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terça-feira, 17 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14380: Meu pai, meu velho, meu camarada (44): Meu Velho, meu Amigo e meu Camarada (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua magnífica série.

Meu Velho, meu Amigo e meu Camarada.
Pai, honrarei sempre os teus princípios militares e civis.

Francisco Saúde, o meu saudoso pai, nasceu no dia 5 de janeiro de 1914 e faleceu no dia 19 de setembro de 1983. Aldeia Nova de São Bento, em pleno Baixo Alentejo, foi a urbe que o viu nascer e morrer. Faleceu a desfazer a barba e numa manhã quente de verão quando o sol já brilhava com intensidade.

A sua morte deixou a família atónica. Um enfarte agudo no miocárdio foi o seu drástico fim. Tinha eu, na altura, 33 anos e o meu pai 69. Porém, jamais dei conta de um pequeno problema de saúde que tivesse fustigado a vida do meu Velho, meu Amigo e meu Camarada.

Olho, atentamente, a sua Caderna Militar, uma relíquia que guardo religiosamente no meu baú das recordações, e leio o documento já amarelado que diz, em síntese, que Francisco Saúde foi incorporado no dia 8 de Abril de 1935 no Regimento de Infantaria nº 17, em Beja, sendo a sua especialidade atirador.

Numa folha adiante, uma outra nota que refere: “Tirou no sorteio o número duzentos e cinquenta e oito”. “Passou à disponibilidade em 1 de Setembro. Presente para instrução complementar em 2 de Outubro de 1939. Voltou à situação de disponibilidade em 15”.

Acontece, que em termos de ocorrências extraordinárias, existe uma outra nota: “Notado como refractário nos termos do nº1 do artigo 189 do R.S.R. Licenciado nos termos do artº 155 do R.S.R. de 1911, desde 8 de Abril de 1935”.

Refractário! Porquê? O meu Velho, meu Amigo e meu Camarada sempre me disse que a questão militar a que foi submetido prendeu-se “como uma doença a que fora submetido aquando da sua apresentação no Regimento de Infantaria nº17 no dia indicado, sendo que a sua ausência militar foi considerada faltosa”.

Assim sendo, está explicada a razão pela qual o exército lhe aplicou tamanha “coima”. O meu pai contava que esta infração não lhe retirou mérito, pois acabou por ser “impedido” de um capitão que lhe cedeu as suas honras.

O tempo era de Guerra Civil na vizinha Espanha. Estava-se no segundo período da década de 1930. As nossas fronteiras, segundo o meu pai comentava, eram patrulhadas a pente fino pela tropa portuguesa.

E foi justamente nesta fase em que prestou serviço militar que integrou um grupo de jovens soldados do RI 17, Beja, que permaneceu no terreno durante algum tempo. A sua missão, segundo dizia o meu Velho, era impedir as avalanches de gentes que fugiam ao terror da guerra civil de Espanha e se passassem para o outro lado da fronteira. Uma história verídica que o meu Camarada contava com mágoa. Dizia-me, em surdina, que foram muitos aqueles que se fizeram à terra lusa enquanto o sentinela de serviço fingia dormir, ficando a estrada em aberto a caminho de um novo rumo. 

Visível era a premente ansiedade da população a contas com uma famigerada e desumana “guerra às bruxas”. Os franquistas não davam pausas. Resumidamente o conflito deflagrou após um fracassado golpe de estado de um sector do exército contra o governo democrático que havia sido conquistado.

Entretanto, o general Francisco Franco, cabecilha do golpe, reorganizou os militares rebeldes o que levou à instauração de um regime fascista em Espanha. O dia 1 de outubro de 1936 foi o início de uma ditadura que se prolongou até 20 de novembro de 1975, data da sua morte, com 82 anos.

Regista-se que o meu Velho, meu Amigo e meu Camarada teve a oportunidade em assistir a uma franja de uma guerra civil com contornos maquiavélicos, e onde o evidente desespero de pessoas que procuravam a paz e o sossego, entrementes sonegados, eram devolvidas a um conflito interno que teimava em não dar tréguas.

Esta prosa possui o condão, julgo, em conjugar efeitos de duas guerras diametralmente desiguais. Isto é, a nossa guerra na Guiné entre 1963 a 1974, e uma outra civil, Espanha, que o meu pai conheceu nos anos 30.

Fica, para mim, a certeza: Pai, honrarei sempre os teus princípios militares e civis porque fomos, afinal, homens que vivendo em épocas diferentes, fizemos parte de contingentes que conheceram os horríveis conteúdos que a guerra, não obstante a dimensão dos flagelos onde estivemos inseridos, nos impôs.



Um abraço camaradas, 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 


domingo, 15 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14369: Meu pai, meu velho, meu camarada (43): Foi um grande homem, sempre pronto a ajudar, principalmente os pobres (Mário Vitorino Gaspar)

 


1. Em mensagem do dia 3 de Março de 2015, o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), enviou-nos este texto de homenagem a seu Pai Joaquim Dias Gaspar.



Meu Pai, meu Velho, meu Camarada


Meu Pai

(… ) “Pai. Quero que saibas,
cresce uma luz fina sobre mim que sou sombra,
luz fina a recordar-me de mim,
ténue, sombra apenas.”

José Luís Peixoto


O meu pai, Joaquim Dias Gaspar, nasceu na aldeia de Casegas, concelho da Covilhã. Era um dos nove irmãos. Família de padeiros – trabalho fulcral da família – e depois de um trabalho árduo, iam crianças ainda, a pé, meu pai e meus tios frequentemente à Covilhã, transportar grandes quantidades de carvão para ser vendido, visto terem nascido numa terreola muito pobre. Os seus habitantes viviam do trabalho na agricultura, na pastorícia, da venda do carvão, eram almocreves e trabalhavam noutros ofícios. Mas a fonte principal de trabalho vinha da emigração para outros países, procurando igualmente trabalho nas colónias portuguesas.

A partir do século XX começaram muitos dos seus habitantes a trabalhar nas Minas da Panasqueira, isto devido procura do volfrâmio, para as ligas metálicas do armamento, motivado pela 2.ª Grande Guerra Mundial, muito embora esta empresa mineira tenha iniciado a laboração em fins do século XIX.

Três dos meus tios emigraram para a América, trabalhando na construção dos caminhos-de-ferro. Aqueles que emigravam, normalmente voltavam à sua terra natal, comprando com o dinheiro amealhado, terrenos de cultivo, pinhais e construindo as suas casas no povoado. Foi o sucedido com estes meus tios. O meu pai tinha três irmãs que viveram sempre na aldeia. Os outros partiam para Lisboa e arredores, e sendo padeiro analfabeto, meu pai, ainda criança, partiu no comboio a caminho do Poço Bispo, onde trabalhava um irmão. Como era um óptimo trabalhador, esteve com outros patrões – e os tempos eram difíceis para se conseguir sobreviver sem emprego – mas nunca esteve desempregado.

Casou-se, e enviuvou, a mulher faleceu com a tuberculose, não tendo filhos da mesma.

Trabalhava no Poço de Bispo e conheceu a minha mãe, filha de um abastado comerciante, ficando a morar numa casa que dava para o apeadeiro dos Olivais, onde nasceram os meus irmãos, na freguesia de Santa Maria dos Olivais.

E um dia, o meu pai, que se encontrava na padaria onde trabalhava, foi confrontado por um cauteleiro amigo, que lhe queria vender jogo, era o único vício que tinha: comprava uma cautela por semana, e àquele cauteleiro. Este insistiu, insistiu, e o meu pai sempre a recusar.

Meu Pai, Mãe, irmãos e eu (Bebé)

E um dia, o meu pai, que se encontrava na padaria onde trabalhava, foi confrontado por um cauteleiro, que lhe queria vender jogo, era o único vício que tinha: comprava uma cautela por semana, e àquele cauteleiro. Este insistiu, insistiu, e o meu pai sempre a recusar. Vestia ainda roupa de trabalho, calça e casaco branco. Foi para casa descansar. Depois de dormir e regressar ao trabalho, surgiu o cauteleiro, que lhe diz baixinho:
- Senhor Joaquim tem a sorte grande!

O meu pai respondeu:
- Como posso ter a sorte grande se a cautela que me vendeu está branca?

O cauteleiro retorquiu:
- Então veja no seu bolso!

É quando o meu pai vê que realmente tinha uma cautela dobrada no bolso do casaco.
- Tem aí a sorte grande! – Disse o cauteleiro.

