domingo, 30 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19932: Os nossos seres, saberes e lazeres (335): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte X: Pequim, 5 de dezembro de 1977, visita a uma unidade militar



Cartaz de propaganda da República Popular da China pormenor): o "grande timoneiro", o presidente  Mao Zedong  ou Mao-Tsé-Tung (1893-1976)



1. Mais um excerto do  "diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983", do nosso camarada do António [José] Graça de Abreu. (*)

[ Recorde-se que ele viveu na China, em Pequim e en Xangai, entre 1977 e 1983; foi professor de Português em Pequim (Beijing) e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras. Na altura, ainda era, segundo sabemos, simpatisante ou militante do Partido Comunista de Portugal (marxista-leninista), o PC de P (m-l), fação Vilar (Eduímno Gomes), alegadamente o único reconhecido pela República Popular da China.

Ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), é membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com 236 referências. Compulsivo viajante, tem "morança" em Cascais. É um cidadão do mundo, poeta, escritor e reputado sinólogo. Nasceu no Porto em 1947. É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro.] 


Pequim, 5 de Dezembro de 1977


Os chineses com quem trabalhamos levam-nos frequentemente numa espécie de visitas de estudo aos mais diversos lugares de Pequim e arredores. São fábricas, comunas populares, templos, lugares turísticos, até quartéis.

Hoje calhou em sorte ir ver a tropa chinesa. Fui cirandar pelo campo militar de Fangshun, divisão 196 do exército chinês, nos subúrbios norte de Pequim, junto às montanhas, não muito longe da Grande Muralha da China.

Na minha vida recente, apanhado pela roda da História, cumpri três anos e sete meses (de Outubro de 1970 a Abril de 1974) de serviço militar obrigatório no exército português, levei com quase dois anos de imersão numa guerra sem tréguas, como alferes num Comando de Operações, no norte, centro e sul da Guiné.[1] Os conflitos bélicos infelizmente não me são estranhos.

Foi agora o tempo de voltar aos fuzis, ao cheiro a pólvora, de conhecer uma grande unidade militar made in China.

Eis-me chegado ao que me dizem ser um destacamento armado do povo que passou de pequeno e débil a grande e poderoso, com raízes na guerrilha anti-japonesa, depois na luta anti-Chiang Kai-shek, antes da “libertação” comunista, em 1949. Esta unidade militar participou também na Guerra da Coreia e dizem-me que aniquilou 38.000 soldados inimigos, a maioria militares norte-americanos.

Falam-me do exército como sendo uma grande escola e também um destacamento de combate, trabalho e produção. Os militares devem aprender com os camponeses e com os operários, dedicarem-se à agricultura e ter pequenas fábricas. Devem-se estreitar as relações entre o exército e o povo, estar ao lado do povo, servir o povo. Devem privilegiar a igualdade entre oficiais e soldados, devem colocar-se sob a direcção dos comités do Partido, devem respeitar a disciplina e seguir as justas advertências do Presidente Mao Zedong. 

Hoje a educação política gira em volta da crítica ao “bando dos quatro” que considerava que dedicar-se à produção equivalia a fomentar “rabos de capitalismo.”

Levaram-me a dar uma volta pela unidade militar, a conhecer os alojamentos dos oficiais e dos soldados. Tudo limpo, instalações espartanas, mas funcionais.

No fim da visita fomos para uma espécie de carreira de tiro assistir às habilidades das tropas, disparando excelentemente as Kalashnikovs e outras armas que não identifiquei.

Fiquei a saber que o serviço militar não é obrigatório, mas todos os anos cerca de 5 ou 6 milhões de chineses, sobretudo oriundos do campo, oferecem-se como voluntários para as forças armadas, durante um período de quatro anos. Só 1 ou 2 milhões são aceites. A experiência na tropa garantir-lhes-á um futuro emprego, dar-lhes-á importância nas terras onde nasceram e a promoção a quadros do Partido.


[1] Ver o meu Diário da Guiné, 1972/74, Lisboa, Guerra e Paz Ed., 2007. [Imagem da capa, à direita]
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 5 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19861: Os nossos seres, saberes e lazeres (330): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte IX: Huhehot, Mongólia Interior, 10 de Julho de 1981: visita ao túmulo de uma das mais belas e famosas mulheres da China clássica, Wang Zhaojun (76 a.C.-33 a.C.)

Último poste da série >  29 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19928: Os nossos seres, saberes e lazeres (334): Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19931: Parabéns a você (1646): Manuel Maia, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19927: Parabéns a você (1646): José Firmino, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 2585 (Guiné, 1969/71) e Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil - Pel Mort Ind 912 (Guiné, 1964/66)

sábado, 29 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19930: Memórias de Gabú (José Saúde) (84): Rapaz franzino, de reposta fácil e acertada. O Dias e sua rebeldia. (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem da sua série. 

Memórias de Gabu


Rapaz franzino, de reposta fácil e acertada

O Dias e sua rebeldia

Natural de Setúbal, uma cidade que se espraia nas maravilhosas águas do rio Sado, o furriel miliciano Dias assumia o dom de um peculiar militar essencialmente altivo. Estava-lhe, quiçá, na massa do sangue. A sua singularidade na guerra apresentava-se consubstanciada à exemplar rebeldia, não obstante tratar-se de um escriturário que procurava cumprir a missão que lhe tinha sido dada. As esferográficas não lhe davam dificuldades de maior e nunca se familiarizou com as G3.

A sua estatura física era algo débil. Franzino, de resposta fácil e acertada, o Dias não dava tréguas ao mais arrojado camarada. O protesto surgia naturalmente. Era, pressuponha-se, um eterno insatisfeito e não lidava nada bem com a hierarquia militar, isto de entre outros contratempos que a missão na guerra obrigava.

Muitas foram as vezes que se sentava à mesa, para almoçar ou jantar, sem proferir uma única palavra. Havia ocasiões que chegava com frases escritas num cartaz em cartão, outras  vezes numa folha “A4”, e colocava esse panfleto à frente do prato da refeição. “Temos protesto”, comentava a malta. 

O conteúdo desses ditos resvalavam, na generalidade, para o campo da protestação. Murmúrios silenciosos que eram tão-só revoltas que lhe iam na alma. Recusava uma pequena observação de camaradas com os quais vivia quotidianamente. Remetia-se, por vezes, a um profundo silêncio.

Nós, despertos para os dizeres da sua linguagem escrita nos ditos folhetos, muitas vezes nos interrogávamos da razão dos insubmissos desabafos. Aliás, desconfiávamos que se tratava de alguém que estava ligada à política, ou que por lá tivesse militado mas na clandestinidade. Tanto mais que o Estado Novo mostrava-se austero e sempre atento a movimentações entendidas como subversivas. Por isso, nada de avançar com conjeturas eminentemente arriscadas.

Todavia, o Dias jamais deu a entender qualquer manifestação política que porventura o pudesse comprometer. Ainda assim, a dúvida persistia entre os camaradas. Aliás, o silêncio do nosso amigo era de ouro. Se preparado, ou não, para um possível confronto de ideias, embora a índole fosse diversa, não o soubemos enquanto a guerra permaneceu.

Lembro-me as indiretas para os sargentos, homens com uma ou mais comissões no conflito africano. Creio, não sustentado o discurso como certeza absoluta, que a revolta teria outros contornos. Houve ocasiões em que o Dias manifestamente surgia com um cartaz em branco. Porquê? Só ele o saberia! Nós, não.

