Mostrar mensagens com a etiqueta Rosa Serra. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Rosa Serra. Mostrar todas as mensagens

sábado, 10 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23862: História de vida (49): Sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra) - Parte II: A guerra e a sua violência... mas também havia situações "engraçadas" (como, por exemplo, quando "eles", em Tancos, tentavam esconder a revista "Playboy" quando eu chegava ao bar de oficiais...)


Guiné > Região do Oio > Jumbembem > CART 730 (1964/66) e CCAÇ 1565 (1966/68) > Domingo, 10 de julho de 1966 > Um dia trágico: pormenor da evacuação do cap mil inf Rui Romero, na foto a ser transferido para a maca do helicóptero Alouette II... A enfermeira paraquedista era a alf Maria Rosa Exposto.

Foto (e legenda): © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



História de vida (excertos): sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra)

Parte II: A guerra e a sua violência... mas também havia situações  "engraçadas" (como, por exemplo, quando "eles", em Tancos,  tentavam esconder a revista "Playboy" quando eu chegava ao bar de oficiais...) 



Rosa Serra, hoje (2020)

Perguntaram-me, no Hospital de Cascais onde estive recentemente internada (*), onde trabalhei, e ficaram admiradas, as enfermeiras, quando desfiei os vários locais e as experiências que tive durante quarenta anos.

Há um que deixou todas ainda com mais espanto. Foi o período em que estive na Força Aérea, como enfermeira paraquedista.

Naturalmente que não escondi que foi uma experiência profissional interessante, mas acrescento sempre que essa realidade foi muito específica e muito diferente da prestação de cuidados em outros contextos, mas talvez não superior aos desempenhos como enfermeira, antes e depois, dos anos que estive ao serviço da Força Aérea.

A Arte do Cuidar é muito variável e sempre adaptada ao contexto onde se exerce. A nossa ação, como enfermeiras paraquedistas, foi num palco de guerra, que desencadeava estados de stresse elevado, sendo necessário geri-lo com mestria, para que a nossa intervenção fosse útil e eficaz. Tínhamos de ter atenção ao nosso estado emocional, pois ele refletia-se naqueles que eram socorridos por nós.

Foi uma mais valia fazermos o curso de paraquedismo, que não nos ensinou a ser enfermeiras, pois já o eramos antes de entrar no RCP - Regimento de Caçadores Paraquedistas, mas foi durante o curso de paraquedismo que aprendemos a controlar os nossos medos e emoções, para que aterrássemos em segurança. Esse treino repercutiu-se na nossa ação, que passou a ser mais calma e mais eficaz.

Os nossos combatentes tinham uma confiança ilimitada nas enfermeiras paraquedistas, foram eles que nos apelidaram de “Anjos“ que desciam do céu para os socorrer. Acredito que a maioria de nós, se não todas, se via como seres espirituais, mas foi uma expressão carinhosa, utilizada pelos nossos combatentes.

Com os pilotos, quando alguma coisa os preocupava, nós, mesmo não entendendo nada de aviões, tentávamos acalmá-los.

Recordo de uma vez na Guiné. O sr. capitão, piloto aviador Cartaxo, ao atravessar o Rio Geba, o maior rio da Guiné, que ficava em frente à cidade de Bissau, par irmos buscar um paraquedista à outra margem desse rio, deparou-se com um inesperado nevoeiro que, sem qualquer “aviso”, fechou o nosso caminho, impedindo que o rumo que estava traçado inicialmente, teria de ser alterado ou adiada a missão. Já estávamos a sobrevoar Tite quando esta alteração climática aconteceu.

De início, o piloto tentou ultrapassar as nuvens, e eu também fiquei atenta ao comportamento das mesmas e andamos ali um bom bocado a sobrevoar Tite, na expetativa de não ser necessário regressamos a Bissau, sem a nossa missão cumprida que era trazer o nosso ferido.

– Olha ali, as nuvens estão a abrir e a nosso favor – disse eu, mas o Capitão mexia na manche,  alheio à minha informação.

Eu sem perceber por que razão o seu foco era apenas os instrumentos da aeronave. Só no fim de uns bons minutos, acedeu ao meu pedido e acabámos por aterrar no aldeamento donde vinha o pedido.

A pista que nos recebeu era de terra batida, cujas pedrinhas batiam na fuselagem da frágil avioneta, uma DO-27. O ferido que íamos buscar era um paraquedista da companhia do, na altura,  capitão paraquedista Terras Marques [, a CCP 121 / BCP 12],   que na noite anterior pernoitara nesse quartel do Exército, vindo de uma operação.

Quando aterramos, chegou até nós o militar ferido,  que já apresentava alguma dificuldade respiratória, porque ao cair da tarde foi tomar banho a um pequeno rio, mergulhando numa parte baixa e lesionou a coluna cervical, razão suficiente para eu pedir ao capitão que pedisse à BA 12, em Bissalanca, para ter um helicóptero disponível na pista à nossa chegada.

O hospital militar [, o HM 241, em Bissau], ficava relativamente perto da BA 12, mas não seria indicado ser transportado por terra, percorrendo uma estrada de piso degradado até lá.

O sr. capitão piloto aviador acedeu ao meu pedido e, quando aterrámos na BA 12, lá estava o Alouette III à espera. Fez-se transferência do ferido para o helicóptero e, antes de ele descolar, coloquei dois frascos de soro em cada lado do seu pescoço, para o manter minimamente estável e já não o acompanhei até ao hospital. O trajeto era demasiado curto, não justificava minha presença durante a viajem.

Depois do helicópetero levantar voo rumo ao Hospital Militar de Bissau, virei-me para o aviãozinho, para perguntar ao capitão se queria acompanhar-me ao bar dos pilotos para tomarmos o pequeno almoço, e qual não é o meu espanto quando vi num buraco na asa do avião, e em cima dela estava um cabo mecânico da Força Aérea que, com ar animado, informa:

– Meu capitão, já a encontrei.

Foi quando vi o furo no DO-27 e ingenuamente disse ao capitão:

– Eu,  quando ouvia as pedras a bater na barriga do avião,  pensei que estas iriam criar moça ao nosso aviãozinho. 

