quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3560: História da CCAÇ 2679 (8): Três apontamentos (José Manuel Dinis)


1. Mensagem de José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 30 de Novembro de 2008:

Carlos, ou Virginio, camaradas,
Aqui vai mais um molhinho de estórias, coisa pouca, mas de boa vontade. Faltam-me retratos e outras narrativas, para tornar mais abrangente esta história. Parece-me que a inércia vai tolhendo a minha malta.
Ainda assim, antes a inércia, que o reumático.

Para o pessoal da Tabanca Grande, aquele abraço.


O Banana

Para além de mim, vêem-se, de joelhos, o Nuno, Trms; o Gonçalves e o Abreu. Esta fotografia reporta-se a outra acção, estranha à relatada.

Algures na região do Corubal, caminhávamos em patrulha, à procura do IN, ou dos seus sinais, na realidade, sem vontade para qualquer encontro, mas deambulávamos na mata, porque era a nossa sina.
Sob o calor intenso, contornávamos árvores, pisávamos terrenos onde, com facilidade, era possível colocar e dissimular minas. De facto, sob a mata densa, o solo apresentava-se atapetado de folhas, e as irregularidades eram constituídas por novos arbustos e pela proliferação de ramos rasteiros, ou raízes afloradas, que que poderiam provocar tropeções e dificultavam a progressão.

Do ponto de vista do IN, algumas destas margens que patrulhávamos frequentemente, demarcadas, dariam bons campos de minas contra a nossa presença. Aliás, de sentido contrário, algum tempo antes, um furriel do BART fora vítima de si próprio e da inexperiência e ficara sem um pé, não longe dali, porque instalara um campo de minas no início da comissão, tendo feito o registo na embalagem de um maço de tabaco. Antes do regresso mandaram-no levantar os engenhos, com as dificuldades naturais de os identificar com segurança, face às alterações da natureza em quase dois anos e à dissimulação a que ele procedera na instalação.

O que deveria ter ficado assinalado em carta, muito bem referenciado, era uma área a evitar pelas NT. Assim desprotegido, movido pelo respeito a uma ordem, o desgraçado foi vítima de mais um acidente, mas poderia ter sido pior, pois o grupo que o acompanhava andou num campo de minas.

Mas não, nunca nos aconteceria cair nessas armadilhas traiçoeiras, o que não evitava, de quando em vez, de pensar no assunto.
O passeio pedestre, todavia, não iria acabar sem qualquer percalço. Um militar foi acometido, tudo o indicava, de um paludismo galopante. Totalmente desfalecido, não aguentava prosseguir pelo seu pé. Improvisou-se, então, uma maca: cortaram-se dois ramos, que atados a um pano de tenda, permitiram carregá-lo. Porém, as dificuldades do terreno, quando era necessário agachar-mo-nos para passar na densidade das ramagens, o calor a desgastar quem o carregava e a dificuldade de agir bem caso de encontro com o IN, aconselhavam a pedir a evacuação, enquanto o enfermeiro, via rádio, trocava impressões com o médico.

Que não, não seria possível a evacuação por indisponibilidade de héli, mas após diligências óbvias, referiram que devíamos procurar um local com visibilidade, uma clareira, estender a tela reflectora e transmitir a posição, que uma Dornier sobrevoaria o local e deixaria cair uma injecção.

Assim foi, numa clareira estendeu-se a tela , ficaram o doente, o enfermeiro, o Trms, o alferes do BART e eu, enquanto o pessoal dos dois pelotões montava segurança a coberto da mata. Algum tempo depois, roncando no ar, aproximou-se a aeronave. A bordo, vinham, o Drácula, o Major de Operações, o médico e o Leite, que comandava a Companhia. Sobrevoou-nos e baixou na nossa direcção, tendo lançado um saco de juta com o medicamento.

Depois voou sobre as árvores, elevou-se em volta larga, para voltar a picar sobre nós, a saciar a curiosidade a bordo. Quando desenhava a terceira manobra de aproximação ao solo, já tínhamos criticado a insistência anterior como susceptível de suscitar a curiosidade do IN, no caso de se encontrar ali perto, pelo que podíamos vir a ser surpreendidos, situação agravada pela dificuldade do grupo na deslocação. Inspirado por essas conjecturas, pedi o banana que servia de contacto com o piloto e transmiti, em obediência ao impulso, que mandaria abater o avião, se não se retirassem imediatamente do local.

Bem dito e bem feito. Rumaram a Piche.

Só depois fiquei a pensar nas possíveis consequências draculianas. Se me chamasse, teria oportunidade para me defender e justificar, expondo aquele raciocínio, que se me apresentava coerente. Mas se me desse a porrada sem querer saber de razões? Só me restava aguardar.

A boa notícia era quenão dormíamos no mato.
Regressámos ao aquartelamento sem sem outras surpresas. Fui para o banho, dirigi-me à messe para o jantar, onde não estava o Drácula, e ninguém me chamou ou fez qualquer observação a propósito do dia e da D.O.
No dia seguinte também não. Suponho que o piloto terá arranjado qualquer razão para regressar, sem me comprometer nem denunciar.

A Lepra

Em duas viaturas, saímos pela estrada de Nova Lamego, de onde nos dirigimos na direcção nordeste, penetrando numa mata onde nunca estivéramos, nem era conhecida por alguma actividade IN. Uma região de ninguém, onde nos deslocávamos com ajuda de um guia, através de uma picada quase imperceptivel, pela falta de uso, com os rastos das viaturas só avistáveis de quando em quando, cobertos de ervas e folhas caídas, ou dissimulados desde as últimas chuvas. O nosso destino era uma aldeia de leprosos.

Connosco seguiam dois enfermeiros com medicação para distribuir, ou para eventuais tratamentos. A nossa missão era conduzi-los ao local com protecção. Impressionava-me a ideia e formulava cenários tenebrosos e dantescos. Fazia um filme de perseguições, com os habitantes revoltados pelo isolamento e nós, em coridas desencontradas e tolhidos por medos, em tentativas de fugir ao contágio aterrador. Preveni o pessoal sobre a missão e o que poderíamos encontrar, mas que não haveria cuidados especiais, salvo, relativamente a pessoas com chagas. De qualquer maneira, a discrição e o afastamento poderiam ser bons conselheiros.

Entre os autóctones ter-se-ia estabelecido como norma, que os individuos afectados pela lepra, na falta de assistência adequada, deveriam instalar-se naquela aldeia para evitarem a transmissão da doença a terceiros. Parecia-me ser assim. Digamos, que se tratava de um ostracismo comummente aceite, um lugar de exílio em resultado da enfermidade.

Imaginei que aquelas pessoas pudessem manifestar alguma revolta, ansiedade ou curiosidade. A revolta pela condição e isolamento. Ansiedade, como sentimento natural que resulta da esperança na salvação, na aquisição da normalidade. E curiosidade, como resultado da nossa presença, já que os contactos com o exterior seriam naturalmente escassos.

Afinal, fiquei muito surpreendido. A aldeia tinha aspecto físico, normal de qualquer tabanca. Viviam em famílias, que não sei se teriam sido ali constituídas ou para ali deslocadas por força da afectação de alguém. O comportamento foi muito sereno, parecia até que, conhecedores da doença e da possível propagação, evitavam contactos com estranhos, embora não tenha sabido se o faziam com esse nível de consciência, mas evidenciavam desinteresse pela nossa presença. Inclusive, as poucas crianças.

Vi indivíduos com os dedos parcialmente desaparecidos nas mãos como nos pés, mas cicatrizados. Não vi chagas. Sentados, ora isolados, ora em pequenos grupos, nas sombras, olhavam-nos silenciosos. Denotavam um sentido de espera e indiferença.
Era, sobretudo, uma pequena comunidade, pricipalmente de velhos, de onde a alegria tradicional da miudagem andava arredia.

O Tereza

Alguns elementos do 2.º Pelotão - Foxtrot, de pé, da esquerda para a direita: Dinis, Abreu, Teresa e França. Em baixo: Lamarão (condutor), Rodrigues, Martins e Virgílio Sousa

O Manuel Fernando Ramos Tereza foi um bom soldado, cumpridor, com boas qualidades físicas e morais, de trabalho e humildade. Não foi um mobilizador - do Foxtrot, obviamente um elemento que espalhasse alegria e boa disposição, alguém com iniciativa, mas sempre correspondeu às solicitaçóes, contribuindo para o sucesso colectivo, discretamente e sem comprometer. No mato manteve sempre a atitude adequada, sem estrilhos, sem medos que tolhem, antes, com aquela atitude de confiança que também galvaniza.
Foi assim que cumpriu a comissão na Guiné, eficiente e solidário. Sem necessidade de se impor pela exuberância, impôs-se pela solidariedade e eficácia...
_________________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3477: História da CCAÇ 2679 (7): Quotidianos (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P3559: Estórias do Zé Teixeira (31): Aquele Minuto (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Mais uma estória do nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, enviada em mensagem datada de 1 de Dezembro de 2008.


Aquele Minuto!

... Saí de manhã até à Bolanha de Beafada (bolanha dos passarinhos), a montar segurança à coluna que ia para Aldeia Formosa. Tinha como missão assistir os picadores que iam à frente a tentar detectar as possíveis minas que o IN costuma colocar. Deixei a bolsa de enfermeiro na 1.ª viatura e seguia atrás dela.