De entre os muitos momentos em que o rapaz setubalense não estava virado para “curtir” diálogos com os camaradas, lembro-me das ocasiões em que se predisponha a uma jogatana de futebol, mas pouco ou nada comentava sobre a sua presença na equipa, ou o evoluir da peladinha.

Conhecedores do seu “malvado” feitio, a malta escancarava-lhes as portas e lá fazia parte da equipa dos furriéis. Não jogando absolutamente nada, a sua entrega ao jogo era delirante e o seu correr atrás da bola deixava a rapaziada desvairada de alegria face aos seus pequenos desabafos. Ah, era bom no ping-pong. Raramente perdia uma partida. 

Com umas pernas de “alicate” e de correria desengonçada, as suas fintas com a bola eram enquadradas com a sua própria maneira de ser. O Dias era, de facto, uma personalidade ímpar no interior do aquartelamento.

Após a Revolução de Abril, já em clima de paz, soubemos que ele e o furriel enfermeiro Navas, encetaram algumas visitas a sítios onde o PAIGC se havia instalado. Claro que de pronto deduzimos o significado da efetiva razão das suas manifestações essencialmente silenciosas.

Afinal o Dias era um elemento informado, embora num conceito básico à época, sobre o móbil da luta armada e os princípios pelos quais os movimentos de libertação lutavam num território por eles reclamado.

Soube, em tempos, que o nosso camarada Dias permanecia em Setúbal, sua terra natal, sendo que até aos dias de hoje jamais me cruzei com uma individualidade que me deixou saudades, tendo em conta a sua filosofia de vida por terras de Gabu, Guiné-Bissau.  



Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.

Guiné 61/74 - P19929: Convívios (904): AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste, 7 de julho próximo, no Moledo, Lourinhã




Convite da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste, com sede na Lourinhã. Corrija-se a ementa: onde se lê "Sebre-mesa: Arrôs doce" deve ler-se "Sobremesa: Arroz Doce". O convívio vai ser no Moledo, Lourinhã (*). O monumento aos combatentes do ultramar, ali erigido, data de 23 de janeiro de 2005 (**)

Contactos:

Rua dos Bombeiros Voluntários - Centro Coordenador dos Transportes - Piso 1 – Sala 2
2530-147 LOURINHÃ

Telef: 261469457

Correio electrónico: avecombatentes@gmail.com

Página do Facebook: Aveco - Lourinhã.




Lourinhã > Moledo > 2 de Agosto de 2010 > Passei por lá, numa manhã cinzenta de verão, mas gostei do monumento erigido em 2005, em terra que foi de amores ardentes mas perigosos e clandestinos, os de Pedro e Inês... Gostei do singelo monumento aos combatentes da(s) guerra(s) do ultramar, não apenas os mortos mas também os vivos... Não apenas os de Angola, Guiné e Moçambique... mas também os que passaram por Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial, e mais tarde pela Índia (e a propósito, em Dezembro de 2011, farão 50 anos a invasão e a ocupação, por tropas da União Indiana, dos territórios de Goa, Damão e Diu)...

Curiosamente, nesta pequena e bonita freguesia do concelho da Lourinhã, distrito de Lisboa, situada no planalto das Cesaredas, nenhum combatente morreu, ao que eu saiba, por doença, acidente ou combate em África, durante a guerra colonial (1961/74)... Na "Rocha do Moledo", ficou gravado um poema de um camarada da APVG - Associação de Veteranos de Guerra, que pela foto não consigo identificar...

Aqui fica a minha homenagem aos camaradas do Moledo, e a todos os demais, do nosso Portugal e da nossa diáspora, numa altura do ano em que costumamos lembrar e evocar os nossos queridos mortos... LG


Foto (e legenda): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P19928: Os nossos seres, saberes e lazeres (334): Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,
É bom o viandante andar à rédea solta, à cata de trastes, de pechinchas, de CDs insólitos, visitando exposições, livrarias, flanando, sem pressas, o tempo está de feição, nada de céu plúmbeo, dá-lhe para saborear fachadas de dois séculos, atravessa parques, contempla fachadas Arte-Nova, e até quando sentiu a sede foi prestar homenagem a Jacques Brel em À La Mort Subite, bebeu uma cerveja de cereja, escutou conversas, desceu ao Teatro da Ópera, desenganou-se, coisa única récita possível que pudesse ver ultrapassava os 100 euros, fica para a próxima.
E assim chegou a hora de regressar a casa, tem um amigo octogenário com quem conversa, com quem janta, sente-lhe a inquietação de fechar aquela casa onde vive há quase meio século, é obra.
E estão reservadas mais surpresas para amanhã.

Um abraço do
Mário


Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (3)

Beja Santos

Permita-se ao viandante uma confissão inconsequente: esta atração permanente por uma cidade que não está no topo da lista dos grandes roteiros turísticos deve-se a alguns sentimentos contraditórios, e pesa na contabilidade os muitos anos em que aqui se arribou por motivos de trabalho. Do que é contraditório: o belo património industrial e arquitetónico tantas vezes arruinado por esta imagem que a cidade dá de ser um estaleiro permanente, ficam as fachadas novecentistas, emergem edifícios de vidro e metal; as velhas livrarias, resistentes, onde ainda é possível uma surpresa ou uma pechincha, a Feira da Ladra, os cafés, os museus. E dentro desta confissão inconsequente, o gostar desta placidez nas deambulações, como ocorre neste exato momento, entra-se num velho armazém de vinhos onde até há referências a Portugal, vem-se amesendar e, dois em um, visita-se uma exposição no Centro de Fotografia e Reportagem sobre a democracia, um estado do mundo.




Não há galinha gorda por pouco dinheiro, pediu-se uma boa massa com moluscos, uma cerveja conventual, uma salada, doze euros. E seguiu-se para a exposição, enfim, para saber por onde anda “o pior dos sistemas à exceção de todos os outros” segundo Churchill. Trata-se de uma exposição pedagógica que nos remete para a história de um sistema político nascido na Grécia há mais de 2500 anos, sistema muito apetecido numa grande parte do globo, noutro substituído por teias de autoritarismo, multifacetado. O que se guarda é a recordação de uma exposição com boa comunicação, imagens impressivas e precisas, ótima para circular por tudo quanto é sítio.





Deambular por Bruxelas e não farejar livros em segunda mão é atentado lesivo à curiosidade, a despeito do pouco peso que se pode transportar, e neste preciso instante o viandante já anda ajoujado, sempre há de aparecer um CD ou coisa que o valha, circula-se com farto prazer de ver outrem entretido em mil descobertas, palpitar com álbuns bem pesados, que se sabe não haver viabilidade de transportar. O prazer de mexer em papel nestas confrarias anónimas, prazer inexcedível!


Está dito à saciedade que Bruxelas alberga murais talentosos, até se invoca a extraordinária banda desenhada, que tem aqui um dos seus quartéis-generais, com oficiantes de génio, dá prazer ver este talento popularizado, que jamais desfeia edifícios, pelo contrário, embeleza-os.




O viandante não fixou bem o nome da rua, parece que se chama a Rua do Mercado do Carvão, ainda bem que se respeita a toponímia típica, esta é a Igreja da Nossa Senhora do Bom Socorro, a fachada é elegante e muito bem proporcionada, veja-se que tem porta rematada com escudo das armas de Carlos da Lorena, no centro do pórtico mostra-se em síntese a história da igreja, veem-se ali os atributos dos peregrinos de Santiago: a concha, o chapéu, os bordões do peregrino com a cabaça. E o altar-mor, que data do século XVIII, é francamente imponente. Como as crenças estão em crise e a afluência não é das maiores, este elegante edifício é cenário para concertos de música barroca, tão excelente é a sua acústica. Consta numa informação que a igreja acolhe uma população heterogénea, em situação precária, o clero e as pessoas de boa vontade aqui prestam assistência espiritual, social e material. É bom ver que os valores do Papa Francisco aqui conhecem execução.