E era verdade, o meu pai ganhara o primeiro prémio da lotaria. Falou com o patrão – o Castanheira de Moura, um industrial com sucesso – e este deu-lhe sociedade. Mas, porque não recebia lucros, decidiu depois de analisar a situação, propor a venda da quota e trabalhar por conta própria. Teve de solicitar a um amigo um empréstimo monetário e tomou de trespasse uma padaria em Sintra. Não tinha clientela, mas como bom trabalhador e com a ajuda da minha mãe – que se encontrava grávida – conseguiu diminuir a dívida.

Mas estávamos em plena 2.ª Guerra Mundial e havia dificuldades em comprar farinha, que não era fornecida pelas moagens em quantidades exigidas. O meu pai comprou uma mula e uma carroça, e percorria toda a zona saloia procurando moleiros que lhe vendessem tal preciosidade.
Nasci eu.
Um outro industrial, invejando o sucesso do meu pai, fez queixa às autoridades. O meu pai tinha de comparecer em tribunal. Revoltado, faltou. Trespassou a padaria em Sintra e foi para À-dos-Loucos, no alto de Alhandra, tendo de seguida tomado de trespasse uma padaria em Alhandra, com pouca clientela.

Como a minha mãe herdara uma quinta em À-do-Barriga, concelho de Arruda dos Vinhos, dividia a sua vida, trabalhando na padaria – que progredia de dia para dia – e na quinta, onde trabalhava o resto do tempo. Era um industrial analfabeto mas em progressão, e pouco tempo lhe restava para descansar. Entretanto, eu com doze anos, ensinei-lhe a ler e a escrever, tendo feito o exame da 3.ª classe, comprou um carro e construiu uma vivenda na quinta. No dia que comprou o carro, comprou lotaria na Rua Arco da Bandeira, junto ao cinema Animatógrafo, tendo-o acompanhado. Entretanto viu-se obrigado a entrar para uma Sociedade por quotas, no Concelho de Vila Franca de Xira, depois de nós, os três filhos, nos termos recusado a fazermos a vida como industriais de panificação. A vida foi dura, para um padeiro duro, beirão e analfabeto, que teve sempre com ele uma mulher – a minha mãe, e minha heroína – que inteligente como era lutou com ele.

Na véspera da minha partida, com destino à Guiné – pelas 24 horas do dia 10 de Janeiro de 1967 – quando me despedia da minha mãe, e contra tudo o que pensava, a minha mãe manteve-se serena, e pela primeira e única vez vejo o meu pai chorar. Julgava que ele não tinha lágrimas, e que simplesmente lhe jorrava no corpo o suor, sobre as massas, quando enfiava pazadas de pão no forno. Mas o meu pai chorou, e eu como combatente… Chorei para o interior. Sofreram os 22 meses da minha comissão.

Anos depois, no Hospital de Santa Maria – após operação à próstata – perguntou-me:
- Quando estiveste na Guiné sofreste, não sofreste? - Sabes que no dia que foste com o pai comprar o carro me saiu um prémio grande na lotaria?

Calei-me. Ele foi um grande homem, sempre pronto a ajudar, principalmente os pobres que não lhe podiam pagar o pão. Um dia, meu pai pediu que ficasse na padaria. Estava no interior e vi um pobre tirar um pão de dezassete tostões do balcão e deixei que ele o levasse. Disse ao meu pai e respondeu-me:
- Era um pobre não faz mal.

A minha mãe morreu, e passado não muito tempo, meu pai foi-lhe fazer companhia.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14354: Meu pai, meu velho, meu camarada (42): 1.º Cabo Manuel de Assunção Peres (1912-1997), meu sogro, que fez tropa em Elvas... Um dia, quando teve uma curta licença para férias, foi a pé até Castro Verde (, o que em linha reta são mais de 200 km)... (José Colaço)

quinta-feira, 12 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14354: Meu pai, meu velho, meu camarada (42): 1.º Cabo Manuel de Assunção Peres (1912-1997), meu sogro, que fez tropa em Elvas... Um dia, quando teve uma curta licença para férias, foi a pé até Castro Verde (, o que em linha reta são mais de 200 km)... (José Colaço)

1. Mensagem do nosso camarada José Colaço (ex-Soldado TRMS da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), com data de 4 de Março de 2015:

O meu pai, meu velho, na inspecção saiu-lhe a fita vermelha. Mas,  como os pais das nossas mulheres nossos pais são, apresento-lhes o meu sogro, meu camarada, pai da  mulher com a qual casei em 1973 e que tem tido a paciência de me aturar e desculpar desde essa data até aos dias presentes.

José Colaço



Manuel de Assunção Peres


2. Este nosso camarada Manuel de Assunção Peres, nasceu em 17 de Abril de 1912  e faleceu em 29 de Dezembro de 1997, vítima de cancro pulmonar, talvez devido ao tabaco pois era um fumador viciado desde os bancos da escola primária. Quando morreu, tinha uma memória perfeita tanto em matemática como em português, disciplinas que gostava e que dominava com alguma facilidade.

Fez a tropa no quartel de Elvas, tendo sido promovido a 1.º Cabo.

Histórias da sua vida militar não as registei em papel nem em memória, culpa minha porque ele falou várias vezes no assunto, mas uma que me chamou a atenção e que registei em parte, foi quando lhe foi concedido um curto período de férias.

Ele  mais um camarada do concelho de Odemira  deram corda aos cordões das botas e marcharam a pé,  de Elvas...  até Castro Verde [, são mais de 200 km em linha reta!].

Um abraço
Colaço
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14353: Meu pai, meu velho, meu camarada (41): Jorge Manuel Augusto da Silva, o "binte oito", era um orgulhoso sapador de assalto, da arma de engenharia... Fez a tropa em Tancos, em 1947, ainda chegou a jogar futebol e era amigo do histórico guarda-redes do Porto, o Barrigana (Henrique Cerqueira)

Postes anteriores (desde o nº 30 da série):

3 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14316: Meu pai, meu velho, meu camarada (40): Torcato Prudêncio da Silva (1915-1977) faria 100 anos no passado dia 28 de fevereiro...Na tropa (entre 1936/37 e 1943), foi da arma de artilharia, como o filho que o recorda hoje com muita saudade (Torcato Mendonça, ex-alf mil art, CART 2339, Mansambo, 1968/69)

4 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11803: Meu pai, meu velho meu camarada (39): Amadeu Simões Picado, ilhavense, 1º cabo quarteleiro, da arma de engenharia, integrou o corpo expedicionário português, em França, na I Guerra Mundial (1917/18), e emigrou depois para os EUA onde trabalhou quase sempre como pescador... Só o conheci aos 9 anos, em 1946... (Jorge Picado)

8 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11358: Meu pai, meu velho, meu camarada (38): Evocando a figura de Luís Henriques (1920-2012) que há precisamente um ano se despedia da terra da alegria (Luís Graça / Pedro Martins)

19 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11275: Meu pai, meu velho, meu camarada (37): Memórias do Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, no dia do pai...

11 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10924: Meu pai, meu velho, meu camarada (36): Fotos recentes do Mindelo, em memória do meu avô Luís Henriques (1920-2012) (João Graça)

13 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10793: Meu pai, meu velho, meu camarada (35b): José Baptista de Sousa (1904-1967), capitão médico-cirurgião, expedicionário, um 'anjo di céu', em São Vicente, fev 1942/ set 1944 - Parte II (Adriano Miranda Lima)

12 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10790: Meu pai, meu velho, meu camarada (35a): José Baptista de Sousa (1904-1967), capitão médico-cirurgião, expedicionário, um 'anjo di céu', em São Vicente, fev 1942/ set 1944 - Parte I (Adriano Miranda Lima)

23 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10712: Meu pai, meu velho, meu camarada (34): Tropas expedicionárias portuguesas, em São Vicente, Cabo Verde, 1941/45, mostram solidariedade com o povo sofrido da ilha (Adriano Miranda Lima, cor inf ref, Tomar; cortesia de Praia de Bote)

7 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10496 Meu pai, meu velho, meu camarada (33): Mais notícias das forças expedicionárias da ilha de São Vicente, Cabo Verde (1941/45) (Adriano Miranda Lima, cor inf ref)

Guiné 63/74 - P14353: Meu pai, meu velho, meu camarada (41): Jorge Manuel Augusto da Silva, o "binte oito", era um orgulhoso sapador de assalto, da arma de engenharia... Fez a tropa em Tancos, em 1947, ainda chegou a jogar futebol e era amigo do histórico guarda-redes do Porto, o Barrigana (Henrique Cerqueira)


Jorge Manuel Augusto da Silva, natural do Porto, fez a tropa em 1947... 
Era soldado sapador de assalto... e conhecido pelo "Binte Oito"


1. Mensagem do nosso amigo e camarada Henrique Cerqueira [ [ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, e CCAÇ 13, Bissorã, 1972/74; casado com a Maria Dulcinea (NI), também nossa grã-tabanqueira]


Data: 8 de março de 2015 às 11:32
Assunto: Meu pai,meu velho , meu camarada


Caro Camarada Luís Graça:

Há muito tempo, mais precisamente a partir da altura em que publicaste um dos primeiros postes sobre o tema " Meu pai, meu velho, meu camarada " (*),  que senti um grande carinho pelo tema. No entanto não ganhava coragem para escrever sobre o pai do qual passei quase toda a minha vida a ouvir as suas estórias de quando esteve na tropa (hoje são os nossos filhos e netos a ouvir as nossas).

