanto mais que é com grande alegria que tenho recebido emails da Tabanca Grande a manifestarem interesse em virem cá nessa altura (1 a 7 de Março de 2008)(1).

A primeira boa notícia é que o Parlamento e Governo da Guiné-Bissau decidiram apoiar inequivocamente este encontro, sendo que o mesmo irá decorrer no salão principal da Assembleia Nacional Popular.

A maior parte dos oradores convidados já asseguraram a sua participação, vindo eles de Cabo Verde, Portugal, Cuba, Espanha e evidentemente da Guiné-Bissau.

Em breve iremos actualizar o site de Guiledje para passarmos a ter notícias fresquinhas até ao dia do Simpósio.

Gostaria de realçar o trabalho fabuloso que o Nuno Rubim vem fazendo de recolha de informações, documentos, fotografias, que ele tem procurado em todos os azimutes (Portugal, Cabo Verde e Guiné-Bissau) e que ele doará para o futuro Arquivo Histórico-Militar de Guiledje. Há descobertas e precisões extraordinárias. Os outros que me desculpem, mas aguardo a intervenção dele com enorme expectativa. É um trabalho minucioso de confrontação de documentos dos dois lados na procura da verdade histórica.

Igualmente o Nuno, em colaboração com alguns voluntários, está a trabalhar na conclusão do diorama do quartel de Guiledje, assim como de um poster gigante com a disposição dos exércitos de ambos os lados na batalha final. Nem calculas o trabalho que isso dá.

Escuso de dizer que de vez em quando o Nuno dá-me no côco por eu não conseguir acompanhar a pedalada dele. Mas pelos resultados obtidos, sempre digo que até não dói nada.

Saiba-se que se não fosse o nosso Blogue nunca poderíamos ter chegado aqui. Foi através dele que o Nuno, o Leopoldo, o Idálio, o Samúdio, o Armindo Batata, e tantos outros que conseguimos aceder a relatos impressionantes escritos na primeira pessoa. E claro o nosso inesquecível amigo Zé Neto que continua a acompanhar-nos sentimentalmente.

Por último, vou-vos dizendo que a Guiné-Bissau já está de braços abertos para vos acolher em Março de 2008.

Obrigado a todos vocês.

Pepito

PS - Segue uma foto do Quartel de Guiledje (dia 22 de Maio de 1973) cedida pela Fundação Mário Soares.

___________

Nota de L.G.:

(1) Simpósiuo Internacional: "A memória de Guiledje na kuta pela independência da Guné-Bissau". 1-7 de Março de 2008. AD, INEP, Universidade Colinas do Boé

Objectivos

Organização

Participantes

Programa

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1948: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (54): Em Bissau, no julgamento do Ieró Djaló

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > 1968 > Pel Caç Nat 52 > O Iedró Djaló, milícia, a partir lenha... "Nunca conheci um gago como Ieró. Antes de falar, o rosto contraía-se todo e explodia num trovão as primeiras palavras. Tinha seguramente problemas psicológicos, pois partia sozinho para Finete, alegando saudades da família. Era-lhe indiferente os castigos, duros ou brandos. Irei entregar-lhe à guarda um prisioneiro feito em Quebá Jilã, em Fevereiro de 69, e durante a Opeão Anda Cá apareceu-me durante a madrugada, a escassos quilómetro de Madina a informar-me que o prisioneiro tinha fugido"...

Foto e legenda: © Beja Santos (2007). (Com a devida vénia ao Luís Casanova, que foi o fotógrafo, e que era furriel miliciano no Pel Caç Nat 52). Direitos reservados.

Mensagem do Beja Santos, enviada a 6 de Junho de 2007: Caro Luís, aqui vai o episódio da semana. Encontrarás a fotografia do Ieró Djaló no pequeno lote cedido pelo Luís Casanova. Recordo que tens ainda dois bilhetes postais de Bissau da primeira leva que te mandei e que mostram exactamente os locais onde se situava o Comando Naval da Guiné. mas certamente que elementos sobre Bissau não te faltam. Até ao nosso encontro entre 12 e 15 de Junho, e recebe um grande abraço do Mário.

52ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 6 de Junho de 2007. Comentário do editor: Por lapso nosso, este episódio não foi publicado na altura. As nossas desculpas ao autor e aos leitores do nosso blogue. Vd. os posts posteriores (53 e 54) e anterior (51)(1)

Em Bissau, no julgamento de Ieró Djaló

por Beja Santos


Os preparativos da ida a Bissau


Parto amanhã, dia 1 de Julho, para Bissau, onde serei testemunha no julgamento de Ieró Djaló, o cabo das milícias de Missirá que, na madrugada de 22 de Fevereiro, no decurso da Operação Anda Cá (2), tendo a seu cargo a custódia do prisioneiro de Quebá Jilã, o deixou fugir enquanto dormia.