Deambular, deambular sempre, impressionar-se com os estilos e as formas, é uma maneira de descobrir o património do centro da capital, olhar a Igreja de Santa Catarina, uma cópia do século XIX, recentemente alvo de limpeza e algum restauro. É assim a Bruxelas do viandante, amena, variada entre o academismo e os arroubos arquitetónicos, foi dia de itinerário avulso, regressa-se a Watermael-Boitsfort de alma lavada.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19910: Os nossos seres, saberes e lazeres (333): Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19927: Parabéns a você (1646): José Firmino, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 2585 (Guiné, 1969/71) e Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil - Pel Mort Ind 912 (Guiné, 1964/66)


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Nota do editor

Último poste da série de 27 de junho de  2019 > Guiné 61/74 - P19922: Parabéns a você (1645): Fernando Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2404 (Guiné, 1968/70) e Vítor Caseiro, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4641 (Guiné, 1973/74)

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19926: Agenda cultural (691): Convite para a sessão de lançamento do livro "Os cronistas do canal do Geba - O BNU da Guiné", de Mário Beja Santos, dia 10 de Julho de 2019, às 15,00 horas, no Palácio Conde de Penafiel, Sede da CPLP, Rua S. Mamede ao Caldas, 21 - Lisboa



A mais insólita, truculenta informação bancária: 
segredos do BNU na Guiné

Que documentação está ao alcance do investigador da História da Guiné no século XX, ainda no período colonial? Há o acesso ao Arquivo Histórico Ultramarino, também as bibliotecas especializadas como a Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, relatórios de governadores, um acervo de publicações com destaque para os boletins da Escola Superior Colonial ou as revistas da Agência-Geral das Colónias (depois Agência-Geral do Ultramar) e sobretudo o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Os livros são escassos, depois da independência há uma outra torrente de investigação e não se pode descurar a literatura da guerra, os investigadores guineenses são igualmente indispensáveis.

Mas jazia no então Arquivo Histórico do BNU uma tonelada de papel que se revela completamente distinta da literatura oficial, glorificadora e apologética: os relatórios dos gerentes do BNU em Bolama e Bissau desmontam traquibérnias, denunciam imoralidades, corrupção, a mais aparatosa bandalhice. Estes gerentes, sempre à espreita, legaram uma documentação espantosa, que se revela indispensável para o estudo da colónia da Guiné desde a I República até à independência.

O estudioso vai-se envolver num universo de intrigas, mão-baixa, falências calamitosas, informações detalhadas sobre a economia agrícola, sobre o início da insurreição que conduziu a mais de uma década de luta armada… momentos há em que estes relatos atingem o nível do burlesco, da ópera bufa, e em simultâneo eram enviados para Lisboa dados preciosos sobre a sociedade, a mentalidade colonial, os negócios da mancarra operados pela CUF e pela Sociedade Comercial Ultramarina. Mal sabiam estes cronistas desconhecidos que estavam a processar História (e que histórias!).

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O Autor:

Mário Beja Santos
Licenciado em História, foi alferes miliciano de infantaria na Guiné, de 1968 a 1970. 
Toda a sua vida profissional, entre 1974 e 2012, esteve orientada para a política dos consumidores, sendo autor de mais de três dezenas de títulos relacionados com esta temática.
Foi professor do ensino superior; colaborou durante mais de duas décadas em emissões radiofónicas ligadas à defesa do consumidor, foi autor e apresentador de programas televisivos e teve uma participação ativa no consumerismo europeu.
Colabora em blogues, revistas digitais, na imprensa diária e regional.
Alguns dos seus últimos livros foram dedicados à Guiné: "Diário da Guiné – Na Terra dos Soncó", "Diário da Guiné – O Tigre Vadio", "Mulher Grande", "A Viagem do Tangomau", "Adeus, até ao meu regresso", um levantamento da literatura sobre e de combatentes na Guiné, e, posteriormente, foi co-autor da obra "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro", "História(s) da Guiné Portuguesa e História(s) da Guiné-Bissau".
Presentemente ultima um livro de investigação – "Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné".
Ao nível da sua participação cívica e associativa, Beja Santos mantém-se ligado à problemática dos direitos dos doentes e da literacia em saúde, domínio onde já escreveu algumas obras orientadas para o diálogo dos utentes de saúde com os respetivos profissionais, a saber "Quem mexeu no meu comprimido?", 2009, "Tens bom remédio", 2013, e "Doente mas Previdente", 2017.

(Com a devida vénia a Ponte de Lima Cultural
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19913: Agenda cultural (690): Rescaldo da Sessão de autógrafos de José Ferreira da Silva, na 89.ª Feira do Livro de Lisboa, onde esteve com o seu livro "Memórias Boas da Minha Guerra", vol III

Guiné 61/74 - P19925: Notas de leitura (1191): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (12) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Março de 2019:

Queridos amigos,
Estamos no início das atividades do BCAV 490, o bardo relata os primeiros sinistros, feridos na ocorrência de uma mina anticarro. É coloquial e íntimo, não esquece os nomes, é um cronista sentimental. E flui a memória para esse manancial inesgotável de relatos de minas como de emboscadas. Pois neste exato momento lê-se o cartapácio "A Nossa Guerra", dois anos de muita luta, o histórico da CCAÇ 675 redigidos por dois eméritos confrades do blogue, o Belmiro Tavares e o JERO, aproveita-se aquele dia nefasto de 28 de dezembro de 1964 em que o Furriel Mesquita exalou o seu último suspiro, e como a Companhia do Capitão do Quadrado prontamente reagiu. A associação não é fortuita, em toda esta narrativa de Belmiro Tavares e JERO se fala no Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro e em Unidades da BCAV 490, eram próximos.
Aqui fica a minha homenagem às perdas que ambos tiveram.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (12)

Beja Santos

“Cumprindo a sua missão,
a 489 alinhava.
Feriu-se um rapaz nosso amigo,
quando a mina rebentava.

Muitas escoltas fazia
o José Pombo Cordeiro.
Quem para Bissorã saiu primeiro
foi a 3.ª Companhia.
Nesse tempo não havia
terroristas nesta região.
Passaram-se 18 dias então
e malvados ninguém viu
e a 487 os substituiu
cumprindo a sua missão.

O tempo vai-se percorrendo
e no mês de Outubro estamos
e todas as coisas que passamos
eu aqui vou escrevendo.
Todos nós fomos sofrendo.
Para isso alguém nos mandava.
Em Mansabá me preparava
para os terroristas deixar de ver
e para me vir render,
a 489 alinhava.

Em Bissorã se encontrava
o nosso Capitão Romeiras
e com as suas boas maneiras
a missão desempenhava.
De noite ou de dia mandava
a rapaziada para o castigo,
em busca do inimigo,
mas pouca vez o viram,
e, quando numa emboscada caíram,
feriu-se um rapaz nosso amigo.

Na última viatura ia
o Joaquim António Machado
que pelo ar foi levado
quando a mina explodia.
Ali se feriu o Francisco Maria
que no terreno se deitava
e o 314 gritava
com um ferimento muito forte.
Viu ali pertinho a morte
quando a mina rebentava.”