Bom,  e vai daí, tu relanças novamente o tema e então lá fui procurar no meu "baú" das recordações e encontrei a caderneta militar do meu pai . E assim sendo vou tentar escrever algo que homenageie a memória do meu e de todos os nossos pais que são: "O Meu Pai , Meu Velho, Meu Camarada ". Espero não ser muito aborrecido mas vou escrever principalmente com o coração e amor pelo meu pai já retirado desta vida terrena.

Apresento o Meu pai, Jorge Manuel, que  foi Sapador de Assalto em Tancos [em 1947].

Sempre ouvi falar o meu pai e muitos dos seus amigos da altura que ele era um pouco irrascível na sua vida militar, mas sempre que era necessária aplicação da sua especialidade,  ele então tinha que ser o melhor. Era com muito orgulho que me contava a vitória obtida numa competição (???) entre vários países da NATO, numas provas militares . E como ele era Sapador de Assalto, orgulhava-se de ser bom a lidar com explosivos.

Uma outra estória muito engraçada (para mim,  claro) foi a sua narrativa de uma célebre "fuga" de que foi protagonista precisamente do interior do Castelo de Almourol. Segundo ele a tropa de Tancos na altura fazia serviço nesse famoso Castelo. Pelos vistos,  o meu pai era um "bom Casanova" e nem as muralhas de um Castelo o detinham quando havia "rabo de saia" nas redondezas.

Já agora o meu pai também foi um excelente jogador de futebol mas, que também acabou por ser irradiado dessa atividade por ter "acertado o passo" a um árbitro e a um polícia. Não pensem que o meu pai era um violento, era sim um rebelde e talvez em demasia para a época.

Estou aqui a pensar que tinha tanto, mas tanto para contar sobre o meu pai, mas não sai... não sai mesmo e por isso vou ficar por aqui e até vou pensar ainda se mando ou não este escrito para a malta ler.

Ah!,  é verdade,  o meu pai era conhecido na tropa pelo "Binte Oito" (28),  á moda do Porto,  já se vê. Era eu miúdo e conheci um famoso jogador da altura que era o saudoso Barrigana [, Frederico Barrigana, 1922-2007], penso que jogava no Salgueiros ou Porto. Estava ele junto do meu pai e só falavam da tropa e era então "Binte oito prá qui....binte oito prá acolá"....

Meu Pai, Meu Amigo, Meu Camarada,  que saudades tenho de ti. Dá um beijo à Mãe e aguarda por mim.

Um grande abraço a todos os Pais, Amigos e Camaradas da nossa Tabanca Grande.
Henrique Cerqueira

PS  - Envio em anexo algumas imagens possíveis da Caderneta militar do meu pai, achei particular graça às páginas descritivas do material  recebido para uso pessoal.












Folhas da caderneta militar de Jorge Manuel Augusto da Silva, pai do nosso camarada Henrique Cerqueira


Fotos : © Henrique Cerqueira (2015). Todos os direitos reservados.

terça-feira, 3 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14316: Meu pai, meu velho, meu camarada (40): Torcato Prudêncio da Silva (1915-1977) faria 100 anos no passado dia 28 de fevereiro... Na tropa (entre 1936/37 e 1943), foi da arma de artilharia, como o filho que o recorda hoje com muita saudade (Torcato Mendonça, ex-alf mil art, CART 2339, Mansambo, 1968/69)


Cascais > GACA 1 > c. 1940&43 > Foto nº 1 A > Torcato Prudêncio da Silva (1915-1977) > Segundo os especialistas em artilharia, os cor Nuno Rubim e Costa Matos a peça que aparece na foto é uma Anti Aérea (AA 9,4), pertencente ao quartel de Cascais, sediado na Cidadela [Grupo de Artilharia Contra Aeronaves, criado em 1935, depois GACA 1, em 1939, assim se mantendo até 1959, quando passou a  Centro de Instrução de Artilharia Anti-Aérea e de Costa (CIAAC), que veio a ser extinto em 2004].


Cascais > GACA 1 > c. 1940&43 > Foto nº 1 >  Torcato Prudêncio da Silva (1915-1977) > Na altura deveria ser furriel ou sargento miliciano,,,

O nosso camarada Torcato Mendonça não tem informação sobre a a data e o local. Possivelmente estas quatro primeiras fotos foram tiradas  num contexto de exercícios de campo, algures na Estremadura ou no Ribatejo. O pai do Torcato que deve ter feito a recruta e instrução de especialidade em 1936/37 em Évora,  terá sido chamado depois para operar com a AA 9,4 cm, m/940, fornecida pelos ingleses...

Sobre a Peça AA 9,4 cm m/940, de origem inglesa > Calibre: 94 mm L50 | Comprimento: 4.96m  | Comprimento do Tubo: 4,7 m  | Peso: 9.317 Kg  | Munição: 12.7 kg (total)  | Velocidade Inicial: 792 m/seg.  | Alcance Máximo: 18.000 m (horizontal) e 9.000 m (teto)  | Cadência de Fogo: 10 a 20 tiros por minuto (prático) | Guarnição: 7  | Quantidade total recebida: 54  (Fonte: ForumDefesa.com > Arilharia Aérea Portuguesa > 26 de outubro de 2007).


Cascais > GACA 1 > c. 1940 >  Foto nº 2 >  Torcato Prudêncio da Silva (1915-1977) é o segundo a contar da direita... A peça AA 9.4 cm m/940 tinha uma guarnição de 7 homens...


Cascais > GACA 1 > c. 1940 >  Foto nº 3 > Torcato Prudêncio da Silva (1915-1977) é "o 2º a contar da direita, em cabelo (descoberto)"; ele e os restantes à sua direita são um grupo de 4 graduados... (*) [Percebe-se que são graduados pelo uso de bota alta, tal como na cavalaria].



Cascais > GACA 1 > c. 1940 > Foto nº 4 > O "Matador" que rebocava a antiaérea AA 9,4. Também as havia no CTIG, as viaturas de transporte AEC Matador,  para rebocar a artilharia (obus 14 e 10.5, peça 11.4) e  até para transporte de tropas (**)...  O pai do Torcato é  "o que está sentado na cabine do Matador com o braço de fora"...


Évora > Regimento de Artilharia Ligeira (RAL) 1 (que passou depois a 3) > c. 1936/37 > . "O meu pai serviu no RAL 1 [Évora]... Ele deve ter entrado em 1936/37, saiu, veio a guerra, o entra sai e só em 43 se livrou daquilo. Por isso eu sou um jovem de 44" (TM)...


Évora > Regimento de Artilharia Ligeira (RAL) 1 (RAL 3, ao tempo da guerra colonial ) > c, 1936/37 (*) > A artilharia hipomóvel (puxada a cavalos...) ainda do tempo da I Guerra Mundial!...


Évora > Regimento de Artilharia Ligeira (RAL) 1 (RAL 3, ao tempo da guerra colonial) > c. 1936/37 > O pai do Torcato é   "o primeiro da esquerda, com o boné do RAL 1"... Possivelmente ainda na fase da recruta ou na instrução de especialidade. Sobre a história da reorganização do exército,  e da artilharia em particular, no Estado Novo, vd. Abreu (2008) (***).