Reuno ao fim da tarde com os três furriéis (Casanova, Pires e Pina) e o Comandante da milícia, Albino, o gentil príncipe Samba. Comunico, em primeiro lugar, algumas decisões: Casanova vai descansar uma semana em Bambadinca, consultará o médico, o Dr. Domingos, e repousará pois é notório que tem os nervos em franja, tornou-se agreste, perde peso e tem períodos de abulia; vai amanhã comigo, fica isento de qualquer actividade operacional; em segundo lugar, as férias dos soldados ficam novamente suspensas, só haverá dispensas a título excepcional, temos gente cada vez mais doente e na semana passada houve dois dias em que repetimos Mato de Cão em 24 horas, o que me levou a abolir as emboscadas nocturnas; o plano de actividades ficará subordinado à construção de um novo abrigo de morteiro 81, em local mais estratégico do que o actual; como, entretanto, o Capitão Rui Gamito me escreveu a comunicar que vai ser disponibilizado o gerador eléctrico para Missirá, deixo ao critério dos meus colaboradores a construção do respectivo abrigo;o professor primário, de nome Benício, terá o seu contrato renovado por provas de desvelo com a cartilha maternal e tabuada, e ser-lhe-á solicitado que passe uma semana em cada mês no aquartelamento de Finete, até se encontrar uma solução para recrutar um professor permanente; relatei a conversa havida com o régulo Malã após o incêndio da cubata da sua tia, Fatumana, a anciã só aceita a reconstrução desde que seja uma cubata circular, seremos responsáveis pela cobertura e cimentação do interior, mas serão os civis a reconstruí-la logo que termine a época das chuvas; por último, peço ao príncipe Samba que se entenda com Bacari Soncó para que haja a deslocação de 7 a 10 homens de Finete para Missirá, para apoiar os patrulhamentos a Mato de Cão, nos próximos dias.

Com a ajuda de Cherno preparo a mala e vejo o estado da farda nº2. Emagreci 10 quilos, danço dentro dos calções, calças e camisas, meticulosamente passadas pela Binta Camará, a mulher de Sabidi. Separo alguma roupa, artigos de higiene, livros e aerogramas. Espero voltar o mais tardar em três dias, mas estou sempre condicionado pelos voos, muitos deles cancelados, pelas situações de emergência.

Escrevo um aerograma à Cristina que amanhã espero meter nos correios em Bissau. Falo-lhe na carta de José Jamanca que eu ainda não sei que será um amigo para toda a vida, está agora em Bolama, tem saudades nossas; Fodé escreveu, está contente com as suas sessões de ginásio, parte em breve para a Alemanha Federal; digo que o Cherno nos surpreendeu, pois foi à caça com Cibo Indjai e apanhou um pato bravo, vitualha que se revelou deliciosa depois de bem esfregada em pimento e alho e frita no forno, parecia cabrito; e que amanhã de manhã, vou assistir às cerimónias religiosas da defunta do almani de Finete; e, relato a satisfação de todos aqui em Missirá com a nova casa de banho, e prometo por último que espero telefonar amanhã ao fim da tarde para Lisboa. Será que não tenho consciência que canso a Cristina com este número infindável de vulgaridades?

Saímos ao amanhecer, como sempre vamos sem cuidado até à zona de Caranquecunda, depois pica-se a preceito a estrada até Flaque Dulo, vamos mais rápidos até Canturé onde os pomares florescem e depois embrenhamo-nos no mato denso até Finete, sempre a picar. Assisto à cerimónia religiosa, converso com Bacari sobre a compra da catanas e machados, deixo aqui Mamadu Camará e Tomani Sanhá que vão trabalhar com a motosserra para limpar a vegetação hermética logo acima de Malandim e prossigo viagem.

Não disse à Cristina que estou com infecções nas pernas e um ouvido a zunir. Em Bambadinca, bato à porta do Dr. Domingos que me deu Di-Adresson, qualquer coisa que tem uma acção muito superior à da cortisona e mandou pôr-me álcool iodado no ouvido. Findo o tratamento vou despedir-me do Pimbas. Estou longe de imaginar que esta é a última vez que nos veremos em Bambadinca, quando eu regressar, ele, o Major Pires da Silva e o Capitão Baptista Neves já terão partido com punições, por esta ou aquela razão.

O Dakota partirá pela 1h da tarde, de Bafatá, chegou a hora de subir para o Unimog e lçançar-me na estrada alcatroada na companhia dos meus fiéis amigos. Cherno toma para si o encargo de me levar a mala. A atmosfera no aeroporto é de muita tensão; terá sido ontem ou anteontem que um helicóptero-canhão explodiu de encontro a uma antena no aeródromo, morreu um capitão e um cabo. O Dakota parte à hora , prometo a todos trazer o que me pedem dos mercados do Bissau Velho e de Bandim. Do ar, quase que procuro Missirá, mas o voo segue mais à direita perto de Mansoa.

Aproveito para rever os meus papéis onde registei tudo o que quero tratar e quem quero visitar: a Engenharia em Brá, falar com Manuel de Lucena acerca do meu recurso e do que devo dizer amanhã em julgamento, jantar com a Maria Luísa e o Pedro Abranches, antes procurar telefonar nos correios de Bissau à Cristina e à minha mãe, não me preocupar com a dormida, posso entrar em qualquer hora no Quartel General, a camarata está sempre disponível e o julgamento está marcado para as 11horas.