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Com estes feridos e minas, a memória voou para os livros que se têm escrito sobre a CCAÇ 675, contemporânea do BCAV 490. Muito se tem escrito sobre a tropa chefiada pelo Capitão do Quadrado, Alípio Tomé Pinto, também conhecido pelo Capitão de Binta. Esta unidade chegou em 1964 à região de Binta, então as forças do PAIGC e as populações que ele arregimentava movimentavam-se com total liberdade nesta quadrícula. No seu livro “A Nossa Guerra, a história da Ccaç 675”, Belmiro Tavares, de colaboração com José Eduardo Reis de Oliveira, edições dos autores, maio de 2017, fazem um histórico, um misto de diário, de agenda, de considerações soltas, sobre a sua presença em Binta e a amizade que ficou até aos dias de hoje. É impressionante a movimentação operacional que desenvolveram a partir de junho de 1964, limpeza das estradas cheias de abatises, destruição dos locais de residência das forças do PAIGC, emboscadas, golpes de mão, operações em Sambuiá, a abertura de estrada para Farim e igualmente para Guidage, havia jornal de caserna, acompanhamento médico para gente que vinha do Senegal. Tudo se lê e deixa-nos empolgados ao ver a consideração desmedida, a confiança incondicional que toda a Companhia depositava no Capitão do Quadrado. Combatiam e faziam obras de beneficiação, procuravam ajudar as populações, dava-se aulas regimentais para superar o analfabetismo de um conjunto de praças, tiveram dias memoráveis e dias nefastos.
Quanto a estes, ele relata um drama vivido em 28 de dezembro de 1964, é uma descrição pormenorizada e contextualizada:
“Sabíamos, por informações colhidas no Senegal, que os guerrilheiros de Sambuiá não queriam lá mais população não-combatente para beneficiarem de mais liberdade de movimento. Mantinham a população nas aldeias limítrofes, prometendo-lhes a segurança necessária; assim seria mais fácil prevenir-se, sempre que a tropa de Binta se aproximasse. Nós éramos os únicos a apoquentá-los.
Tudo foi feito para não denunciar a nossa presença, naquelas paragens: camuflagem, aproveitando as zonas de vegetação mais densa ao longo do rio e sem provocar ruídos desnecessários.
Apesar dos nossos esforços, eles aperceberam-se das nossas movimentações, dispararam sobre nós e obtiveram a nossa resposta no mesmo tom, mas com melhor pontaria; perseguimo-los e fizemos três prisioneiros, vários feridos e alguns foram abatidos.

Sem a surpresa habitual, não seria aconselhável atacar Udasse, já fora de horas. Iniciámos o regresso a Sansacutoto; pouco depois das 12 horas, as viaturas iniciaram a marcha rumo a Binta com todos os operacionais a bordo; seriam umas 12h30, quando o rebentamento medonho, um estrondo anormal, fez parar a coluna; toda a gente saltou para as bermas da estrada, tomando posição uns metros fora da via. O que mais preocupava era não saber claramente o que tinha acontecido; ninguém queria acreditar que se trataria de uma mina anticarro; a coluna era constituída por 10 viaturas e o espaço entre elas era demasiado grande; a primeira viatura e a última, devido à poeira, estavam separadas por cerca de mil metros. Lá à frente, os guerrilheiros, emboscados ao longo da estrada, desencadearam uma violenta emboscada. Os nossos atiradores responderam na máxima força e em breve fizeram calar as armas adversárias. Lá na frente, uma grossa coluna de fumo espesso e assustadoramente negro subia pelos ares; via-se uma viatura que, ardendo, se desfazia em chamas; havia feridos, mas lá atrás não se sabia quantos nem a gravidade das lesões.

Em murmúrio, foi passando a dolorosa notícia que uma minha potente explodira debaixo de um Unimog, provocando vários feridos; logo surge a nova e mais brutal e atroz: há um morto, o Furriel Mesquita, natural de Famalicão.
O nosso médico, Dr. Martins Barata, tal como por vezes acontecia, naquele dia acompanhou a tropa no mato. No meio daquele desastre, ele foi de uma utilidade extrema. Com tantos feridos, ele e os enfermeiros não tinham mãos a medir. Foi logo pedido um helicóptero e duas avionetas; como a nossa pista ainda não se encontrava devidamente operacional, as avionetas aguardaram em Farim que o helicóptero chegasse com os feridos e o morto.
Depois de um jantar mal deglutido e sem vontade, o enorme capitão reuniu com os seus colaboradores mais directos; nem uma palavra sobre o que acontecera naquele malfadado dia; aparentemente eram águas passadas, mas uma dor imensa, tristeza infinita estavam notoriamente espelhadas nos seus olhos. Agora, o essencial era recuperar o ânimo da rapaziada, moralizar aquela gente”. 

Como se disse, trata-se de uma descrição minuciosa, lista-se o morto, os sete feridos em combate, fala-se do Soldado Atirador António Filipe que enquanto esteve internado no Hospital Militar Principal concluiu o quinto ano liceal, o que lhe proporcionou um emprego na Mague, onde trabalhou até à reforma, ficara com uma incapacidade de 77%. Houvera comportamentos de bravura, abarcando praças europeias e guineenses.
A tropa pôs-se logo em movimento, partiram na manhã seguinte para uma emboscada. “Pretendia-se demonstrar ao inimigo que não era um desaire que nos quebrava o ânimo, embora aquele contratempo fosse tremendamente doloroso e marcante; não seria facilmente esquecido; ainda hoje, volvidos mais de 50 anos, quando relembramos aquele dia, a voz fica embargada e a alma dilacerada. Pela primeira vez, com todos os operacionais no mato, o excelso Capitão de Binta ficou no quartel; quando saíam dois pelotões… ele estava sempre ao nosso lado; mesmo quando saía só um grupo de combate, ele quase sempre nos acompanhava. Com uma dor de alma inimaginável”.

(continua)

Aguarela do pintor Manuel Botelho, viatura destruída por uma mina anticarro, coleção de Mário Beja Santos.
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Notas do editor

Poste anterior de 21 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19907: Notas de leitura (1189): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (11) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 24 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19916: Notas de leitura (1190): "Memórias de África, Angola e Guiné", pelo General José de Figueiredo Valente; Âncora Editora, 2016 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19924: Convívios (903): Velhos Lacraus, da CART 2479 / CART 11, juntam-se para comer uma sardinhada e recordar: Abílio Duarte, Manuel Macias, Renato Monteiro e Valdemar Queiroz... O Duarte e o Monteiro não se viam há 30 anos...


Lisboa > 20 de junho de 2019 > Quatro Lacraus, da esquerda para a direita. Renato Monteiro, Abílio Duarte, Valdemar Queiroz e Manuel Macias,  todos ex-fur mil da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70), mais conhecidos como "Os Lacraus".


Foto (e legenda): © Abílio Duarte (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Mensagem de Abílio [Machado Rodrigues] Duarte :


[Abílio Duarte , foto à direita: ex-fur mil, CART 2479, mais tarde CART 11 e, finalmente, já depois do regresso à metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa Companhia de “Os Lacraus de Paunca” (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70); está reformado como bancário do BNU - Banco Nacional Ultramarino]

Date: quinta, 27/06/2019 à(s) 16:15

Subject: Almoço de velhos Lacraus,   CART 2479 / CART11 (1969/70)

Olá, Luís Graça,

Tomo a liberdade de te enviar, para memória futura, e para a história da nossa Companhia, nesse Blogue, uma foto da reunião... sardinhada, de amigos e camaradas, de há 50 anos, que conviveram e andaram pelo Leste da Guiné.