Fotos (e legendas): © Torcato Mendonça (2008). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Fotos do álbum de família do Torcato Mendonça que me mandou as velhas fotos do tempo da tropa do pai dele... Évora, RAL1 e depois Cascais, GACA1. Presume-se que ele tenha sido chamado, mais do que uma vez pela tropa, e nomeadamente já no período da II Guerra Mundial para aprender a operar com a artilharia antiaérea fornecida ao exército pelos nossos aliados ingleses...  Diz o Torcato que o pai só passou à peluda em 1943, ano em que pôde finalmente casar... As fotos claramente dizem respeito a dois períodos distintos; Évora, 1936/37; e Cascais, c. 1940/43...

En passant, diga-se que a primeira unidade de Artilharia Antiaérea em Portugal foi o Grupo de Artilharia Contra Aeronaves (GACA), criado em 1935 na cidadela de Cascais. No ano seguinte, passou a incluir designar-se GACA 1.

O Torcato recorda com muita saudade o pai, o amigo e o camarada... Era algarvio, de Armação de Pêra, trabalhoui depois como técnico na Junta  Autónoma das Estradas... Morreu cedo, em 1977. Cabe-nos aqui evocar e honrar a sua memória (****)
______________

Notas do editor:

(*) 18 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2773: Álbum das Glórias (44): A viatura AEC Matador 4x4 e outras peças do museu da artilharia (Nuno Rubim / Torcato Mendonça)

(**) 17 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2768: Pensar em voz alta (Torcato Mendonça) (10): A nossa por vezes difícil mas sempre boa con(v)ivência

(***) Vd.    ABREU; Filipe da Silva - As Principais Reorganizações do Exército do Século
XVIII ao Século XXI. Reflexos para a Artilharia. [Em linha] Amadora: Academia Militar, Direção de Ensino, Curso de Artilharia, julho de 2008, 41 pp + IV [Consult. 1 mar 20154]. Disponível aqui [em formato pdf].

(***) Último poste da série >  4 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11803: Meu pai, meu velho meu camarada (39): Amadeu Simões Picado, ilhavense, 1º cabo quarteleiro, da arma de engenharia, integrou o corpo expedicionário português, em França, na I Guerra Mundial (1917/18), e emigrou depois para os EUA onde trabalhou quase sempre como pescador... Só o conheci aos 9 anos, em 1946... (Jorge Picado)

domingo, 14 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14026: In Memoriam (210): Rolando Basto (1923-2014), pai do nosso camarada e amigo Álvaro Basto (José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira com data de hoje, 14 de Dezembro de 2014:


SENHOR ROLANDO BASTO


Partiu para o descanso eterno nesta fria madrugada o pai do Álvaro Basto 

O Sr. Rolando, querido companheiro das Quartas Feiras na Tabanca de Matosinhos deixou-nos, mas o seu espírito alegre e contagiante que o avançar da idade nunca lhe conseguiu roubar, fica connosco. 
O seu sorriso e a sua camaradagem de “mais velho” sempre novo, na alegria de comunicar com todos nós. 
Partilhava a sua alegria e esperança de viver. 
Como irmão mais velho, era querido e respeitado. 
As suas “graças” e brincadeiras transformavam-no na “estrela” que brilhava e cativava. Era um sinal de esperança.
Sentimos que a sua Primavera ia-se acabando aos poucos e sentimos a sua falta em cada Quarta Feira que não aparecia. 
Sabemos que lhe custou o afastamento por falta de forças. 
Agora partiu para sempre. Paz à sua alma. 

A partir da tarde de hoje encontra-se em Câmara ardente no Tanatório de Matosinhos. 
A despedida será amanhã - Segunda Feira pelas 15 horas.

José Teixeira



O senhor Rolando Basto (em primeiro plano, à direita) na Tabanca de Matosinhos


2. Comentário do editor:

Quem aluguma vez participou num dos almoços das quartas-feiras da Tabanca de Matosinhos, reparou num jovem, um tanto ou quanto mais velho do que os habituais sexagenários ex-combatentes da Guiné, em redor das mesas sentados, que se sobressaía pela sua juuventude interior e capacidade de comunicar com aqueles que poderiam ser seus filhos.
Não havia ninguém, dos habituais ou não, que não gostasse de trocar, não breves mas longas conversas com ele.
O senhor Rolando vai ficar na história da Tabanca de Matosinhos porque merece, pelos amigos que deixou, que se sentiam como seus filhos ou irmãos mais novos.

Especialmente ao nosso amigo Álvaro Basto, sua esposa e demias familiares, aqui fica um abraço solidário e os sentidos pêsames da tertúlia. Perdemos todos um amigo e um camarada.

Carlos Vinhal



O senhor Rolando Basto,  acompanhado de seu filho Álvaro num dos Natais da Tabanca de Matosinhos. (O Álvaro Basto, régulo da Tabanca de Matosinhos, foi fur mil enf da CART 3492 / BART 3873. Xitole, 1971/74).

3. Eis aqui alguns postes do nosso blogue em que se assinala a presença do nosso amigo Rolando Basto nos nossos convívos (LG):

P4701: Parabéns a você (14): Dia 17 de Julho de 2009
17 Jul 2009

Os nossos parabéns são também extensivos ao senhor Rolando Basto, tão jovem quanto o seu filho. O senhor Rolando acompanhado de seu filho Álvaro num dos Natais da Tabanca de Matosinhos Vamos recordar o que ...
27 Set 2009

Os nossos encontros são verdadeiros banhos de rejuvenescimento de tal modo a juventude é lembrada e relembrada. Álvaro Basto. Zé Teixeira. Armando Ribeiro. João Rocha. Pimentel. BarrosoÁlvaro Basto. Rolando Basto.
11 Mar 2010

Nem mais, o Rolando Basto, com os seus 87 anos (invejáveis!), e aqui na foto com o seu inseparável filho, e mais um camarada da Tabanca de Matosinhos, o Nelson. Ele é tratado, carinhosamente, como o Homem Grande.

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14004: In Memoriam (209): Armandino Marcílio Vilas Alves (1944-2014), ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CCAÇ 1589 (Guiné, 1966/68)

domingo, 19 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13760: Agenda cultural (343): Evocação do Centenário da I Guerra Mundial: Os "Dias da Memória" na Assembleia da República (17-19 de outubro de 2014)

Do sítio da Assembleia da República, com a devida vénia...



1. A Assembleia da República, casa da nossa democracia,  está a comemorar o Centenário da I Guerra Mundial, levando a efeito um conjunto de iniciativas que abarcam um período que vai de outubro de 2014 até 2018.

A evocação deste período histórico, pelo Parlamento, começou  no dia 7 de outubro, incluindo:


(ii)  inauguração da exposição "Portugal e a Grande Guerra" ;

(iii)  e, nos dias 17 a 19 do corrente,  a realização Os Dias da Memória (, "uma iniciatiiva inédita em Portugal", ou talvez não: os combatentes da guerra colonial estão a fazê-lo há anos, sem qualquer apoio institucional, nem cobertura mediática, discretamente, por imperativo de "dever de memória", e justamente por que sabem que são uma geração que vai desaparecer, como já desapareceu toda a geração que integrou o corpo expedicionário português da I Guerra Mundial, ou como está já praticamente extinta a geração dos nossos pais, que estiveram em missões de soberania na II Guerra Mundial, na Madeira,  Açores, Cabo Verde, etc.)


Lisboa > 1917 > Joshua Benoliel  (1873-1932) > "A caminho do dever: um adeus carinhoso".  Publicada na época, na "Ilustração Portugueza". Imagem do domínio  público. Cortesia do blogue Citizen Grave > quarta-feira, 31 de Outubro de 2012 > Joshua Benoliel e a Ilustração Portugueza... É uma das obras-primas deste pai do fotojornalismo português, umna verdadeira "foto falante". [Editada por L.G.]



2. Os Dias da Memória, a decorrer entre de 17 a 19 de outubro,  têm "como objetivo incentivar a participação dos cidadãos no estudo e divulgação da memória da presença portuguesa no conflito de 1914-1918."

Como de resto tem sido noticiado pela comunicação social, o Parlamento esteve e está hoje, domingo, "aberto para a recolha de documentos e objetos de natureza diversa que os cidadãos tenham na sua posse, tais como diários, cartas, fotografias, mapas ou outros objetos oriundos da participação de Portugal na I Guerra Mundial".

A organização destas evocações é da responsabilidade conjunta de: (i)  Assembleia da República; (ii) Comissão Coordenadora das Evocações do Centenário da Primeira Grande Guerra; e (iii)  Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Contam com o apoio da RTP - Rádio e Televisão de Portugal.