Uma intensa agenda social em Bissau


De Bissalanca consigo uma boleia para Brá e entro nos pré-fabricados do Batalhão de Engenharia. O Rui Gamito recebe-me com visível satisfação e apresenta-me ao Emílio Rosa, que em Abril próximo será meu padrinho de casamento. As notícias que têm para mim são entusiásticas: Missirá e Finete foram contempladas com 21 toneladas de material de construção; o gerador está confirmado e garantido, dentro em breve será colocado no cais do Pidjiquiti e eu terei que cuidar de alguém que o acompanhe até Bambadinca, no bojo de um batelão.

Logo simpatizei com a afabilidade do Emílio Rosa, que prometeu novas ajudas, sobretudo quando lhe falei em dois abrigos que carecem de renovação absoluta. Sigo para o Quartel General e falo com o jurista. Confirmo tudo aquilo que eu ouvi do Valentim, em Bambadinca: o juiz irá interrogar-me sobre os antecedentes de Ieró Djaló, depois pedir-me-á toda a informação sobre a ocorrência e como é que eu tomei conhecimento da fuga e qual o comportamento seguinte do réu; seguir-se-á um interrogatório sobre o que eu penso do futuro do réu, isto é, se penso existirem condições para o seu regresso ao serviço militar. A informação que tenho sobre o meu recurso é enigmática: haverá alterações, nada mais se poderá dizer por ora.

Parto para o centro de Bissau e reencontro à porta de um café o Almeida, do Pel Caç Nat 63, que já foi colocado em Bolama. Aproveito para lhe reiterar que lhe devo muitíssima estima pela camaradagem que estabelecemos ao longo deste ano, pela bondade que ele teve em levar coisas para Lisboa, pela tragédia recente do suicídio do Benvindo, que imprevistamente se desfechou em si um tiro, quando estavam no Xime. O Almeida ficou abalado, não sabia reagir, confuso e magoado, é assim que ficamos e todas estas perdas são súbitas, como inexplicáveis e igualmente irreparáveis.

Volto a ter sorte com o telefone, oiço a Cristina, minto-lhe dizendo que estou fisicamente bem, que não se alarme pois vim só como testemunha abonatória, pergunto-lhe pelos estudos, reforço a minha confiança no futuro, não excluo, e digo tudo com voz firme, ir a Lisboa em breve. Descanso-a com a promessa de novo telefonema amanhã pela mesma hora. O telefonema para a minha mãe faz-se aos gritos, cada vez mais surda, não percebe exactamente porque estou em Bissau, pergunta-me se venho para Lisboa nos próximos dias e queixa-se do seu sofrimento físico. Anoitece, vou rezar à catedral, fico para a missa e depois sigo para casa dos Abranches que me recebem com a ternura do costume, repito a sopa de ostras e depois o assado e depois a fruta. Eles olham-me com enlevo, supondo que levo um quilo a mais no combate a este corpo esquálido, quase a definhar.

O Pedro deixa-me à porta do QG e entro no assombroso Vaticano III. Para quem já esqueceu, é uma camarata que só falta estar a céu aberto, parece uma ampla sala de espectáculos, onde uns vociferam, outros cozem a bebedeira, outros roncam e até há quem gema no interior dos seus pesadelos. O Vaticano III é um eloquente bastidor desta guerra, para aqui convergem os jovens oficiais dos três teatros de guerra de todo o exército. Recebo os lençóis e adormeço rapidamente neste universo concentracionário. Adormeço na certeza que hoje não haverá flagelação...


No Tribunal Militar com Ieró Djaló


Nunca mais esqueci os amanheceres ruidosos e o caminhar na laterite de Santa Luzia até ao centro de Bissau: o restolhar das mulheres ruidosas, as sabadoras alvas, puríssimas onde se penduram os andares majestosos, sobretudo dos mandingas e dos futa-fulas, cor de cobre. Sigo até ao tribunal militar, uma outra casa em cimento, fresca e sombria por dentro e onde se acotovelam aqueles que vão ser os julgados por terem morto, desobedecido, insultado, quebrado as regras que a lei militar não consente.

Estão lá os réus, as testemunhas, fazem-se perguntas, explica-se pela décima milionésima vez o que aconteceu, interpela-se quem chega, tenta-se reduzir a ansiedade, pedem-se explicações a quem chega para saber se as nossas acusaçõers são menores que a dos outros. Junto-me a Ieró Djaló, peço-lhe serenidade e comento o que vou dizer em função do crime que lhe foi imputado. A expectativa cresce, não podemos entrar na sala até que um meirinho nos chama a todos, salvo erro três julgamentos à uma.

Sinto-me industriado e confiante em que Djaló tenha todas as atenuantes possíveis. Interrogado pelo juiz, ele a tudo responde quase monossilabicamente. Identificou-se, corrige o nome do pai e a data de nascimento. Confirma que lhe entreguei à sua guarda o prisioneiro. Confessa o seu cansaço e que não se lembra de nada até acordar, espantado com as cordas vazias e que logo me foi avisar, já passava da uma da manhã. Declara que não conhecia o prisioneiro, e disse-o com tal naturalidade que nem havia revolta ou indignação pelo que de horrível pudesse haver em tal pergunta. E, sem que lhe tivessem feito qualquer comentário, empertigou-se, olhou de frente o juiz e disse: "Tenho muita vergonha do que se passou, juro que não volta a acontecer".