Como havia muitas poças de água, instalei-me ao lado do condutor. Em determinado momento tive um pressentimento e saltei da viatura seguindo à sua frente. Não andei 50 metros e senti um rebentamento, fui projectado pela deslocação do ar e senti algo a cair em cima de mim. Deduzindo que eram estilhaços – pensei - desta não escapo [...]


(Do meu diário 31 de Julho de 1969)


Aldeia Formosa 1968 > Cemitério de viaturas destruídas – na primeira da foto foram-se duas vidas. 

Buba 1969 > Uma coluna de Aldeia Formosa para Buba, trilhando já parte da nova estrada em construção, às portas de Buba.

Buba - O depósito de água e uma das casernas adaptada para outras funções.

Buba 2005 > A minha caserna transformada em escola. Ali mesmo junto à porta tinha a minha tarimba.

Buba 2005 > Outra caserna/escola em Buba 

Buba 2005 > A capela católica num Domingo de manhã no momento da celebração da Missa. 

Buba 2005 > A estrada ao lado da pista de aviação, agora transformada em zona de habitação.
 
Buba 2005 > As primeiras casas de Buba, para lá do cimo da pista.

Fotos e legendas: © José Teixeira (2008). Direitos reservados.

Ainda o sol se escondia para lá da floresta, naquela manhã de 31 de Julho de 1969, já a coluna de mantimentos partia de Buba para Aldeia Formosa. Coube-me a missão de acompanhar o Grupo de Combate que na frente, fazia a picagem do caminho em busca das minas traiçoeiras, muito habituais naquela zona. Chovera bastante nos dias anteriores, pelo que o terreno estava enlameado e cheio de poças de água, para mal dos picadores que viam a sua missão mais complicada e riscos acrescidos a quem ousasse pisar tal terreno.

Era meu hábito sempre que via um soldado branco em cima das primeiras viaturas da coluna, obrigá-lo a descer pelo risco que pesava sobre estas de poderem pisar uma mina não detectada pelos picas. Nesse mesmo dia obriguei o Franklim, o Rádiotelegrafista de serviço, a saltar da primeira, bem contra a vontade dele. Aos africanos, normalmente civis, apenas deixava um aviso, que nunca fora, até então, correspondido.

Enquanto os picas iam à frente, eu seguia atrás da primeira viatura, religiosamente em cima do rodado, não fosse o diabo tecê-las.

Dá-se uma avaria numa das viaturas da retaguarda e a coluna pára por uns minutos. Os picas seguiram em frente, criando um espaço limpo de minas. Logo que houve ordem de marcha, a coluna acelera a marcha obrigando a tropa a apressar o passo.

Para que havia eu de correr se logo ali na primeira viatura – a rebenta minas – carregada de sacos de areia e bebidas, havia lugar para mim !

Se o pensei, de imediato o fiz, sentando-me ao lado do condutor em assentos construídos de sacos de areia. Em cima da viatura seguiam quatro civis africanos, bem lá no alto.

Umas centenas de metros à frente, já bem dentro da tristemente célebre bolanha dos passarinhos, dei comigo a interrogar-me: - Tu que não deixas os teus camaradas viajarem nas viaturas da frente, vais instalado logo na rebenta minas ao lado do condutor . Este pensamento empurrou-me para o chão e lá continuei eu a correr à frente da viatura. Não andei cinquenta metros, quando ouço um grande estrondo, mesmo ali, e sinto-me voar em direcção à mata. Uma chuva de projécteis não identificados caem em cima das minhas costas, com alguma violência. Angustiado pensei : - Desta não escapo, ficando a aguardar sinais de dor que teimavam em não chegar. Passei então a mão à procura de sangue quente, mas apenas encontrei pequenas pedras e lama.

Já respirava de alívio, nesta fracção de minuto, quando vejo cair à minha frente, um, dois, três africanos, os que vinham lá em cima da viatura e foram projectados pelo ar. Um deles, ao levantar-se, trazia o olho esquerdo pendurado. O sopro tinha-lho arrancado da órbita ocular. Estava estranhamente confuso. Pudera! Um olho a ver-lhe os pés, o outro a olhar em frente !

Só então verifiquei que a viatura de onde tinha saltado, pisara uma mina AC nada restando do assento onde estivera por momentos sentado.

Não me é fácil, passados mais de trinta e nove anos transcrever o que senti naqueles momentos. Sei apenas que as pernas tremiam como juncos verdes batidos pelo vento e recusavam-se aceitar o peso do meu corpo, quanto mais andar. O coração parece que queria rebentar com o peito. Mas... havia um ferido e eu era o enfermeiro mais próximo. A bolsa de enfermagem estava na viatura sinistrada e podia haver, havia mesmo, mais minas .

Recordo-me que vi chegar um africano meu ajudante, saquei-lhe a bolsa, lavei muito bem a órbita do olho sinistrado, que não tinha sinais de estar ferido, apenas saltara da órbita pelo sopro de ar provocado pela explosão, coloquei-o com jeitinho no sítio, protegi-o com uma compressa e ala para Buba, rumo a Bissau. Tive a alegria de cerca de meio ano depois encontrar o africano ferido, em Bissau, feliz da vida sem problemas de visão.

No local do acidente a saga continuou. Primeiro foi o Franklim que se protegera atrás de um atrelado. O condutor da viatura saltou ao ouvir o estrondo lá na frente, deixando a viatura destravada. Esta recuou um pouco e o atrelado passou por cima da perna do Frank. Valeu-lhe o lamaçal em que estava deitado. A perna enterrou-se na lama e não sofreu nem uma pisadura.

A viatura sinistrada, carregada de bebidas foi um convite ao fartar vilanagem da tropilha. Cada um safou-se como pode. Eu só saquei duas garrafas do Verde da minha terra. Em poucos minutos ficou vazia. Seguiu-se a retirada da viatura do caminho para a coluna seguir caminho.

Mesmo ali no meio da confusão estava uma mina AP, comodamente escondida que se deixou pisar por toda aquela gente e por mim, possivelmente. Rebentou debaixo de um pneu do atrelado da segunda viatura, (o tal que tentara esmagar a perna do Frank), quando a coluna se pôs de novo em marcha.

Dois dias depois, numa coluna a Nhala, foi localizada mais uma mina no local.

Também na guerra, houve momentos de sorte.
Deixo-vos com o primeiro parágrafo do meu diário desse dia:

Vi a morte à minha frente. Deus pela sua infinita bondade, não permitiu que fosse ainda a minha vez de deixar o mundo.

Zé Teixeira
_____________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 25 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3093: Estórias do Zé Teixeira (30): Uma Vida que Deixei Fugir (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Vd. último poste de José Teixeira de 22 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3342: O meu baptismo de fogo (15): Estrada de Buba-Aldeia Formosa, 22 de Julho de 1968 (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P3558: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (1): Está na Hora (Santos Oliveira)



1. Mensagem de Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66: com data de 2 de Dezembro de 2008:

Assunto: Boas-Festas

Nesta época que se aproxima, a solidariedade interior parece acordar e dizer-nos, baixinho: ESTÁ NA HORA!

Pois é! Está na hora de recordarmos tudo o que de bom recebemos uns dos outros e de nos alegrarmos e partilharmos o que de melhor existe dentro de cada um de nós.

Para Vós, em particular, e para todos, os meus desejos de tudo quanto de excelente a vida tem para dar. O resto, as Festas, são a parte visível.

Ficar-vos-ia grato se fizessem chegar, estes meus Votos de Boas Festas, a toda a nossa Comunidade da TABANCA GRANDE.

Que tudo vá bem com todos Vós, meus Amigos.
Votos, do
Santos Oliveira

2. Comentário de CV

A equipa editorial agradece e retribui ao Santos Oliveira os votos formulados.

Aos restantes caríssimos tertulianos, aqui fica um repto para todos, para que enviem mensagens de Natal alguma imaginação para serem publicadas nesta série.

Lembro que há duas séries, Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e até ao meu Regresso (*) e O Meu Natal no Mato (**), onde podem relatar os vossos Natais passados na Guiné.
Como acho que os Natais passados naquela terra de África, fossem no mato ou em Bissau, marcaram igualmente todos nós, cada um deve escolher a que melhor se adaptar a si.
_____________

Notas de CV

(*) Vd. último poste da série de 2 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1396: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (11): 1969, na Missão do Sono, em Bambadincazinho (Luís Graça)

(**) Vd. último poste da série de 24 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2379: O meu Natal no mato (12): Mansoa, 1971: Uma de caixão à cova... para esquecer o horror (Germano Santos)

Guiné 63/74 - P3557: Controvérsias (16): Eu, Jorge Félix, ex-Pilav de helis, a Op Lança Afiada e a honra da nossa Força Aérea



Caderneta de voo do ex-Alf Mil Pilav Heli Alouette III, Jorge Félix (BA 12, Bissalanca, 1968/70), membro da nossa Tabanac Grande, com indicações do serviço prestado nos dias 12 (primeira foto, em cima), 13, 14 e 15 de Março de 1969 (segundo foto a contar de cima), no decurso da Op Lança Afiada (Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 8 a 18 de Março de 1969) (*). Infelizmente a qualidade das fotos é fraca.