O leitor pode também consultar, de acordo com o sítio da AR:

Portugal 1914 - 1918

100 anos - Grande Guerra

Diário da Grande Guerra - Testemunhos Portugueses


 
Dias da Memória

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Nota do editor:

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13713: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (6): Homenagem a Mário Lima e Aguinaldo de Almeida, já falecidos, meus colegas do BNU, em Bissau (António Medina, ex-fur mil inf, CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; natural de Santo Antão, Cabo Verde, vive hoje nos EUA)



Aguinaldo Almeida (já falecido), quadro do BNU de Bissau e autor da introdução, que a seguir se publica, nos Cadernos de Poesia "Poilão", editado pela secção cultural do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do BNU - Banco Nacional Ultramarino, Bissau.




Fotos: © Albano de Matos (2014). Todos os direitos reservados



Albano Mendes de Matos
1. Mensagem,  de 7 do corrente, do Albano de Matos


Caro Luís,

Só agora vi que o nome do Aguinaldo não está correto. É Aguinaldo Almeida.

O Aguinaldo esteve na minha casa no verão de 1974, quando vim da Guiné, de férias, depois, perdi-lhe o rasto. Ele estava cá, de férias.

Envio a foto do Aguinaldo e o original da Introdução do POILÃO, que ele assinou.
Abraço.




Elemento gráfico da capa do documento policopiado do Caderno de Poesias "Poilão", editada em dezembro de 1973 pelo Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino (O GDC dos Empregados do BNU foi criado em 1924).

Considerada a primeira antologia da poesia guineense, esta edição (, 700 exemplares, policopiados, a stencil, ) deve muito à carolice, ao entusiasmo, à dedicação e à sensibilidade sococultural de dois homens: (i) o Aguinaldo de Almeida, caboverdiano funcionário do BNU, infelizmente já falecido(segundo informação que nos acaba de dar o nosso grã-tabanqueiro António Medina); e (ii) o nosso camarada Albano Mendes de Matos (hoje ten cor art ref; tenente  art,  GA 7 e QG/CTIG, Bissau, 1972/74;  foi o "último soldado do império"; é natural de Castelo Branco, vive no Fundão; é poeta, romancista e antropólogo].


2. Mensagem que enviei há dias, em 7 deo corrente,  ao nosso camarada da diáspora António Medina [ex-fur mil inf, CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; natural de Santo Antão, Cabo Verde, foi funcionário do BNU, Bissau,  de 1967 a 1974; vive hoje nos EUA]:

Assunto: Colega do BNU, em Bissau, Mário Lima, poeta

António: Como vai essa saúde ? E a disposição ? Viste o poste sobre o teu aniversário ?

Outra coisa: ainda te tembras do Mário Lima, teu colega  do BNU e patrício ? Escrevia poesia e está nesta antologia, organizada pela vossa casa de pessoal, em dezembro de 1973... E de uma tal Maria Caela ? Tens alguma pista sobre esta mulher ?... Vê aqui (*).

Manda notícias. Um abraço fraterno. Luís Graça
António Medina



3. Resposta do António Medina, na volta do correiro, 
8 de Outubro de 2014 às 00:22

Meu caro Luis:

Antes de mais os meus cumprimentos e agradecimentos pelos teus votos de Feliz Aniversário no Blogue e que tomei conhecimento naquele mesmo dia. Infelizmente tinha acabado de falecer no Rio de Janeiro um meu irmão, vitima de doenca, que me transtornou um pouco.

O Senhor Mário Lima foi de facto meu colega no BNU em Bissau, na altura desempenhando as funções de Chefe de Servicos. Funcionário muito competente, era amigo e respeitava os seus subalternos, procurando e contribuindo para que todos os mais jovens tivessem boa aprendizagem do sistema bancário, o que fez com que a Filial de Bissau fosse conhecida como Campo de Treino, para posteriormente serem transferidos para outras paragens.

Mário Lima.
Foto: Cortesia de RTC

Óptimo tocador de violão, algumas vezes aos sábados não se importou que o visitassemos para se ouvir o seu dedilhar pelas cordas bem afinadas do seu instrumento, interpretando mornas e coladeiras.

O Mário Lima na cidade da Praia, depois da Independência, foi um dos negociadores que ajudou a implementar o Banco de Cabo Verde, foi um dos seus Directores em exercicio até se reformar. Faleceu a 7 de Janeiro deste ano corrente de 2014, vítima de doença prolongada.

Maria Caela (*), nome que vive no meu subconsciente até agora, imagino se tratar de alguma morena criola, dengosa, da Boa Vista donde Mário Lima também era natural e que por qualquer razão lhe mereceu os versos. Assim como existe uma outra morna de nome Maria Barba (Bárbara), também da Boa Vista, pessoa esta já de certa idade que ainda conheci em Bissau (**). Entretanto te prometo olvidar meus esforcos no sentido de obter informações sobre a Maria Caela.


Guiné > Bissau > c. 1965/66 > Um edifício que faz parte das memórias e do imaginário de juventude de alguns dos nossos camaradas de armas, como o Virgínio Briote.


Foto: © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados


Já agora aproveito para  prestar,  a tíulo póstumo,  uma pequena homenagem a Aguinaldo Almeida colega e bom amigo. Impulsionador de várias actividades entre empregados do BNU, lecionando em horas extras alunos que precisavam de melhor preparação académica para um futuro melhor, preparando Ralies Auto, etc, ainda me lembro da apresentação da peça teatral "A Hora de Todos",  na Associação Comercial de Bissau, que bastante agradou os assistentes.

Por agora é tudo.
Um abraco do colega e camarada
AMedina


3. Recorde da  imprensa caboverdiana sobre o Mário Lima, que nos mandou o António Medina:

A Semana > 21 de dezembro de 2007

Notícias > Mário Lima prepara livro sobre a banca

21 Dezembro 2007

O escritor Mário Lima tem em preparação um livro sobre a história da banca em Cabo Verde. Quadro do Banco Nacional Ultramarino durante 21 anos, o autor decidiu juntar duas das suas paixões: a literatura e o mundo das finanças.

A obra, em fase de revisão, abordará a génese e aspectos vários da história e evolução das instituições bancárias do país.

Mário Lima, natural da Boa Vista, foi durante 21 anos quadro do BNU, sendo que parte do período que passou na instituição foi vivido na Guiné Bissau onde também colaborou em alguns jornais. Viveu também em São Tomé e Príncipe antes de retornar a Cabo Verde.

Em São Vicente, onde estudou o secundário, foi fundador da Academia Cultivar, de onde saíram alguns dos criadores do jornal Certeza: Nuno de Miranda, Arnaldo França e Tomaz Martins.

Ensaios, crónicas e crítica literária fazem parte da sua produção intelectual, onde se destaca também um conto - O Emigrante - vencedor de uma menção honrosa.

Membro fundador da Associação de Escritores Cabo-Verdianos, Mário Lima tem se dedicado, desde há muitos anos, à poesia e, em Março deste ano, publica finalmente o seu primeiro livro: Minhas Aguarelas no Espaço e No tempo traz poemas inspirados pelas vivências e observações do quotidiano. A obra será em breve secundada pela publicação do seu novo livro, desta feita de cariz histórico/científico.

(Reproduzido aqui com a devida vénia)

 _____________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 7 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13703: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (5): dois poemas do caboverdiano Mário Lima, "Retrato de Maria Caela" e "Menina Santomense"....Quem teria sido essa mulher fatal, caboverdiana, Maria Caela, que um dia saltou no cais do Pidjiguiti ?

(**) Ver aqui a letra desta morna, a que o Bana, o "rei da morna",  deu a sua voz inconfundível. A melodia parece ser do final do séc. XIX, enquanto a  letra original seria  da cantora Maria Bárbara,,, É um tocante diálogo - podia ser um fado de despedida! -  entre o tenente Serra, e a Maria Bárbara, a quem ele pede para cantar mais uma morna, na sua festa de despedida, a caminho de Lisboa (***)...

Maria Barba [Bárbara] | Bana [Adriano Gonçalves mais conhecido por Bana (Mindelo, Cabo Verde, 1932 – Loures,   2013]


Maria Bárbara, canta mais uma morna,
Senhor Tenente um' ca podê cantà màs,
Maria Bárbara, canta mais uma morna
Senhor Tenente um' ca podê cantà màs.