Recordando muitas situações, acontecimentos, e criancices, pois éramos umas crianças, com uma G3 nos braços.

Gostei de ver o Renato Monteiro, que já não nos víamos há mais de 30 anos. O Valdemar [Queiroz] e o [Manuel]  Macias, lá nos vamos encontrando.

Agradecido pela tua atenção, grava lá mais esta foto.

Abraço, Abílio Duarte

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Nota do editor:

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19923: Tabanca da Diáspora Lusófona (1): camaradas das sete partidas do mundo, procuram-se! (João Crisóstomo, Nova Iorque, EUA)


EUA > Stoughton, Massachusetts> 6 de setembro de 2017 > O José Cãmara, em sua casa, em dia de aniversário, brindando aos amigos e camaradas.

Foto (e legenda): © José Câmara (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do João Crisóstomo [, Nova Iorque,
 EUA; tem 84 referências no blogue]:

Date: terça, 4/06/2019 à(s) 16:14
Subject: um hello e  um pedido de Nova Iorque

Caríssimos camaradas, editores:

Estou de volta em Nova Iorque depois do que foi uma experiência maravilhosa em Portugal: além de ver a minha família mais próxima (estamos  todos já  na faixa dos setentas e, como dizia o meu pai na sua pragmática sabedoria,  "nos intas (...vintes e trintas) tu brincas… e nos entas tu aguentas", eu  tive a oportunidade de contactar de novo  - ou pela primeira vez -  muita outra gente  que me é muito querida, mas a quem devido  às circunstâncias geográficas e outras só agora tive ocasião de encontrar.

Refiro-me é claro ao encontro em Monte Real, onde pude abraçar pela primeira vez tantos amigos de quem tanto tenho lido e  ouvido falar.   Em cada abraço que eu dava a alguém pela primeira vez eu  dizia para mim mesmo: "Puxa vida! até que enfim!".

Nao sei  até que ponto este meu sentir é  ou era partilhado da mesma maneira ou  com a mesma intensidade.  É natural que não seja sempre assim: ao fim e ao cabo  vocês, na maioria dos casos, comportam-se como se  fossem duma família vivendo sob o mesmo tecto  … Vocês   "veem-se" frequentemente ou pelo menos veem-se   de vez em quando.

Para quem está  fora, quer queiramos ou não,  é "diferente" . Porque , da mesma maneira que - com razão ou não  nao sei - dizem por vezes  que  ninguém tem tanto amor à nossa terra como aqueles que  (, por razões por vezes alheias, ) vivem  longe dela….Também eu, longe de vocês,  aguardava com muita antecipação o poder  encontrar e abraçar a tantos a quem a terra da Guiné e suas vivências e experiências, por vezes de intensidades extremas, mas comuns à  maioria dos que por lá passaram,  tornou/transformou em  meus irmãos.

Bom, desculpem este meu arrazoado, embora bem sentido,  e  "deitar peito fora" o que me veio agora ( e vem muitas vezes) especialmente ao deambular  pelas páginas do "vosso, nosso, meu"  querido blogue "Luís Graça  &  Camaradas da Guiné".

 Mas agora ao mais importante:

A razão primeira deste é para lhes pedir a vossa ajuda: há anos atrás  ventilou-se a idéia da criação de  uma "Tabanca da Diáspora Lusitana". Foi em 2016, se me não engano. Pelo menos foi quando eu tive conhecimento desta idéia. E lembrei-me na altura que talvez eu pudesse dar a minha ajuda nesse sentido, já que o facto de eu viver em Nova Iorque  por vezes  facilita muita coisa, como tem sucedido em casos anteriores.

O Luís Graça fez mesmo o favor de me dar  alguns nomes de camaradas a quem eu poderia contactar. E mesmo da Eslovénia onde me encontrava  na altura ,  eu fiz a primeira tentativa de contactos,  (onze no total).  E repeti quando voltei a Nova Iorque.

Destes primeiros emails eu recebi apenas quatro respostas; e dois deles até  me deram  os números de telefone, (como eu havia sugerido a todos), caso estivessem  de acordo em eu os chamar pelo telefone. Mas "não cheguei  a parte nenhuma", talvez por falta de perseverança ou insistência suficiente da minha parte.

Vamos tentar outra vez, está bem? Por mim eu  farei o meu melhor, embora   sem "fazer promessas",  e sem pretensões de espécie  alguma. Mas,"vitaminizado" como fiquei deste encontro, pesar-me-há a consciência se não fizer nada da minha parte. Eu estou enviando este email a vocês os quatro, editores ( como consta do blogue), mas talvez hajam outros camaradas  que tenham outras/mais  informações  e possam /estejam dispostos a colaborar... 

Segue a lista dos onze contactos ( por email)   que fiz em 2016. Não sei a quantos consegui  chegar, já que apenas recebi resposta/confirmação de recebimento de quatro.  Será  que tenho os endereços certos? 

Não quero estar a "impor" trabalhos a ninguém, mas a quem me puder ajudar com os endereços de email  ( e mesmo números de telefones, no caso de vocês os terem e isto ser coisa viável, sem infringir direitos e opções em contrário de quem quer que seja),  eu agradeço . Esta é a lista que tenho, mas é natural que  esteja muito desatualizada já.  É natural que   vocês  tenham  agora  mais  nomes e mais informações  que me possam dar.

Aqui vão os  nomes que tenho:

EUA:       Joaquim Guimarães; Zeca Macedo; José Camara; António Medina.
Canadá:   João Bonifácio
Brasil:     Vasco Pires; José Jerónimo; Joaquim Pinheiro da Silva.
França:    Manuel Peredo
Holanda:  António Salvador; Júlio Abreu

Um grande abraço do João ( Nova Iorque)


2. Nota do editor:

João, com um atraso de 3 semanas, sai agora o teu poste. è sempre escasso o tempo quando vens a Portugal, mas desta vez conseguimos cumprir o combinado: estarmos juntos na Ericeira e em Monte Real. (*). É sempre bom poder estar  contigo e com a Vilma ou simplemente receber notícias vossas.

A tua proposta de trabalho é irrecusável: acredito que levarás a bom termo os contactos com os nossos camaradas da diáspora lusitana de modo a que, dentro a breve, se possa concretizar o somho da criação da Tabanca da Diáspora... Lusófona, com o seu poilão ao centro e à volta do qual se sentarão antigos militares portugueses ou de outros paises lusófonos que, durante a guerra colonal / guerra do ultramar, tenham servido a Pátria na Guiné, Angola, Moçambique e outros territórios, que hoje são países independentes, lusófonos: Timor, Cabo Verde, etc.

Este será o primeiro de muitos postes da série "Tabanca da Diáspora Lusófona": passas a ser o régulo... Porquê Lusófona e não apenas Lusitana ? Porque há camaradas também com outras nacionalidades, que não a portuguesa, como será o caso de Cabo Verde ou da Guiné-Bissau, e que pdoem estar fora da sua terra natal.... Vê se concordas com o nome...Lusitana ? Lusófona ?

A tua lista de camaradas, membros da Tabanca Grande (somos já quase 800,  mas 72 já morreram),  elegíveis para a Tabanca da Diáspora Lusófona, precisa de ser atualizada. Com a ajuda do Carlos Vinhal, vamos mandar-te mais nomes, emails e comtactos telefónicos, se os houver. Por razões óbvias, de proteção da privacidade, essa comunicação terá de ser feita pelo correio interno da Tabanca Grande, com conhecimento aos interessados.