Ele não reagiu á minha observação. Só no bar dos pilotos, não ele, mas quem ouviu a sua narrativa, ria descaradamente na minha cara. Até eu ri pela minha ignorância e estupidez.

Por vezes parecia que vivíamos num mundo de “anedotas”, estou a lembrar-me de outra reação que os pilotos tinham quando chegava um avião da TAP, com passageiros idos de Lisboa.

Após o almoço no Bar dos Pilotos, onde geralmente eu tomava café, de repente alguém me segura por um braço e diz:

– Vamos já para a pista.

E um deles arrasta-me me para dentro de um jipe que já estava à espera dos meninos pilotos, nesse dia acompanhados por uma enfermeira paraquedista. Explicaram-me:

– Vamos ver as miúdas que vêm de Lisboa.

Quando chegamos muito perto da pista, e na distância permitida, estacionaram o jipe e lá ficamos a olhar o belo avião TAP, de portas abertas com um assistente de bordo à espera da colocação das escadas, por onde desceriam os passageiros que chegavam de Lisboa.

Colocada a escada, os passageiros aparecem começando a descer os passageiros e iniciou-se o alvoroço:

– Olha a loiraça que aí vem, é o máximo – diz outro.

E eu pensava:

– Estão todos apanhados pelo clima, o que é que eu tenho a ver com isto ?!

Até que de repente se instala a desilusão total e começaram a lamentações, dizendo:

– Ó, pá, é a Rosa Exposto (uma enfermeira paraquedista)

Eu arregalei os olhos, pensando como é enfermeira paraquedista já não interessa!... Mas, ri com gosto, pela desilusão dos nossos amigos pilotos.

"Essa enfermeira é gira mas é... uma enfermeira paraquedista", acredito que a frase, dita à minha frente, os incomodou por considerar o comentário pouco respeitoso.

Foi bom confirmar que, para além dos paraquedistas, também os pilotos tinham alguma preocupação em terem atitudes delicadas, pelo menos na nossa presença.



Rosa Serra, ex-alf enf paraquedista
(Guiné, 1969/79; Angola, 1970/71;
Moçambique, 1973)


Há um caso dramático que ainda hoje me custa falar. Embora eu não assistisse, nem tão pouco eu estava na Guiné, mas conhecia a enfermeira em questão, quando eu estava em Luanda e lhe fiz a adaptação no transporte de feridos e doentes de Luanda para Lisboa.

Segundo a narrativa das enfermeiras que estavam na Guiné na época, essa enfermeira nesse dia quando almoçava no BCP 12, chegou um jipe, que sabia sempre onde estava a enfermeira de alerta do dia, informando que havia uma evacuação. A jovem interrompeu a refeição, meteu uma peça de fruta no bolso, entrou na viatura que arrancou em direção á pista.

Com todo aquele stresse, teve uma atitude impensável e sem lógica nenhuma. Foi colocar a bolsa dos primeiros socorros na porta de trás, pelo lado do piloto e voltou para o seu lugar pelo mesmo lado.

Sem que o piloto se apercebesse que ela voltara pela frente do avião, para ocupar o seu lugar,  o lugar dela, ele põe o motor a trabalhar, atingindo-a mortalmente com as pás. É impressionante como ela não se lembrou dos ensinamentos dados pelos paraquedistas, que nos ensinaram; nunca se passa pela frente de um avião, nem por trás de um helicóptero, visto ser lá que está instalado o rotor de cauda. (**)

As enfermeiras que estavam a almoçar com ela, ficaram sem perceber porque é que o jipe voltou logo de seguida, chamando todas as enfermeiras à pista. Elas foram e depararam-se com aquele cenário horrendo.

Por muito preparadas que estivéssemos, há sempre situações que é impossível não nos abalar profundamente.

Apesar de tantas situações violentas, não foram só tristezas, havendo sempre algumas engraçadas para recordar. Eu sou do tempo em que em Portugal não se vendia a revista Playboy, ela só chegava ao RCP quando alguém a trazia da Base Americana dos Açores. Eu estava em Tancos nessa altura a dar um curso de primeiros socorros avançados a socorristas paraquedistas e,  quando chegava o fim da tarde, antes do jantar, passava pelo bar dos oficiais que era composto por três salas: o bar propriamente dito, uma segunda sala destinada à leitura e uma terceira com televisão.

Era lá nessa sala de leitura que estava a dita revista. Quando eles davam conta que eu estava a entrar, tentavam disfarçar passando as revistas, de cima para baixo e avisavam em surdina:

– É, pá,  cuidado, vem aí a Rosa. 

Eu fingia não perceber,,, Só mesmo paraquedistas têm este comportamento para com as suas camaradas, e assim contribuíam para que a nossa confiança, respeito e admiração por eles, fosse cada vez maior.

À primeira vista até parece que não, mas este comportamento de respeito e delicadeza influenciou a nossa postura quando tínhamos um ferido nas nossas mãos, fosse ele amigo ou inimigo, era sempre preciso respeitá-lo e entender o seu desespero.

Não esqueço o livrinho sobre a ética militar, que me foi oferecido pelo Batalhão de instrução no nosso RCP em 1968, que ainda o tenho, onde está escrito; quando estamos perante um inimigo, ferido temos de o respeitar pois ele nessa situação deixa de ser inimigo e é obrigação socorre-lo, com todo o respeito.

Quando li isto tive uma sensação ótima, por ver que os princípios éticos dos paraquedistas não colidiam com os meus próprios princípios como enfermei

A minha evolução, como enfermeira e como pessoa, foi grande.

Achei curioso quando eu ainda estava internada no Hospital de Cascais, perguntarem-me se eu era contra a guerra. Expliquei que não é essa a questão, pois todos sabemos que as guerras são indesejáveis em qualquer situação, mas enquanto existirem dois homens à superfície Terra, haverá sempre conflitos.

   É   anuíram elas.