O Ieró Djaló que eu apresentei naquela sala numa semi-obscuridade nada tinha a ver com o jovem que de repente desaparecia de Missirá e ia sozinho para Finete, que me dava dores de cabeça quando ia à fonte de Cancumba e fazia propostas menos transparentes às mulheres dos seus camaradas. Nem muito menos me passou pela cabeça alegar que ele era muito bom rapaz mas que tinha inegavelmente um qualquer atraso. O Ieró Djaló sobre o qual eu estava a informar o tribunal era um militar disciplinado, sempre disponível e com múltiplas provas dadas no terreno de operações.

Quanto aos acontecimentos da Anda Cá, resolvi descrever um cenário quase dantesco de calor e pesadelo físico, isto para comentar que estávamos completamente exaustos quando acampámos a escassos quilómetros de Madina. E depois, deu-me para fazer ficção, dizendo que Ieró Djaló queria partir sozinho em perseguição do prisioneiro, e que o contive a custo. Quando fui interpelado sobre o seu futuro, disse sem hesitar que gostaria de o levar ainda hoje para Missirá, caso o meritíssimo juiz assim o entendesse.

Fim do julgamento, foi a marcada a leitura da sentença para o dia seguinte à mesma hora. Surpreendi o Ieró Djaló convidando-o para irmos comer galinha frita no Solar dos 10 e ele aceitou com satisfação. Parece que conheço o Ieró Djaló desde a infância.

À tarde, dirigi-me ao Comando Naval onde encontrei o Comandante Teixeira da Mota. Estava atarefado, sugeriu que jantássemos juntos e logo aceitei. Tinha horas à minha frente, atirei-me às compras, especiarias, peixe seco, folhas de tabaco, tecidos e depois andei a rebuscar nas estantes das poucas livrarias de Bissau. Com as despesas contidas, nem me atrevi a olhar para os discos.

O cais de Bissau foi sempre uma atracção para mim, sentei-me num banco a ver o movimento do porto, o pontilhado dos ilhéus, o vozear dos marinheiros e estivadores. Li os últimos contos de Aldeia Nova, do Manuel da Fonseca, voltei aos correios, dei notícias à Cristina do julgamento, agradeci-lhe o desvelo com que ela tratava o Paulo e o Fodé, pedi-lhe desculpa pelas minhas cartas às vezes tão desencontradas devido ao cansaço, voltámos a falar do futuro e dei-lhe a saber que esperava amanhã à tarde ter um avião de regresso. Então, sem sabermos porquê, começámos a chorar de mansinho e a dizermos aquelas banalidades seguramente próprias de quem não se vê há praticamente 1 ano. Prometi escrever com mais regularidade, quando saí dos correios ainda havia aquela luz crua que ofusca e nos faz olhar defensivamente para o chão. É com alguns sacos que regresso ao QG, deposito a carga e aproveito a boleia de um jipe para voltar ao bulício da cidade.

É aqui que me aguardam várias surpresas. Primeiro encontro o Saiegh. Sabia pelo Serifo Candé que eu viria a Bissau em breve, sentados à mesa do café revela-me que quer voltar para o exército e diz-me num frase hiperbólica: "Dentro em breve, estarei a formar uma companhia perto de Missirá." Eu não sabia, demorei muito tempo a saber, que em Fá se irá formar a primeira companhia de comandos africana. Quando me estou a levantar e a despedir-me do Saiegh, surge-me o Vargas Cardoso, em tratamento em Bissau, felizmente fomos parcimoniosos, não queríamos ambos falar da guerra, embora eu estivesse devorado por saber como estavam os meus antigos soldados.

Um jantar num vaso de guerra, antes dos fuzileiros partirem


O Comandante Teixeira da Mota veste irrepreensivelmente de branco e vamos jantar a bordo de uma embarcação donde, na madrugada seguinte, partirão fuzileiros para uma operação. É um espectáculo estranho, de um lado a amenidade à volta de uma mesa de jantar enquanto que lá fora se carrega armamento e os combatentes limpam as armas. O Comandante Teixeira da Mota tem livros para me oferecer, voltou a falar de Bucol, tive a decência de não lhe dizer que lá estivera, num gesto irresponsável. Sinto que este meu amigo está desconfortado com o que faz, ele é um intelectual que dificilmente convive com esta urgência de operações, embarques e desembarques com auxílio da força aérea, dos comandos e dos pára-quedistas. É um jantar muito agradável mas onde, em dado momento, prefiro calar-me, não quero falar da guerra e já respondi a tudo o que aqueles gentis oficiais queriam saber sobre a navegação do Geba e a singularidade do meu viver em Missirá. Apercebendo-se que estou exausto, o Comandante Teixeira da Mota conduz-me até ao Vaticano III. Não o voltarei a ver mais na Guiné.