Fotos: © Jorge Félix (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do José Félix, de 1 de Março de 2008:

Caríssimo Luis Graça:

Segue um texto e duas fotos da minha caderneta de voo. Uma grande caminhada inicia-se com um passo ...Um abraço

Jorge Félix (**)


2. A Operação Lança Afiada e o apoio aéreo
por Jorge Félix

Depois de lhe ter escrito, e ao lê-los, fiquei a saber ter estado na operação Lança Afiada (Junto fotos da minha "Caderneta de registo de serviço aéreo de piloto" dos dias referenciados).

A única lembrança daqueles dias que passei pela ZOPS de Bambadinca era de um enxame de abelhas que tinha entrado e saído por um Heli.

No dia 12 de Março (1969) isto é bem evidente: "Os ataques das abelhas continuavam a mostrar-se mais perigosos que as flagelações IN".

Ao ler logo a seguir na vossa narração, "cerca das 13H15, num helicóptero insistentemente pedido" , fico sem palavras, ... e não entendo o que se quer dizer por "insistentemente".

Os helis não saíam por o pedido ser mais ou menos "insistente". Se estavam disponíveis, podiam andar noutras operações, saíam conforme a gravidade das pessoas a evacuar , como se lembram classificadas como "X" e "Y".

Nesse dia, tirando 45 minutos de viagem de Bs [Bissau] para Bambadinca, voei cinco horas e quarenta e cinco minutos (5:45 H) na Zops de Bambadinca a fazer TGER - Transporte Geral e TVES - Evacuações. Em qualquer parte do mundo, num teatro de operações, é muito tempo. Como se pode ler nos registos, o tempo da viagem Bambadinca para as Zops era de 15 minutos.

"A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra". (Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas) (***).

Lido à distância deve ter sido muito trabalho, apesar de tudo: "A deficiência do apoio aéreo em reabastecimentos, evacuações e recomplementos levou a fazer mensagens e a focar o assunto no RELIM [Relatório de Informações sobre a Actividade Operacional".

Não tive conhecimento disto mas a esta distância dá vontade de rir. ....

Dia 13 Março 1969

"Neste dia houve uma reunião em Bambadinca com Sua Excia, o Comandante-Chefe e o Exmo Comandante da Zona Aérea que disseram ao Comandamte da Operação [ Coronel Hélio Felgas,] estar a ser excessivo o esforço pedido à FA [Força Aérea]. Expondo-se como esses meios estavam a ser empregues.

Por outro lado Sua Excia deu Directivas sobre a recolha do arroz IN. Ficou ainda estabelecido não proceder a quaisquer recompletamentos, excepto de oficiais e sargentos, a fim de aliviar os meios aéreos". (...)


Como podem ver no registo, nesse dia voei quatro horas e quarenta e cinco (4:45) no teatro das operações mais uma Viagem de cinquenta minutos para Bissau. Talvez aqui para aliviar ...

Constato que o Heli que levo para Bissau é o 9275 e tinha andado a voar no 9279. É natural que este Heli 9275 tivesse que fazer manutenção, não me recordo.

Depois disto e ver a minha Caderneta de Voo, o que se segue e está por vós escrito não tem sentido:

"A situação quanto ao apoio aéreo era a seguinte em 13 de Março de 1969, às 13H45 (MSG 735/I/BCAÇ 2852):

- 1 DO estava avariado havia 2 dias;
- O outro DO só começou a trabalhar às 10H00;
- O heli trabalhava pouco mais de 1 hora, seguindo para Bissau;
- O outro heli seguira às 08H00 directo de Bafatá para Bissau (parece que podia ter ido ficar a Bissau na véspera);
- O helicanhão saira para Bissau às 10H30, só regressando no dia seguinte às 11H00;
Os helis que haviam seguido para Bissau só foram substituídos cerca das 11H00 ; só depois desta hora, portanto, se regularizou o serviço de reabastecimentos e evacuações." (...).


O héli trablhava pouco mais de 1 hora, seguindo para Bissau: DEVE SER CORRIGIDA ESTA [ÚLTIMA] "PASSAGEM"...


Dia 14 Março 1969

Conforme Caderneta de Voo, voei no Heli 9272, durante duas horas e quarenta (2:40),

Dia 15 de Março 1969

Seis horas e quarenta e cinco, (6:45 h) e sessenta aterragens, são os números desta dia da minha Lança Afiada, .. com 40 graus à sombra ....

Dia 16 Duas horas de voo, cinco aterragens, um DESP entre Bambadinca-Bafatá.

Dia 1 de Março de 2008

São 2:32. Será que os meus registos vão dar outra leitura à Lança Afiada ?

2. Comnetário de L.G.:

A tua mensagem só agora foi publicada, por que estava em stand by, à espera de melhores dias, ou seja, de oportunidade editorial... Bastou alguém (o Torcato Mendonça) falar na mítica Op Lança Afiada, para eu me lembrar dos teus justíssimos protestos...

Fica, pois, registada no nosso bogue a tua ira contra os senhores da guerra (ou o senhor) que escreveram (ou escreveu) o relatório da Operação. Eu não fui, juro-te, pelo que não posso atender ao teu pedido de correcção do original, com muita pena minha... Este relatório, transcrito em quatro partes, na I Série do nosso blogue, consta da história do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (**).

Ainda bem que trouxeste contigo (e guardaste) a tua preciosa caderneta de voo, se não ainda poderia aparecer por aí alguém a jurar que tu nunca foste piloto de helis nem nunca estiveste na Guiné, na BA12, Bissalanca, nem muito menos sobrevoaste o Rio Corubal que o PAIGC considerava seu, região libertada...

Como eu já escrevi em tempos, esta operação (uma montanha que pariu um rato, se pensarmos nos magros resultados obtidos em face dos meios mobilizados...) terá azedado ainda mais as relações (que não seriam as melhores) entre o então Brigadeiro Spínola, Com-Chefe, e o comandante do Agrupamento de Bafatá, o então Coronel Hélio Felgas (falecido este ano, com o posto de Major General, na reforma) (****).

Naquela como noutras guerras dá sempre jeito a táo portuguesa teoria do bode expiatório, para explicar os nossos insucessos... A Força Aérea foi alvo de críticas por parte do Cor Hélio Felhas, que era, ao que parece, um homem frontal, e que defendia a teoria da "guerra total"... Ele já não está cá para se explicar nelhor, mas há malta, no nosso blogue, que esteve na Lança Afiada (por ex., o Paulo Raposo, da CCAÇ 2405; o Torcato, da CART 2339, não tenho a certeza, acho que estava de férias)...

Sem qualquer propósito de desencadear mais uma polémica, gostaria, por fim, que comentasses estes dois parágrafos do relatório do coronel (Ponto "9. Ensinamentos colhidos"):

(...) "A inicial deficiência do apoio aéreo podia ter acarretado consequências graves se o IN tivesse reagido com maior agressividade. Concordamos que o heli é uma arma cara (15 contos por hora). Mas é indispensável neste tipo de guerra" (...). [ O raio do heli gastava mais numa hora do que tu ganhavas em dois meses.]


________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III)

(**) Vd. postes de:

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)

15 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2645: Fórum Guileje (6): Antes que se esgote... Gandembel (Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil Av Al III, BA12, Bissalanca, 1968/70)

18 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2660: Notas de leitura (10): Jorge Félix, o nosso piloto aviador, fala do livro do Beja Santos e evoca o Alf Mil Brandão (CCAÇ 2403)

20 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2864: Mitos (1): As aeronaves e os pilotos do PAIGC (Jorge Félix)

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2683: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (9): O Jorge Félix e o Prisioneiro

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)

1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3259: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (6): Alguns esclarecimentos (Jorge Félix)

10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3292: Controvérsias (3): O acidente de helicóptero que vitimou Pinto Leite (J. Martins / J. Félix / C. Vinhal / C. Dias)

30 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3380: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (10): Quando a guerra era com os copos... ou o elogio do Tosco, em Lisboa (Jorge Félix)

6 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3412: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (11): Ainda o Honório, o Jagudi... ou o puro gozo de voar (Jorge Félix)

1 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3546: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (14): Em Junho de 69 havia bajudas a alternar no Tosco, na Conde Redondo (Jorge Félix)


(***) Sobre a Op Lança Afiada, vd o relatório das NT, já reproduzido na I Série do nosso blogue:

Total dos efectivos empregues (n=1291) na Op Lança Afiada, que decorreu durante 10 dias: a) Militares: 36 oficiais; 71 sargentos; 699 praças; b) Milícias: 106; c) Guias e carregadores 379. Comandante: Coronel Hélio Felgas (****).