(Continua)

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Links / Titulo e subtítulo / Parênteses retos com notas / LG]
_____________
(**) Vd. poste de 6 de janeiro de 2015 > Guiné 63774 - P14123: As nossas queridas enfermeiras paraquedistas (32): A morte da camarada Enfermeira Paraquedista Celeste Costa (Giselda Pessoa)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23858: História de vida (48): sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra) - Parte I: A minha mãe achava que eu tinha jeito para ser enfermeira


Rosa Serra, em Ponte de Lima,
24 de agosto de 2020.
Foto: António Leitão (2020)


1. Uma boa notícia, uma prenda natalícia: depois de ter superado um problema de saúde, a nossa Rosa Serra parece ter aceite o desafio de pôr no papel as suas memórias como enfermeira e enfermeira paraquedista... O mesmo é dizer, que pode estar em vias de  publicar um livro. Ao telefone disse-me para não fazer grande alarido da coisa... Quando estiver no prelo, daremos mais (boas) notícias... É uma mulher discreta, avessa à publicidade, a Rosa. 

Mão amiga, a do Jaime Silva (ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72) fez-nos entretanto chegar um excerto dos escritos recentes da Rosa Serra, com a autorização para ser revista e publicado no nosso blogue, o que muito nos sensibiliza.  (Ficaram amigos, estiveram juntos no BCP 21, em Angola.)

Falámos depois ao telefone, eu e a Rosa, que é uma minhota de Vila Nova de Famalicão que vive aqui no Sul, em Paço de Arcos, Oeiras... (A Rosa Serra, membro da nossa Tabanca Grande desde 25/5/2010, foi alf graduada enfermeira paraquedista, tendo passado pelos 3 TO: Guiné 1969-70 / Angola 1970-71 / Moçambique 1973).

História de vida (excertos): sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra)

Parte I:  A minha mãe achava que eu tinha jeito para ser enfermeira


Muito recentemente, ao sair do Serviço de Urgência para o internamento do Hospital de Cascais, uma enfermeira jovem fez-me as seguintes perguntas: (i) quando resolveu ser enfermeira?;  (ii) nunca se arrependeu por ter escolhido enfermagem?;  (iii) onde trabalhou? (iv) quantos anos exerceu essa profissão?;  e (v) teve alguma desilusão ou desilusões?

Após a minha narrativa dos vários locais onde exerci a minha profissão, logicamente também referi que fui enfermeira paraquedista. A jovem, de olhos abertos de espanto, informou-me:

– O meu marido é militar paraquedista.

Sorri…

Capa do livro de que a Rosa Serra foi coautora e coordenadora,
"Nós, enfermeiras paraquedistas" (Porto, Fronteira do Caos, 2014, 
439 pp. (Prefácio de Adriano Moreira)



– Só conheço paraquedistas velhotes como eu – respondi.

Continuei com as minhas explicações.

– Quando fui para a Escola de enfermagem, e até muito depois disso, ouvi muitas colegas dizerem que foram para a enfermagem por vocação. Várias dessas enfermeiras faziam questão de acrescentar que queriam muito ajudar e cuidar as criancinhas, os velhinhos, os doentinhos e até os pobrezinhos. Ouvi de tudo... ao ponto de me interrogar se eu algum dia seria boa enfermeira.

Diz-me ela:

– Hoje ninguém vem para enfermagem por vocação.

E continuou:

– Nós vamos para a enfermagem porque não entramos em medicina, farmácia ou outro qualquer curso mais de nosso agrado.

Eu respondi:

– Eu também não fui. No meu caso foi por conveniência familiar. Eu fui porque um dia um dia a minha mãe, que eu já tinha reparado andar muito pensativa, disse-me que o dinheiro era pouco para pagar o meu Externato, que era particular, porque não havia liceu na minha Vila. E assim sendo, talvez fosse melhor eu interromper e ir para um curso para que me permitisse, ao fim de 3 anos ter uma profissão, um ordenado e logicamente ser independente monetariamente.

Respondi, à minha mãe, que gostava de ir para a Universidade.

– Que curso gostavas de fazer? – perguntou ela.

– Não sei…

Pegou-me nas mãos e continuou:

– Sabes que eu acho que tinhas jeito para seres enfermeira ... Penso que era bom para ti...

E acrescentou:

– Verás que vais gostar.

Ficou logo ali, definido o meu destino.

Apesar das minhas dificuldades, sobretudo económicas, lá fui aprender a ser enfermeira sem saber muito bem o que me esperava.

Fui para o Porto estudar. Na minha primeira escola, adquiri obrigatoriamente um livro; Técnica de Enfermagem, que era da Escola da Imaculada Conceição (Casa de Saúde da Boavista no Porto) que alguém informou a minha mãe ser uma boa escola, e foi aí que fiz o primeiro ano.

Os dois anos seguintes foram feitos numa outra escola que, passado pouco tempo descobri, que ficava mais económica.

Uma coisa que pesou muito era haver nesta segunda escola, um lar onde residiam as alunas que não eram da cidade do Porto, isso não acontecia com a Escola da Boavista, ficando assim bem mais barato.

Dessa primeira escola, não esqueci os desenhos logo na primeira folha do livro de Técnica de Enfermagem. O primeiro era uma cabeça feminina, com uma touca de enfermeira da época, sobre cabelos curtos e várias setas apontando para os mais diversos pontos da mesma, onde estavam enumeravam as qualidades indispensáveis de uma boa enfermeira: inteligência, memória, conhecimento, espírito de observação autodomínio, reserva.

Um pouco abaixo, mais dois desenhos. Um deles, era um coração (forma humana), com três setinhas apontando para as palavras: compreensão, sensibilidade, bondade.

Do outro lado mais um desenho, duas mãos segurando uma seringa com mais três setas indicando: segurança, desembaraço, leveza.

Estas eram as qualidades indispensáveis a uma boa enfermeira no Ano de 1963. Dessa mesma Escola de Enfermagem.

Com a continuação do tempo, fui interiorizando estes conceitos e aceitei-os como compromisso. Mesmo quando me deparava com determinada tarefa que me custasse fazer, sempre pensava nas setinhas do coração e nunca deixei de as executar e muito menos pedir a alguém que a fizesse por mim, por mais que me custasse ou até mesmo me enfastiasse...



Rosa Serra, ex-alf enf paraquedista
(Guiné, 1969/79; Angola, 1970/71;
Moçambique, 1973)




A minha vocação se calhar só a minha mãe a viu...! O certo é que sempre vivi a minha profissão com gosto, com proximidade daqueles que em determinado momento precisavam de uma enfermeira que se entregasse em plenitude.

