quinta-feira, 14 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19585: Agenda cultural (676): Convite para a abertura da Exposição de Cartoons de Vasco de Castro, Museu Rafael Bordalo Pinheiro, dia 19 de Março, pelas 18h30, Campo Grande, Lisboa (Mário Beja Santos)

C O N V I T E




1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Julho de 2018:

A todos os meus queridos amigos, 
Ofereci cerca de 100 desenhos e outras obras de Vasco ao Museu Rafael Bordalo Pinheiro, sito no Campo Grande, n.º 382, a exposição abre no próximo dia 19, pelas 18h30. 
O Vasco viveu algumas décadas em minha casa, espalhado praticamente por todas as divisões, chegou a hora deste bisneto de Rafael Bordalo Pinheiro se instalar em casa própria. 

Tratando-se de um momento muito emotivo da minha vida, entregar a história de uma amizade para a plena fruição pública, muito gostaria de ter a sua companhia, nesse dia e nessa hora. 

Junto alguns elementos explicativos do que irá ver e receber. 

Com a muita cordialidade do 
Mário




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Nota do editor

Último poste da série de 10 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19568: Agenda cultural (675): os nossos amigos da Quinta da Sra. da Graça, José Manuel Lopes, poeta, vitivinicultor e nosso camarada, Luisa Lopes, a matriarca, e Vasco Lopes, enólogo, autor do "Pedro Milanos"... estão hoje na 7ª edição do Mercado Gourmet, Lisboa, Campo Pequeno, das 12h00 às 20h30...

Guiné 61/74 - P19584: Em busca de... (296): O ex-1.º Cabo At Alberto de Aparecida Couto do Pel Caç Nat 54 já contactou com o seu camarada José Augusto da Silva Dias, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BART 3873 que o salvou de morrer afogado no rio Geba (Sousa de Castro)

1. Em mensagem do dia 12 de Março, o nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74) dá-nos notícia do reencontro entre o ex-1.º Cabo Atirador Alberto de Aparecida Couto e o Soldado José Augusto da Silva Dias da CCS do BART 3873.

Boa noite, 
Caros amigos, em anexo a notícia de que ao fim de 46 anos, dois camaradas se encontraram (por via telefónica) recordando uma quase tragédia passada em Bambadinca em 1973. 

Saudações veteranas, 
Sousa de Castro


Foi com muita emoção que Alberto D’Aparecida Couto, ex-1.º Cabo Atirador do Pel Caç Nat 54 [foto à esquerda], conseguiu encontrar na zona do Barreiro, o amigo José Augusto da Silva Dias, a quem procurava há quarenta e seis anos.
Aconteceu hoje, dia 11 de Março de 2019. Não foi o encontro pessoal como gostaria, foi pelo telefone, através do qual recordaram esse momento quase trágico, com a promessa de se encontrarem em data a designar.

Recordo que o José Dias integrou a CCS do BART 3873 com a Especialidade de Soldado Maqueiro. Foi o homem que no dia 30 de Abril de 1973 salvou o 1.º Cabo Couto de morrer afogado na travessia do rio Geba em Bambadinca quando se virou a canoa que os transportava juntamente com outros camaradas. Quando se apercebeu de que um deles não sabia nadar, lançou-se de imediato à água, conseguindo arrastar para terra o 1.º Cabo Couto.
Esta ação valeu-lhe um louvor pelo Comandante do BART 3873.

Conseguimos!... Foi com esta frase que Susana Couto, filha do 1.º Cabo Couto, exprimiu toda a alegria, satisfação por conseguir que seu pai pudesse agradecer uma vez mais ao seu salvador.

Esta ação foi desencadeada devido à sua persistência, quer através das redes sociais, contactos familiares e outros e, acima de tudo, muita teimosia em atingir objetivos a que se propôs.

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2. Algumas palavras do telefonema entre o Alberto Couto e o José Dias.

Conta a sua filha Susana na sua página do Facebook.
Dia 11 de Março de 2019 ás 14,55 horas

A procura acabou! O dia que nunca será esquecido das nossas memórias!
Alberto: Oh Dias! És tu Dias?! Onde é que tu estás? Há 46 anos que te procuro! Onde é que tu estás Dias?!
Foram palavras que nos deixaram em lágrimas quando o meu pai ao telemóvel falou com o camarada que tanto queria encontrar! O camarada, o anjo que lhe salvou a vida há quase 47anos!

Hoje mais que nunca agradeço a Deus e a muita gente que ajudou nesta procura (vocês sabem quem são) cada um terá sempre todo o meu respeito e carinho, nunca me vou esquecer de todo o apoio e ajuda nesta procura que acabou hoje.

Muito obrigada de coração!
Susana Couto

A. Castro,
Ex-1.º Cabo Radiotelegrafista
CART 3494/BART 3873
Guiné JAN72/ABR74
Xime, Bambadinca e Mansambo
11MAR2019
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Notas do editor:

Vd. poste de 25 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19529: Em busca de... (294): O ex-1.º Cabo At Alberto de Aparecida Couto do Pel Caç Nat 54 procura o seu camarada José Augusto da Silva Dias, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BART 3873 que o salvou de morrer afogado no rio Geba (Sousa de Castro)

Último poste da série de 27 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19537: Em busca de... (295): SOS, Farmácia Militar de Luanda, Delegação n.º 11, LMPQF, Angola (1971/73)... Procuro o ex-fur mil Morgado, natural da região de Santarém, partilhámos o mesmo camarote no N/M Vera Cruz, trabalhámos juntos, não nos vemos há 46 anos... (António Mário Leitão, Ponte de Lima)

Guiné 61/74 - P19583: Parabéns a você (1587): Leopoldo Correia, ex-Fur Mil Art da CART 564 (Guiné, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Março de 2019 > Guiné 61/74 - P19576: Parabéns a você (1586): SAj da GNR Ref Manuel Luís R. Sousa, ex-Soldado At Inf do BCAÇ 4512 (Guiné, 1972/74)

quarta-feira, 13 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19582: Memória dos lugares (386): Ainda a tasca do Geraldes, em Nova Lamego (conversas a cinco: Tino Neves, Valdemar Queiroz, Abílio Duarte, Virgílio Teixeira e Luís Graça)


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Dezembro de 1967 >  A tasca do sr.  Geraldes... Pode ver-se o Geraldes, da direita para a esquerda, o 3º, de camisa aberta, ao meu lado (, eu, ao centro, ao fundo, de óculos escuros). Do outro meu lado, o Sargento Parracho (acho que era de Aveiro e tinha chegado da Madina do Boé, era da CCAÇ 1589, e lá vinha com os seus ‘autos de destruição’ para serem aprovados). Os outros comensais serão porventura civis, comerciantes.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) >  Nova Lamego > Dezembro de 1967 >  Tasca do sr. Geraldes.  Pode ver-se o Geraldes, com um macaco-cão, bebé; e ao lado dele, um homem civil (o mesmo que se vê na foto acima, à esquerda,  em primeiro plano); de pé o sargento Parracho, da CCAÇ 1589, que estava em Madina do Boé., e ao ao centro. 


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Outubro de 1967 > Foto nº 3 > Na tasca do  Geraldes [ e não do Zé Maria, como por lapso foi originalmente legendado ], petiscando com o   furriel Rocha, o "Algarvio", que não pertencia ao nosso Batalhão, mas foi lá parar ao Conselho Administrativo, caindo de paraquedas.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Outubro de 1967 > Na tasca do Geraldes, petiscando sozinho, talvez frango. Este estabelecimento,  conhecido como o " Geraldes", era uma espécie de restaurante-tasca, onde se podia comer e beber alguma coisa fora da ementa do rancho ou da messe do quartel.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. 1970 > A tasca do sr. Geraldes... Ele e a esposa eram de Setúbal. Ele provavelmente antigo militar...  Em 1970, o estabelecimento tinha já um jogo de bilhar "Sinaleiro" (**)...