Para já tens de acrescentar à tia lista de países a Suécia. Já lá existe a Tabanca da Lapónia, cujo régulo (e único súbdito...) é o José Belo: vive, ao longo do ano, entre Estocomo, Key West (na Flórida).. Tem 130 referências no nosso blogue: clica aqui... Terá de ser ele a contactar-te: não tem morança certa e está sempre a trocar de endereço de email...

Sim, na Holanda, temos, pelo menos, 2 grã.tabanqueiros (, o Carlos Vinhal irá confirmar se há mais, na Holanda e nos outros países):

(i)  o António Manuel Salvador , funcionário da KLM em Amsterdão  (onde vive desde outubro de 1974, devendo etsra reformado) e é teu cnterrâneo (praia de Santa Cruz, Torres Vedras) (tem menos de 15 referências no blogue; tem na página no Facebook);

(ii) o Júlio  Costa Abreu (com 21 referências no blogue): vive em Amstelveen, tem página no Facebook.


Brasil > Cidade de Praia Grande > Estado de São Paulo > 2014 > Da esquerda para a direita, o António Chaves, o Joaquim Pinheiro da Silva e o Xico Allen, três camaradas "Metralhas",  da
CCAÇ 3566, Empada e Catió, 1972/74).

Foto (e legenda): © Joaquim Pinheiro (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A lista do Brasil precisa de ser atualizada: por exemplo, o Vasco Pires (1938-2016)  já não  está, infelizmente,  entre nós: era um entusiástico membro da nossa Tabanca Grande (, tem 70 referências no nosso blogue).

José [Amadeu de Jesus] Jerónimo.vivia no Brasil em 2008, "há 27 anos"... Nunca mais nos contactou..Deixou os seus contactos:

Enail: .josama@uol.com.br
Telem:  00 55 11 8432 9647

Com referência ao Joaquim Pinheiro da Silva, amigo do Xico Allenm temos 5 postes, o último de 2014. 

Quanto ao Canadá...Temos o João [Gomes] Bonifácio, que quis voltar para Portugal, mas regressou à sua segunda terra, desiludido com a primeira... Tem 10 referências no nosso blogue,,, Mas tenho ideia que há mais camaradas a viver no Canadá e tanbém na Austrália (, pelo menos,temos dois contactos: José Freitas e  Júlio Dias, que vivem em Sydney)

Nos EUA, os teus contactos devem estar certos: 

Joaquim Guimarães [, 5 referências];

 Zeca Macedo [, 16 referências];

José Camara [115 referências: tem página no Facebook];

António Medina.[28 referências; vive em Medford, Massachusetts; tem página no Facebook]

Mas falta o nosso Tony Borié, que tem mais de 250 refrências no blogue. E também  o José Marçal Wang de Ferraz de Carvalho, que foi fur mil op esp, da 16ª CCmds e da CART 1746 (Xime, 1968/69): vive hoje em Austin, Texas, EUA.

O Luís Guerreiro também vive na América [, tem 15 referências no blogue].

Mais recentemente, em 13/12/2018, apresentou-se, à Tabanca Grande,  o camarada da diáspora lusitana na América (para onde emigrou há mais de 40 anos), António Cunha (Tony), que foi fur mil enf, de rendição individual, tendo passado pela 38ª Ccmds, pelo HM 241, pela CCS/BCAÇ 4514/72, e, por fim, pela CCAÇ 6 (Bissau, Mansoa, Bolama e Bedanda, 1972/74)...

Contacto: Antonio Cunha (Tony), President
TD Printing Services
92 Park Avenue
North Arlington, NJ 07031
Toll-Free fax: 1-866-593-4804
«mobile: 1-201-709-0166
e-mail: tony@tdprint.com
www.tdprint.com

Em França, temos o Manuel Peredo [8 referências], mas julgo que há mais  camaradas "elegíveis"... a começar pela nossa "neta" Adelise Azevedo... 

Também temos representantes  na Alemanha: por exemplo, o nosso poeta Joaquim Luís Mendes Gomes vive em Brelim a maior parte do ano [, e tem mais de 290 referências no nosso blogue].

Temos também grã-tabanqueiros, combatentes (, que serviram nas Forças Armadas Portuguesas, ) em Cabo Verde e na Guiné-Bissau, por exemplo.  Ou noutros países lusófonos... Em Macau [ R P China]  temos o  Virgílio Valente.[15 referências no blogue]. 

... Mas também podemos juntar na Tabanca da Diáspora Lusófona amigos como o Cherno Baldé, que vive em Bissau [, e tem 190 referências no blogue] ou camaradas de armas como o Patrício Ribeiro, que vive desde 1987 na Guiné-Bissau [, e tem mais de 80 referências no blogue].

Seguramente que haverá muitos mais camaradas da Guiné a viver fora dos seus países, representantes sobretudo da diáspora lusitana, que se poderão acolher à nova Tabanca, além de pertencerem já à Tabanca Grande, que é a mãe de todas as tabancas... Afinal, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... 
é Grande!

21 de maio de  2019 >  Guiné 61/74 - P19809: Convívios (895): Pessoal que passou pelo Enxalé, em 1965/67, reuniu-se na Ericeira, Mafra: CCAÇ 1439, Pel Mort 1028, Pel Caç Nat 52 e Pel Caç Nat 54. Organizador, o "Mafra", Manuel Calhandra Leitão. Alguns vieram de longe, como o Henrique Matos (Olhão) ou o João Crisóstomo (Nova Iorque, EUA)

Guiné 61/74 - P19922: Parabéns a você (1645): Fernando Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2404 (Guiné, 1968/70) e Vítor Caseiro, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4641 (Guiné, 1973/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19915: Parabéns a você (1644): António Branco, ex-1.º Cabo Reab Material da CCAÇ 16 (Guiné, 1972/74) e Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72)

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19921: Em bom português nos entendemos (21): quem chama "fula-preto" a quem ? (Luís Graça / Cherno Baldé)



"Fula" é uma marca de óleo, registada, do Grupo Sovena. "É a marca líder no mercado português de óleos vegetais", e está "presente nos lares portugueses há cinquenta anos," (Imagem reproduzida aqui com a devida vénia...).

A marca tem inclusive um sítio próprio na Net: www.fula.pt (, além de uma página no Facebook). Na história da marca diz.se: 

"O óleo Fula foi lançado há mais de 50 anos. Nasceu como óleo de amendoim puríssimo e a origem do seu nome está em África – Fula é o nome de uma conhecida tribo da Guiné. Conheça agora as datas mais relevantes da sua história. (...)"

Cá está, mais um exemplo, da eventual utilização abusiva do nome de um povo, "etnónimo", para promover  um produto... comercial, para mais  associado à colonização, ou seja, a um contexto histórico determianado: a mancarra, o amendoim, donde se extrai  óleo alimentar, foi uma cultura comercial, irrelevante para a segurança alimentar dos "indígenas", imposta pelo colonialismo europeu, em África, no séc. XIX... Infelizmente, o caju, hoje em dia, na Guiné-Bissau, uma desastrosa opção estratégica do PAIGC timnada a seguir à independência... Hoje os guuneenses exportam caju para importar arroz...