Vd postes de:

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(****) Vd. postes de:

24 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2980: In Memoriam (5): Morreu ontem o Major General Hélio Felgas, antigo comandante do Agrupamento nº 2957, Bafatá (1968/69)

24 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2981: Hélio Felgas, com Spínola, em Bambadinca (Jaime Machado)

25 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

25 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2985: Homenagem ao meu professor da Academia Militar, Hélio Felgas (António Costa, Cadete aluno nº 11/650, Curso ART 1964/67)

Guiné 63/74 - P3556: Controvérsias (14): O Silvério e outros capitães, milicianos ou do QP, que desertaram a meio da comissão (Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Na foto, o ex-Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho, conivendo com a população local... A seu colo uma criança que bem poderia ser órfã de pai... Por analogia, poderia falar-se de companhias orfãs, na Guiné, devido ao facto de ter perdido - por razão ou outra - o seu capitão original... Houve companhias com três, quatro e até mais comandantes... Assunto controverso a merecer aprofundamento e debate... (LG)

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

1- Comentário de Luís Graça ao poste de 2 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...

Alberto, estás um mestre: em duas pinceladas desenhas uma personagem e um contexto, e contas uma história com a tensão dramática q.b. E, sempre claro, conciso e preciso, sabes, com rigor e magia, falar de emoções que nos eram proibidas... Os nossos medos, a nossa angústia, a nossa culpa, os nossos ódios, a nossa solidão... muitas vezes sublimados pelo álcool, o sexo, o jogo, os comportamentos de risco e de bravata...

Quantos capitães, sobretudo milicianos (mas também do QP), não pensaram, no seu íntimo, seguir os passos do Silvério ? A maior parte não desertou... Mas quem, deles, se atreve a atirar a primeira pedra contra o Silvério, os Silvérios que, nas férias, foram para a França ou para a Suécia, não tendo regressado à Guiné ?

Não sei se haverá muitas histórias dessas, de companhias órfãs, que ficaram sem o seu capitão, a meio da comissão ou até mais cedo...

Sei que muitas companhias, na Guiné, tiveram mais do que um comandante, algumas até três e quatro capitães... Havia outros recursos menos dolorosos, mais cómodos, do que a vergonhosa (para a família...) deserção: a psiquiatria, a cunha, o compadrio, a corrupação, a golpada, etc.

Já aqui falámos de algumas dessas companhias: a CART 2339 (Mansambo, 1968/69), do Torcato Mendonça; a CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) do Sousa de Castro... Haverá muitas mais...

O que não deixa de ser motivo de interrogação e inquietação: porquê tão elevada taxa de turnover (rotação) de capitães, milicianos ou do Quadro Permanente, na Guiné ?

Eis um bom assunto para a nossa série Controvérsias (*) ... Talvez o Jorge Picado (que foi até agora o único capitão miliciano, se não me engano, a dar a cara e a contar a sua história de vida) (**), queira e possa abordar este tema-tabu, escaldante, incómodo (***).

Alberto, vamos ter livro! Parabéns! Esta é uma das histórias que vou pôr na nossa antologia, quando um dia tivermos que fechar o blogue...

Luís
___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3531: Controvérsias (14): PAIGC/FLING, Tite/São Domingos...(Carlos Silva)

(**) Vd. poste de 28 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3248: Eu, capitão miliciano, me confesso (1): Engenheiro agrónomo, ilhavense, 32 anos, casado, pai de 4 filhos... (Jorge Picado)

(...)Apresentámo-nos na EPI em Mafra no dia 25 de Agosto pelas 8H(?), devidamente fardados como constava das normas e de imediato, num dos corredores do Claustro bem perto da Porta de Armas(?), procedeu-se à formatura onde foi feita a chamada – para conhecimento dos possíveis desertores, que creio não ter havido – tendo sido dada a voz – pelo Ten do QP que nos comandava – de “apresentação a doentes(?)”, com a respectivamente formatura uns passos em frente.

Para meu espanto – não sei qual foi a reacção dos restantes – logo se adiantaram alguns que, creio, seguiram quase de imediato para a consulta externa em Lisboa. Não sei quantos se safaram ou quantos regressaram, mas sempre guardei a imagem dum, que deve ter sido um bom actor – pelo menos amador no teatro da Academia de Coimbra – cuja face mais parecia ter sido revestida por “uma máscara de desvairado”. Uma coisa é certa, obteve os resultados que queria na Psiquiatria, pois livrou-se de tais sacrifícios pela Pátria. Estou a falar dum tal… oriundo da Figueira da Foz e mais não digo…

Não posso precisar se fui o único – logo o 1.º – do meu COM de ART, mas creio que sim e apenas citarei os nomes daqueles de que me lembro.

Começarei logicamente pelos 3 colegas Agrónomos, que tivemos o mesmo TO por destino.

- O Ilídio Moreira, do curso de agronomia anterior ao meu, foi Cmdt duma CCaç (Geba) dum BCaç sedeado em Babadinca de 1970-72;

- O José Maria Queiroga (o tal que estava nas mesmas condições quanto ao emprego), do meu curso, foi chefiar a EAFB (Serviços Agrícolas) de 1970-72;

- O António Clemente da Costa Santos, igualmente do meu curso, na REPACAP do COMCHEFE de 1970-72;

- O João Cupido, de Mira, e que passou a ser meu colega nas viagens a casa aos fins-de-semana, deixando-o à sua porta e apanhando-o lá ao Domingo à noite no regresso a Mafra, cujo destino também foi a Guiné como Cmdt da CCaç 2753 , onde teve um brilhante Alf Mil que conheci nas margens do RCacheu e não mais me esqueci (mesmo desconhecendo o seu nome, até ao encontro de Monte Real. Gratas recordações, podes crer, Victor Junqueiro);

- Tenho uma vaga ideia de que havia um Morais, assim para o gordinho e ar e espírito bonacheirão que teria desertado já em Moçambique (?).

- Um Ten MIL que tinha continuado na vida militar e vinha do Quartel da GNR que existia perto das Janelas Verdes, cujo destino desconheci;

- Os 3 jovens Alf Mil (ou graduados em Ten?) já com uma comissão e voluntários para seguir a carreira, respectivamente Fernandes (o Cap da famosa expressão do “Verão Quente”, “as armas estão em boas mãos”), Caimoto que também foi para a Guiné e um 3º de que não sei o nome;

- Havia ainda um Nascimento que, creio, usava óculos.

Pronto, são estas as minhas recordações concretizáveis dos camaradas do CPC.

A esta distância, sem qualquer elemento de referência, nem sei quantos éramos, mas o sentimento que guardo sobre a disposição, o (des)interesse, a resistência manifestada à execução da preparação militar que nos era ministrada (analisado agora até me parece que era ou foi um contra-senso) e a quezilência para com os instrutores, posso afirmar que era maioritária. (...).

(***) Vd. também poste de 12 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2098: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): Proposta retirada (João Tunes / João Bonifácio)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3555: Navio "Carvalho Araújo". (António Matos)

imagem extraída de navios porugueses. Com a vénia devida.

"Carvalho Araújo" – verdadeiro símbolo nacional da altura Nestas curtas linhas limito-me a uma referência ao velhinho "Carvalho Araújo". Para mim era uma referência incontornável pois o comandante e herói José Botelho de Carvalho Araújo era meu conterrâneo e este barco perpetuava-lhe o nome! Ambos Vila-realenses, sabiam? Pois bem, a minha viagem para a Guiné foi genericamente agradável uma vez que, à excepção da aproximação a Cabo Verde, o mar era chão e a novidade do "cruzeiro" fazia disfarçar a missão que nos impingiram. As primeiras horas, porém, após a partida de Ponta Delgada, não auguravam nada de simpático uma vez que logo se seguiu o jantar e esse, foi digno de registo. Não pelas vitualhas que não recordo, de todo, mas duma operação logística com a qual se tentava compensar o balanceamento da embarcação. Serviram a sopa e levá-la à boca tornou-se uma prova de perícia na arte de bem manejar a colher! Aquilo parecia uma camioneta a curvar nas voltinhas do Marão! Ora agora adornava a bombordo ora agora a estibordo. Em cada uma destas oscilações, a sopa teimava em sair do prato e então era necessário pôr a colher do lado de fora para a "apanhar" quando se derramava pela mesa. Uma vez levada à boca, era urgente fazer a mesma operação para o outro lado, e assim sucessivamente. Devo confessar que cheguei a temer pelo enjoo de 10 dias consecutivos tão agoniado fiquei no fim da 1ª refeição. Felizmente que umas boas inspirações de ar puro no deck aliviaram as tonturas e tudo se normalizou. Se a memória não me atraiçoa, o paquete, após largar a carga no cais do Pijiguiti, regressou a Lisboa e nessa viagem, recordo, houve indicação de incêndio a bordo. Posteriormente arranjado, ainda rumou novamente à Guiné com grandes complicações que o seu fundo em cimento provocava. Finalmente em Lisboa, acostou ao cais da Rocha de Conde d'Óbidos e por lá deve ter apodrecido. Cheguei a vê-lo, abandonado à triste sina dos tempos, com um misto de nostalgia e pena por ver aquele símbolo nacional a agonizar.... Paz à sua alma! António Matos ex-Alf Mil da CCaç 2790 Bula 1970/72

__________ 

  Notas de vb: 1. Navio "Carvalho Araújo", misto de 2 hélices. Construído em 1929, em Monfalcone, Itália, por Cantiere Navale Trestino, foi registado na Capitania do porto de Lisboa em 21 Abril de 1930. Pertencia à Insulana, Cª de Navegação, e fez durante dezenas de anos a carreira para os Açores. Com cerca de 113 m de comprimento era movido por duas máquinas construídas em 1929, em Greenock - Escócia. Com uma velocidade normal a rondar os 12 nós, tinha capacidade para 354 passageiros com alojamentos para 10 passageiros em classe de luxo, 68 em primeira classe, 78 em segunda, 98 em terceira e 100 em cobertas. Serviam no navio 98 tripulantes. O "Carvalho Araújo" foi abatido ao efectivo em 1973. 2. Artigos de António Matos em 1 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3547: Um telefonema de Bula para a Metrópole...(António Matos)

Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...