Comparando as fotos, vê-se que as toalhas e o mobiliário (, nomeadamente as cadeiras) são as mesmas do tempo do Virgílio Teixeira (set 67/fev 68) e do Tino Neves (1969/71)...

Foto (e legenda): © Tino Neves (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao poste anterior da série (P19578) (*)

(i) Valdemar Queiroz

Viva, caro Tino Neves.

Lembras-te se o cozinheiro ou ajudante de cozinha do Geraldes ? Era um matulão,  sempre com o avental sobre o tronco nu e tinha uma motoreta!...

Afinal, nós fomos contemporâneos em Nova Lamego, eu era da CART 11, "Os Lacraus", que era a Companhia de africanos que estava no Quartel de Baixo.

Manda mais fotos.

(ii) Abílio Duarte

Também passei por lá...[, pela tasca do Geraldes].

(iii) Valdemar Queiroz

Duarte, se não me engano, julgo que estavas a jantar no Geraldes quando houve o ataque com mísseis [, foguetões de 122 mm ,]  a Nova Lamego. E tu,,, vai no gosse gosse, para o nosso Quartel. Chegaste a pagar a conta? Saúde da boa.

(iv) Abílio Duarte

Valdemar, pois é, já contei essa história, varias vezes, tinha acabado de comer um bom bife, e estava na sobremesa, a apreciar um gelado caseiro, quando começou o arraial.

Paguei o jantar, sim senhor, porque o homem conhecia-me bem.

Mas a correria, que fiz, por aquela estrada, até ao nosso aquartelamento, onde cheguei descalço, pois perdi as chinelas, pelo caminho, e enfiei-na vala que dava para o rio, foi um cagaço dos antigos.

Passei bons bocados em Nova Lamego. A passagem de ano, de 69/70, quando eu e o Cunha já estávamos, desenfiados nos nossos quartos, e o Cunha a fazer a exploração de rádio, com o cabrão do Coronel, do Batalhão, que andava a fazer a ronda em Gabu, numa autometralhadora, à nossa procura, pois devíamos estar a guardar a serração, e o Coronel, a perguntar onde é que nós estávamos, e o Cunha, na serração, dizia 'mas eu estou a ver o meu Coronel'. Que Tourada!

Noutra vez , estava a fazer a segurança, à TECNIL, que estava a alcatroar a estrada para Piche, e vim beber um gin, ao nosso quartel e, para aproveitar, praticava a condução no Unimog, coisa que fazia várias vezes,quando o meu pelotão estava a fazer esse trabalho.

Então, num desses dias, depois de estar a beber o meu gin, na messe, os soldados tinham ido dar uma volta, e fiquei de ir buscá-los ao mercado. E assim foi, quando entro na estrada alcatroada, na direcção de Piche, perto, onde estavam a construir o novo quartel de Nova Lamego, não sei se te recordas, quem é que me aparece, e me apanha a conduzir ?  O sacana do Coronel!...

O gajo fez-me uma quantidade de questões e merdas, e o major, que estava com ele, deu-me a entender que estava feito. À noite quando cheguei, e estava no nosso Bar, aparece o [capitão ]Aniceto Pinto, aos gritos, que isto e aquilo, o cabrão do 1º srgt,  que não me chupava, a rir.

Foi um arraial, que nem nos filmes do Vasco Santana.

Bons bocados. Mas o Aniceto tinha bom coração. Desenrascou-me várias vezes, de criancices, que eu fazia. Paz à sua alma.

 (v) Virgílio Teixeira

Este Blogue parece quase uma Polícia Secreta, tipo FBI, pois num instante se descobre a careca de qualquer um!

O Tino na foto 1 é o de óculos, e o outro a rir, parece que o conheço tão bem. Mas é impossível. O Batalhão do Tino, o BCAÇ 2893, não é do meu tempo, quem nos foi render em Nova Lamego foi o BCAÇ 2835, e depois terá sido rendido pelo 2893, mas já muito mais tarde, não é do meu tempo, eu sou muito velhinho, comparado com a maioria. Depois de fevereiro de 1969 nunca mais estive em Nova Lamego. Só ficaram as Memórias do Gabu.

Nem sequer havia ataques com mísseis a Nova Lamego, isso foi outra guerra! Felizmente.

Mas aquele da foto com o Tino (*) não me é estranha a sua cara, mas há muitas parecidas.

No período de 21set67 a 26fev68, quando estive em Nova Lamego, não havia nada destas coisas chiques, bilhares, etc. ! O Geraldes deve ter evoluído e rápido, com a chegada do meu Batalhão, e com as minhas visitas frequentes! Eu fui lá muitas vezes, mas não tenho fotos de todas, só de algumas.

Eu nem sequer me lembro da cara do Geraldes, sabia o nome, mas não ligava o nome à pessoa, mas penso que devo saber. Então vamos pelos Temas:

064 I PARTE: foto nº 2, acho que o Geraldes é o que tem um macaco na mão, certo?

T061 II PARTE: foto nº 2, o Geraldes é o 3º a contar da direita para a esquerda;

T063 III PARTE: foto nº 4 estou só numa mesa no Geraldes; na foto 3 eu chamo "Tasca do Zé Maria", é o que tenho escrito na foto, mas parece-me pela análise às mesas e cadeiras e ambiente, que também é no Geraldes. Tem de se rectificar, até porque não me lembro de uma casa com esse nome. Seria antes o Zé Maria Geraldes?

Eu ainda vou arranjar mais do Geraldes, é só procurar.

Grandes detetives que aqui temos!


(vi) Luís Graça

Virgílio: quando se vinha de Bafatá até Bambadinca, havia no cruzamento, à esquerda, logo no início da Rua Principal da povoação (que dava acesso ao quartel e posto administrativo, escola, CTT, etc., que ficava lá no alto, numa pequena elevação), havia a famosa "tasca do Zé Maria"...

A malta do Leste que vinha abastecer-se ao destacamento de Intendência, na margem esquerda do Rio Geba, passava lá, quase obrigatoriamente... Se calhar, um dia foste lá beber um copo...

Era famosa pelos "lagostins" do Rio Geba Estreito, que o homem nos fazia pagar caros: 50 pesos o quilo... Pescados em zona de risco... pelo barqueiro do Enxalé.

Passaste por Bambadinca, provavelmente até vieste de LDG, de Bissau a Bambadinca, em setembro de 1968... Só depois, creio que já em 1969, é que a LDG abicava no cais acostável do Xime, entretanto construído... Havia aqui um porto fluvial, importante, e um destacamento de Intendência, em Bambadinca... Vê se tens fotos de Bambadinca, do porto, da Intendência...

Deves ter vindo uma ou outra vez a Bambadinca... Seguramente no regresso, de Nova Lamego, em fevereiro de 1969, a caminho de São Domingos... Não havia outro caminho, tinha que se dar a volta ao "bilhar grande" da Guiné... A maior parte das estradas estavam interditas.

 O Zé Maria, se fosse um gajo esperto, teria chamado à tasca dele, "À Volta Cá Te Espero"... Quem lá tinha escritório era o "alfero Cabral", vizinho, ali de Fá Mandinga.

(*) Vd. poste de 11 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19573: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXV: Memórias do Gabu (IV)

Guiné 61/74 - P19581: Notas de leitura (1158): o caso do jornal diário "O Arauto", extinto em 1968, num artigo da doutora Isadora Ataíde Fonseca, sobre a imprensa na época colonial (Luís Graça)


Guiné > Bissau > Cabeçalho e parte da primeira página de "O Arauto", "Diário da Guiné Portuguesa. Ano XXV - Nº 6242. Preço: 1$00. Director e editor: [padre] José Maria da Cruz. Quinta-feira, 27 de Julho de 1967.(*)

Foto: © Benito Neves (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > 1º trimestre de 1968 > No bar da messe de oficiais, o alf mil SAM Virgílio Teixeira, lendo o jornal diário da província, "O Arauto" (1950-1968) (**)

Foto: © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Voz da Guiné, 30 de junho de 1973. Seaparata nº 203. Cortesia do nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro, autor do blogue Rangers & Coisas do MR.