À hora aprazada, entramos na sala e o juiz profere a sentença que o nosso cabo Ieró Djaló recebe sem pestanejar: 15 dias de prisão, está livre pois aguardou mais do que este tempo nos calabouços. Cá fora abraço-me a esta fonte de preocupações, temos os olhos humedecidos. Peço-lhe para embarcar amanhã cedo para Bambadinca e parto com os meus haveres para Bissalanca, à espera do primeiro avião.

Nessa tarde só tenho voo para Nova Lamego e aceito sem hesitar. Chegado a esta povoação, que é uma Bafatá em ponto pequeno, vou perguntar ao quartel se há transporte para Bafatá. Sim, não hoje mas amanhã ao amanhecer. Dessa curta estadia recordo um serão passado com um oficial muito cordato, tanto quanto me lembro era o Major Guimarães que me falou do agravamento da situação militar, recordou os primeiros ataques com os mísseis, equipamento que iria mexer com a moral das tropas, contou-me a dureza do ataque a Piche no mês anterior.

No dia seguinte, aproveitei a coluna que viera de Bambadinca buscar o correio a Bafatá, já pude almoçar neste meu círculo de boa camaradagem. Estou contente com tudo o que se passou com o Ieró Djaló, triste por ver a mesa do comando vazia, todos se interrogam sobre quem virá substituí-los. Ao princípio da tarde, já com o camuflado vestido e cheio de boas notícias para as gentes do Cuor, Mufali Iafai deposita-me na bolanha de Finete que atravesso na companhia dos soldados milícias, que me pedem vezes sem conta que descreva um julgamento militar.

Foi um período agitado, li pouco mas comecei leituras estimulantes. Para as idas e vindas de avião, fez-me companhia O Santo e os diamantes roubados, de Leslie Charteris. É um policial de acção, inclui uma louca correria de uma equipa de de bandidos a soldo do Príncipe Rodolfo, parente do Imperador Francisco José, através da Áustria e da Alemanha, para roubar as jóias que o Santo por sua vez roubara a outro ladrão. É um furto valiosissimo de rubis, pérolas, safis e diamantes, de que faz parte o diamante azul Ullsteindach, prenda de casamento do Imperador ao Arquiduqe Miguel. Simon Templar vencerá todos os obstáculos na companhia de Patrícia e do seu inseparável amigo Monty Howard. Nunca me desfiz do livro por causa da bela capa de Lima de Freitas.

Manuel da Fonseca deixou-nos belos contos sobre o Alentejo. Belos e trágicos, ao nível da epopeia, relatos de fome, de castigo, memórias de infância, registos de injustiças, homenagem à beleza telúrica. A Aldeia Nova é uma colectânea de contos onde se cruzam memórias poéticas e o sofrimento do campesinato. Como numa sinfonia gloriosa, os primeiros acordes são vigorosos na vibração e na tragédia. Um exemplo logo no primeiro conto, Campaniça: "Valgato é terra ruim. Fica no fundo de um córrego, cercada de carrascais e sobreiros descarnados. O mais é terra amarela, nua até perder de vista. Não há searas em volta. Há a charneca sem fim que se alarga para todo o resto do mundo. E, no meio do descampado, no fundo do vale tolhido de solidão, fica a aldeia de Valgato debaixo de um céu parado". Sim, Manuel da Fonseca é um dos maiores contistas e soube superar os rudimentos e as limitações do neo-realismo. É bom lê-lo lá no fundo do Cuor.

A rotina vai prosseguir até que no próximo dia 15 Missirá vai ser duramente flagelada mas o revés vai recair sobre a gente de Madina. Serifo Candé virá um dia destes com um gerador que ficará armazenado em Bambadinca, não pode ser transportado por Sintex, é arriscado levá-lo na bolanha. Não será no meu tempo que o verei a funcionar em Missirá. Os patrulhamentos a Mato de Cão não vão abrandar e um dia vamos voltar ao Enxalé, para desgosto de quem vive em Madina. O estado do Casanova é preocupante, o médico fala em depressão. O pior está para vir. Nos fins de Julho, voltarei a adoecer e aguardam-me dolorosos desgostos. Alguém que eu muito estimo me irá chamar "branco assassino". Não serei o mesmo, depois.

___________

Notas de L.G.:


(1) Vd. posts de:

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1927: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (54): Ponta Varela e Mato Cão: Terror no Geba

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1898: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (53): O ataque a Missirá de 15 de Julho de 1969, visto pelo bravo mas modesto Queta Baldé

22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)

(2) Vd. post de 23 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desastrosa operação a Madina/Belel

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago)

 
Guiné- Bissau > Instalações da AD - Acção para o Desenvolvimento > Julho de 2007 > O Paulo Malu, antigo comandante do PAIGC, hoje coronel, e quadro superior da Direcção-Geral de Alfândegas. Foi ele que comandou, em 17 de Abril de 1972, o bigrupo (?) que montou e executou a terrível emboscada contra os militares da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74) que escoltavam um grupo de civis afectos à construção de uma estrada (Quirafo-Foz do Cantoro).






 
Guiné- Bissau > Instalações da AD - Acção para o Desenvolvimento > Julho de 2007 > O Sado, quadro superior da Direcção-Geral de Alfândegas, amigo do Paulo Santiago.