Fuga para Lá (Menor?)

Alberto Branquinho




O capitão miliciano Silvério estava sentado na mesa de canto da denominada “messe de oficiais” com um copo de whisky entre as mãos, assente na mesa. Tinha o olhar fixo no vazio e repetia, repetia em surdina:
- E matavam-se por não saberem…/ por que… por que… os mandavam matar/ sem saberem as razões/ por que matavam… matavam… matavam…

Calou-se durante uns segundos. Depois, elevando a voz, começou a cantar:
- Heróis do mar, nobre povo…
- Oh capitão Silvério! – interrompeu o comandante do batalhão olhando para ele, enquanto segurava, com a mão direita, a carta que ia jogar. – Pare lá com isso!

O capitão parou subitamente de cantar e ficou a olhá-lo com ar apatetado:
- Meu comandante, desculpe. São erupções…

Sempre que não estava ausente em operações, o capitão Silvério ocupava aquela mesa depois do jantar, quase sempre sozinho. Não gostava de jogos de cartas. Bebericava whisky, dose atrás de dose. Quando a visão se lhe turvava, falava baixo, dizia poemas e pedaços de textos sem nexo, que pareciam não ter fim.

Voltou ao texto, repetiu, repetiu. Tinha a certeza que não era bem assim, mas, afinal, dava quase no mesmo.

Relacionava-se melhor com os alferes milicianos, mas estes, à noite e quando não tinham saídas, também eram jogadores de cartas. Ficava só. Ou quase.

Tinha dois inimigos de estimação. Um era o major do planeamento de operações, acusando-o de ele ver o terreno (bolanhas, rios, tarrafos, matas, etc.) como se tudo fosse um mapa plano, sem dificuldades nem obstáculos à progressão da tropa. O outro era o agente da PIDE, instalado junto ao quartel, que, solenemente, desprezava. Chamava-lhe o “homem das antenas”.

Com o correr dos meses tornou-se cada vez menos comunicativo e bebia cada vez mais.
- Capitão Silvério, você está a precisar de umas férias - aconselhou o comandante.
- Pois – respondeu secamente.

Foi de férias. Mas não regressou. O alferes Matos, por ser o mais antigo, passou a comandar a companhia, aguardando o capitão substituto.

Passados quase três meses sobre a data em que o capitão Silvério deveria ter regressado, o alferes Matos recebeu uma carta, enviada por alguém que não conhecia. Abriu o envelope e reconheceu a letra:

"Olá, Matos. Pedi ao meu amigo para te enviar esta carta para o SPM. Dá-me notícias vossas. Escreve para este meu amigo, para o endereço que está no envelope. Ele enviará a carta ou o aerograma para mim. Diz-me o que se vai passando com vocês, com todo o pessoal. Espero que não tenham tido azares.

"Há momentos em que acho que não deveria ter vindo para França, que deveria ter voltado para aí. É assim como uma espécie de culpa e fico angustiado. Principalmente à noite.

"Fica ao teu critério falares disto a quem tenhas confiança, mas acho que devia ficar só entre nós dois. Até para tua segurança.

"Escreve, está bem? E vai dando notícias de tudo.

"Um abraço do
Silvério ".


__________


Notas de vb:

1. Artigos do Alberto Branquinho em

26 de Novembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3521: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (11): Um cabo que conheceu Bissau vinte e três meses depois... (Alberto Branquinho)

Guiné 63/74 - P3553: Lança Afiada, Março de 1969. Frio, noite, damas...(Torcato Mendonça, CArt 2339)

Amigos e Inimigos mais Damas e Virgens


1 – Com o frio que por aí apareceu, fugi para casa.
Vesti polar da cabeça aos pés e fui ao Blogue.
Á esquerda nova sondagem. Não me parece fácil. Fiquei a olhar para as cinco hipóteses de voto. Onde enquadro, honestamente, o meu conceito de Amigo ou de Inimigo? Onde? Com o gelo que aí está, viro barman, agito a mistura – amigo e inimigo – e sirvo o quê? Não sei! Gosto de participar mas não abdico dos meus princípios, hoje de velho tonto. Só que são os meus e é tarde para mudanças… Vou pensar melhor!

2 – Olho para o P 3546 e aí está o Maxime (já vi o sitio).

Oh pá, oh pá. Outra vez a recordação, a tentação…e lá vem a noite. “Madre mia”, que fixação.
É no Conde Redondo ou ao Conde Redondo. Depois 69 para aqui, 69 para acolá. Mau…?! Eu sei …eu sei…o ano, o Vat…mas…
A mancarra da Guiné tinha um pequeno senão…fanado…não brinca com isso mas…vocês estão a desinquietar, a fazer-me ficar a olhar para o écran, a recordar…fui lá…a Lisboa, à Guiné…voltei, fui…apeteceu-me um Vat e um cigarro, uma Dama…recordações…fiquei-me por uma Velha… da Guiné em ano de 69…que desinquietações ou recordações aos montes?

3 – Velha

Perderam a noção dos dias. Quantos? Tanto calor – (os relatórios deram médias, à sombra superiores a quarenta; ao Sol superiores a setenta) – tantos quilómetros andados, tanta refrega, tanto suor a apodrecer a roupa e a sede, a fome, a sol a fundir a cuca. Tudo a lixar a malta.
Aos poucos iam desgastando, quebrando cautelas, entrando em rotinas, em mais uma flagelação ou acampamento inimigo a ser destruído. Iam, iam…

De madrugada, devido ao saber do guia, um ex-quadro do PAIGC, tinham apreendido muito material. Depois, tipo bate e foge, afastaram-se rapidamente.
Agora já manhã alta, vencidos pelo cansaço, pela sede e fome, pararam.
Á frente estava uma enorme bolanha, seca naquela época do ano, à esquerda rala mata até ao Corubal, atrás e à direita a mata densa. Além da neblina, da humidade a entrar nos ossos. Raios a partam que ainda cá está.
Alto, vamos fazer um descanso, comer e fazer o ponto da situação.
Cuidados para evitar alguma visita inesperada. Instalam-se sem trocar palavras. Hábitos e rotinas ou sempre o mesmo.
De repente gritos:

- Turra, turra…dois soldados do Grupo, seguram um africano que esperneia…ele grita.

– Vira-o…vira-o, porra. Levanta o braço e dispara o murro. Merda, merda…tarde demais. Olha, vê as flácidas mamas e o rosto de terror. O murro sai o mais fraco possível.



A velha dobra as pernas e cai inerte. Porra. Matei a velha. Dá-lhe água depressa e chama o enfermeiro. A velha mexe-se e, porventura habituada a boa vida, rápido ultrapassa a situação. Olha-os espantada, aquieta-se, recusa água ou comida e levam-na para a sombra.

Sentam-se. Comem devagar a intragável ração. Distribui a comida pelo guarda-costas, atrás e o guia ali ao lado, certamente a preferir a comida do PAIGC.

Durou pouco o sossego. Falas altas a indicarem vultos ao fundo da bolanha, lá longe, bastante longe. Outro Grupo trata do assunto: bazukada e, pouco depois trazem mais duas ou três mulheres e um miúdo. Raio de “Operação”…o inimigo safa-se por entre os dedos e a teimosia em não aceita mudar…

De repente sente um toque nas costas.
- Hã…
- Olhe ali, olhe ali. A velha vai-se…
Vê a troca de olhares entre um militar e outro que tomava conta da velha. Percebe. Olha para a direita e o guia abana a cabeça.
Tira a G3 de cima das pernas, põe a coronha na virilha, derrama, sem ser ostensivo, a arma no braço esquerdo. Diz:
- A Velha está feliz. Vai andar de helicóptero…
Sente a atrapalhação que provocou e recebe a resposta:
- Vai, vai…já estão ali outras e putos… vai tudo…

Sorriu, deixou descair lentamente a sua velha companheira e acendeu um cigarro. Trés bien…sussurra o guia entre dentes e recusa o cigarro.
Ele pensa…estes tipos loiros são lixados…vêem, se tiverem olhos claros, melhor à noite…de dia…


"Lança Afiada"; depois do Fiofioli; Março de 69.


___________


Notas de vb:

1. Artigos do Torcato Mendonça em

Guiné 63/74 - P3552: Blogues da Nossa Blogosfera (9): CART 3494, Xime e Mansambo (Dez 1971 / Abr 1974), criado pelo Sousa de Castro

1. Nasceu mais um bloguinho, CART 3494 Guiné, dedicado à CART 3494 (Xime e Mansambo, Dezembro de 1971 / Abril de 1974), criado e mantido pelo nosso camarada Sousa de Castro, um histórico do nosso blogue, o nº 2 da nossa tertúlia, hoje, Tabanca Grande. A criação deste blogue remonta a Maio de 2008.