A enfermagem, para mim, passou a ser vivida com grande rigor ético e com permanente desafio na aquisição de saberes, para melhor cuidar.

Hoje mais que adulta, penso: é impressionante como sempre me apercebi da mutabilidade dos conceitos, da sua significação ao longo dos tempos, da importância do progresso e da evolução da enfermagem.

É um gosto ver o enriquecimento que, ano após ano, se verifica na formação dos enfermeiros, na perceção da necessidade da existência das especialidades em enfermagem, do avanço científico da mesma. Orgulha-me ver o patamar que atingiu a enfermagem de hoje, e a respeitabilidade que os países estrangeiros manifestam ter pelos Enfermeiros Portugueses.

Em relação a mim, sempre fui movida pelo desejo de um saber abrangente na arte do cuidar em enfermagem.

Assim para fazer frente aos mais variados desempenhos que tive durante quarenta anos, e faze-los de forma responsável e eficaz, apostei na formação contínua durante toda a minha vida profissional.

Ainda pensei fazer uma especialidade, um pequeno grupo de enfermeiras paraquedistas a fizeram, quando estas começaram a surgir. Mas logo percebi que não encaixava na minha personalidade ter sempre o mesmo tipo desempenho e conclui que só serviria para obter mais um título.

Sempre tive uma grande vontade de um saber alargado, para dar resposta às variadas necessidades do ser humano, num período desafinado do seu estado físico ou mental.

Essa simbiose entre um crescendo desejo de experiências e o dinamismo aportado pela minha juventude, foi o motor causador para uma formação variada e contínua.

Nesta caminhada transformadora, tive um desempenho multifacetado e a formação contribuiu muito para um crescimento profissional que, embora despretensioso, foi significativo, permitindo-me para além de aquisição de vários saberes, entender melhor a alma humana e sempre me senti feliz por isso.

Não fui para nenhuma Faculdade na minha juventude, mas completei, bem mais tarde, todo o Liceu (designado hoje como Ensino Secundário).

Quando do Acordo de Bolonha, a enfermagem passou a Curso Superior, já tinha passado quarenta anos e depois de ter iniciado o antigo Curso Geral de Enfermagem, eu regressei à escola para fazer mais um ano, o que fiz na Escola Superior de Enfermagem Francisco Gentil (anexa ao IPO e hoje integreda na ESEL - Escola Superior de Enfermagem de Lisboa) sendo me conferido o grau de licenciada em enfermagem. Sou agora Licenciada em Enfermagem desde 2003, quando ainda eu estava a exercer funções.

Por graça costumo dizer que iniciei o meu Curso de Enfermagem e só o terminei quarenta anos depois.

Também confesso que a obtenção de várias competências, e tão variados desempenhos que tive no contato direto com doentes, proporcionou-me um sentimento de realização muito intenso, e ainda hoje me sinto orgulhosa pelo percurso que tive e, muito, muito feliz, por ter sido uma simples Enfermeira Generalista (sem especialidade). (...)

(Continua)

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Links / Titulo e subtítulo  / Parênteses retos com notas / LG]

_____________

Nota do editor:


quarta-feira, 18 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23275: (In)citações (206): Maria Ivone Reis (1929-2022), a primeira enfermeira paraquedista que eu conheci, em 1967, no Porto (Rosa Serra)

A então ten enf pqdt Ivone Reis,
em Cacine, 12/12/1968.
Foto: António J. Pereira
da Costa
 (2013)



1. A Maria Ivone Reis (1929-2022) deixou-nos, há dias, aos 93 anos (*). 

Era a decana das 46 enfermeiras paraquedistas 
que passaram pelos palcos da guerra do ultramar / guerra colonial, tendo feito parte do 1.º curso de enfermeiras paraquedistas, realizado em Tancos, no BCP, em maio, junho, julho e agosto de 1961, 
o curso das célebres Seis Marias que eram,
 além dela, a Maria Zulmira André Pereira (1932-2010); a Maria Arminda Pereira (n. 1937); a Maria de Lourdes (mais conhecida por "Lourdinhas"); a Maria do Céu (Policarpo); e a Maria da Nazaré (falecida em 9/5/1984). Do grupo inicial de onze voluntárias, só terminaram o 1.º curso, com sucesso, estas seis Marias.

A nossa camarada e amiga Maria Arminda (Santos pelo casamento) passa agora a ser a veterana deste grupo de mulheres excecionais, cuja história de vida deveria ser melhor conhecida de todos nós, portugueses. De qualquer modo, já temos sobre elas (e feito por elas), o livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas", 2.ª edição, coordenado pela Rosa Serra (Porto, Fronteira do Caos, 2014, 439 pp.).


No nosso blogue temos, além disso, mais de 130 referências com o descritor "enfermeiras pára-quedistas". E uma série específica, intitulada "As nossas queridas enfermeiras paraquedistas" de que se publicaram até à data 33 postes (**).

Por sugestão do Miguel Pessoa, que é casado com outra querida amiga e camarada nossa, a Giselda (Antunes, apelido de solteira), decidi republicar este depoimento da Rosa Serra, natural de Vila Nova de Famalicão  sobre a Ivone Reis que ela conheceu no Porto, em 1967,  quando andava a recrutar jovens enfermeiras para a FAP.

A Rosa é muito mais nova, fez o 45.º curso de paraquedismo, sendo "brevetada" em 13 de março 1968, e graduada em alferes enfermeira paraquedista. Passou à disponibilidade em 1 de março de 1974 e tem sido, com a Maria Arminda e a Giselda,  uma das mais mais ativas e profícuas autoras de textos sobre a história das enfermeiras paraquedistas e as suas protogonistas. 

Este depoimento (poste P5971) é um bom retrato do perfil humano e psicoprofissional da nossa saudosa Maria Ivone Reis. Aproveitamos, entretanto,  para suprir um lamentável lapso nosso: o seu nome já há muito, desde 2009, deveria figurar na lista alfabatética dos membros da Tabanca Grande. E estávamos convencidos que sim, que lá figurava. Entra agora, a título póstumo, sob o nº 862.  Saibamos honrar a sua memória.