Nota de leitura:

FONSECA, Isadora Ataíde - Dilatando a fé e o império: a imprensa na Guiné no colonialismo (1880-1973). Media & Jornalismo: uma revista do Centro de Investigação Media e Jornalismo. Vol. 16, nº 29 (2016): 119-138.

A autora, investigadora independente,  é doutorada em sociologia da cultura pela Universdade de Lisboa. [FONSECA, Isadora Ataíde (2014) - A Imprensa e o Império na África Portuguesa, 1842-1974. Tese de Doutoramento em Sociologia da Cultura. Lisboa, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Tese disponível, em formato pdf, no Repositório da Universidade de Lisboa .]

No artigo supracitado, publicado em 2016 na revista de Coimbra,  "Media & Jornalismo",  a autora própõe-se "analisar a trajectória do jornalismo e as relações entre a imprensa o império na Guiné ao longo do colonialism", o  a partir de uma "perspectiva multidisciplinar de investigação e análise, na qual a imprensa é observada na sua interdependência às dimensões política, económica e social".

Aplica  "as teorias do jornalismo em regimes liberais e autoritários para se observar a imprensa" e as suas conclusões apontam para  um  "tardio surgimento da imprensa oficial [que] reflectiu a fragilidade da presença portuguesa durante a Monarquia Constitucional".

Com a República (1910-1926),  "a imprensa independente não se afirmou como espaço de debate público". Com a Ditadura Militar e o Estado Novo (1926-1973),  a imprensa vai "servir à propaganda do regime autoritário". No essencial, "ao longo do colonialismo a imprensa na Guiné desempenhou o papel de apoiar e defender o império".

São os seguintes os periódicos da Guiné Portuguesa que foram estudados pela autora:

A Voz da Guiné, 1922.
Arauto (e O Arauto), 1943-68.
Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, 1946-1973.
Boletim Oficial da Guiné Portuguesa, 1884-1920.
Ecos da Guiné, 1920
Ecos da Guiné, 1950-54.
Pró-Guiné, 1924.

No artigo supracitado, tens extensas referências ao períódico "Arauto", mensário, e depois diário, mais tarde "O Arauto", periódico de que temos várias referências no nosso blogue.

"Arauto, Dilatando a fé e o império": era o título do mensário que apareceu em maio de 1943. Era então "dirigido pelo padre Afonso Simões e reproduzido na Imprensa Nacional" (Fonseca, 2016, p. 128). A Imprensa Nacional (instalada em Bolama, com a primeira tipografia montada em 1879) publicava o Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa.

A articulista cita logo o  nº 1 do "Arauto"  em que se declarava que “dilatando a fé, é nosso desejo, concomitantemente, dilatar o império também, interessando-nos por tudo o que diga respeito ao desenvolvimento e progresso desta colónia” (Fonseca, 2016, p. 128).

Na edição nº 14, de junho de 1944, ainda em plena II Guerra Mundial, garantia-se  que “Portugal prossegue [...] a sua obra de reconstrução nacional que tem sido a preocupação dominante daqueles que dirigem os altos destinos da nação”. 

Atento também às políticas da colónia, os nºs 41 (setembro) e 42 (outubro), de 1946, do "Arauto"  faziam referência à 1ª Conferência dos Administradores da Guiné, a qual se terão identificado  como principais problemas da colónia os seguintes:

(i)  a dificuldade de colaboração dos cipaios como elos entre autoridades e indígenas;
 (ii) a obrigação dos nativos trabalharem;
(iii) as irregularidades na cobrança do imposto da palhota; e,
(iv) os problemas infra-estruturais.

Em janeiro de 1947, a edição  nº 45 trazia o discurso do governador Sarmento Rodrigues [, no perído de 1946-1949], na abertura da exposição de Bissau:

 “Nesta terra portuguesa há união de almas e boas vontades, há trabalho, há sacrifício, há entranhado amor ao engrandecimento de Portugal”. 

Citando o nosso conhecido António E. Duarte Silva (2008) [“Sarmento Rodrigues, a Guiné e o luso-tropicalismo”, Cultura, 25],  a autora escreve que "o governo de Sarmento Rodrigues coincide com o apogeu do colonialismo na Guiné", tendo dado prioridade a: (i) desenvolvimento da administração colonial; (ii) participação dos assimilados; (iii)  tratamento paternalista para com os indígenas; e (iv) construção de uma rede de infraestruturas".

Sete anos depois do seu aparecimento, o  "Arauto passa a  diário, em 1950, o tendo como director um outro padre, ou seja, um não jornalista, o franciscano José Maria da Cruz [Amaral] (1910-1993).

Numa nota biográfica escrita por um amigo ("anónimo"), lê-se o seguinte sobre ele;

[...] Voltou ao continente Africano [, tinha estado em Moçambique entre 1936 e 1946], à então província da Guiné, onde esteve até à revolução do 25 de Abril. Na Guiné, foi professor do Liceu Honório Barreto, vogal da Assembleia Legislativa, e até 1968 director do Arauto, o único jornal da Guiné que foi extinto pelo general Arnaldo Schultz, em represália contra a linha editorial do Arauto, que procurou denunciar a anarquia militar e civil do seu governo da província.[...]

Este último facto deve ser visto com reserva: não temos fonte(s) independente(s) para o poder comprovar...

Percorrendo os números que se foram publicando entre 1950 e 1968, Fonseca (2016, p. 129)  faz a seguinte síntese:

(...) "As notícias da metrópole continuaram com destaque no diário, que no seu nº 1415, de Janeiro de 1952, relatava que foram presos os organizadores duma 'conjura contra a segurança do Estado'. Na época as notícias internacionais não incluíam os territórios e países africanos e as informações locais eram escassas." (...)

A nomeação de Marcello Caetano como vice-presidente do Conselho Ultramarino é notícia em fevereiro de 1953 (edição  nº 1813).

"Seguindo uma linha de despolitização" (sic), o mundial de futebol (que se realizou na Suíça, nesse ano, e em que a Alemanha bateu a Hungria na final, por 3-2), foi um dos títulos de caixa alta da edição nº 2297" (Julho de 1954),  de resto, uma "tendência que se manteve" (Fonseca, 2016, p.129).
"
 Em maio de 1955, o "Arauto" noticiava que a Guiné recebera “com delirante patriotismo e entusiástica vibração” o presidente da República, o general da Força Aérea Francisco Craveiro Lopes (1894-1964).

O jornal, que até então era reproduzido em duplicador, ou seja , policopiado, passava a circular em formato de imprensa, graças à Tipografia das Missões, em Bissau.    O "Arauto" é então definido, pelo seu editor, redactor chefe e diretor (, 3 papéis centrados na mesma pessoa...)   como “um jornal diário autêntico, com artigos de análise, com crítica e interesse público” (Fonseca, 2016, p. 129).

Naturalmente, o que o jornal não noticiou (nem o poderia fazer) foi   a criação, na clandestinidade,  do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), fundado por Amílcar Cabral, em setembro de 1956. Tal como "silenciou" os graves acontecimentos de 3 de agosto de 1959, conhecidos como o "massacre do Pidjiguiti". Entretanto, dois meses antes, em junho de 1959 (, na edição nº 3905), os colóquios sobre o II Plano de Fomento do Ultramar eram devidamente divulgados, e sublinhava.se que a política de investimento no território deveria atender a “dualidade de economias”.

A partir de 1958, o jornal passara a designar-se por "O Arauto". E o nº 3483 publicava a primeira intervenção do deputado da Guiné (entre 1956 e 1961), Avelino Teixeira Mota, na Assembleia Nacional, "a qual abordava o problema do ensino e da valorização económica da província". Teixeira da Mota (1920-1982), sobre o qual temos 22 referências no nosso blogue, era oficial da Marinha e foi chefe de gabinete do governador Sarmento Rodrigues.

