Mas, por curiosidade, se repararmos na história, os povos africanos até aceitam geralmente sem constestação aquelas fronteiras.
Pequenas excepções, que não deixa de ser grave, Cabinda e Casamança, isto entre a lusofonia (em Casamança fala-se o crioulo da Guiné, tal qual).
Mas em extensões de fronteiras tão grandes, é de admirar como os africanos aceitam tantas fronteiras tão erradas. Mas até aceitam razoavelmente a divisão geográfica.
Havia ainda mais uma divisão no caso das ex-colónias portuguesas, que era a questão de cor da pele: Brancos, pretos e mulatos. Outros não tinham esse problema: Ex.: Serra Leoa, Congos Belga e Francês, Uganda, Guiné Conacri, etc. Aqui não havia a divisão da côr da pele. (África do Sul e Zimbabué, com Mandela e Mugabe, são casos diferentes de todos).
Mas as divisões entre as etnias em África tambem implicavam divisões territoriais. Nô tchon, o chão de cada etnia, era respeitado entre elas. Era tão respeitado o território, que tive pessoalmente um caso em Angola, eu novato não sabia "colonizar", ter que recorrer aos colegas mais velhos, alguns angolanos, para resolver o problema que eu julgava simples, mas não era fácil.
Conto em duas linhas: Como já disse tive uma actividade que foi trabalhar em cartografia; tínhamos que percorrer grandes extensões sem estradas durante dias e semanas, para o que tinhamos a nosso serviço carregadores para equipamento e mantimentos (os contratados de que um dia hei-de escrever, sei que muitos não conheceram).
Para mim, o que era tudo sem fronteiras, para os contratados que nunca tinham saído dos domínios da família e da etnia (eram mamhuilas), não era a mesma coisPrecisava ir para a região do deserto de Moçâmedes (etnia mucubal), e negaram-se a ir e o principal receio, terror mesmo, era a feitiçaria de que seriam vítimas.
Claro que para os colegas mais velhos não era surpresa esta reação, e alguns angolanos com alguns anos de casa já tinham argumentos em termos étnicos e psicológicos para desdramatizar a situação.
Posto isto, parece que seria fácil dividirmos, nós, os tugas, e no caso da Guiné, com Spínola à cabeça, toda a população e pô-la contra Amilcar Cabral e o PAIGC.
Mas, em vez de divisão, não teria havido antes uma coesão maior que a divisão? (coesão para a independência).
E Amilcar Cabral e os dirigentes do PAIGC/PAICV, não teriam obtido exatamente o mesmo resultado? A coesão dos guineenses? (coesão para a independência sem os bormejos ).
Dividir para reinar, assim como unir para reinar, é preciso em primeiro lugar saber falar o dialecto das gentes, se alguém se quiser identificar com o povo e ser aceite em pleno pelo povo. E até o próprio Nino Vieira falava através de intérpretes, e já vimos qual foi o fim. Logo para Amílcar e Spínola, (e Luis Cabral) o sucesso seria ainda mais difícil do que para Nino Vieira.
Qual era a parte em conflito mais fácil de dividir? Precisamente aquela cujo "dialecto" era a língua comum de todas as partes, a língua de Camões. Todos falavam, e bem, principalmente os portugueses que militavam e eram dirigentes máximos no PAIGC, no MPLA e FRELIMO. Esses dirigentes não só tinham esse trunfo, como uma cultura simultaneamente, de África, da metrópole e do mundo em geral.
E não precisavam de intérpretes. Portanto a grande divisão deu-se na sociedade portuguesa.
O primeiro capitão recém-chegado a Angola que me comandou, disse-me de caras que estava alí porque nós, os brancos de Angola, tratavamos mal os pretos. Claro que os brancos diziam que os tropas só queriam comissões e câmbios a 20%.
Mas o vendedor de apartamentos do contentor à minha porta, que esteve em Suzana e São Domingos e Canchungo, tambem ficou com má impressão de um comerciante porque lhe negou um copo de água, a ele e aos companheiros após uma patrulha.
Os potenciais angolanos simpatizantes do MPLA, que eu conheci, consideravam-se melhor falantes de português e mais cultos do que a maioria dos beirões, algarvios, etc. Pode haver alguém que duvide desta ideia, mas eu não posso duvidar porque conheci a realidade lá e cá, mesmo quando lá não havia unversidades.
Mais tarde, veio para cá, e para o Brasil, grande parte dessa gente. Nós vimos durante muitos anos muita gente dessa pelas repartições, televisões, universidades e rádios e futebois e até nos governos e deputados e na literatura. Vieram para cá e para o Brasil e EUA e Canadá, precisamente para fugir a uma guerra internacional importada por aqueles três movimentos para aqueles territórios.
Esses movimentos tinham o direito de importar essa guerra? Era só para expulsar o colon, ou tinham medo dos outros movimentos, reais ou imaginários? UNITA, FNLA, FLING e outros que pudessem aparecer, como apareceu mesmo em Moçambique a RENANO? E o próprio MPLA inventou facções imensamente arriscadas?
As divisões entre os movimentos, e entre as etnias, foi menos conseguida pelos militares e governantes coloniais, do que pelos antagonismos naturais africanos, e pelos antagonismos dos apoios que procuravam.
Os militares portugueses estavam tão divididos como a sociedade, que no caso de Angola um Almirante colocou-se ao lado de um Movimento, e um Ten Cor pôs-se ao lado de outro movimento, com armas e homens e política. E esqueceram a protecção de familias portuguesas e luso-angolanas totalmente indefesas. Claro que, como sempre, "para aprender como se ganha uma bandeira", é o povo mais simples que paga.
As divisões na sociedade portuguesa durante a guerra do ultramar podem dar muitos postes. Sem falar nos salazarismo/colonialismo, comunismo/capitalismo, leste/oeste, etc.
A todos os meus cumprimentos,
Antº Rosinha
P.S. - Para publicar se houver oportunidade.
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Nota de L.G.:
Último poste desta série: 7 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6947: Caderno de notas de um Mais Velho (António Rosinha) (3): Lembrando antigos colegas de trabalho, guineenses que ficaram amigos para a vida