Esta unidade pertenceu ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74). O Sousa de Castro queixa-se de estar muito só, nesta actividade bloguística.

Pela consulta do seu perfil, no Bloger.com, sabemos que o Antonio Manuel Sousa de Castro é menino para 57 anos, pertence ao Signo astrológico do Sagitário e ao Ano do Zodíaco do Tigre... É Técnico Fabril no ENVC - Estaleiro Naval de Viana do Castelo, e mora em Vila Fria, Viana do Castelo, Portugal (não, ainda não pertence a Espanha).

Na Guiné foi um homem das transmissões (1º cabo radiotelegrafista), tendo passado pelo Xime e depois por Mansambo (CART 3494 Jan 72/Abr 74).... De entre os seus passatempos favoritos, menciona o Cicloturismo.

Em sua homenagem, e com os nossos parabéns pela sua iniciativa e perseverança, tomamos a liberdade de reproduzir aqui um poste, publicado ontem:

Blogue CART 3494 Guiné, de Sousa de Castro > Um periquito da CCAÇ 12

(1) Mensagem do António Duarte:

Caro Sousa de Castro:

Fui seu companheiro na Guiné.

Fui furriel da CART 3493, tendo estado em Mansambo. Antes da companhia seguir para o sul (suponho Cobumba), fui para a CCAÇ 12 (*) onde acabei por passar a rendição individual e regressar [à Metrópole] em Janeiro de 1974 enquanto que o BART 3873 regressou só em Abril.

Quero dar-lhe os parabéns por ser um activista das nossas recordações, quer através do blogue do Luís Graça, quer noutras paragens na Net. Afigura-se-me que nos faz bem.

Da sua companhia [CART 3494] tenho encontrado o ex-furriel Luciano, que trabalha em seguros, na CGD. Recordo também com muita saudade o Bento, que esteve comigo na especialidade em Vendas Novas. Faleceu em 22 de Abril de 1972.

Um abraço, de camarada para camarada,

António Duarte

(2) Resposta do Sousa de Castro ao Duarte:

Antes demais existe uma regra no blogue-fora-nada (Luis Graça & Camaradas da Guiné) que é tratarmo-nos por tu: afinal somos todos mais ou menos da mesma idade, portanto estás à vontade para blogar.

Como deves calcular, eu pertenci à CART 3494 do Xime que, depois da CART 3493 transitar para Cobumba, foi ocupar a vossa zona - Mansambo.

O Luís Graça que é o grande obreiro da muita documentação publicada no blogue, também pertenceu à CCAÇ 12 [Bambadinca, 1969/71].

Quanto ao ex-Furriel Luciano creio que estás a falar do Luciano José Marcelino de Jesus, certo? Faz o convite a ele, por mim, para entrar no blogue e tu também... Sou o único da CART 3494 [Xime e Mansambo, 1972/74] que tem estado mais ou menos activo. Precisamos que contem as vossas estórias passadas no teatro de operações na Guiné. Como disseste, isto faz-nos bem. Temos muitas fotos da época publicadas no blogue.

Fui 1º cabo radiotelegrafista e moro em Vila Fria - Viana do Castelo. Manda para o Luis Graça uma pequena estória e uma foto da época e outra actual, para a tertúlia.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3551: Brasões, Guiões ou Crachás (4): CCAÇ 728; CCAÇ 2617; CCAÇ 3566; PEL CAÇ NAT 63; CCAV 677 e CCAÇ 2402 (José Martins)

COMPANHIA DE CAÇADORES N.º 728

CCAÇ 728 - Guiné 1964/64 - Divisa: Os Palmeirins

Mobilizado no Regimento de Infantaria n.º 16 - Évora

Embarque em 08Out64
Desembarque em 14Out64

Regresso em 07Ago66

Divisa – Os Palmeirins

Faz uma curta estadia em Bissau, realizando a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional em Nhacra.
Segue para Cachil (Ilha do Como) em 27Nov64, onde assume a responsabilidade do subsector.
Desloca-se em 22Set65 para Catió como unidade de intervenção e reserva do escalão superior ali estacionado.
Foi colocada em Bissau para colaborar na segurança e defesa das instalações e populações em 18Jun66, até à data do seu embarque.

É Companhia independente.
____________


COMPANHIA DE CAÇADORES N.º 2617

CCAÇ 2617 - Guiné 1969/71 - Divisa: Sempre Excelentes e Valorosos

Mobilizado no Batalhão de Caçadores n.º 10 - Chaves

Embarque em 15Nov69
Desembarque em 20Nov69

Regresso em 25Set71

Divisa – Sempre Excelentes e Valorosos

Em 02Dez69 assume a responsabilidade do subsector de Pirada, com um destacamento em Paunca.
Assume o subsector de Guileje em 24Mar70 até 07Fev71.
Em 23Fev71 segue para Quinhamel, destacando forças para Ponta Vicente da Mata, Ome e Ondame.
Segue para Bissau em 30Ago71, onde fica a aguardar embarque.

É uma subunidade orgânica do BCaç 2893
____________


COMPANHIA DE CAÇADORES N.º 3566

CCAÇ 3566 - Guiné 1972/74 - Divisa: Os Metralhas

Mobilizado no Batalhão de Caçadores n.º 10

Embarque e desembarque em 23Mar72

Regresso em 18Jun74

Divisa – Os Metralhas

De 27Mar72 a 22Abr72 realizou a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional em Bolama, no CIM.
Assume a responsabilidade do subsector de Empada em 17Mai72.
Em Abr73 destaca dois pelotões para reforço de Catió, onde ficam até 23Jan74.
Desenvolve uma acção ofensiva na área de Ingoré em 19Out73, com bons resultados.
Regressa a Bissau em 14Jun74 para aguardar embarque.

É Companhia independente.
____________


PELOTÃO DE CAÇADORES NATIVOS N.º 53

PEL CAÇ NAT 53 - Guiné 1966/74 - Divisa: Continuaremos

Mobilizado no Comando Territorial Independente da Guiné

Criado em Setembro de 1966

Desactivado em Agosto de 1974

Divisa – Continuaremos

Colocado inicialmente no Xime, foi transferido, sucessivamente, para Bambadinca (Jan69), Canjambari (Abr69), Bambadinca (Jul69) e Saltinho (Set69), onde se manteve até ser extinto.

Pequena unidade da guarnição normal.
____________


COMPANHIA DE CAVALARIA N.º 677

CCAV 677 - Guiné 1964/66

Unidade Mobilizadora: Regimento de Cavalaria 7 – Lisboa

Embarque: 08Maio64
Desembarque: 13Mai64

Regresso: 26Abr66

É colocada em Tite com a função de intervenção e reserva do Batalhão de Caçadores 599 em 14Mai64, com um pelotão destacado em Fulacunda.

Realizou operações nas regiões de Jufá, Bária, Budugo, Gamol, Jabadá e Brandão, e destacou pelotões para reforço das guarnições de Jabadá e Enxudé.

Assumiu, em 24Abr65, a responsabilidade do subsector de S. João.

Voltou a Tite em 06Abr, seguindo para Bissau para efectuar o regresso.

Foto - Página Guerra Colonial, com a devida vénia
____________


COMPANHIA DE CAÇADORES N.º 2402

CCAÇ 2402 - Guiné 1968/70 Divisa: Se É Impossível Há-de Fazer-se

Mobilizado no Regimento de Infantaria n.º 1 - Amadora

Embarque em 24Jul68
Desembarque em 29Jul68

Regresso em 04Mai70

Divisa – Se é impossível, há-de fazer-se

Em 30Jul68 segue para e assume a responsabilidade do subsector.
A 19Mar69 inicia o deslocamento para Mansabá, para reforço do seu batalhão.
Assume a responsabilidade do subsector de Olossato a 10Abr69.
Transferida para Bissau em 25Abr70, colabora na segurança e protecção das instalaçõese população até ao embarque.

É uma subunidade orgânica do BCaç 2851.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3501: Brasões, guiões ou crachás (3): CAOP 1: BCAÇ 2885; CART 2732 e CCAÇ 5 (Jorge Picado/Carlos Vinhal/José Martins)

Guiné 63/74 - P3550: Estórias de Bissau (17): Um espectáculo de streep-trease, nos Nazarenos, em Bissau, em Março de 1970 (Jorge Teixeira)

1. Mensagem do Jorge Teixeira (Portojo), com data de 1 de Dezembro de 2008: 

"Luís: Não sei se terá algum interesse para o blogue, mas aqui vai. Recebe, caro Luís, um abraço de amizade".

Recordando os Nazarenos de Bissau (*)

por Jorge Teixeira

Estava em fim de comissão, Março de 70, e andava por Bissau a fazer os espólios e entrega do pelotão, ou lá como se chamava, que os nossos camaradas nas repartições faziam o favor de complicar. Ainda hoje não sei como consegui os 12 carimbos e três guias de Marcha para regressar no Niassa a 3 de Abril. Mas isso são outras estórias ou histórias, como queiram.