O jornal fazia-se eco da política externa do governo de Salazar, alvo de crescente hostilidade nas instâncias internacionais:

(...) “No êxito de alguns movimentos [...] assentou um programa de ‘libertação’ que não serve nem respeita a paz dos que não querem ser ‘libertados’ [...] não existem nos territórios portugueses ultramarinos quaisquer indícios de ‘colonialismo’ " (...)  (O Arauto, junho de 1960, nº 4197).

A "orientação governamental e pró-colonial" do jornal não impediu que a edição de 10 de abril de 1960 fosse proibida de circular pela delegação local da PIDE, devido ao artigo “Carta Aberta ao Governador Geral de Angola”, assinado por Ernesto Lara Filho, poeta e jornalista angolano  (Benguela, 1932 - Huambo, 1977), considerado politicamente inoportuno ou inconveniente.

Com o início da guerra colonial em Angola,  "O Arauto" reforça a defesa do império e a denúncia do apoio do  comunismo internacional  ao "terrorismo":

(...)  “É já conhecido o recente acordo [...] que prevê, praticamente, a entrega das províncias ultramarinas, com total independência, às organizações daqueles elementos comunistas e a criação na metrópole de uma república popular” (...) (O Arauto, setembro de 1962, o nº 4856),

Como muito bem observa  Fonseca (2016, pp. 132/133),  não se pode falar verdadeiramente em jornalismo, profissional, independente, deontológico:

(i) os textos do jornal não eram assinados;

(ii)  não há fichas técnicas;

(iii) não há jornalistas profissionais na redação;

(iv) a maior parte do noticiário provinha da agência Lusitânia. agência noticiosa do regime, e de outras fontes, oficiais ou oficiosas;

(v) com o início da guerra, a informação de natureza militar tem estritamente como fonte o Boletim Informativo das Forças Armadas.

Em janeiro de 1964, na edição nº 5276, "a manchete de O Arauto foi 'De ladrões de gado a terroristas'. O texto notava que, se até 1962 o PAIGC tinha limitado suas acções à sabotagem de linhas férreas e telefónicas, passou a ter como alvos as forças armadas portuguesas em Fevereiro de 1963" (Fonseca, 2016, p. 130).

A investigadora deve ter lido mal (ou treslido...), já que na Guiné não havia (nem há...) linhas... férreas!...

Aliás, a autora comete outros erros factuais e faz referências, no mínimo controversas e acríticas, relativas nomeadamente ao processo que levou à independência da Guiné-Bissau: por exemplo, "áreas libertadas" do PAIGC, "perda do controlo aéreo do território" por parte das forças armadas portuguesas, declaração unilateral da independência em "Madina do Boé"...

(...) "Em Abril de 1972 uma missão do comité de descolonização da Organização das Nações Unidas visitou as zonas libertadas e recomendou que o PAIGC fosse reconhecido como o único representante do povo da Guiné. Amílcar Cabral foi assassinado em 20 de Janeiro de 1973 e em Março os portugueses perderam o controlo aéreo do território. Em Agosto, Spínola deixou África e em 24 de Setembro de 1973, em Madina do Boé, foi declarada a independência da República da Guiné-Bissau, presidida por Luís Cabral. Em poucas semanas, a nova nação foi reconhecida por mais de 80 países e, em 17 de Setembro de 1974, as Nações Unidas admitiram como membro a República da Guiné-Bissau." (Fonseca, 2016, p. 132)

No aniversário de "O Arauto", em 5 de julho de 1967, o jornal agradecia ao governador [, gen Arnaldo Schulz,] a concessão de um subsídio de 50 mil escudos [, em dinheiro da metrópole era o equivalente hoje a c. 17.600 €]. Em 1966 o défice do jornal era já de 486 mil escudos [, mais de 178,6 mil euros, hoje] e o diretor questionava-se sobre  a sua viabilibilidade económica.

Ficamos a saber, pelo nosso camarada Virgílio Teixeira, que uma parte dos assinantes seriam as unidades e subunidades  militares do CTIG, como o era o caso do BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69). O nosso camarada lia o jornal "O Arauto", no bar da messe de oficiais em Nova Lamego, mas já não se lembra de o ver em São Domingos. A razão é simples: a última edição do jornal (nº 6444) saiu em 10 de abril de 1968.

Ficamos, entretanto,  na dúvida sobre a decisão de extinguir o único jornal diário do território: seria do governador Arnaldo Schulz ou dos proprietários ? Alegamente, foi por  falta de recursos financeiros, técnicos (máquinas) e humanos. O "biógrafo" (anónimo)  do franciscano quis pô-lo num patamar mais alto, o de vítima e de herói: amesquinhado por Schulz, incensado por Spínola... Parece que o homem acabou por ficar mal com Deus (o Vaticano) por causa de César (Spínola)... A verdade, é que não se pode servir a dois senhores...

Entretanto, em janeiro de 1972 surge um novo jornal, "Voz da Guiné" (, não confundir com "A Voz da Guiné", que se publicou apenas em 1922). A convite de Spínola, o jornal (a princípio bissemanário) é dirigido pelo antigo  diretor e editor  do "O Arauto", o padre José Maria Cruz de Amaral, que "também passou a ser, na mesma ocasião, presidente da Comissão de Censura, órgão a que ele já pertencera e que velava pelos princípios políticos e ideológicos do regime." (Fonte: António Soares Lopes [Tony Tcheka] - Os media na Guiné-Bissau. Bissau: Edições Corubal, 2015, p. 37).

Na realidade, é uma situação insólita, Spínola convida o padre José Maria Cruz de Amaral para diretor da "Voz da Guiné" e, passado uma semana, em 22 de janeiro de 1972,  nomeia-o  presidente da Comissão Provincial de Censura...

Vamos então às conclusões que a autora, Isadora Ataíde Fonseca, tira do seu estudo sobre a imprensa guineense no período colonial (1880-1973):

 (...) "Portugal virou-se para o continente africano na expectativa de sobreviver enquanto império nos séculos XIX e XX e, para tal, estendeu o seu regime político e instituições. Neste contexto, a imprensa e o jornalismo em África emergiram como entidades implementadas pelo regime colonial com o intuito de contribuir na afirmação do império português. Como observou Barton (1979: 2), a imprensa colonial desenvolveu-se em paralelo à imprensa europeia e adoptou o seu modelo de jornalismo. No entanto, na Guiné a imprensa apareceu tardiamente e não se consolidou como espaço de debate público, servindo invariavelmente ao poder político e ao fortalecimento do império colonial português.

"Para se compreender a trajectória e o protagonismo da imprensa na Guiné no período colonial é preciso analisá-la na sua interdependência às dinâmicas sociais. O desempenho da imprensa na Guiné articulou-se ao conjunto das dinâmicas sociopolíticas coloniais, que lhe deram as seguintes características: 

1) A imprensa privada desenvolveu-se tardiamente como reflexo da fragilidade do Estado colonial, da fraqueza das elites locais (europeias e africanas), e do prolongamento dos conflitos militares. A imprensa manteve um perfil político caracterizado pela propaganda dos governos e não pela promoção do debate no espaço público;

 2) Nos três regimes políticos que perpassaram a Guiné, a imprensa sempre desempenhou um papel de colaboração. Durante o Estado Novo a imprensa desenvolveu papéis característicos dos regimes autoritários, sobretudo apoiando e propagando o regime; 

3) Não houve processos de profissionalização e profissionalismo dos jornalistas; 

4) Aplicado o conceito de paralelismo político, a imprensa esteve alinhada com o governo. No entanto, as distintas forças sociais não foram representadas pela imprensa; 

5) A intervenção do Estado foi forte, através da propriedade, dos subsídios e do controlo dos conteúdos. O legado do colonialismo português para a imprensa na Guiné é o jornalismo enquanto actividade de suporte e apoio dos regimes e governos, e não enquanto espaço privilegiado do debate e da intervenção pública." (...) (Fonseca, 2016. p. 134).

O artigo tem cerca de 6 dezenas de referências bibliográficas. Merece um leitura, até porque há ainda pouca investigação neste domínio. Está aqui disponível em formato pdf.