 A Ivone  Reis, a primeira enfermeira paraquedista que eu conheci

por Rosa Serra


Nós, aqueles que a conheceram e que com ela conviveram em diferentes períodos da sua vida, por diversas razões, não a esquecem e no meu caso pessoal tenho bem presente quem foi a Ivone, como sempre a vi e o que eu aprendi com ela.

A Enfermeira Ivone pertence ao grupo das 6 Marias, nome pelo qual ficou conhecido o 1.º curso de Enfermeiras Pára-quedistas portuguesas feito em 1961.

Foi ela que contactou as futuras candidatas, residentes na Cidade do Porto, que em 1967 tinham pedido por escrito à Força Aérea informações sobre cursos para Enfermeiras Pára-quedistas. Foi a Enfermeira Ivone a primeira a deslocar-se ao Porto para conhecer as 4 interessadas na candidatura ao curso, onde eu estava incluída.

Mais tarde, eu, já Enfermeira com boina verde na cabeça, estive em várias comissões com ela. Fazíamos uma grande diferença de idade; eu muito novinha, a Ivone uma senhora cheia de sabedoria e experiência. Logo percebi tratar-se de uma pessoa de princípios e moral muito vincados, nem sempre de fácil contacto, porque o seu grau de exigência era muito elevado, não só para quem estava à sua volta, mas para com ela mesmo.

Não se lamentava do seu cansaço nem de quem a magoasse com qualquer atitude menos simpática; mas também não se inibia de chamar a atenção sobre tudo o que eu ou outra enfermeira qualquer pudéssemos fazer e que ela considerasse pouco correcto, ou até mesmo deselegante.

Fazia gosto e não se poupava a esforços para que todas nós fossemos um exemplo de profissionalismo impecável, cumpridoras de normas militares sem deslizes, posturas e atitudes que se destacassem, de forma a sermos admiradas como grupo.

No meu caso pessoal percepcionei logo na primeira comissão que fiz com ela, a sua forma de estar e o seu rigor no desempenho da sua actividade como enfermeira em ambiente masculino e de guerra.

Várias vezes ela me chamou atenção por pequenas rebeldias insignificantes e atitudes que eu tomava, como entrar no helicóptero para ir fazer uma evacuação com o casaco de camuflado pendurado num ombro, de bolsa de enfermagem no outro e de t-shirt branca; era sabido que quando regressasse logo me dizia do perigo em usar a t-shirt em pleno mato pois tornava-me um alvo bem visível, além do aspecto pouco alinhado no uso do uniforme militar a bordo de uma aeronave.

Eu dizia-lhe para ela não se preocupar, porque eu era um alvo que não interessava a ninguém; e, quanto ao desalinho do casaco pendurado no ombro, um dia respondi-lhe que só o fazia porque tinha calor, não pelo clima da Guiné, que até era “fresquinho”, mas se calhar por estar a entrar em “menopausa” e ela esboçou um sorriso e respondeu-me:

− A menina gosta muito de brincar.

Eu nunca levava a mal o que ela me dizia, apesar de eu ser mesmo uma periquita ao lado dela; sempre soube apreciar as suas qualidades profissionais sobretudo em termos de organização e de uma verticalidade e sentido de dever pouco comuns, mesmo nessa altura.

Mais tarde, em Angola, as enfermeiras colocadas em Luanda viviam num apartamento de um edifício da Força Aérea, destinado a alojar militares e suas famílias. O ambiente era bem mais calmo que o da Guiné, o que nos permitia termos fins-de-semana, irmos à praia, convivermos mais tranquilamente com a comunidade civil ou com famílias de militares.

A Enfermeira Ivone sempre alinhou comigo nas horas de lazer, tal como respeitava se eu não a convidasse para ir comigo quando eu saía com um grupo de amigos ou familiares meus que lá se encontravam na época.

Em Angola eu estava colocada no BCP 21 e ela na Direcção do Serviço de Saúde da Força Aérea. Normalmente eu ia para o Batalhão com farda n.º 2 (saia, camisa e eventualmente blusão) e, claro, boina verde na cabeça. Um dia resolvi colocar num dedo um anel com uma pedra grande verde, que dava um bocado nas vistas; quando ela me viu sair com semelhante adereço, fardada, olhou para o dedo e com ar de espanto diz-me:

−  A Rosa esqueceu-se que está fardada? 

Eu respondi não e acrescentei:

−  Não me diga que não é giro… condiz mesmo bem com o verde da boina. − E  ia mostrando o dedo e dizendo: 
− É lindo, até devia estar orgulhosa de uma Enfermeira Pára-quedista estar assim tão gira.

Ela respondeu-me:

−  Nem por isso −  e virou-me as costas. Acredito que se foi rir às escondidas.

Mais tarde comentámos uma série de peripécias deste género que se passaram connosco e fartámo-nos de rir, e com aquele jeito típico dela, depois destas lembranças e passados tantos anos, acabava por dizer:

−  A menina era muito brincalhona, nunca consegui zangar-me consigo.

Estou a contar estes episódios porque sempre percebi que, por trás daquele ar rigoroso dela, estava uma mulher mais tolerante do que parecia, com uma capacidade de organização espantosa, uma noção de ética muito apurada, muito trabalhadora; e nunca a vi fazer uma crítica desagradável ou fofoqueira de ninguém e nem gostava que as pessoas que a rodeavam o fizessem.

Ao longo de todos estes anos mantive sempre contacto com ela, o que me permitiu tomar conhecimento de um espólio fantástico que ela foi recolhendo dos sítios por onde passou e organizando ao longo dos anos, tendo em vista a divulgação da história das Enfermeiras Pára-quedistas de quem ela tanto se orgulhava e que sempre se preocupou em não deixar cair no esquecimento. Foi sempre um bom exemplo para mim.

Rosa Serra

[Seleção / revisão e fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue: LG]
___________

Notas do editor:

(**) Vd. a lista completa dos postes da série;

11 de janeiro de  2015 > Guiné 63774 - P14140: As nossas queridas enfermeiras paraquedistas (33): A minha homenagem a essas grandes mulheres Portuguesas (Abel Santos)

6 de janeiro de 2015 > Guiné 63774 - P14123: As nossas queridas enfermeiras paraquedistas (32): A morte da camarada Enfermeira Paraquedista Celeste Costa (Giselda Pessoa)

12 de dezembro de 2012 > Guiné 63774 - P10791: As nossas queridas enfermeiras paraquedistas (31): "É a Céu!", diz a Rosa Serra... Quanto ao resto, "tudo foi possível naquelas terras de África"...