Fotos: ©
Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007)




Guiné-Bissau > Região de Bafatá >
Contabane > Quirafo > Feverereiro de 2005 > Mais de trinta anos depois, os restos calcinados da fatídica GMC que serviu de caixão ao Alf Mil Armandino e aos seus camaradas da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), no trágico dia 17 de Abril de 1972, na picada de Quirafo (entre o Saltinho, Contabane e Dulombi).

Recorde-se que nesta emboscada foram utilizados LGFog e 1 canhão s/r. Do nosso lado, houve, pelo menos, 10 militares mortos, 1 desaparecido, todos da CART 3490 (Saltinho, 1972/74)... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro (1). A brutal violência da emboscada ainda hoje é visível, mais de três décadas depois, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram em Fevereiro de 2005 (2).


Foto: ©
João Santiago (2006). Direitos reservados.


1. Finalmente conseguimos, ao fim de muitos meses de contactos e diligências, chegar à fala com o homem que, no dia 17 de Abril de 1972, comanandou a emboscada do Quirafo. Eis a resposta que o Pepito mandou ontem ao Paulo, com conhecimento a mim, e que passo a reproduzir abaixo.

É uma grande emoção para o Paulo Santiago (que se apressou a telefonar-me, a dar-me a notícia da chegada do email do Pepito), mas também para nós, todos, que temos acompanhado este dossiê. O meu/nosso muito obrigado a todos aqueles que, de uma maneira ou de outra nos ajudaram (ou mostraram interesse em ajudar), de modo a conseguirmos o depoimento do Paulo Malu. Obrigado ao Pepito, ao Paulo Malu, ao Saldo Baldé, ao Jorge Rosmaninho, naturalmente ao Paulo Santiago, que nos emocionou com a reconstituição deste episódio, um dos mais negros da história da guerra colonial.

Esperemos que o Pepito consiga obter informação mais detalhada. Mas este momemto, este encontro, tem uma enorme carga de simbolismo, para ambas as partes, reforçada pelo desejo do Paulo Malu de querer encontrar-se com o Paulo Santiago, talvez já em Março de 2008.



A reconciliação e a paz são  um longo caminho que se contrói pedra a pedra, lágrima a lágrima, recordação a recordação. (LG)

Caro Paulo:

Acabo de me encontrar aqui no meu gabinete de trabalho com o Sado (contrariamente ao que eu havia dito, trata-se de Sado e não Saido) e com o Coronel Paulo Malu. A minha surpresa foi enorme pois trata-se de um velho amigo meu que já não via há alguns anos.

Está debilitado fisicamente mas com muita lucidez. Contou-me que a emboscada de Quirafo foi comandada por ele porque se supunha que o exercito português estava a pretender abrir uma estrada para facilitar a deslocação para o Boé. Daí eles terem decidido fazer a emboscada.

Quanto ao prisioneiro [,António da Silva Batista], foi descoberto emboscado, fingindo-se de morto, mas a respiração traiu-o. Foi levado até à fronteira com a Guiné-Conakry nesse mesmo dia e, à noite, um camião vindo de Boké levou-o para Conakry onde chegaram (o prisioneiro e ele, Malu) de manhã cedo.

Ele não sabe o que lhe aconteceu depois, pois por vezes os presos eram mandados para Argel. Está interessadíssimo em encontrar-se contigo, aquando da próxima vinda a Bissau.

Mando 2 fotos, uma do Sado e outra do Malu.
abraços
pepito


2. Mensagem enviada dia 6 de Julho pelo Paulo Santiago ao Pepito:

Camarada Pepito:


Parece-me que temos um amigo comum, o Domingos Pereira, director de produção da Cicer,actualmente em Portugal, e que,estava previsto vir passar este fim de semana aminha casa. Já não vem, porque a Zinha teve problemas de saúde, nestes últimos dias, tendo mesmo assim embarcado, bem medicada, esta manhã para Bissau, onde chegou bem, segundo informação dada pelo Domingos que ficou em Portugal, regressando a Bissau na próxima 6ª feira.

Falei com ele há minutos e,possivelmente só nos encontraremos,quando vier a Lisboa,daqui a umas 3 semanas,juntamente com os patrões,numa prospeção ao mercado de garrafas e cápsulas.

O motivo deste mail é outro.Ontem em telefonema ao Luís,falámos sobre o Paulo Malu. Segundo o meu amigo,Sado Baldé, Major ou já Ten-Cor,na Direcção Geral das Alfandegas,foi o Paulo Malu que comandou a emboscada no Quirafo,evocada por mim no blogue,há um ano atrás: "A Tragédia do Quirafo" (1) .

Em Fevereiro de 2005, quando estive na Guiné (2), cheguei a ter um encontro previsto com o Malu, para a manhã do dia de embarque,que infelizmente não se realizou, devido ao Sado,que vinha nesse dia para Portugal,ter passado a manhã a resolver problemas relacionados com a passagem.