Acrescente-se, no entanto, que o Grupo Sovena reivindica, para si, valores como a multiculturalidade: 

(...) "Porque somos verdadeiramente uma empresa Glocal somos também multiculturais. De entre as mais de 1000 pessoas que trabalham no Grupo Sovena temos pessoas de quatro continentes e de mais de 15 países. Pessoas de diversas formações pedagógicas, de diversas profecias religiosas e de diversas etnias. Assim garantimos diversidade de abordagens, de conhecimento, de experiências de vida e, acima de tudo, de opiniões – o que nos permite sermos cada vez melhores." (...) (Fonte: Sovena Group > Missão,  Visão e Valores)

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A propósito do vocábulo "fula-preto" e da sua eventual conotação racista... Comentários de Luís Graça e Chernp Baldé (*):


(i) Luís Graça

Obrigado pelas tuas preciosas notas de leitura (*). Confesso que preciso de saber mais sobre a história dos teus antepassados e, em geral, do(s) povo(s) guineense(s)... Mas é um terreno armadilhado. Como eram povos sem escrita, foram em geral os europeus a escrever sobre os seus "usos e costumes" ou as suas andanças no espaço e no tempo...

Há alguns vocabulos e expressões que me causam algum desconforto, embora tenham entrado no nosso léxico do dia a dia... São manifestamente racistas, alguns, que eram utilizados no meu tempo, e são resquícios das sociedades escravocráticas: "trabalhar é bom para o preto", "trabalhar que nem um negro", "quem poupa seu mouro poupa seu ouro"... Outros são mais subtis, menos óbvios, mas não deixam de ser pejorativos: "ovelha negra da família", "mercado negro", "preto ou pretinho da Guiné", por exemplo... Ou "fula-preto" 'versus' "fula-forro"...

De quem será a autoria da expressão "fula-preto" ? Da etnografia colonial, imagino!?

A(s) nossa(s) língua(s) é(são) cruel (cruéis)...Basta dar uma vista de olhos aos provérbiods "populares", eivados de sexismo, machismo, misoginia, racismo... Sobre a mulher, por exemplo, há inúmeros provérbios, todos eles reveladores de uma mentalidade predadora e doentia, alimentada pelo mito judaico-cristão do pecado original, e que vê nela um ser desprezível mas diabólico:

"Da cintura para baixo não há mulher feia";
"De má mulher te guarda e da boa não fies nada";
"Debaixo da manta tanto faz a preta como a branca";
"Frade e mulher - duas garras do diabo";

Mas fiquemos, por agora, nos "fulas-pretos"... Quem chama "fula-preto" a quem ? E porquê "preto" ?


(ii) Cherno Baldé:

Caro amigo Luis,

Antes de falar sobre a estrutura social dos fulas, permitam-me corrigir um lapso no texto relativamente a data provável do nascimento de Mussa Molo (1845) e não 1945.

Quanto a categoria social (Fula-Preto), desconheço o autor, provavelmente Português, desta expressão que passou a designar uma categoria social dentro do grupo etno-linguistico da população dos Fulacundas (Fulas de Gabu) que habitavam no espaço do antigo império Mandinga, dentro do qual se integraram sem nunca deixarem de praticar a sua actividade economica fundamental de criação de gado e pastorícia ao mesmo tempo que, por força das circunstâncias, se interpenetravam entre si, social e culturalmente, tecendo fortes laços de complementaridade, de interdependencia e de mestiçagem.

Durante muitos seculos (e desde meados do sec.XIII), no espaço do Kaabunké, os fulas e outros povos sob dominio mandinga, trabalhavam, na agricultura e criação de animais, e as elites mandingas dominantes, seus clãs e suas numerosas linhagens de guerreiros, reinavam e viviam a custa de razias e do comercio, inclusive o comercio de escravos.

Para a realização destes trabalhos, sobretudo nos trabalhos agricolas para os quais os fulas não somente não tinham tempo suficiente, mas também não gostavam de fazer, era preciso arranjar mão de obra que se dedicasse exclusivamente a estes trabalhos menos nobres, do seu ponto de vista. E a solução era comprar "cativos" de diferentes origens tribais nas mãos dos mandingas que, desenraizados, educados e aculturados no meio fula, integravam as familias dos seus donos, formando uma categoria a parte ou a classe dos servos ou cativos.

Foram as pessoas oriundas dessa categoria de servos, trabalhadores essencialmente agricolas e doutras castas sociais tais como os Ferreiros, Tecelaos, artesãos de diferentes oficios é que receberam, durante a época colonial, a designação de Fulas-Pretos, para não ficarem com o nome altamente ultrajante de Cativos/Servos, isto é "Jiaabhé" na lingua dos fulas.

Claro que hoje este conceito está politica e socialmente morto
e enterrado, mesmo se subsistem alguns resquicios comportamentais e tentativas de segregação acompanhado de lutas e resistências subtis com base nesses conceitos que foram banidos juntamente com o dominio mandinga durante a guerra de libertação encabeçado por Moló Eguê, que mais tarde adquiriu o titulo de Alfa a semelhança das autoridades teocráticas do vizinho estado Futa-Fula que os inspirou e amparou.

Eu também não gosto da expressão, mas tratando-se de uma herança conceptual já não há nada a fazer a não ser contextualizar sempre que se usar a expressão para melhor cpmpreender as suas origens sociais.

Com um abraço amigo, Cherno Baldé


(iii) Luís Graça:

Peguei no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Lisboa, 2003), no Tomo IV FRE-MER, e lá estão grafados os vocábulos "fula-forro" e "fula-preto" (p. 1815)... [Convirá referir que esta é uma obra de referência, o mais completo dicionário da língua portuguesa, elaborado pelo lexicógrafo brasileiro Antônio Houaiss (1915-1999); a primeira edição foi lançada em 2001, no Rio de Janeiro, pelo Instituto Antônio Houaiss.]

Fula-preto: o termo é recente, proveniente da etnografia da Guiné-Bissau... Significado: "fula da Guiné-Bissau cujo TOM DE PELE é mais carregado que a dos chamados fulas-forros"

Fula-forro: "fula da Guiné-Bissau cujo TOM DE PELE é menos carregado do que os chamados fulas-pretos"...

"Tom de pele" em maiúsculas ou caixa alta  é da minha responsabilidade... Em meu entender, é uma definição menos feliz, redutor, simplista, e até com conotação racista, ao sobrevalorizar uma caraterística fenotípica, o "tom de pele", para distinguir duas "subpopulações ou grupos" dentro do povo fula da Guiné-Bissau...(que não é uma "raça", mas tão apenas um grupo etnolinguístico... da subespécie humana "Homo Sapiens Sapiens").

A explicação do Cherno Baldé é muito mais satisfatória, para mim, que dou muito importância às questões sociolinguísticas... Obrigado, Cherno, isto merece um poste! (**)

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Notas do editor:

(*)  Bd. poste de 25 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19919: Historiografia da presença portuguesa em África (163): O reino de Fuladu, de Alfa Moló Baldé a Mussá Moló, da bacia do rio Gâmbia ao rio Corubal (1867 - 1936) (Cherno Baldé)


(**) Último poste da série > 7 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19263: Em bom português nos entendemos (20): "Partir mantenhas"... (Virgínio Briote)

Guiné 61/74 - P19920: Historiografia da presença portuguesa em África (165): Teixeira Pinto e as operações na ilha de Bissau, 1915 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2018:

Queridos amigos,
Teixeira Pinto ficou na História da Guiné Portuguesa como a figura determinante da submissão de povos rebeldes como os Grumetes, os Papéis, os Manjacos, os Mancanhas. Tendo estudado as causas dos sucessivos insucessos e desastres, concluiu que precisava de outro tipo de auxiliares. No seu relatório de 1915 não explica as razões que o levaram a escolher Abdul Indjai e o que o teria impressionado nos seus auxiliares. Como é bem sabido, iria tornar-se numa das figuras mais polémicas e contestadas, censurado por morticínios e brutalidades praticadas pelos seus auxiliares. Entrou em rota de colisão com a Liga Guineense, será afastado da Guiné, irá morrer em combate no Norte de Moçambique.
No Estado Novo, o seu nome receberá todas as honras, e jamais se falará do comportamento de Abdul Indjai, acusado de toda a casta de prepotências como régulo do Oio. Parece que o nome dos heróis lendários é quase sempre atravessado pela nódoa dos seus colaboradores...