Um outro artigo recente é da nossa conhecida Sílvia Torres mas apenas centrado em 3 jornais: O Arauto, Notícias da Guiné e Voz da Guiné, e restringindo o campo e análise ao período da guerra colonial (1961-1974): vd.  aqui TORRES, Sílvia - A Guerra Colonial na imprensa portuguesa da Guiné. A cobertura jornalística do conflito feita pelos jornais O Arauto, Notícias da Guiné e Voz da Guiné, entre 1961 e 1974. Prisma.Com, (33) 2017, p. 33-46. Disponível aqui em formato pdf.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2766: Álbum das Glórias (42): As melhores ostras de Bissau, em O Arauto, de 27 de Julho de 1967 (Benito Neves, CCAV 1484)

(**) Vd. poste de  11 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19573: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXV: Memórias do Gabu (IV)

(***) Último poste da série > 11 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19575: Notas de leitura (1157): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19580: Historiografia da presença portuguesa em África (154): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
Não garanto que seja o primeiro documento minucioso sobre a Província da Guiné, que passou a existir em 1879. Mas é de uma enorme riqueza o que escreve este médico, os detalhes sobre a vila e a fortaleza de Bissau, a povoação e o presídio de Geba, os detalhes sobre a salubridade pública, as práticas religiosas, as plantas medicinais... É um tanto ingénuo, ao garantir que qualquer que fosse o andamento das negociações luso-francesas, havia os direitos históricos entre os rios Casamansa e Nunez, e abona como documento histórico de validação o tratado breve dos rios da Guiné de André Alvares d'Almada... O relato que nos deixa do concelho de Bolama é igualmente curioso. Não terá viajado à região de Cacheu. E deixa bem claro que a Guiné é uma província instável, com muitas guerras intestinas e que as riquezas da sua agricultura precisam de ser aproveitadas.
Um documento que não pode ser ignorado pela historiografia, estou certo e seguro.

Um abraço do
Mário


Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (6)

Beja Santos

Este relatório consta dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa e foi oferecido pelo seu filho Pedro Isaac da Costa ao antigo administrador de Bissau, António Pereira Cardoso, autor de um conjunto apreciável de documentos, muitos deles de leitura indispensável para conhecer a vida administrativa da Guiné, sobretudo entre as décadas de 1930 e 1950.

Este relatório, como se verifica pelo seu fecho, foi copiado pelo filho do autor. E diz-se que é de estranhar que tendo sido escrito em 1884 se refere a factos de 1888.

Seguramente atraído pelas práticas medicinais dos guineenses, o Dr. Damasceno Isaac da Costa repertoria um conjunto de plantas medicinais, fá-lo tanto em capítulo separado como, mais adiante, nas considerações gerais, voltará ao assunto, confere-lhe importância.

Começa por dizer que o bissilão é uma árvore gigantesca em que a casca é utilizada em infusões ou decocções para tratar as febres, e diz que os Bijagós associam o cozimento da casca ao tratamento de boubas.

A betonca é um arbusto que atinge a altura de três metros, o seu tronco e ramos espinhosos exalam um aroma semelhante ao da erva-cidreira. Os pós da raiz desta planta, misturados com azeite de palma purificado são aplicados para supurar tumores.

Falando da palha preto diz ser uma trepadeira que vive em lugares húmidos, as suas folhas largas são semelhantes às de um mamão, e reduzidas a pasta podem-se aplicar a inflamações superficiais e para acalmar as dores.

A palha de arco é um arbusto que atinge a altura de três a quatro metros; a água proveniente da maceração das suas folhas é administrada para combater os vermes intestinais.

O veludo é uma árvore gigantesca, o seu fruto acidulado é coberto de uma casca avermelhada e emprega-se como antiemético.

A palha de sabão é um arbusto de pequenas dimensões, o cozimento das suas folhas e raízes serve para curar a sarna, aplicado externamente.

O pau doce é um arbusto de cinco metros de altura, a infusão das suas folhas é empregada nas blenorragias.

A cebola de lobo é semelhante à cebola albarrã e usa-se pisada para tratar panarícios.

O pau de sangue é uma árvore secular, a sua madeira é aproveitada de preferência à das outras árvores para construções sólidas; o suco das suas folhas tenras é utilizado nas odontalgias.

Pau de arco é uma árvore gigantesca, a infusão das folhas desta árvore produz efeitos purgativos e o óleo das suas sementes é aproveitado para curar certo tipo de úlceras.

A calabaceira é uma árvore cujas folhas são empregadas para combater as inflamações, pela sua ação emoliente; a infusão da sua casca é empregada no tratamento das blenorragias.

E chegamos ao curiosíssimo capítulo das considerações gerais. O médico começa por dizer que o território da Guiné Portuguesa está situado, segundo as melhores autoridades, entre 10º 21’ e 13º 10’ de latitude norte. É sabido, diz ele, que os seus limites estão ainda mal definidos e que esta importante questão está ainda pendente de negociações diplomáticas entre Portugal e a França. “Seja, porém, qual for a resolução deste assunto, é inegável que Portugal tem, desde há séculos, todo o direito sobre os rios Casamansa e Nunez, como consta de diferentes documentos de altíssimo valor histórico entre os quais merece particular atenção o tratado feito pelo Capitão André Álvares d’Almada, no ano de 1594, arquivado na Biblioteca Pública do Porto. Os estabelecimentos que a França possui nos diferentes rios datam de uma época bastante moderna e a sua existência está bem longe de poder invalidar os nossos direitos. A Província da Guiné, por decreto de 1883, foi dividida em quatro concelhos: Bolama, Bissau, Cacheu e Bolola. Todos os concelhos funcionam regularmente, excepto o de Bolola, ali funciona uma comissão nomeada pelo Governo, sob a presidência do administrador do concelho”.

Fala depois do povoamento e enumera as diferentes etnias, e expressa opinião sobre as suas práticas religiosas: “Todas as tribos vivem na mais crassa ignorância, adoram os Irãs, as Balobas ou Chinas. Além do Irã, cada indivíduo tem o seu Deus particular, chamado fetiche, que pode ser um animal, uma árvore, um chifre ou um pau. Os Mandingas seguem o islamismo mas bastante alterado”. Refere que os Futa-Fulas são dignos de menção pela sua superioridade sobre as outras raças e exprime opinião sobre o belicismo das diferentes etnias: “As diferentes tribos são dadas à guerra que o menor pretexto é suficiente para se hostilizarem umas às outras, principalmente quando dominam velhos ódios e rivalidades, como sucede entre os Futa-Fulas e os seus antigos escravos Fulas-Pretos e entre Fulas-Forros e os Beafadas. As recentes correrias dos Beafadas e dos Fulas pelas margens do Rio Grande, acompanhadas de saque às propriedades, tem sido a causa da paralisação do comércio naquela importante via fluvial. Também tem sofrido ultimamente o comércio do rio Geba, em consequência de desinteligências dos Fulas-Pretos com aquele valioso presídio”.

Tem opiniões próprias sobre a agricultura, como informa: “O clima é fértil e propício para as culturas dos climas tropicais, como amendoim, rícino, purgueira, café, milho, feijão, arroz e mandioca. A mancarra é o principal produto de exportação. A Província exporta também borracha, couros e cera. Entre as frutas merecem especial menção: a manga, o caju, a papaia, a banana, a goiaba e o ananás. São também muito abundantes as laranjas em todo o território”.

Considera que os Manjacos, os Balantas e os Mandingas seriam o melhor contingente para o desenvolvimento agrícola, logo que surjam investidores que apostem no desenvolvimento da Guiné. Recorda as excelentes madeiras como grande riqueza e lembra o mogno e o pau sangue.

De novo vem falar nas plantas medicinais: o azeite de arco usado nas úlceras crónicas; o azeite amargoso nas nevralgias e nos reumatismos; as folhas de cabaceira são emolientes e usadas em cataplasmas, substituem perfeitamente a linhaça. Depois repertoria a fauna e as árvores de notável beleza, diz que entre os répteis figuram a tartaruga, o cágado, o jacaré e várias serpentes, a mais venenosa é a ‘cobra muda’, cuja mordedura pode matar em poucas horas.