Um' ti ta bai nha caminho pa manga
Pa matança di cafanhot'
Um' ti ta bai nha caminho pa manga
Pa matança di cafanhot'

Senhor Tenente Serra kuand' bôcê bà pa Lisboa
Ca bôcê s'quècé di nôs
Senhor Tenente Serra kuand' bôcê bà pa Lisboa
Ca bôcê s'quècé di nôs

Maria Bárbara, eu não hei-de esquecer,
Eu não hei-de esquecer principalmente de ti,
Maria Bárbara, eu não hei-de esquecer,
Eu não hei-de esquecer principalmente de ti.

Maria Barbara, canta mais uma morna,
SenhorTenente um' ca podê cantà màs,
Maria Barbara canta mais uma morna,
Senhor Tenente um' ca podê cantà màs

Nha mae é fraca e nha pai é malandre'
S'un ca bai um' ta bà prese' pa porto
Nha mae é fraca e nha pai é malandre'
S'un ca bai um' ta bà prese' pa porto

Um' ti ta bai nha caminho pa manga
Pa matança di cafanhot'
Um' ti ta bai nha caminho pa manga
Pa matança di cafanhot'

Senhor Tenente Serra kuand' bôcê bà pa Lisboa
Ca bôcê s'quècé di nôs 
Senhor Tenente Serra kuand' bôcê bà pa Lisboa
Ca bôcê s'quècé di nôs

Maria Bárbara, eu não hei-de esquecer,
Eu não hei-de esquecer principalmente de ti,
Maria Barbara, eu não hei-de esquecer,
Eu não hei-de esquecer principalmente de ti...


[ Letra recuperada por LG, a partir daqui:

http://www.cifraclub.com.br/bana/maria-barbara/  ]

(***) Eis a história desta morna (e dos seus protagonistas):

 A Semana > Opinião > Otília Leitão > Postal de Lisboa, 20 Março 2008

(...) Clarisse [Pinheiro, a viver em Portugal] fala com emoção de sua “mãe Bárbara” ou da “Maria Barba”, a autora da morna com o seu nome, que a voz do grande Bana imortalizou. É uma das mais belas e mágicas músicas que eu, como muitas outras pessoas que conheço, interiorizei como uma grande paixão do oficial de cavalaria e engenheiro civil, Serra, obrigado a partir para Lisboa. Afinal, era uma desgarrada de despedida e saudade porque o amor era pela Victória, sua amiga, de quem o Tenente que habitava numa rocha, teve duas filhas que vivem actualmente na América. (...)

Os protagonistas que deram alma a esta morna cantada também por outras vozes da modernidade, já morreram. Ele em Lisboa. Ela, no dizer de Clarisse, uma “moça bonita” da Boa Vista que tinha a particularidade de ser “tão expressiva na alegria como na tristeza”, morreu, na Guiné-Bissau, ao fim de 34 anos, em 1974, no raiar da Independência. (...)

(...) Desde criança, Maria Bárbara cantava tão bem que era habitual vê-la em cima de uma cadeira, de vestido domingueiro, animando festas e convívios, conta Clarice. “Eu era ainda bébé, nem tinha dentes, quando a minha mãe veio cantar ao Palácio de Cristal no Porto, e foi recebida e cumprimentada por Craveiro Lopes” (****), diz a filha reportando-se a 1940 quando Maria Barba, em representação da colónia de Cabo Verde, participou na grande Exposição do Mundo Português. Pese embora a insistência de alguns empresários para que a sua mãe ficasse em Portugal, ela escolheu regressar à Boa Vista. Pouco depois parte para a Guiné.

Por causa da letra de “Maria Barba” - a morna mais antiga que faz uma referência a Lisboa e a primeira que foi gravada na sua versão integral e a duas vozes (Luís de Matos e Maria Alice) no CD “Lisboa nos Cantares Cabo-verdianos” - não resisti a uma provocação: “Oh Clarisse! Quantas paixões silenciosas, por diversos motivos, não existiram?!”. Mas Clarisse foi convicta: “Não! Ele era casado com a Victória! Essa era a sua paixão!” e sorriu. É seguramente uma Morna de despedida e saudade de alguém muito estimado, mas que tem uma postura típica do período colonial em que Lisboa, a cidade que Hans Christian Andersen já em 1866 considerava “luminosa e bela”. Era o "Eldorado", de onde se esperava que viesse a salvação de todos os males do arquipélago.

 Clarisse Pinheiro desmistifica a minha ilusão doce e diz-me que Maria Barba quer satisfazer o pedido do Tenente Serra em cantar mais nessa festa de despedida. Contudo tem uma tarefa a cumprir: ”Tinha que ir fazer uma matança de gafanhotos”, uma praga que afectava as culturas e que obrigava a que cada família cedesse uma pessoa para o fazer. Como o pai já tinha falecido e a mãe era “fraca” ela era a representante da família.

Testemunhos de vários artistas boavistenses, como António “Sancha” Neves e Noel Fortes, referem a existência de várias versões desta Morna do final do século passado, da qual a Maria Barba aproveitou a melodia para improvisar. A versão do grupo Djalunca da Boa Vista parece ser a mais fiel à letra original (...).

Clarisse Pinheiro que ouviu muitas vezes sua mãe cantar, disse que Bana se encontrou com Maria Barba na Guiné, onde ouviu pela primeira vez na rádio a sua morna. “Não há registo, não há direitos de autor, nunca foi reposta essa verdade”, observa a filha mais nova de Maria Barba que apenas conheceu Bana em Portugal, num espectáculo na FIL, movida por esse «ânimu»s que lhe fora transmitido pela mãe. No entanto, explicou, foi um cumprimento fugaz e banal, esfumando-se a expectativa de qualquer eventual reconhecimento, disse.

Clarisse nasceu em Santa Catarina, Santiago, em 1932, de um parto solitário executado pela sua própria “mãe Barba” e testemunhado pela sua irmã Aldônça, então com dois anos. Divergências entre o casal, ligadas ao facto da sua mãe, ainda menor, ter sido raptada pelo marido e de um casamento mal visto pela família, fizeram Maria Bárbara regressar à Boa Vista, dias depois, de barco. Ainda em 1940 e porque a crise da segunda guerra mundial se fazia sentir no aumento do custo de vida, as três, aconselhadas por um tio escrivão, rumaram à Guiné num barco de Manito Bento que, antes de chegar ao destino, se perdeu pela Gâmbia. (..)

Tinha 16 anos quando sua irmã, que vivia em Bafatá, casou com um bisneto do governador Honório Barreto, e viveu na Guiné-Bissau até 1980. Geria uma farmácia do seu companheiro que conheceu na pele as perseguições da PIDE (polícia política do regime colonial). Actualmente, Fernando Lima, com 80 anos, é apenas seu amigo. Ali conheceu Amilcar Cabral, entre outras destacadas personalidades que recorriam aos seus serviços. “O pai de Aristides Pereira (primeiro presidente de Cabo Verde independente) era padre e baptizou os meus filhos”, recorda. Clarisse, não conhece Cabo Verde. Apenas aqui voltou em 1957, aos 25 anos para descobrir no Tarrafal, seu pai, que entretanto já tinha onze filhos... Nunca mais voltou e as suas referências reportam-se essencialmente à Guiné-Bissau. Não resistindo à continuada degradação da sua vida, num período pós-revolucionário, fixou-se em Portugal onde estão também dois filhos e quatro netos, sem que alguma vez se tenha desligado desta triologia feminina: a mãe e as duas irmãs. (..,)

 [Excertos reproduzidos com a devida vénia]

(****) Lapso: deve ter sido o Òscar Carmona, por ocasião da Exposição Colonial, inaugurada no Palácio de Cristal, em junho de 1934... O Craveiro Lopes foi o presidente da República, do regime do Estado Novo, que se lhe seguiu, depois da sua morte em 1951...

A Maria Bárbra, que teve a primeira filha, em 1930, e ainda era menor quando casou, terá nascido nos primeiros anos da República, em meados da década de 1910... Morreu em 1974, com cerca de 60 anos... Em 1934, quando veio ao Palácio de Cristal, deveria ter 20 anos,,,Viveu 34 anos na Guiné, para onde foi viver em 1940... Mas antes disso ainda esteve, "em representação da colónia de Cabo Verde", na Exposição do Mundo Português (que decorreu en Lisboa, entre 23 de Junho e 2 de Dezembro de 1940).

O António Medina diz que ainda a conheceu, em Bissau, já com uma "certa idade", ou seja,  precocemente envelhecida... Esta história da festa de despedida do tenente e engenheiro Serra ter-se-á passado no final dos anos 20...