Um abraço do
Mário




Teixeira Pinto e as operações na ilha de Bissau, 1915 (1)

Beja Santos

Nos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa existe a cópia do relatório que o Capitão Teixeira Pinto redigiu ao Governador da Guiné, com data de 1 de setembro de 1915, em Bolama. Foi oferecido à Sociedade de Geografia de Lisboa em 20 de junho de 1936 por Raúl Ferreira Chaves e editado no Boletim da Sociedade, número de setembro e outubro de 1936. É bem interessante ver nesta cópia correções e desenhos das operações, sabe-se lá a quem atribuir autoria. O texto é um dos clássicos da pacificação, uma janela aberta para se entender vários contenciosos entre Teixeira Pinto e uma certa classe sociopolítica, com destaque para a Liga Guineense, neste relatório se fala do régulo do Cuor, Abdul Indjai, figura altamente problemática não só no Cuor como no Oio, é um relatório de operações minucioso, não há menção àquilo que nós hoje chamamos “danos colaterais” e que foi um dos cavalos de batalha dos hipercríticos ao trabalho de Teixeira Pinto. Pela sua extensão, vamos destacar vários textos que julgamos de grande importância para a submissão dos Papéis e Grumetes.

Logo o arranque do relatório:

Ex.mo Sr. Governador (Andrade Sequeira)
Não quis a sorte que V. Ex.ª assistisse à campanha que acaba de realizar-se, mas sinto-me bastante satisfeito por ser V. Ex.ª quem deve apreciar o trabalho hercúleo que os nossos camaradas de terra e mar e auxiliares tiveram de despender para se conseguir o belo resultado que é indiscutível embora o despeito e a inveja daqueles que nada produziram a favor da Província e que só sabem censurar e criticar, procuram discuti-lo.
Para esses todos o meu desprezo e dos meus valentes companheiros de armas. 

Após esta introdução, segue-se um histórico em que se diz abertamente que em 1912 a autoridade portuguesa era puramente nominal entre os rios Farim e o oeste do rio Geba, abrangendo os povos Oincas, Balantas, Brames ou Mancanhas, Manjacos e Papéis, a exceção eram as vilas de Cacheu e Bissau e o porto militar de Gole. Refere os insucessos e desastres de Graça Falcão, da coluna Júdice Biker, bem como da coluna Soveral Martins no Churo e os desastres das colunas de 1891 e 1894 em Bissau, onde também teve insucesso a coluna de 1908, sob o comando de Oliveira Muzanty. Conclui Teixeira Pinto que as causas desses reveses era o aproveitamento de Grumetes como auxiliares e o pouco conhecimento do terreno, dos usos, costumes e forma de combater dos povos a submeter. Procurou uma alternativa, encontrar auxiliares diferentes dos Grumetes. Considera que estes eram bons para um desembarque, ataque rápido, pilhagem e volta para as suas casas, não eram capazes de se conservar nas regiões atacadas, pois tinham família em Bissau, Geba e Cacheu. E explica como encontrou alternativa. Numa ida a Bafatá, graças a Calvet de Magalhães, o Administrador, conheceu o régulo do Cuor, Abdul Indjai, fez um rápido estudo dele e desse estudo concluiu que estavam encontrados os auxiliares de que precisava. Precisava agora de estudar o terreno. Para ir ao Oio, combinou com o gerente da Casa Soler para o levarem no vaporinho da empresa até Porto Mansoa, seria apresentado ali como inspetor da Casa que ia a Farim inspecionar a sucursal e que para tal pretendia ir a cavalo através do Oio.


Depois de algumas peripécias, e até de um princípio de envenenamento, chegou ao Oio a 16 de maio, ali entrou vitorioso com pouco mais de 300 homens, desarmou os insurretos e conseguiu que eles passassem a pagar imposto. Refere no seu relatório que a região ficou completamente submetida e sob a nossa autoridade, tinha-lhe sido dito pelo comandante do Oio, José Ribeiro Barbosa (já se fez no blogue referência ao importante relatório que o Tenente Barbosa enviou para Bolama, documento que também consta dos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia) que muitos indígenas que há já muito tempo estavam refugiados no território francês recolheram ali, voltaram a fazer as suas culturas no Oio.

Com a chegada da época das chuvas, Teixeira Pinto foi forçado a descansar e estudou a campanha de Bissau.
Vale a pena ver o que ele escreve diretamente ao Governador:
“Em Dezembro de 1913, mandou-me V. Ex.ª a Cacine porque em Gadamael os indígenas se tinham sublevado e queriam matar o Administrador. Fui ali e consegui prender os dois cabeças do motim e restabelecer a ordem sem ter havido fogo.
Em 18 de Dezembro, recebi em Cacine um telegrama de V. Ex.ª, chamando-me com urgência a Bolama. Chegado aqui, deu-me V. Ex.ª a infeliz nova do massacre do Churo, em que perdeu a vida o desditoso Alferes Nunes, alguns polícias e o pessoal de bordo do motor Cacine, que os rebeldes queimaram.
As dificuldades na organização de uma coluna constam do meu relatório sobre uma campanha que iniciei a 2 de Janeiro de 1914 com mais de 300 homens, avançando por uma das duas regiões de mais fama dos Papéis do Churo. O esforço dos meus valentes auxiliares e irregulares deu-me a vitória e em seguida com esse punhado de valentes submeti os Manjacos e os Mancanhas ou Brames, tendo-os desarmado.
Estas regiões ficaram submetidas e ocupadas pelos Grumetes, apoiados pela Liga Guineense que emprega todas as suas influências para impedirem a guerra.
O atrevimento dos Papéis era tal que nas ruas de Bissau quando se cruzavam com algum europeu em lugar de se afastarem pelo contrário esbarravam com os europeus e com um encontrão afastavam-nos. Quando algum branco ia passear fora da vila, logo a cem metros, era frequente encontrar um Papel que lhe dizia para voltar para a vila porque aquilo não era do Governo, era deles. A um estrangeiro que foi caçar apanharam-lhe a arma e obrigaram-no a pagar uma multa para os resgatar.
A campanha provou que os Papéis e os Grumetes estavam muito bem armados e municiados”.

Continuando os seus comentários, relata que a 18 de maio chegara Abdul Indjai a Nhacra com 1600 irregulares armados e explica o vaivém das canhoneiras e até das emboscadas de que estas foram alvo. Houve escaramuças até no Alto de Intim, ripostou-se com um contra-ataque que provocou imensas perdas aos Papéis.
E finda este ponto dizendo:
“Senhor Governador, para mim estava terminada a lenda dos Papéis. Com aquela coluna depois da rude prova por que acabava de passar e ainda do entusiasmo do que estava possuído, eu adquiri a certeza da derrota do inimigo e da conquista da ilha de Bissau”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19919: Historiografia da presença portuguesa em África (163): O reino de Fuladu, de Alfa Moló Baldé a Mussá Moló, da bacia do rio Gâmbia ao rio Corubal (1867 - 1936) (Cherno Baldé)