Muda de rumo nas suas considerações gerais e apresenta o concelho de Bolama, dizendo que compreende a povoação, a ilha de Orango e todos os pontos ocupados na margem esquerda do Rio Grande; tem perto de oito milhas de comprimento de leste a oeste e três ou quatro de largura de norte a sul. Eleva-se da periferia para o interior por uma leve e suave encosta. A ilha tem duas povoações principais, Bolama de Leste, que é a sede do Governo, e Bolama de Oeste ou Oeste-Ponta. A Bolama do Oeste é mais saudável do que a Bolama de Leste porque aquela está bastante elevada acima do nível do mar, e apesar de lhe ficar fronteira a ilha das Galinhas, recebe em cheio as brisas oceânicas. Além disso, a sua praia é seca e arenosa, o que não acontece com a Bolama de Leste, que é lodosa. Havendo superioridade de Bolama de Oeste sobre Bolama de Leste, tanto sob o ponto de vista higiénico como comercial, não foi certamente feliz a resolução do Governo em estabelecer a capital em Bolama de Leste. Os ingleses, apreciando as vantagens incontestáveis de Bolama de Oeste, fixaram ali o seu estabelecimento de que ainda se vêem vestígios, tais como as ruínas do quartel, igreja, hospital, escola, etc.

Referindo-se às carências, lembra a importância de haver uma ponte de cais, o desembarque de pessoas e mercadorias era espinhoso, as pessoas eram carregadas aos ombros de pessoal do porto. E termina com a descrição das pontas do Rio Grande. Resta dizer que o médico assinou o seu relatório em 15 de maio de 1885 e o seu filho Pedro Isaac da Costa copiou-o no Xitole, apôs a data de 18 de fevereiro de 1917. Documento inesquecível.


Imagens inseridas no livro “Guiné, Início de um Governo”, 1954, obra hagiográfica dedicada ao Governador Mello e Alvim.

Vista do interior da messe dos oficiais da Ilha de Sogá, Bijagós
Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitectónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
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Nota do editor

Postes anteriores de:

6 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19475: Historiografia da presença portuguesa em África (148): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (1) (Mário Beja Santos)

13 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19494: Historiografia da presença portuguesa em África (149): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (2) (Mário Beja Santos)

20 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19511: Historiografia da presença portuguesa em África (150): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (3) (Mário Beja Santos)

27 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19535: Historiografia da presença portuguesa em África (151): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (4) (Mário Beja Santos)
e
6 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19556: Historiografia da presença portuguesa em África (152): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19579: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XVII: cap inf Francisco Xavier Pinheiro Torres Meireles (Paredes, 1938 - Ponta Varela, Xime, Guiné, 1965)


Cap Inf Francisco Xavier Pimheiro Torres Meireles (1938-1965): comandou, a seguir ao cap mil inf João Henriques de Almeida, a CCAÇ 508, mobilizada pelo RI 7 (Bissorã, Bissau, Bambadinca, Xime, 14/7/1963 - 7/8/1965).






1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à esquerda], instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972. Foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar.

Passou a integrar formalmente a nossa Tabanca Grande, com o nº 784, com data de 7 do corrente.
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terça-feira, 12 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19578: Memória dos lugares (385): a tasca do sr. Geraldes, no Gabu... O casal era de Setúbal ( Tino Neves, ex-1.º cabo escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71)








Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. 1970 > A tasca do sr. Geraldes

Fotos (e legenda): © Tino Neves (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do  Constantino Neves (Tino Neves), ex-1.º cabo escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71 (hoje, bancário reformado, vivendo na Cova da Piedade, Almada; tem mais de meia centenas de referências no nosso blogue):

Data - Segunda, 11/03, 13:13 

Assunto - A tasca do Geraldes no Gabu

Olá, Camarada Luís

Desta vez venho completar e confirmar uma das fotos do Poste 19573, do Camarada Virgílio Teixeira (*), a almoçar na tasca do Geraldes, com três fotos tiradas na referida Tasca, em que tinha também um jogo de bilhar "Sinaleiro". em 1970.

Era a Tasca/Restaurante que muitas das vezes ia-mos comer um bom frango assado ou um bom bife com molho de chabéu, uma delicia.

Segundo conversas com o Sr. Geraldes e esposa, fiquei sabendo que eles eram de Setúbal.(**)

Um Alpha Bravo
Tino Neves

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(**)  Último poste da série > 28 de dezembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19342: Memória dos lugares (384): Tradições do Natal crioulo em Bissau: o "fanal" e o "mbim pidi festa" da meninada do meu tempo (Nelson Herbert)

Guiné 61/74 - P19577: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (4): dia de Carnaval + Eleições = Carnaval Total


Guiné > Bissau > Julho de 1973 > Monumento do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, avenida marginal e área portuária... Um dos "bilhetes postais" que ficaram no "álbum da nossa memória"...

Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Quarta crónica do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol; lisboeta, tem fortes ligações à Lourinhã, Oeste, Estremadura...

Chegou a Bissau, a 2 de março, e aqui vai estar 3 meses como voluntário na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo. (*)



Dia de Carnaval + Eleições = Carnaval Total


por Luís OLiveira


Feriado de carnaval e a Escola [privada Humberto Braima Sambu], tal como em Portugal, dispensou os nossos serviços, portanto de manhã a equipa de voluntários obrigou-se a tratar do cabedal: TRX, elásticos de força, escada de motricidade ....toca a correr, salta aí, nada de pisar os limites, puxa, estica, geme, respira bem. Enfim,  uma suadeira em que fomos bem espremidos e até deixou algumas dores de corpo, mas “no pane, no game” , como dizem os guineenses ?


Após o almoço apanhamos o toca-toca, transporte colectivo local que aceita um número quase ilimitado, quer dizer os limites correspondem à quantidade de clientes que se querem fazer transportar, mas nunca há gente a mais e todos cabem.


Quem gostar de emoções fortes pode perfeitamente dispensar uma ida à EuroDisney e abdicar de qualquer montanha russa porque aqui a adrenalina é maior e sai muito mais barato. Por cem francos (0,15 €) fizemos um percurso de talvez quinze quilómetros e o condutor quando se apercebeu que o nosso destino era o Pidjiguiti, alterou a rota e deixou-nos junto ao cais... Fantástico!


Encontrámos-nos num bar com um amigo da Nonô, o Itum, guineense e licenciado em economia pela faculdade do Porto, e que decidiu trocar a boa vida da Europa para colaborar no desenvolvimento do seu País que tanto precisa.

A conversa foi animada e prolongou-se pela tarde até que fomos alertados que todas as ruas de Bissau ficariam vedadas ao trânsito até ao final dos festejos. E agora? Quinze, talvez muitos mais quilómetros para fazer no labirinto urbano de Bissau! Só chegaríamos a casa talvez no fim de semana.


O movimento de pessoas é inimaginável, todas as ruas e becos estavam apinhados de gente deslocando-se em todas as direções e tive a sensação se ser uma formiga dentro da caótica azáfama do formigueiro. Devo dizer que, para além de nós (as formigas), circulavam porcos das mais variadas dimensões e até vacas, parecendo estes absolutamente indiferentes ao Carnaval.


É uma alegria ver uma população numerosa, constituída maioritáriamente por jovens e milhares de crianças. Todos irradiando alegria, distribuindo sorrisos, boa disposição e pequenas provocações cheias de graça e sem maldade:

– Olá, branco, olélé!

Um cenário cheio de contrastes para quem anda no Metro de Lisboa e vê carruagens carregadas de gente madura, com ar carrancudo de quem pouco dormiu ou esteve atenta aos telejornais. Todos presos aos smartphones, talvez para imaginarem estar num mundo virtual, melhor que a estação do Campo Grande.

Mas lá fomos andado, queríamos chegar a casa e o Itum ainda nos fez companhia por largos quilómetros procurando as mais difíceis vielas, com a esperança de encontrar algum transporte em fuga à legalidade e que pudessemos aproveitar.