Há divergência entre a letra original e letra cantada pelo Bana... Ela não diz que o pai é malandro, mas, sim, que já morreu... E como a mãe, era fraca, ela tinha de ir, por ordem da polícia, matar gafanhotos, como representante da família, pelo que não podia ficar a cantar na festa de despedida do senhor tenente:

(...) Amim’ ti ta bai nhâ camin pâ Manga
Nhâ mãe ê fráca, nhâ pai ê môrte
Amim’‘m câ tem q’êm raspondê pa mim,oi,oi (...)

E o tenente responde:

Maria Barba, canta mais uma Morna,
Porque eu falarei com o vosso cabo-chefe,
Maria Barba, canta mais uma Morna,
Se tu fores presa, responderei por ti.

sábado, 2 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12242: Blogpoesia (358): Ele ensinou-nos a viver a sua ausência, / mas nunca com a saudade que temos dele (Juvenal Amado)


1. Mensagem do Juvenal Amado, com data de ontem:


Luis , Carlos, Virginio, Eduardo:  escrevi em memória do meu pai mas,  não querendo ultrapassar os limites em que cada um preste homenagem aos seus, dedico este texto a todos os nossos ausentes, Juvenal Amado.
____________
 
Nesta altura das nossas vidas em que  colecionamos retratos do passado, cumpre-se um ritual de ausência e saudade. Hoje é dia dos nossos que já partiram, mas que nunca poderemos esquecer.

Transmitir aos outros os nossos sentimentos,  sem pudor e sem reservas, é prolongar as memórias e não permitir que a sua passagem pelas nossas vidas se perca para sempre debaixo dos desafios do futuro.


Ali está para sempre  imóvel no meio de nós. 
Olhamo-nos numa pergunta muda, como é possível?
Esta dor indescritível, 
esta ausência que se anuncia, 
este vazio, 
este silêncio quase já sem lágrimas,
era o prelúdio da vida inteira sem ele.

Na casa ainda dele, 
arrancaram-se as portas dos lemes, 
subiram-no a pulso pelas escadas íngremes 
para que se cumprisse a sua última vontade. 
Velamos o seu corpo, 
na sua casa e no meio dos seus.

Dezenas de amigos passaram as portas escancaradas, 
subiram as escadas naquela noite fria de Janeiro, 
olharam o meu pai 
e cada um de nós 
como tudo se passasse de forma irreal, 
como se fosse uma pantomina trágica, 
em que cada um ocupava o lugar deixado vago 
com a sua partida desta vida.

Quantas conversas ficaram por acabar?
-Foi melhor assim! -
diziam-nos à laia de consolo.

Cada abraço que recebíamos 
era como uma prensa, 
esmagava-nos com a realidade, 
porque não há,  e nunca pode haver, 
conforto para o irremediável.

Tínhamos assistido ao último acto heroico daquele homem.

Conhecíamos as lutas, 
os seus sacrifícios, 
o seu amor, 
o seu profissionalismo, 
o seu acreditar inabalável, 
a sua enorme capacidade de pôr os outros primeiros, 
e acabamos por conhecer a sua capacidade de partir 
sem uma queixa, 
sem uma revolta, 
sereno 
e com a altivez de quem sabia há muito 
que aquele era um tempo que findava 
e sem retorno.

Estava com ele quando o médico desenrolou o verídico. 
Recebeu a terrível notícia como quem já sabia 
e, a sós, disse-me “isto fica entre nós”, 
como se fosse possível eu calar-me 
e carregar sozinho o peso da enorme desgraça 
que se abatia sobre nós.

Nós ainda tínhamos esperança, 
ele queria que nós a tivessemos 
e nunca estivemos tão unidos.

Ele ensinou-nos a viver a sua ausência, 
mas nunca com a saudade que temos dele.

Juvenal Amado 

[Fixação de texto: L.G.]
_________

Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12240: Blogpoesia (357): Bendito sejas, meu paizinho (J. L. Mendes Gomes)


A Ti lembro…

por J.L. Mendes Gomes

[foto à esquerda, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; jurista, reformado]


De quem me havia eu lembrar
Senão daquele que um dia
Me deu meu ser.
Me pegou pela mão
E me ensinou a caminhar.

Me explicou o que era isto tudo
Neste mundo que se me abria.

Uma coisa linda!...

Foi sua mensagem.
Ficou-me gravada
E vive sempre até morrer.

Bendito sejas,  meu paizinho.
A força que me dás,
Ainda é fogueira acesa,
Sem apagar.
Que me aquece.
Neste hora de tanto gelo.
Tanto fumo negro…
Onde meus olhos
Ficam quase cegos.

Ouvindo Ó Mio Bambino caro [, de Giacomo Puccini], por Carmen Monarca [cantora lírica brasileira, n. 1979]

Berlim, 18 de Fevereiro de 2013 – 6h19m

[Fonte: Joaquim Luís Monteiro Mendes Gomes - Baladas de Berlim. Lisboa: Chiado Editora, 2013, p.224. Coleção Prazeres Poéticos] 

______________

Nota do editor:

Último poste da série > 9 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12131: Blogpoesia (356): Foi no tempo... (António Graça de Abreu, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74)

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11803: Meu pai, meu velho meu camarada (39): Amadeu Simões Picado, ilhavense, 1º cabo quarteleiro, da arma de engenharia, integrou o corpo expedicionário português, em França, na I Guerra Mundial (1917/18), e emigrou depois para os EUA onde trabalhou quase sempre como pescador... Só o conheci aos 9 anos, em 1946... (Jorge Picado)


França > I Guerra Mundial > Corpo expedicionário português > c. 1917/18 > Um grupo de militares camaradas de meu Pai, que é o 1.º da esquerda sentado.


França > I Guerra Mundial > Corpo expedicionário português > 1918 >  Outro grupo de camaradas, estariam alguns na foto de cima  (?). Foi enviada em IX/X/18. Três são de Ílhavo: o meu Pai, é o da extrema direita e os outros conterrâneos chamavam-se, João Pinto e Manuel Silva. O civil era um "Monsieur" Francês ("muito meu amigo", nas palavras de meu Pai) e o 4.º militar era do Porto.

 Fotos (e legendas): © Jorge Picado (2010). Todos os direitos reservados

1. Texto e fotos enviados pelo Jorge Picado, em 28 de Fevereiro de 2010.  Certamente por lapso, o poste foi editado  mas não chegou a ser publicado. As nossas desculpas ao autor e aos leitores.

Recorde-se que o nosso amigo e camarada Jorge Picado [, foto à esauerda,] foi cap mil na CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72 [... aos 32 anos, pai de 4 filhos, engenheiro agrónomo, filho de Ílhavo, com muita honra, acrescenta ele].

Assunto: I Guerra Mundial

Amigo Luís Graça:


No P5899 (*) de ontem, sobre a Exposição Portugal nas Trincheiras – A I Guerra da República, que publicaste, terminas referindo-te a antepassados de camaradas da Tabanca Grande que possam ter participado dizendo: "Mas haverá mais casos…que poderão chegar ao conhecimento do blogue"...

O camarada José Marcelino Martins no seu comentário dá nota de 2 dos seus antepassados que tinham o posto de 2.º Sargento e que também participaram naquela guerra.

Ia para dar também finalmente, já que quando este assunto foi anteriormente abordado tinha escrito algo, dar conhecimento do meu caso, mas como queria enviar umas fotos já muito velhinhas que não sei se terão qualidade para serem reproduzidas, remeto-te o texto e as fotos para tua apreciação.

Um abraço e se não for antes até ao almoço na Ortigosa.

Jorge Picado


2. O meu Pai também fez parte do Corpo Expedicionário Português na I Guerra Mundial em França (**)

por Jorge Picado 


Tendo nascido no final do séc. XIX, mais precisamente em 22 de Junho de 1895, e tomado o nome de Amadeu Simões Picado, mas já sem o apelido de "Bravo", que afinal sempre mostrou ser, ficou apto para todo o serviço militar quando foi às sortes, já que era um rapagão e pescador saudável e a sua incorporação no Exército deu-se em plena Guerra.

Sendo ele pescador, naqueles tempos, nas chamadas "Artes de Pesca" de Sesimbra, não se esqueçam que os Ílhavos foram rumando para Sul, pelas costas de Portugal, e não só, já que no Tejo embrenharam-se até por ele dentro, mas como ia dizendo pelo litoral fora até aos Algarves, formando diversas "colónias piscatórias", sempre que assentavam arraiais naquelas em que a pesca se mostrava pródiga, como pescador, portanto, mas talvez por não ser embarcadiço, isto é, não andar nos navios de pesca do "alto mar" ou mercantes, não foi cumprir o serviço militar na Marinha, mas sim no Exército.