9 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9168: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (30): Cerimónia de homenagem e comemoração dos 50 anos de incorporação das primeiras Enfermeiras Paraquedistas na Força Aérea Portuguesa (Miguel Pessoa)


3 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8990: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (27): Missão à Índia (II parte) (Maria Arminda)

1 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8976: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (26): Missão à Índia (I parte) (Maria Arminda)



28 de setembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7046: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (22): O Largo do liceu, em Bissau, onde moravam as enfermeiras pára-quedistas (Miguel Pessoa)


31 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6505: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (16): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (3): Maria Zulmira (Rosa Serra)


29 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6487: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (14): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (2): Maria Arminda (Rosa Serra)

27 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6478: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (13): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (1): As 11 candidatas (Rosa Serra)


20 de setembro de  2009 > Guiné 63/74 - P4979: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (11): Fartote de hortaliças (Giselda Pessoa)

11 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4318: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (10): Ivone Reis, Anjo da Guarda na Guiné, Angola e Moçambique (António Brandão)

7 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4295: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (9): O dia-a-dia de uma Enf Pára-quedista na Guiné (Giselda Pessoa)

14 de abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4181: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (8): A dar ao Ambu (Giselda Pessoa)

14 de março de 2009 > Guiné 63/74 - P4029: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-Quedistas (6): O anjo da guarda do Zé de Guidaje (Giselda Pessoa)

8 de março de 2009 > Guiné 63/74 - P3999: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (5): Justamente recordadas no Dia Internacional da Mulher

7 de março de 2009 > Guiné 63/74 - P3994: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (4): Uma civil, e transmontana de Sabrosa, na tropa (Giselda Pessoa)

(***) Último poste da série > 18 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23274: (In)citações (205): Os nossos livros são as memórias da nossa vida e da nossa passagem pela guerra da Guiné (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

(****) Vd. postes de:


13 de janeiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21766: (De)Caras (169): Maria Ivone Reis, major enfermeira paraquedista reformada, faz hoje 92 anos e é uma referência para outras outras mulheres e para nós, seus camaradas: excertos de um seu depoimento, publicado em 2004 na Revista Crítica de Ciências Sociais - Parte II (e última)

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23267: In Memoriam (435): Maria Ivone Reis, Major Enfermeira Paraquedista Reformada (1929-2022), falecida no dia 15 de Maio de 2022

IN MEMORIAM

Maria Ivone Reis, Major Enfermeira Paraquedista Reformada (1929-2022)


Soubemos da notícia do falecimento da senhora Enfermeira Paraquedista Ivone Reis através do facebook da senhora Enfermeira Maria Arminda Santos.

À família da nossa querida Ivone Reis deixamos o nosso mais profundo sentido de pesar, assim como às suas camaradas, para as quais a Enfermeira Ivone foi sem dúvida um exemplo a seguir.

No nosso Blogue temos muitas referências à senhora Enfermeira Ivone Reis graças, principalmente, à contribuição de duas das suas amigas, as Enfermeiras Maria Arminda Santos e Rosa Serra.

Em Janeiro de 2021 foram publicados no nosso Blogue excertos de um depoimento de senhora Enfermeira Ivone à Revistá Crítica de Ciências Sociais feito em 2004, através dos quais podemos saber um pouco do muito que dedicou da sua vida em benefícios dos outros:

Guiné 61/74 - P21764: (De)Caras (168): Maria Ivone Reis, major enfermeira paraquedista reformada, faz hoje 92 anos e é uma referência para outras outras mulheres e para nós, seus camaradas: excertos de um seu depoimento, publicado em 2004 na Revista Crítica de Ciências Sociais - Parte I
e
Guiné 61/74 - P21766: (De)Caras (169): Maria Ivone Reis, major enfermeira paraquedista reformada, faz hoje 92 anos e é uma referência para outras outras mulheres e para nós, seus camaradas: excertos de um seu depoimento, publicado em 2004 na Revista Crítica de Ciências Sociais - Parte II (e última)

Tancos > Batalhão de Caçadores Paraquedistas > 26 de maio de 1961 > As 11 candidatas ao 1.º Curso de Enfermeiras Paraquedistas > Da esquerda para a direita, de pé: Cap Pára Cunha, Maria Ivone, Maria da Nazaré (falecida), Maria Arminda, Maria de Lurdes, Maria Margarida Costa, Maria do Céu Bernardes e Major Lelo Ribeiro; na primeira fila, de cócoras: Maria do Céu Policarpo, Maria Zulmira André (falecida), Maria Helena, Maria Margarida Pinto e Maria Irene... (Deste grupo inicial, de onze voluntárias, só ficaram seis...).
Angola > 1961 > A bordo de um Noratlas, com tropas paraquedistas. A Maria Arminda à esquerda e Ivone Reis à direita.
Foto (e legenda): © Maria Arminda (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Guiné > Região de Tombali > Cacine > CART 1692 > Dezembro de 1968 > A Ten Enf Paraquedista Maria Ivone Reis e o Alf Art António José Pereira da Costa, posando para a "posteridade"

Foto (e legenda): © António J.P. Costa (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Contribuição da Enfermeira Paraquedista Maria Arminda Santos, no dia 13 de Janeiro de 2012, ano em que a Enfermeira Ivone completava 83 anos:

Guiné 63/74 - P9348: Parabéns a você (367): Maria Ivone Reis, 83 anos: enfermeiras, paraquedistas, amigas, companheiras de aventura e camaradas para sempre! (Maria Arminda)

Enfermeira Paraquedista Maria Ivone Reis, a segunda a partir da esquerda. Falta a Maria da Nazaré que por motivo de uma entorse ao (4.º salto), acabou dias depois.
Enfermeiras Paraquedistas Maria Ivone e Maria Arminda

Fotos: Maria Arminda Santos. Enf Paraquedista

Contribuição da Enf Paraquedista Rosa Serra:

Guiné 63/74 - P5971: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (12): Ivone Reis, a primeira Enfermeira Pára-quedista que conheci (Rosa Serra)
e
Guiné 63/74 - P6535: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (18): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (5): Maria Ivone Reis (Rosa Serra)

Tancos, 2005 > Enfermeira Paraquedista Ivone Reis
____________

Nota do editor

Último poste da série de 12 de Abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23162: In Memoriam (434): Sargento Ajudante Manuel Gomes Valente (1938-2022), que cumpriu uma comissão de serviço na Guiné integrado no BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23148: (In)citações (203): "Naturalia non turpia": o que é natural não é vergonhoso, meus meninos (diz-nos, puxando-nos as orelhas, a Rosa Serra, ex-alf mil enfermeira paraquedista, BA 12, Bissalanca, 1969)

Rosa Serra, em Ponte de Lima,
 24 de agosto de 2020.
Foto: António Leitão (2020)
1. Ainda estava na cama, hoje, às 10h06 quando a Rosa Serra me telefonou... Já não estava a dormir, não, senhora, estava apenas a fazer horas para dar os parabéns, às 10h30, à minha filha, Joana, que hoje faz 44 anos, e à sua mãezinha, na cama, a meu lado...

− Não incomdas, não, senhora, minha querida camarada da Guiné, das poucas que tive, porque as únicas que havia eram vocês, enfermeiras paraquedistas... Então ainda estás em Mafra, ao pé da tua filha, onde foste passar o dia os teus anos ?... 

Não, já voltei a casa, em Paço d'Arcos, até porque tinha, ontem, uma consulta médica... 

− Então, diz lá a que se deve a honra desta chamada telefónica, tão  matinal e primaveril ?

Sabe, estou fula...

− Faz o favor me tratar por tu, afinal somos camaradas ou ex-camaradas...

− Está bem... Estava eu a dizer que estou fula com vocês, seus machõeszinhos... Tu, o Miguel e o autor da história deviam conhecer o aforismo de Hipócrates, "Naturalia non turpia"... Para os profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, etc., o que é natural não é vergonhoso.

Essa história está mal contada (*). Não é um questão de pudor da senhora enfermeira, mas sim de profissionalismo. Eu não era a enfemeira em questão, estava em Tancos, no Regimemto de Caçadores Parquedistas,  nessa altura, em 1971, depois de ter passado pela Guiné (1969) e por em Angola (1970): em Luanda,  nem sequer ia ao mato fazer helievacuações. 

Mas tenho que defender a honra do convento. Fiz o meu curso de 3 anos, na escola de enfermagem do Hospital de Santo António, acabei em 1966. E aprendi logo a algaliar os doentes, homens e mulheres. Passei pela urgência, ainda havia naquele tempo alguns médicos que mandavam chamar os enfermeiros (havia poucos, a profissão era e ainda é muito feminina). Por mero preconceito, chamavam os enfermeiros, não chamavam as enfermeiras.

O Miguel sabe  que a Zulmira pôs o seu próprio casaco por cima do corpo do cubano, o capitão Peralta,  não para lhe encobrir as "vergonhas", mas por causa da hipotermia. Eu na Guiné, também fazia isso. Os doentes que eram helievacuados vinham em choque, sofrendo de hipotermia. O cuidado da enfermeira era, logo, cobri-los com uma manta ou com algo, uma peça de vestuário,  que lhes pudesse manter a temperatura do corpo até à chegada ao hospital...

− Tens toda a razão, Rosa, não está em causa o vosso alto profissionalismo... Eram maneiras nossas de ver ou de perceber as coisas... E, concordo, havia alguns preconceitos em relação a vocês, ou melhor, alguns mal-entendidos, fruto do desconhecimento da vossa origem e formação e até da vossa missão...

−  Havia até quem pensasse que nós (ou algunas de nós) éramos freiras!...

−  Santa igniorância... Olha, posso fazer um poste com o teu esclarecimento (que é também um protesto) ?

Estás à vontade, agradeço-te...

− Então, ciao, as tuas melhoras... Agora é tua vez de cuidares de ti.

E aqui fica o esclarecimento (que é também implicitamente um protesto) da nossa querida Rosa Serra, uma valente mimhota de Vila Nova de Famalicão, que tem mais de meia centena de referências no nosso blogue. (**)

2. E a propósito desta história lembrei-me de uma outra, a de um amigo meu, alentejano,  que tem uma filha, médica, com a especialidade de urologia (o que era rara no passado). 

Um dia acompanhou o pai numa caçada. E também levava a sua arma. Os caçadores, todos homens, sentiram-se algo incomodados, porque já não podiam mandara  a sua c...., frente a uma senhora, para mais médica. 

O meu amigo  pô-los logo à vontade, desde a primeira hora:
− Não se acanhem, meus senhores. Por dever de ofício, a minha filha está farta de ver piças e cus!

_________

Notas do editor:

(...) Histórias pícaras > Uma heli-evacuação e a enfermeira paraquedista que não queria levar o "passageiro" em pelota

(...) Quando a 28 de Novembro de 1971, um elemento da Companhia acciona uma mina, ficando sem uma perna e outro elemento também ferido, ambos do 3.º Grupo de Combate, é solicitada a evacuação por via aérea para o Hospital de Bissau.

Ao chegar o helicóptero, sai dele uma enfermeira que, ao ver o soldado Santos sem roupa, diz que assim não leva o ferido. Para ser socorrido, utilizaram-se os restos das calças para fazer garrotes à perna e ao braço. E com tiras da roupa seguram-se alguns pensos que tapam feridas menores. O homem estava nu.

Para satisfazer o pedido da enfermeira, foi pedido ao enfermeiro que tinha uma camisola interior vestida para que a tirasse e com ela tapasse o soldado ferido.

José Afonso (...)

Comentários:

(i) Tabanca Grande Luís Graça:

Miguel e Giselda: Vão gostar de ler esta história... Quem seria a enfermeira... "púdica" ? A história é verosímil ?.. Era uma questão de "pudor" ou de "segurança do doente" ?

(...) Falsa questão: para a enfermeira, é um problema de "dignidade do doente", em primeiro lugar, e talvez também de segurança...