Num aperto de gente e em marcha lenta, circulava um carro com dois ocupantes, homens, que quase pararam em jeito de quem oferece boleia junto à Sílvia e à Nonô. Comecei a ficar preocupado com a coisa porque na minha cabeça e, lembrando Lisboa, os “marmanjos” podiam ter alguma na ideia.


Elas são voluntárias na Guiné por alguma razão! Têm coragem, aceitaram a boleia, dizendo que eu também as acompanharia, mais conversa com o Itun e entramos na carripana que nos levaria pelo menos perto de casa. 
O condutor contou-nos parte da sua vida em Lisboa, Odivelas, Brasil e até esteve na Alemanha. Do pendura pouco soubemos por ser mais reservado e  o seu português ser mais limitado, mas fomos conversando e andando e o estado de alerta que eu tinha criado, foi-se diluindo porque percebi que a Sílvia, prudentemente, ia acompanhando a viagem pelo GPS e estávamos no caminho certo, e chegámos ao ponto que pretendíamos na proximidade da casa, já aliviados.


Na despedida e tendo em conta o longo e difícil percurso que os nossos "salvadores" tinham feito apenas para nos auxiliar, sabendo que a vida é muito difícil e os jovens não eram ricos, procurando não os ofender, sugeri que aceitassem a nossa colaboração para pelo menos os compensar do combustível que gastaram pois não era aquele o seu destino. A nossa oferta foi de imediato recusada. 


– Vocês estão na Guiné-Bissau para ajudar, nós temos prazer em retribuir...


... E a troca foi apenas um abraço e desejo de saúde e felicidade.


Eles merecem mais que isso.


Guiné 61/74 - P19576: Parabéns a você (1586): SAj da GNR Ref Manuel Luís R. Sousa, ex-Soldado At Inf do BCAÇ 4512 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de Março de 2019 > Guiné 61/74 - P19572: Parabéns a você (1585): Artur Soares, ex-Fur Mil Mec Auto da CART 3492 (Guiné, 1972/74) e Joaquim Sequeira, ex-1.º Cabo Canalizador do BENG 447 (Guiné, 1965/67)

segunda-feira, 11 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19575: Notas de leitura (1157): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,
Se dúvidas subsistissem sobre a importância desta obra antológica elaborada por investigadores do mais alto nível e onde participaram estudiosos de mérito, essa dúvidas dissipam-se com as análises efetuadas na última parte do livro: o significado da diáspora; os fundamentos da etnicidade na turbulência política das últimas décadas; onde e como se impôs o Narco-Estado a partir do momento em que a militarização do regime subalternizou as instituições democráticas e como, em 2014, havia todos os ingredientes para encostar à parede a clique militar, após a vigilância norte-americana.
A instabilidade não passou mas as qualidades do povo, o elevado nível de convivência e a solidez das sociedades rurais indicam que a esperança se mantém de pé.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau: de Micro-Estado a Narco-Estado (4) 

Beja Santos 

Concluímos hoje as recensões sobre a obra “Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’”, por Patrick Chabal e Toby Green, Hurst & Company, London, 2016, constituída por um acervo de estudos dedicados à memória de Patrick Chabal, falecido em Janeiro de 2014, e que idealizou até ao fim dos seus dias a organização desta análise coletiva com Toby Green. Obra constituída por três partes (fragilidades históricas; manifestações da crise e consequências políticas da crise) convocou nomes importantes da historiografia da Guiné-Bissau no plano internacional como Toby Green, Joshua B. Forrest, Philip J. Havik, entre outros. Doravante, não se poderá ter um grande ecrã das investigações deste tempo sem consultar análises tão pertinentes, algumas delas completamente ausentes nos estudos sobre a história contemporânea da Guiné-Bissau. Veja-se logo o primeiro estudo sobre a diáspora guineense depois do conflito político-militar, recordando as rotas clássicas da diáspora, a presença de guineenses em Portugal e um pouco por toda a Europa, lembrando que na diáspora ganhou relevo certos blogues como Didinho, Doka Internacional e Intelectuais Balantas na Diáspora. Aspeto que o autor considera é a dispersão de estudantes em muitas universidades como Marrocos, Argélia, Nigéria, Rússia, China, Senegal e Brasil. É também referido como vivem os migrantes nos subúrbios de Lisboa, como se processam as relações entre a diáspora e a pátria e dá-se a sugestão para a criação de um fórum entre guineenses em diáspora para promover o desenvolvimento e construir a paz, um lóbi que suporte iniciativas para o desenvolvimento da Guiné-Bissau.

Um outro autor debruça-se sobre a questão étnica e interétnica, a questão étnica não esteve ausente das eleições de 2014, e o exemplo mais claro foi dado pelo PRS – Partido da Renovação Social, que fez campanha sobre a aura da etnia Balanta, mas que não conseguiu sugestionar o eleitorado que preferiu José Mário Vaz. As grandes fraturas hoje existentes no PAIGC não assentam na etnicidade mas sim na concertação de grupos que querem chegar ao poder e manobrar negócios. O autor faz um breve historial da questão étnica do lado da luta armada e da sua exploração do lado colonial, as grandes tensões e confrontos dividirão guineenses e cabo-verdianos, assistir-se-á depois ao vexame dos Balantas, será a interetnicidade a ganhar força durante o conflito político-militar, Kumba Ialá exacerbará a questão étnica e tentará misturá-la com a questão religiosa, sem sucesso pois a convivência religiosa entre guineenses está de pedra e cal. A coligação entre os militares ligados à droga para destituir Raimundo Pereira e Carlos Gomes Júnior e afastar a influência angolana foi uma coligação de interesses devido à traficância de droga, explorando o sentimento de que a CEDEAO não aceitava Angola dentro deste quadro político e geoestratégico.

Num outro ensaio apreciam-se as questões de segurança na Guiné-Bissau no quadro da geopolítica global, são referidos os diferentes atores, as missões de paz das Nações Unidas, o histórico da política externa guineense desde a sua postura não-alinhada, depois da independência, a deslocação para a esfera francesa e a aceitação de pertencer à CEDEAO e a ascensão da instabilidade quando alguns políticos e militares aderiram ao tráfico da cocaína. Têm vindo a falhar as diferentes tentativas da reforma do Estado e das Forças Armadas, Angola fez propostas e pôs dinheiro em cima da mesa, os militares da droga perceberam que ficariam algemados, desencadearam um golpe de Estado. O investigador dá conta das tentativas desenvolvidas a partir da eleição de José Mário Vaz para se chegar a um plano de arranque para o desenvolvimento, foi assim que se criou o plano “Terra Ranka”, que chegou a ter previsto um financiamento superior a um bilião de dólares, a seguir veio a barafunda institucional, os doadores continuam à espera que as entidades guineenses dêem sinais de maturidade.

O impacto do Narco-Estado é matéria de outro estudo onde se parte da consideração que a militarização do regime, logo em 1980, por etapas sucessivas levou à anomia do quadro político por sujeição a uma clique militar que beneficia do trânsito da cocaína e da cumplicidade com o cartel colombiano. O aspeto curioso é que a chegada ao poder de José Mário Vaz era contemporâneo do enfraquecimento dessa clique graças à vigilância norte-americana coroada de êxito com a prisão de Bubo Na Tchuto e a neutralização de António Indjai. Esta instabilidade é acrescida com os acontecimentos do Casamansa, um conflito que precisa de instituições sólidas na Guiné-Bissau para pôr termo ao livre-trânsito de vendedores de águas, traficantes de crianças e mercenários na região.