Por essa altura ouvi que actuavam nos Nazarenos um ballet e umas streepers. Coisa fina, pois streep na Guiné, só para exclusivistas. E aqui no Porto, mesmo só o Tamariz e a Candeia muito raramente apresentavam esses espectáculos, quási completos. E as raparigas vinham rotuladas como artistas duma dessas casas e em digressão de pouco dias.

Consegui mobilizar um camarada, infelizmente já falecido, o Santos, do Pelotão de Cufar, velho amigo desde o Porto, Caldas, Vendas Novas, Espinho, Tomar e Guiné, e lá fomos aos Nazarenos, bem cedo que aquilo esgotava.

Se bem me lembro a sala não tinha palco. Era uma sala de jantar onde as mesas eram arrastadas para os lados e actuação feita no meio. O ballet actuou e quando chegou a hora do streep, foi colocado um tapete no chão e a artista rebolou ao som de Je t'aime mais non plus. Lembram-se ?
Para ver o espectáculo o pessoal fez uma rodinha e cedeu as cadeiras para os que estivessem atrás poderem enxergar a miúda no chão, a contorcer-se. Barulho tremendo quando ela retirou as últimas peças e ficou com aquelas bolinhas penduradas dos mamilos e um tapa sexo que enfureceu a malta.

Ficou-me sempre a impressão, independentemente do sucesso, que as artistas foram recrutadas no alterne do Arco Iris ou de um outro bar qualquer, ali do Bonjardim, [no Porto,] e ensaiadas às pressas para a tournée. Uma ou outra carita não me era estranha.

Mas, para quem não via mulher branca nua ou quási, há muito tempo, isso não interessou para nada. O WC dos Nazarenos ficou entupido. Não sei se era assim todas as noites, mas naquela foi.

Jorge Teixeira

2. Comentário de L.G.:

Nazarenos ? Streep-tease ? Bissau ? Março de 1970 ? Gabarinas do Porto ?... Vejo que, como bom tripeiro, filho de Miragaia, apaixonadíssimo fotógrafo da tua cidade e do teu rio, não deixavas os teus créditos por mãos alheias. Estavas no sítio certo, no dia certo... Poucos de nós, camaradas da Guiné, poderão pôr essa no cadastro da tropa... Obrigado, Portojo, por mais este registo que nos ajuda a reconstituir o roteiro das nossas noites quentes de Bissau... Já agora fala-nos do roteiro da noite no Porto, nesses já idos anos de 70... Se não fores tu, quem será ?

Um Alfa Bravo, grande Portojo. LG

_____

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série, Estórias de Bissau:

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

11 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

14 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosismos (Sousa de Castro)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1391: Estórias de Bissau (9): Uma noite no Grande Hotel (José Casimiro Carvalho / Luís Graça

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

31 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)

19 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2281: Estórias de Bissau (13) : O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô (Torcato Mendonça)

21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2290: Estórias de Bissau (14) : O Pilão, a menina, o Jesus e os pesos que tinha esquecido (Virgínio Briote)

6 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)

19 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2556: Estórias de Bissau (16) : O Furriel Pechincha: apanhado ma non troppo (Hélder Sousa)

Guiné 63/74 - P3547: Um telefonema de Bula para a Metrópole...(António Matos)

Grandes recordações...




Na minha 1ª intervenção mencionei, a par de outras, a recordação de grandes ocasiões ainda que assim intituladas na pequenez do sentimento individual.

Ao escrever isto tive na memória o dia em que, em Bula, me dirigi à casa do Régulo para aí fazer a reserva de uma chamada telefónica para o dia seguinte para a Metrópole.

Se bem que isso fosse absolutamente banal, aos olhos de hoje, passados 38 anos, são um justificativo para me sentir orgulhoso por ser testemunha da evolução tecnológica deste mundo.
Naquele dia, casava-se um irmão meu que eu não via há quase 1 ano e a possibilidade de lhe falar e de o abraçar através da linha telefónica foi-me espiritualmente reconfortante.
Talvez que um dia eu receba dum neto um telefonema vindo sem aviso prévio da Lua...
Esperemos que nenhuma guerra interrompa essa chamada....

António Matos

ex-Alf Mil da CCaç 2790
Bula 1970/72
__________


Nota de vb:

Artigos do Autor em

Guiné 63/74 - P3546: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (14): Em Junho de 69 havia bajudas a alternar no Tosco, na Conde Redondo (Jorge Félix)

Lisboa > 2008 > Primeira página do sítio do Maxime, um cabaré de luxo dos anos 40, na Praça da Alegria, nº 58, que, na década de 60, também fazia parte do roteiro da noite dos camaradas da Guiné, de regresso a Lisboa ou em trânsito por Lisboa (como era o caso dos hóspedes do Hospital Militar Principal, à Estrela)... A par do Comodoro, do Bolero, do Ritz Club, e outros, e, claro, do Tosco, ali, ao Conde Redondo, do outro lado da Avenida da Liberdade...

Foto: Cabaret Maxime (2008). (Com a devida vénia...)

1. Mensagem, enviada a 4/11/08, pelo Jorge Félix ao Carlos Vinhal, e que este por sua vez me remeteu, a mim, chefe da redacção, com a seguinte (seca):
"Luís:
Pareces mais dotado para publicar as poucas vergonhas.
Aí vai a continuação do Tosco, do Jorge Félix.
Ab
Carlos.
Morcão... eu?"...

Carlos: Afinal o Tosco também é Guiné. Segue segunda parte, que volta a ficar ao teu critério. (...).


2. O Tosco - segunda leva

por Jorge Félix

O Mário Fitas atesta que o Tosco existiu (*).

Se não encontras referências no Dicionário de Lisboa sobre o Tosco, é porque, e bem, os senhores da verdade consideravam o Tosco como espaço Africano.

Fiquei muito lisonjeado com tudo o que me imputaste sobre a memória do Tosco.

A noite de Lisboa , em 69, tinha como sabemos , o Maxime, o Galo, o Bolero, ... mas quando tentei falar do Tosco, foi com o intuito de continuar a falar da Guiné.

O Tosco era território africano onde rolavam escudos. Se aparecerem "paradores" daquelas noites, podes ter a certeza que vais escutar histórias imperdiveis.

Não era malta que tenha guardado os aerogramas das madrinhas. Talvez não se recordem de nada.

Se os poderes olhar, se algum te aparecer, vais perceber o que digo.

Mas então qual era a relação do Tosco com a Guiné? Em Junho de 69 já havia bajudas a alternar no Tosco. Elas apareciam no Tosco porque os evacuados estavam lá, e não o contrário.

A malta ia para o Tosco porque havia um eléctrico que passava no Hospital da Estrela, e parava no Tosco. Era o único meio de transporte para aquela gentinha. O táxi não admitia passageiros como os clientes do Tosco. Se o eléctrico parasse no Comodoro, a história era outra.

Como muito bem recorda o Mário, "e lá desciam eles da Estrela". No Tosco paravam os combatentes mais sacrificados da guerra da Guiné.

A mancarra da Guiné era melhor que o amendoím de Angola

No Tosco ninguém discutia se a guerra estava perdida. Isso é que era bom !

Quem queria saber novidades da Guiné ia ao Tosco. E, Luis, naquele tempo, havia um ror de indivíduos que gostavam daquela gente.

Os gajos do Tosco gostavam de dizer, "ninguém ta tomar conta de nha bolanha", mas quando os "conchas contavam do Nelson Ned, " o que é que você vai fazer domingo á tarde", toda gente se calava e em uníssono, etilicamente temperados gritavam: VOU À BOLA!!!

Não se ia para o Tosco por causa das gajas. Descia-se para o Tosco pelo convívio e pelas histórias que a África nos reservava.

"A mancarra da Guiné é melhor que o amendoim de Angola", "Em Bissau com uma cerveja vêm dois meios camarões grelhados, camarão de Moçambique, rijnho, estes gajos não tem nada disso", "Como perdeste as mãos ? - caga nisso e dá-me outro golo de cerveja!"...

Esperemos por notas de quem andou pelo Tosco.

As noites quentes de Bissalanca..., as tardes quentes de Lisboa, com a Madame, a Princesa, a viúva de um piloto...

Para saltar do Tosco para Bissau tenho que falar na noite de Bissalanca. Confidências que não foram lavrados nos aerogramas, por pudor.

No Tosco, e não só, eram aliciadas brancas para irem para Bissau. A história é simples e resume-se ao seguinte: as Senhoras contratadas iam passar por serem as esposas de oficiais, sargentos e praças que estavam no mato, e que há muito tempo não viam o marido e passavam dificuldades financeiras.

O chorinho e lenga lenga batida sempre acabavam por adiantar umas massas em troca dos favores amorosos. Mas era diferente, não era prostituição. Era uma infidelidade guardada a sete chaves e selada com uns pesos valentes. Quem não queria enganar um cabrão que estava a bater com os costados no mato, e não enviava dinheiro à esposa ?

Aqueles que encheram o seu ego com o gesto glorioso de papar a Dona Fulana nas tardes quentes de Bissau , não se esqueça que pode ter caído numa bem ardilada história de amor construída no Tosco.

