1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, que foi Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré 1963/65, enviou-nos com data de 02 de Agosto de 2009, mais uma curiosa estória:
Caros Camaradas e Tertulianos;
As minhas estórias têm sido simples, sem “suspense” algum e sem pretensão de querer tirar o sono, ou relembrar macabras e catastróficas situações. Nada disso. A minha guerra foi outra, como aqui já disse.
Hoje a estória é sobre:
Rádio voz da liberdade também mentia!
Ingoré.
A primeira companhia a utilizar um território bem definido e delimitado na Guiné, mas demasiado extenso para tão pouca gente, foi a minha CCAÇ 462.
Muito agradeço ao camarada que fez uma lista das companhias, que passaram por Mansoa, onde a CCAÇ 462 está incluída, ao tempo - 1963-1965 –, por ter ido substituir, naquela localidade, uma secção.
Caros Camaradas e Tertulianos;
As minhas estórias têm sido simples, sem “suspense” algum e sem pretensão de querer tirar o sono, ou relembrar macabras e catastróficas situações. Nada disso. A minha guerra foi outra, como aqui já disse.
Hoje a estória é sobre:
Rádio voz da liberdade também mentia!
Ingoré.
A primeira companhia a utilizar um território bem definido e delimitado na Guiné, mas demasiado extenso para tão pouca gente, foi a minha CCAÇ 462.
Muito agradeço ao camarada que fez uma lista das companhias, que passaram por Mansoa, onde a CCAÇ 462 está incluída, ao tempo - 1963-1965 –, por ter ido substituir, naquela localidade, uma secção.
Não havia lá nada, nem sequer as condições mínimas e indispensáveis para podermos sobreviver. Tudo teve que ser construído de raiz, a partir do… zero.
Mas a história que vos quero contar não é sobre este assunto, que apenas serviu para um pequeno intróito afim de lembrar aos meus caros camaradas, aquilo que foi dito nas minhas estórias anteriores.
Como militares, tínhamos sempre (e de que maneira diga-se) a guarda montada, em estratégicos postos de vigia, principalmente durante os períodos nocturnos.
Nesses períodos de vigia, para poder fazer “andar” os ponteiros dos relógios mais rapidamente, levávamos o nosso “receptor” (transístor – pequeno rádio -, que funcionava a pilhas), que se vendia às “carradas” na Guiné, geralmente da marca Hitachi.
Como eu sabia, antes de embarcar, da existência de uma emissora do IN – A voz da liberdade -, que emitia propaganda contra o regime de Salazar/Caetano, assim que as oportunidades surgiam, também eu a escutava, por motivos lógicos e óbvios sem levantar suspeitas, através de um auscultador (já usado naquela época), nos meus períodos de sentinela, nos tais postos de vigia.
Era por demais conhecida uma das vozes de “trovão” e determinada de um homem, chamado Manuel Alegre, na sua identificação mais abreviada, que por sinal era meu conterrâneo de concelho, e eu lá o ia ouvindo nas suas emissões a partir de Argel.
É claro que já não me lembro da maior parte do conteúdo, daquilo que ele ia dizendo nas suas emissões, mas há uma passagem naqueles anos idos de 63-65, em que ele noticiou um “facto” passado na Guiné, relativamente perto do local onde eu estava, de tal forma bombástico e terrível, que dificilmente esquecerei.
Dizia Manuel Alegre então numa das suas locuções que, dias antes na estrada Bula-Bigene-Bissorã, o PAIGC teria desencadeado forte ataque «ao exército colonial e do regime fascista» (era mais ou menos assim a sua definição), numa emboscada às NT, que provocou cerca de uma centena de mortes entre os nossos militares, entre outras “façanhas” menos bombásticas que o nosso pessoal teria também sofrido.
Quando ouvi aquilo, pensei com os meus botões: “Que grande mentira”. Mas, como estava ali sozinho e não podia desvendar o que acabava de ouvir naquela estação de rádio, por palavras do Manuel Alegre. Ainda por cima, havia muito pouco tempo em que eu tinha estado nas redondezas do local da noticiada mortandade, na mencionada estrada, e nada me constou acerca da anunciada “chacina” e da respectiva “operação” dos guerrilheiros IN.
Quero com isto dizer que se do nosso lado as coisas eram publicitadas e apresentadas da forma que mais convinha, do outro lado também se mentia sem despudor… se é que na guerra, mesmo daquele tipo, fosse obrigatório existir qualquer pudor…
O que era preciso, era impressionar e… desmotivar a outra banda.
E aí meus amigos, valia tudo!
Para todos um abraço,
J.M. Ferreira
Foto: © José Marques Ferreira (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:
Mas a história que vos quero contar não é sobre este assunto, que apenas serviu para um pequeno intróito afim de lembrar aos meus caros camaradas, aquilo que foi dito nas minhas estórias anteriores.
Como militares, tínhamos sempre (e de que maneira diga-se) a guarda montada, em estratégicos postos de vigia, principalmente durante os períodos nocturnos.
Nesses períodos de vigia, para poder fazer “andar” os ponteiros dos relógios mais rapidamente, levávamos o nosso “receptor” (transístor – pequeno rádio -, que funcionava a pilhas), que se vendia às “carradas” na Guiné, geralmente da marca Hitachi.
Como eu sabia, antes de embarcar, da existência de uma emissora do IN – A voz da liberdade -, que emitia propaganda contra o regime de Salazar/Caetano, assim que as oportunidades surgiam, também eu a escutava, por motivos lógicos e óbvios sem levantar suspeitas, através de um auscultador (já usado naquela época), nos meus períodos de sentinela, nos tais postos de vigia.
Era por demais conhecida uma das vozes de “trovão” e determinada de um homem, chamado Manuel Alegre, na sua identificação mais abreviada, que por sinal era meu conterrâneo de concelho, e eu lá o ia ouvindo nas suas emissões a partir de Argel.
É claro que já não me lembro da maior parte do conteúdo, daquilo que ele ia dizendo nas suas emissões, mas há uma passagem naqueles anos idos de 63-65, em que ele noticiou um “facto” passado na Guiné, relativamente perto do local onde eu estava, de tal forma bombástico e terrível, que dificilmente esquecerei.
Dizia Manuel Alegre então numa das suas locuções que, dias antes na estrada Bula-Bigene-Bissorã, o PAIGC teria desencadeado forte ataque «ao exército colonial e do regime fascista» (era mais ou menos assim a sua definição), numa emboscada às NT, que provocou cerca de uma centena de mortes entre os nossos militares, entre outras “façanhas” menos bombásticas que o nosso pessoal teria também sofrido.
Quando ouvi aquilo, pensei com os meus botões: “Que grande mentira”. Mas, como estava ali sozinho e não podia desvendar o que acabava de ouvir naquela estação de rádio, por palavras do Manuel Alegre. Ainda por cima, havia muito pouco tempo em que eu tinha estado nas redondezas do local da noticiada mortandade, na mencionada estrada, e nada me constou acerca da anunciada “chacina” e da respectiva “operação” dos guerrilheiros IN.
Quero com isto dizer que se do nosso lado as coisas eram publicitadas e apresentadas da forma que mais convinha, do outro lado também se mentia sem despudor… se é que na guerra, mesmo daquele tipo, fosse obrigatório existir qualquer pudor…
O que era preciso, era impressionar e… desmotivar a outra banda.
E aí meus amigos, valia tudo!
Para todos um abraço,
J.M. Ferreira
Foto: © José Marques Ferreira (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:
26 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4743: Estórias avulsas (46): O dia em que o Pinto piou (Vasco Joaquim)