Naquela data eu ainda não conhecia o nosso blogue. A seguir aos postes sobre aquele assunto,falei com o Sado sobre a possibilidade de o Paulo falar com um jornalista.
Informou-me que tinha falado com o Malu e que ele estaria disponível.Mandei um mail ao Jorge Rosmaninho, pedindo-lhe para se dirigir à Guarda Fiscal, dizendo ao Sado ao que ía, e o levaria à presença do Comandante Malu.

O Jorge informou-me que andava com muito trabalho, teria de ficar para mais tarde.Passado tempo, recebi um telefonema do Sado que, entre outras coisas, me informou ainda não ter sido procurado por nenhum jornalista. Voltei a insistir com o Jorge, que me deu uma resposta parecida à primeira.

Ontem o Luís lembrou: Será que o Pepito conseguirá falar com o Paulo Malu ? Daí a razão deste mail. Será que podes ir à Direcção Geral das Alfândegas falar com o Sado e, posteriormente, com o Malu ? Seria importante a opinião dele sobre a emboscada e do prisioneiro que levaram para Conacri,dado como morto pelas NT.

Um abraço
Paulo Santiago

PS - Espero poder estar em Guileje em Março de 2008


3. Neste espaço de tempo, eu próprio tinha mandado um toque ao Pepito que está para vir de férias, a Portugal, em meados deste mês, como de costume:

Pepito:

O Paulo Santiago falou comigo, dizendo-me que te prontificaste a falar com o Paulo Malu sobre a emboscada do Quirafo, um dos maiores massacres/carnificinas que aconteceram durante a guerra colonial/guerra de libertação.

Acredito que não seja fácil, ainda hoje, aos homens do PAIGC falar sobre isto...Mas para nós era importante a versão dele... Morreram 11 militares portugueses, incluindo um alferes, meia dúzia de milícias e um número indeterminado de civis... A violência do ataque ainda hoje pode ser testemunhada pelos restos da GMC que lá ficou à beira picada Saltinho - Quirafo - Dulombi, se não me engano... Tens no nosso blogue já muitos textos sobre esta tragédia...

Não temos a versão de ninguém que sofreu a emboscada... Muitos morreram, um foi apanhado vivo... O Paulo, comandante do bigrupo, pode completar o puzzle... É um trabalho delicado, para ti... Mas, de certo, que farás o teu melhor. Obrigado. Luís

_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts do Paulo Santiago:

23 de Julho de 2006 >
Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

Vd. ainda os seguintes posts, de diversos autores:

20 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1681: Efemérides (4): Lista dos mortos no Quirafo (José Martins)

18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1674: Efemérides (3): A tragédia do Quirafo: rezar pelos mortos e perdoar aos vivos (Joaquim Mexia Alves)

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1669: Efemérides (1): A tragédia do Quirafo, há 35 anos (Paulo Santiago / Vitor Junqueira / Luís Graça)


22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1104: Homenagem ao Alf Mil Op Especiais Armandino, da CCAÇ 3490, morto na emboscada de Quirafo (Joaquim Mexia Alves)

24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)


21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)

(2) Vd. posts de:

26 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P914: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (1): Bissau

29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P923: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (2): Bambadinca

30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane

5 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P938: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (4): branco com coração negro no Rio Corubal

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

13 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P957: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (6): De volta ao Saltinho, Bambadinca e Bissau

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972

Guiné 63/74 - P1946: Estórias de Mansoa (2): um capelão (o padre Mário da Lixa) em apuros na estrada de Cutia (Aires Ferreira)




Guiné > Região do Óio > Mansoa > Cutia > Destacamento de Cutia > c. 1970 > Foto enviada, salvo erro, pelo César Vieira Dias, Ex Furriel Miliciano Sapador, CCS / BCAÇ 2885, um batalhão que esteve em Mansoa e Mansabá desde Maio de 1969 a Março de 1971 (se for outro o dono da foto, que reclame).


Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Texto do Aires Ferreira, ex-Alf Mil, CCAÇ 1686 / BCAÇ 1912, Mansoa, 1967/69)(1):

Missa em Cutia, por Aires Ferreira

Cutia era um destacamento que tinha um grupo de combate e ficava entre Mansoa e Mansabá e entre o Morés e o Sara - Sarauol [vd. carta de Mambonco].


O Batalhão tinha um Capelão que, um certo Domingo, lá para o fim de 67, resolveu ir celebrar missa a Cutia. Para isso, arranjou uma escolta de voluntários que, comandados pelo furriel S. S., lá foram, com 2 Unimogs e o jipe do capelão.

A missa foi celebrada e, no regresso, um dos Unimogs despistou-se e uma grande parte do pessoal da escolta ficou com ferimentos muito graves, tendo os restantes seguido até Mansoa para pedir auxílio.

Nesse Domingo, eu estava de Oficial de Dia ao quartel de Mansoa e desconhecia totalmente este assunto. Cerca da hora de almoço, passava junto à porta de armas, encontrei o Tenente-Coronel, o Comandante do Batalhão, que me disse:

- Alferes Ferreira, o seu grupo está todo destroçado na estrada de Cutia, o que está aqui a fazer? Vá já para lá.

- Não posso, estou de serviço - disse eu e apontei a braçadeira.