Não era um iletrado, pois tendo frequentado a escola primária até quinze dias antes dos exames da 4.ª classe, só não concluiu a escolaridade nessa data, face a um castigo injusto que um professor, que não era o da sua turma, lhe aplicou.

Com a sua rebeldia, ou ele não fosse herdeiro de antepassados com apelido "Bravo" que muitas vezes se sobrepunha ao próprio nome, saiu repentinamente da sala, tendo de atravessar a sala do professor da sua turma que como Director da Escola tentava preparar melhor os alunos do tal professor para os exames finais e abandonou o edifício, apesar dos protestos do "seu" professor que veio atrás dele, mas não o conseguiu deter.

Por este motivo já não voltou mais à escola, nem a casa dos seus Pais, pois sabia que a severidade da sua Mãe, contrastando com a bondade do Pai, como contava, se faria sentir no seu corpo e o obrigaria a voltar à escola e humilhar perante todos, coisa que ele não admitia, passando a viver desde aí com uns tios e acabando por não fazer o exame da 4.ª classe.

Com aquela idade já o seu voluntarismo e o seu forte sentimento de não se submeter nem pactuar com injustiças, traçaram o seu caminho.

Em lugar de seguir as pisadas do seu irmão mais velho que, completando a instrução, se tinha tornado Oficial Náutico, ele que era dos melhores alunos da turma, iniciou-se como auxiliar nas "Companhas de Pesca" da Costa Nova, ou para aqueles que não conhecem esta maravilhosa e antiga região, na chamada "Arte Grande" ou "Arte de Xávega", prosseguindo como pescador, para depois seguir com outros familiares para as tais "Artes" de Sesimbra, até ser incorporado na Arma de Engenharia, na especialidade, como ele dizia com muito orgulho, de "Pontoneiro", construtor de pontes militares, feitas naqueles tempos com barcaças amarradas de braço dado, sobre as quais se colocavam os estrados que serviam de passadiços.

Desculpem-me este alongamento na descrição e, já agora, um pouco mais da sua iniciação na vida militar, não só para dar a conhecer um pouco mais a têmpera de que ele era feito, mas também como uma pequena homenagem que lhe quero prestar.

Todos que me lêem, com excepção daqueles que por fatalidade se viram órfãos de Pai muito cedo, foram durante a sua infância educados por Pai e Mãe. Ora eu, não sendo órfão, fui apenas educado por minha Mãe, já que só conheci o meu progenitor quando tinha 9 anos, em 1946. Podem crer que invejava muito os meus colegas de brincadeira que tinham diariamente ou pelo menos ao fim duns meses, aqueles que andavam ao mar, os seus Pais em casa e eu tinha um Pai de fotografia em cima dum móvel da casa…

Emigrante nos USA, desde o início da década de 20 do séc. XX, já depois de ter regressado de França casado e com a primeira filha, em consequência da II Guerra Mundial, a estadia naquele País depois de me ter concebido e ver-me nascer, como quinto descendente, mas quarto filho vivo, prolongou-se por quase 9 anos, em lugar dos habituais 4.

Por esse motivo, só quando regressou definitivamente da sua diáspora, já então eu andava no ISA [, Instituto Superior de Agronomia, ] em Lisboa, é que comecei a saber mais da sua vida, já que ele possuía uma "memória de elefante" e recordava todos os pormenores desde a sua infância, o que para mim era um espanto.

Assim, sobre a parte militar, contava ele todo ufano:

Ao chegarmos ao quartel, estava um militar sentado a uma mesa e outro em pé por trás. Sabes, eu ainda não conhecia as patentes, pois só depois é que vim a saber quem eram, e nós,  os tais mancebos, em fila, íamos entrando um a um e esse sentado perguntava o nome, a terra e a data de nascimento… Só depois se entrava e o tal que estava em pé dizia a um ou outro, para este lado ou para aquele.

Ao chegar a minha vez, disse o nome, a terra e, já por malandrice como fazia sempre, a data verdadeira em que nasci, 22 de Junho de 1895.

Responde-me o tal militar sentado, que depois vim a saber ser sargento:
─ Seu burro, que nem a data de nascimento sabe.

Quase nem chegou a terminar a frase porque levou logo como resposta e com o meu vozeirão:
─ Seu burro é você. Sei muito bem a data do meu nascimento, só não tenho é culpa que o burro do individuo que escreveu o registo, por burrice ou estar bêbado tenha escrito um 2 em vez de dois 2.

Abro aqui um parênteses para explicar que o tal funcionário que naquela época fazia os registos em Ílhavo, gostava muito dos copos e escrevia muitas vezes o que queria e não o que as pessoas lhe ditavam, valendo-se do analfabetismo quase geral da população. Por esse motivo muitos houve que só na adolescência, quando precisaram de documentos, para irem por exemplo para o mar, é que vieram a saber que não eram detentores do nome que julgavam ter e pelo qual sempre foram tratados, mas sim de outro pelo qual nunca foram conhecidos.

Mas voltando à incorporação do mancebo Amadeu Picado:

O militar ficou muito vermelho e o outro que estava em pé e que depois soube que era Capitão, não o deixou falar e disse-me muito calmamente.
─ Ainda que haja erro no registo, a verdade é que oficialmente a sua data de nascimento é a 2 e não 22, pelo que deve responder e escrever sempre como tendo nascido a 2. Passe para este lado, que era o grupo onde estavam muito poucos, já que quase todos iam para o outro lado.

Sabes, o Capitão estava a separar aqueles que iriam ficar com ele, escolhendo os que tinham mais estudos e se mostravam mais espertalhaços.

Passou a ser "o meu Capitão", obrigou-me a ir a exame da 4.ª, mesmo sem frequentar as aulas, pois eu mesmo assim sabia mais do que os outros, passei depois a ser o seu impedido, tendo sempre o seu cavalo todo bem tratado, indo buscar o seu almoço a casa, o que me valeu namoriscar a criada e antes da mobilização, deu-me uma caderneta militar nova e limpa de todos os castigos, já que eu não era muito domável àquela disciplina militar.

Para tristeza dele só não conseguiu que, depois de me fazer cabo, eu me inscrevesse para a Escola de Sargentos, como ele queria. Mas eu sempre lhe disse que era como as gaivotas e preferia os perigos do mar do que ficar preso em terra.

Portanto,  o meu Pai embarcou para França como cabo e não sofreu propriamente as agruras da frente das batalhas, já que ficou como quarteleiro junto do Comando do "Corpo" (?) de Engenharia, logo sempre na linha da retaguarda, quase sempre aquartelados num daqueles Chateaux, sede duma enorme propriedade agrícola.

O proprietário, que aí vivia com a família, convivia e dava-se muito bem com as tropas Portuguesas e, como o meu Pai dizia, até nisso tinha tido sorte pois era tratado pelo francês com muita deferência, se bem que só mais tarde viesse a desconfiar qual o motivo para tal.

É que os donos daquelas propriedades tinham apenas uma filha, por sinal também em idade de casar e,  apercebendo-se das qualidades do portuguesito, como ele dizia, começaram a pôr o olho nele para tomar conta da empresa agrícola. Só que havia ficado cá,  nesta vila maruja, uma costureirinha que lhe tinha já "costurado" o coração e, com muita pena do francês, nada feito.

Como já disse, depois de regressar da França passados dois ou três anos casou-se e,  após o nascimento da primeira filha, emigrou legalmente para os USA, onde mourejou muito quase sempre como pescador, com excepção dos tempos da "Depressão", em que teve de apanhar todos os diversos tipos de trabalho em terra que conseguia.

Envio então as duas fotos

1 – Um grupo de militares camaradas de meu Pai, que é o 1.º da esquerda sentado, em França.

2 – Outro grupo de camaradas, estariam alguns na foto 1 (?), e enviada em IX/X/18.

Três são de Ílhavo: o meu Pai, é o da extrema direita e os outros conterrâneos chamavam-se, João Pinto e Manuel Silva. O civil era (um "Monsieur Francês muito meu amigo", nas palavras de meu Pai) e o 4.º militar era do Porto.

Recordando as histórias que o meu Pai contava, seria este Francês que ele escreveu Monsieur, o tal grande agricultor cuja quinta tinha um palacete e que queria casar a filha com o meu Pai?

Abraços

Jorge Picado
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