A conclusão de todo este estudo cabe a Toby Green que resume admiravelmente a passagem da colónia da república independente e a multiplicidade dos conflitos que surgiram e refere os contextos adversos a partir de 1974: crise petrolífera, ascensão e consagração das teses neoliberais, crescentes desigualdades entre o Norte e o Sul à esfera global, passagem de um coletivismo demencial para um liberalismo que favoreceu uma certa clique do regime, a emergência de monocultura do caju, um sistema económico à deriva. Daí a resistência posta pelas sociedades rurais para sobreviverem a um sistema político autodevorador, em que em todas as instituições se cobiçam benefícios da ajuda externa e do financiamento de projetos. Os indicadores de desenvolvimento humano são dos mais baixos do mundo, mas o povo mantém-se admirável, pela sua convivência, pela sua esperança, pela sua energia cultural. Daí poder dizer-se que a construção da nação está em marcha enquanto o Estado faz parte do imaginário coletivo. Talvez a retoma ao princípio da justiça e da igualdade entre todos os povos da Guiné, que fez parte do sonho de Cabral, possa ser a mola de arranque para solidificar as estruturas da colaboração interétnica e estabelecer as novas bases da confiança mútua, dentro de um princípio consciente de aprender com os erros do passado e saber perdoar.
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Notas do editor

Postes anteriores de:

18 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19505: Notas de leitura (1151): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

25 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19526: Notas de leitura (1153): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (2) (Mário Beja Santos)
e
4 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19548: Notas de leitura (1155): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19562: Notas de leitura (1156): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (76) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19574: Os nossos médicos (87): José Luís Champalimaud (Nova Lisboa / Huambo, Angola, 1939 - Lisboa, 1996): foi médico do meu BCAÇ 3880, em Zemba, por um mês, em abril de 1973, e um dos autores da descoberta do VIH 2 em 1986 (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-al mil at inf, CCCAÇ 3535, Zemba e Ponte de Rádi, 1972/74)


José Luís [Antunes Feio Terenas] Champalimaud (Nova Lisboa / Huambo, Angola 15-09-1939 – Lisboa, 26-11-1996). Foto: cortesia de Toponimia de Lisboa



1. Texto de Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil atirador de infantaria, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, Angola 1972-74:


O Fernando de Sousa Ribeiro foi alf mil at inf,  CCAÇ 3535 (Zemba e Ponte de Rádi, 1972/74), do BCAÇ 3880;  é licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; vive no Porto; está reformado; é membro da nossa Tabanca Grande desde 11/11/2018, sentando à nossa sombra do nosso poilão nº lugar nº 780.].

Neste texto que se segue (, retirado de comentário seu  ao poste P19563), o nosso camarada evoca (e faz uma justa homenagem a) um dos nossos médicos, por sinal angolano (, nascido em 1939, em Nova Lisboa, hoje Huambo, em Angola), e que infelizmente nos deixou muito cedo, em 1996: José Luís Champalimaud, "o médico português que identificou o HIV2"...

Comvirá esclarecer o seguinte:  A prof Odette Ferreira [1925-2018], a nível laboratorial, e o dr. José Luís Champalimaud,  a nível clínico, levaram a amostra da nova variante do VIH a Paris, ao Instituto Pasteur, que confirmou a descoberta, o  VIH 2, em 1986. Tinha sido colhida por Kamal Mansinho em doentes oriundos da Guiné-Bissau.   [Fonte: Público, 7 de outubro de 2018] [LG]


Ainda há poucos dias, evoquei na página no Facebook do meu batalhão (BCAÇ 3880, que esteve em Angola) um médico que veio a desempenhar, mais tarde, um papel absolutamente vital no combate à epidemia de SIDA na Guiné e na África Ocidental em geral: José [Luís] Champalimaud

José Champalimaud esteve em Zemba, no norte de Angola, em abril de 1973, a substituir o médico do meu batalhão (um pediatra obrigado pelas circunstâncias a tratar de uns marmanjos que éramos nós), enquanto este esteve de férias. Como não sabiam como se pronunciava Champalimaud, os nossos soldados chamaram-lhe "Chapa Limão". Em Luanda, os seus colegas médicos chamavam-lhe "Champa".

Quando soube que era o Champalimaud que iria substituir o médico do batalhão, o tenente-coronel não se cansou de dizer:

- Vem para cá um professor universitário! Não é um doutor qualquer! É um professor universitário! Aqui em Zemba!!!

Na verdade, o Champalimaud era assistente da Faculdade de Medicina de Luanda. Tinha a especialidade de Medicina Tropical. Com uma tal especialidade em Zemba, ele foi, de facto, o homem certo no lugar certo, tendo exercido a sua função com toda a competência.

Mas mais do que competente, ele foi extremamente humano. Tratava os doentes com um carinho impressionante. Isto era particularmente evidente no imenso cuidado com que ele observava as crianças. Não havia dúvidas de que ele era médico por vocação.

Quando o Champalimaud chegou a Zemba, a malta perguntou-lhe logo que parentesco é que ele tinha com o banqueiro Champalimaud. Respondeu ele:

- Eu sou o parente "pobre" da família.

Logo a seguir, explicou:

- Na verdade, eu não sou pobre. Felizmente, dinheiro foi coisa que nunca me faltou. Mas, comparado com o meu primo António, sou um miserável...

Estava tudo a correr bem com o Champalimaud, quando se deu a queda de um avião em Zemba, um pequeno Auster  em que morreram o capelão do batalhão, o primeiro-cabo analista de águas, da CCS, e o piloto do aparelho. 

Pois o Champalimaud esteve para embarcar no avião acidentado! Ele só não embarcou naquele avião, porque reparou que se tinha esquecido de qualquer coisa e voltou atrás para ir buscá-la. Em lugar dele, embarcou o capelão ou o analista (não sei qual deles). Assim que se deu o acidente, o Champalimaud ficou em estado de choque. Só dizia:

- Podia ter sido eu... Podia ter sido eu... Podia ter sido eu...

Alguns dias depois, o Champalimaud voltou para Luanda, ainda profundamente abalado, quando o médico do batalhão regressou de férias.

Entretanto o tempo passou-se, nós terminamos a nossa comissão e o Champalimaud acabou também por vir para Portugal na sequência da descolonização de Angola. Estabeleceu residência em Lisboa, entrou para os quadros do Instituto de Higiene e Medicina Tropical como investigador, exerceu clínica no hospital ao lado, o Hospital Egas Moniz, e abriu um consultório privado no Saldanha.

Nos anos 80 deu-se o aparecimento da terrível epidemia de SIDA, que se espalhou pelo mundo como fogo em palheiro, causando milhares e milhares de mortos. Começaram a chegar doentes com SIDA ao Hospital Egas Moniz, vindos de África, e o Champalimaud passou a dedicar-se de alma e coração ao combate a esta terrível doença. Tornou-se mundialmente conhecido nos meios de combate à SIDA, sendo considerado uma das maiores autoridades a nível mundial. Ele foi um dos investigadores mais escutados e respeitados em todo o mundo.

Entretanto, houve um grupo de doentes com SIDA vindos da Guiné, nos quais os tratamentos usados no combate à doença não tinham qualquer resultado. Os doentes vindos de outros países melhoravam com os tratamentos, mas os da Guiné não. Foi então que o Champalimaud e a sua equipa de colaboradores descobriram que afinal não havia só um vírus causador da SIDA, o vírus da imunodeficiência humana ou VIH (HIV em inglês). Havia um outro vírus, que era muito semelhante ao primeiro, mas que não era o VIH "normal". Era este o vírus que afetava os doentes vindos da Guiné. 

Além de ter descoberto a existência deste outro vírus, chamado VIH2 (HIV2 para os anglo-saxónicos), o Champalimaud e a sua equipa desenvolveram novos tratamentos apropriados e tomaram medidas para que este outro vírus não se espalhasse mais do que já se tinha espalhado, tanto na Guiné como fora dela. Mais do que nunca, o Champalimaud tornou-se um dos três ou quatro investigadores sobre SIDA mais considerados do mundo!.

De repente, o Champalimaud morreu. Um enfarte matou-o, quando ainda havia muito a esperar da sua ação. Em sua homenagem, foi dado o seu nome a um largo de Lisboa, próximo da Praça de Espanha e da Fundação Gulbenkian: o Largo José Luís Champalimaud.

Fernando de Sousa Ribeito
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