- Dê cá, eu fico com ela. O piquete vai já atrás de si com a ambulância.

Assim foi. Lá fui, munido da pistola Walther, com um condutor que por ali apareceu e chegámos depressa. A cena era trágica. Havia 5 ou 6 militares gravemente feridos e deitados na berma. O único militar que ali estava capaz de dar uns tiros para defender o local, se o IN por ali aparecesse, era … o Capelão, que, de joelhos, na estrada, junto ao jipe, fazia as suas orações, de G3 ao lado.

Logo de seguida chegou o necessário auxílio e todos os feridos foram evacuados e tratados.O Alferes Capelão que faz parte desta história era… o Padre Mário Pais de Oliveira (2), bem conhecido desta Tertúlia e a quem envio um grande abraço.

Aires Ferreira

2. Comentário do editor do blogue:

Esta cena, trágico-cómica, repetiu-se infelizmente muitas vezes na Guiné, devido à frequência de acidentes, graves, com viaturas. A estória tem algo de heróico, insólito e ao mesmo tempo delicioso: estou a imaginar a angústia do capelão, o único homem do grupo em condições de se defender de um eventual da guerrilha, fazendo lembrar os nossos primeiros missionários, a cruz numa mão e a espada noutra, prontos para o martírio (ou o massacre).

Trata-se de um estória que eu recuperei de um poste do Aires Ferreira (1). Quis dar-lhe mais visibilidade e mas ao mesmo tempo fazer também uma singela homenagem aso nossos capelães militares. Muitos camaradas nossos devem-lhes uma palavra de gratidão pelo conforto espiritual e moral que, na missa, na confissão ou na simples conversa de caserna, na dor e na alegria, receberam destes homens, em terras da Guiné.

É uma homenagem a todos eles, independentemente das posições político-ideológicas que tomaram(ou não) perante a guerra, na altura ou mais tarde... A sua tarefa não era fácil, estando o seu múnus espiritual fortemente condicionado pelo seu enquadramento institucional (nem mais nem menos dois pesos pesados, a Igreja Católica e as Forças Armadas, com a PIDE/DGS sempre perto, a vigiar e a zelar pelo "bem da Nação")...

De dois desses homens já aqui falámos, com mais afecto e carinho: o Mário de Oliveira e o Arsénio Puim (3)... Mas a nossa Tabanca Grande está aberta e pronta a acolher o testemunho de outros capelães que queiram aparecer... e até dos sacristães (que os havia em cada CCS de cada batalhão). Ao que parece, só os cangalheiros que vinham expressamente de Bissau para fazer o seu trabalho.

O Rui Felício, (ex-Alf Mil, CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852, 1968/70), é o autor da primeira Estória de Mansoa, série que gostaríamos que tivésse continuidade (4). (LG).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1002: Um novo recruta, Aires Ferreira (BCAÇ 1912, CCAÇ 1686, Mansoa, 1967/69)

(2) Até à entrada do Aires Ferreira, o Padre Mário de Oliveira era, ironicamente, o único representante do Batalhão de Caçadores 1912 que, de resto, o expulsou do seu seio.... Conheci o Mário de Oliveira, em Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, onde em tempos tinha sido pároco (creio que depois de vir da Guiné, donde fui expulso de capelão militar). Conheci-o no dia do meu casamento, civil, em casa dos meus sogros, em Agosto de 1976. Ele era e é amigo da minha mulher. Passou a ser também meu amigo.

Curiosamente o Nuno Rubim - segundo me confidenciou - encontrou-o há tempos, na Feira do Livro de Lisboa, no stand da sua editora, Campo das Letras (Porto) a a atender os seus leitores e a autografar o seu último livro (Salmos V ersão Século XXI). O Nuno (que se considera, ele próprio, agnóstico) apresentiu-se e ficou a falar com ele pela tarde dentro. Ficou fascinado pela sua personalidade e inclusive foi jantar com ele. No fibnal pediu-lhe para escrever, para o nosso blogue, um texto sobre a organização da assistência religiosa às NT, na Guiné. O Mário prometeu-lhe que sim... Ficamos aguardar com muito interesse e expectativa.

Vd. posts de:

27 de Junho de 2005 > Guiné 60/71 - LXXXV: Antologia (5): Capelão Militar em Mansoa (Padre Mário da Lixa)

14 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCL: Capelão militar por quatro meses em Mansoa (Padre Mário da Lixa)

17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXV: Foi em plena guerra colonial que nasci de novo (Padre Mário de Oliveira )

8 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1825: Mário de Oliveira, na Feira do Livro de Lisboa, dia 9 de Junho de 2007

(3) Sobre o ex-Alf Mil Capelão Puim, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), vd. posts:

5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1925: O meu reencontro com o Arsénio Puim, ex-capelão do BART 2917 (David Guimarães)

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1763: Quando a PIDE/DGS levou o Padre Puim, por causa da homília da paz (Bambadinca, 1 de Janeiro de 1971) (Abílio Machado)

(4) Vd. post de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1006: Estórias de Mansoa (1): 'Alfero, água num stá bom' (Rui Felício, CCAÇ 2405)