Entretanto apareceu o Luís Sousa que trabalhou no Comodoro. Por aí já andava a Madame, a Princesa e uma que não recordo o nome, "viúva de um piloto","um desastre do caraças", pormenor para aumentar o valor da queca e o mistério da senhora. A história era parecida com as Senhoras de Bissau mas com valores contrários. Talvez o Luís tenha conhecimento disto. (O patrão do Comodoro era do Farense, veio-me à ideia esta

Julho de 69: Um mês de boémia em Lisboa por conta da Junta Médica...

Um pequeno reparo, ao que dizes sobre os meus exames em Julho de 69. Ninguém vinha fazer exames de medicina aeronáutica a Lisboa, (um luxo; como bem escreves). Aconteceu comigo, ter que embarcar de uma hora para a outra, sem nenhuma explicação, num avião com guia de marcha para o Hospital Militar. (Outra história a recuperar).

Perante a junta médica que me questionou, o que é que eu "tinha", a minha resposta não deve ter agradado aos doutos senhores pois esperavam um rol de maleitas habituais em tais situações e levaram com "Não tenho nada!". Este dito permitiu-me estar em Lisboa um mês onde aprendi a apanhar o eléctrico para o Tosco. Nunca soube porque fui evacuado. Na altura tudo "estava bem" e tudo acabou em bem.

Luis, vamos ficar à espera que apareçam os tertulianos que foram personagens destas guerras que não fez vítimas nem recalcou ninguém.

Li agora do Jorge Cabral, a referência ao Ritz Club e ao Bolero. Quem escuta uma história de um veterano de 69, escuta todas as estórias dos outros contemporâneos . Rapaz das noitadas, tinha que ir a estes sítios todos, e a todos no mesmo dia, se se aguentava das pernas.

Compreendo muito bem porque o Jorge Cabral falhou como empresário da noite (**). Naquele tempo não era fácil.

Ao Ritz levei o Manuel dos Twistes, Furriel Manuel Ferreira, a cortar o cabelo, depois de termos passado numa livraria ali no Jardim da Parada, comprar um poster do CHE [Guevara], para levar para Teixeira Pinto, com embarque ás duas da manhã .

O Bolero tinha a tal sala em cima, onde se comiam uns pregos, e se escutava a tal orquestra; acordeonista cego, baterista coxo, e um empregado de Braga danado para a brincadeira. Quando a banda estava no seu merecido descanso , invariavelmente atirava com a bandeja para o chão a fim de imitar o som do prato da bateria, gesto este que punha imediatamente o Cego a tocar. Brincadeira repetida vezes sem conta, mas que todos achavam uma graça do carago.

No Bolero as gajas alternavam em baixo enquanto as "famílias comiam em cima".

O Tosco,como já tentei dizer, era diferente de tudo.

Esperemos por uma memória a valer e que nos fale das histórias do Tosco (***).

Um Abraço
Jorge Félix


3. Comentário de L.G.:

Carlos, "estas poucas vergonhas" também fazem parte do nosso cadastro... Temos que as assumir. Fazer batota era limpar, branquear o nosso cadastro, como o António Ferro, o ministro da propaganda de Salazar, fez ao fado, canção maldita das putas e dos chulos de Lisboa... E, depois, que poucas vergonhas eram essas, quando comparadas com as grandes golpadas de que fomos, directa ou indirectamente, vítimas ?

Jorge: Nota máxima para o teu segundo apontamento sobre o nosso roteiro da noite... Por que era de noite que carregávamos as baterias para enfrentar os pesadelos dos dias... Infelizmente não há, até ao momento, imagens do Tosco, do Bolero, do Ritz Club com os veteranos de 69 (e do Vat 69, que a marca do uísque marado que a gente emborcava)... Talvez se perceba: ali não havia glamour, nem lantejoulas, nem champanhe francês, nem meninas que tocavam piano e falavam francês... Por ali passava a fauna da Guiné, a nossa fauna, esfomeada de sexo, de calor humano, de ternura, de liberdade... Não é fácil falar destas poucas vergonhas, como diz o Carlos na brincadeira... Por isso, obrigado, Jorge, por dares o exemplo, por nos mostrares o caminho no regresso ao passado, por seres nosso guia e nosso cúmplice...
____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

30 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3380: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (10): Quando a guerra era com os copos... ou o elogio do Tosco, em Lisboa (Jorge Félix)

(**) Vd. postes de:

4 de Novembro de 2008 Guiné 63/74 - P3399: Estórias cabralianas (40): O meu sonho de empresário (falhado): a construção de uma tabanca-bordel (Jorge Cabral)

5 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3025: Os nossos regressos (7): Perdido, com um sentimento de orfandade, pelos Ritz Club, Fontória, Maxime, Nina... (Jorge Cabral)

(***) Não sobre o Tosco (que eu não conheci, frequentei apenas o Maxime, na primavera de 1971, e onde cheguei a ter uma garrafa de uísque marado...) mas sobre Bissau, cidade-bordel dos anos de 1969/70, escrevi algumas notas, já aqui publicadas:

14 de Novembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)
(...) Bissau: cidade-caserna, cidade-bordel

Bissau revisitada… Devo, antes de mais, confessar-te que, se acaso fugi da Guiné por uns dias, nem por isso deixo de sentir-me perseguido pelo seu fantasma. Sabes como é (ou, pelo menos, deves imaginar): uma incómoda sensação de estado de sítio (que nada tem a ver com a insularidade – aliás, pouca gente sabe que Bissau fica numa ilha), agravada, para quem aqui vegeta, pelos fantasmas dos foguetões que ainda há tempos flagelaram Bolama, a antiga capital colonial…

Bissau, cidade-caserna, cidade-bordel!... Para quê falar-te do tráfego (e do tráfico!) de carne branca sem qualquer carga erótica para lá do fetiche da cor da pele ?! De qualquer modo, o contrabando do sexo é negócio que vai de vento em popa - aqui funcionam as leis do mercado, a procura é muita e a oferta é variável ! – a par da quinquilharia oriental e sobretudo dos produtos nipónicos que ultimamente invadiram os free-shops cá do sítio, desde os Gouveia aos Taufik Saad, para quem o amendoim, o coconote e os panos de chita já foram chão que deu uvas… Enfim, o comércio da guerra e a guerra do comércio, uma parelha que sempre se deu bem em toda a parte!

Para quê falar-te dessas prostitutas que naufragam em todos os portos onde cheire a merda, a morte e a soldadesca, fugidas da miséria das ilhas de Cabo Verde e dessas outras ilhas de Lisboa e do Porto ?! Ou ainda dessas fêmeas, balzaquianas, que os tropas do ar condicionado mandaram vir da Metrópole e que passam, sequestradas, nos Wolkswagen e nos Mercedes pretos, conduzidos por soldados africanos – insólita imagem de jovens eunucos negros, subsaarianos, guardando as velhas odaliscas nos haréns dos sultões das Arábias!...

Não suporto, aliás, a visão desse branco asséptico, dessa cor neutra das metropolitanas cujo tom de pele tem qualquer coisa de viscoso como as paredes dos hospitais… Receio até que esteja a tornar-me racista ao contrário ou a caminhar para a misogenia, como aquele prisioneiro que, ao sair de Auschwitz, não conseguiu sequer beijar a mulher porque tinha horror a tudo o que era humano…

Decididamente não queria falar-te de mulheres (e, muito menos, das brancas que, aqui, no cu do mundo, povoam os nossos delírios palúdicos)… Mas como não, se elas são o único antídoto contra a angústia da morte ?!... As paredes das nossas casernas no mato estão forradas de posters de gajas nuas, loiras, de olhos azuis, formas esculturais e pele acetinada, que é “para um gajo não se esquecer da carne branca” (sic)…

Em contrapartida, a pomada antivenéria (e, claro, a penicilina, em doses de milhões) é o que mais se gasta nos nossos postos de caserna. O bordel é talvez a única instituição castrense verdadeiramente respeitável… Mas se os franceses mandavam para a Argélia putas de campanha juntamente com os seus legionários, nós, tugas, não temos esse problema: fornicamos sem preconceitos raciais, ou não fossemos “um país, muitos povos, uma só Nação”!...

Imagina, pois, Bissau como estância de repouso do guerreiro. Há aqui, de certo, um equívoco, um tremendo equívoco por parte do médico miliciano, que até é um gajo porreiro, capaz de dar umas baixas aos operacionais, não obstante as ameaças veladas do comandante de sector… Mas eu estou farto dos gajos porreiros, como ele, que joga bridge com os cabrões dos oficiais superiores, apostados em ganhar a guerra (leia-se: os próximos galões) à custa de ti, de mim e da nossa tropa-macaca… É que Saigão, meu caro, é o último lugar do mundo onde eu poderia esquecer o Vietname!...

De qualquer modo, para além duns furtivos raides ao Pilão, as únicas operações que aqui se realizam ainda são do tipo gastronómico. Enfim, a nossa velha filosofia epicurista segundo a qual o melhor que se leva desta vida é ainda o que se come e o que bebe. Eis-nos, portanto, tristemente reduzidos ao ciclo vegetativo , ou seja, aos camarões, às ostras e às verdianas (sim, por que essas pretas de 1ª, na nossa linguagem machista e racista, também são coisas que se comem!) (...).