(ii) Miguel Pessoa:

(...) Luís, acho que já respondeste à questão - é uma questão de proteger a dignidade do evacuado, ninguém gostaria de andar a ser passeado nu, aos olhos de toda a gente...

Lembro-me que a Zulmira também cobriu o cubano Peralta com o seu próprio blusão, dado que ele estava a tremer e era preciso manter o corpo a uma temperatura decente, portanto é uma questão de segurança do próprio evacuado.

E convenhamos que pruridos no meio da guerra deveria ser assunto que não devia preocupar as enfermeiras paraquedistas. (...)

(iii) Fernando Ribeiro:

Este é um daqueles erros que cometemos sem pensar: nu em pelota. A expressão em pelota, por si só, já quer dizer nu. (...)

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22124: Recortes de imprensa (116): a série Memórias da Guerra, que está a ser emitida esta semana, desde o dia 19, no Telejornal, da RTP

Memórias da Guerra. 


Há 60 anos começava um dos acontecimentos com mais impacto na História recente portuguesa: a guerra colonial.

Entre 1961 e 1974 foram mobilizados para Angola, Guiné e Moçambique mais de 1 milhão de militares.

"Memórias da Guerra" é uma série de reportagens sobre pessoas anónimas que tiveram as suas vidas atravessadas pela guerra colonial.

Créditos: Ana Luísa Rodrigues - Jornalista; Diogo Martins e Rui Cardoso - Imagem; Carlos Felgueiras e Sousa - Edição.

Fonte: RTP > Memórias da guerra (com a devida vénia...)


Memórias da Guerra.

[1] O primeiro contingente enviado para Angola

RTP, Telejornal, 19 de abril de 2021 (vídeo: 6' 36'') [Apareceu às 20:54]

Sinopse: 

Custódio Soeiro, natural de uma aldeia do concelho de Arouca, foi um dos soldados anónimos do primeiro contingente militar enviado para a Guerra Colonial em Angola.

Embarcou precisamente há 60 anos e foi nessa altura que a sua história pessoal se cruzou com a História de Portugal.

Esta é a primeira reportagem da série Memórias da Guerra, a emitir esta semana no Telejornal.

Memórias da Guerra. 

[2] As feridas físicas e o stress pós-traumático que persistem

RTP, Telejornal, 20 de abril de 2021 (vídeo: 5' 48'') [Apareceu às 20:45]

Sinopse: 

Os 13 anos de guerra colonial - em Angola, Guiné e Moçambique - provocaram cerca de 15 mil deficientes. Além das feridas físicas e motoras, há também 50 mil ex-combatentes a sofrer de stress pós-traumático. Muitos vivem ainda numa guerra que os acompanha para a vida.

https://www.rtp.pt/noticias/pais/memorias-da-guerra-as-feridas-fisicas-e-o-stress-pos-traumatico-que-persistem_v1313808

Memórias da Guerra. 

[3] As enfermeiras paraquedistas


RTP, Telejornal, 21 de abril de 2021 (vídeo: 5' 29'') [Apareceu às 20:50]

Sinopse:

A Guerra Colonial mobilizou mais de um milhão de militares, quase 90 por cento dos jovens portugueses. Na época, era raro encontrar famílias sem alguém na guerra ou que já tivesse cumprido comissões militares. Houve também mulheres no conflito.

Em África, enfermeiras paraquedistas. Em Portugal, muitas faziam as tarefas até aí feitas por homens.


[Foram entrevistadas as nossas amigas e camaradas da Tabanca Grande Maria Arminda Santos e Rosa Serra por sugestão nossa, feita à jornalista Ana Luisa Rodrigues que nos contactou há um mês com o seguinte pedido: 

 (...) "O meu nome é Ana Luisa Rodrigues e sou jornalista da RTP. Estou a preparar para o Telejornal da RTP1 algumas reportagens para meados de abril sobre os 60 anos da guerra colonial. Sei que dirige um dos mais antigos e visitados blogues sobre o tema e onde há muitos testemunhos e informação. Tendo isso em conta, gostaria de trocar algumas impressões consigo, é possivel?" (...)]

__________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22116: Recortes de imprensa (115): Relembrando o nosso saudoso amigo e camarada de armas José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (Jornal Público de 18 de Abril de 2021)


quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21295: Efemérides (334): O Dia do Combatente Limiano, em 24 de agosto de 2020, foi partilhado com um "anjo da guarda", Rosa Serra (Mário Leitão)

Ponte de Lima > 24 de agosto de 2020 > Mário Leitão e Rosa Serra, dois ilustres membros da nossa Tabanca Grande.


Fotos (e legenda): © Mário Leitão (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de hoje, às 1h42, do Mário Leitão [ex- Fur Mil na Farmácia Militar de Luanda, Delegação n.º 11 do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF), 1971 a 1973; famacêutico, membro da nossa Tabanca Grande; autor, entre outros, do livro "História do Dia do Combatente Limiano", lanaçdo o ano passado Museu da Farmácia, em Lisboa]

Caro Luís! Um abraço!

Que grata surpresa ter sido visitado pela Alferes Paraquedista Enfermeira Rosa Serra, neste 24 de Agosto, dia de S. Bartolomeu! 

Fez hoje 7 anos que iniciamos a homenagem anual do Dia do Combatente Limiano, que, na celebração de 2018,  contou com a presença dessa distinta Camarada Paraquedista.

Também esteve a meu lado no Museu da Farmácia, quando a ANF apresentou o livro "Heróis Limianos da Guerra do Ultramar", no qual ela está referida a propósito da evacuação do Sold António Capela, durante a Operação Ostra Amarga.

Eis três empolgantes momentos da minha vida partilhados com um Anjo da Guerra, em que a emoção e o registo histórico se configuram numa saborosa herança para deixar aos meus netos!

Sentes a minha vaidade?

Grande abraço, camarada!

Fur Mil Farmácia Mário Leitão
(Luanda, 71/73)

_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 4 de agosto d3 2020 > Guiné 61/74 - P21224: Efemérides (333): Foi há 54 anos que parti para o CTIG, no T/T Uíge, para ir formar em Bolama o Pel Caç Nat 54 (Jose António Viegas)