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quinta-feira, 1 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13079: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte II


Cor inf António Vaz Antunes (1929-1998): "Memorando dos acontecimentos de Bissau".
Documento manuscrito, Lisboa, 30 de abril de 1974.





Folha nº1




Folha nº 2



Folha nº 3


Folha nº 4

(Continua)

Fonte: © Fernando Vaz Antunes (2014). Direitos reservados


Primeiras quatro folhas do documento manuscrito, da autoria  do cor inf António Vaz Antunes, de 9 folhas, "Memorando dos acontecimentos de Bissau", datado de Lisboa, 30 de abril de 1974. Trancrição da responsabilidade do seu filho Fernando Vaz Antunes que digitalizou e facultou o documento ao Luís Gonçalves Vaz, para divulgação no nosso blogue (*). O nosso especial agradecimento a ambos.

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Guiné 63/74 - P13078: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte I


1. Mensagem, acabada de enviar hoje, às 14h50, pelo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande,  filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74), e que tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo:

Boa tarde, camarigo editor:

É com muita satisfação e "sentido do dever cumprido" que envio para publicação no nosso Blog, este artigo sobre um Documento manuscrito em 30 de abril de 1974, pelo Sr. Coronel António Vaz Antunes sobre a forma de um “Memorando dos acontecimentos de Bissau”, protagonizados pelo próprio em 25 e 26 de abril de 1974.


Trata-se, quanto a mim de um documento histórico-militar, de grande "relevância", e de um momento muito conturbado para a então Província Ultramarina Portuguesa da Guiné. Fez ontem 40 anos, que este oficial com grandes responsabilidades na altura, na defesa do perímetro militar da cidade de Bissau, escreveu este documento, não poderia haver melhor momento, para o publicar.

Forte Abraço, Luís Vaz




2. Golpe Militar de 26 de Abril de 1974 no TO da Guiné  > “Memorando dos acontecimentos de Bissau”

Pelo cor inf António Vaz Antunes [1923-1998]

A pedido do filho do Ilustre Sr. Coronel de Infantaria António Vaz Antunes, Fernando Vaz Antunes, elaborei este artigo para dar visibilidade nacional, neste nosso muito visitado blogue,  a um documento manuscrito em 30 de abril de 1974, sobre a forma de um “Memorando dos acontecimentos de Bissau”, protagonizados pelo próprio,  em 25 e 26 de abril de 1974, e registados em papel pela mão deste oficial, três dias depois de os mesmos terem decorrido.

Enfim trata-se, quanto a mim de um documento histórico-militar de uma altura muito conturbada e de mudança de paradigma politico e consequentemente de grandes mudanças para a então Província Ultramarina Portuguesa da Guiné. Este documento, em minha opinião contribuirá sem dúvida para a “Memória Histórica do Golpe de 26 de Abril na Guiné”. Achei que deveria Iniciar este artigo com uma pequena resenha biográfica sobre este oficial. 

António Vaz  Antunes

[consultar também o portal Ultramar Terrweb]

(i) nasceu na freguesia da Mata, Concelho de Castelo Branco, em 21 de Junho de 1923;

(ii) faleceu em 15 de Outubro de 1998;

(iii)  frequentou a Escola do Exército, onde se formou como oficial de Infantaria do Exército Português; 

(iv) no ano de 1959 realizou um estágio de oficiais do Exército Português, junto de tropas francesas na Argélia;

(v) passou pelo CIOE/Lamego, onde foi 2º comandante; 

(vi) passou também por por Angola onde foi 2º comandante do Batalhão de Caçadores 185/RMA (1961 e 1962);  e por Moçambique, onde foi 2º comandante do Batalhão de Caçadores 1918/RMM (1967) e comandante do Batalhão de Caçadores 17/RMM (1967 a 1968);

(vii) no CTIG, foi comandante do Batalhão de Caçadores 4512/72/CTIG (1972 a 1975);

(vii) neste teatro de operações, e na altura a que se reportam os acontecimentos relatados no “manuscrito” aqui publicado, o Coronel António Vaz Antunes era Adjunto do Comandante do CTIG e Comandante interino do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau), bem como Inspetor do CTIG;

Para que se perceba bem, este oficial tinha nesta altura, uma missão de muita responsabilidade na defesa militar de todos os quarteis no “perímetro militar de Bissau”, mesmo assim na reunião relatada no “documento histórico”, foi afastado destas funções pelo MFA da Guiné. 

Chamo à atenção que nesta altura não estavam em funções os 1º e 2º Comandantes do CTIG, pois encontravam-se de licença, o que elevava a responsabilidade deste oficial no quadro de comandos neste TO (Teatro de Operações). Pode-se ler,  por exemplo, no seu manuscrito, que no dia 25 de Abril recebeu por telefone e por mensagem indicações do CEM/CTIG, coronel cav Henrique Gonçalves Vaz, “recomendações para que o pessoal de guarda tivesse a máxima atenção na vigilância com vista a garantir a segurança dos quartéis contra qualquer tentativa do IN”, a situação era de facto explosiva, vulnerável e muito sensível …

Não quero de forma alguma, fazer aqui qualquer tipo de julgamento, apenas pretendo apresentar este “documento histórico”, de uma forma contextualizada, para que os leitores se inteirem do “ambiente deste momento histórico”, nunca deixando de se perceber que estavam em causa altos interesses “políticos, militares e de segurança”, neste teatro de operações, que era sem dúvida o pior, o mais “dramático”, o mais duro de todos os teatros de operações que mantínhamos naquele ano de 1974. 

Antes de apresentar o “documento manuscrito” do Sr. coronel António Vaz Antunes, quer a “transcrição” para melhor leitura, quer as imagens do “próprio original”, apresento uma pequena citação da autoria de um dos “oficiais revoltosos”, o então capitão Jorge Sales Golias, um dos protagonistas desse mesmo golpe, e que explica o que se teria passado “momentos antes desta mesma reunião”, que acabou por afastar o coronel António Vaz Antunes, a reunião que levou à “destituição/prisão" (?) do então Governador e Comandante-Chefe desta Província Ultramarina, general Bethencourt Rodrigues, a saber:

“Em Setembro de 1973, constitui-se uma primeira Comissão Coordenadora, que integrava o Major Almeida Coimbra, Capitão Duran Clemente, Capitão Matos Gomes e o Capitão Caetano.”

“Assim, no dia 26 de Abril, onze oficiais (1) dirigiram-se ao Gabinete do General Comandante e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa. Foi um acto pacífico, civilizado, mas dramático. Com o General vieram também alguns oficiais que se lhe solidarizaram, nomeadamente o Brigadeiro Leitão Marques que o MFA julgava poder contar para o substituir.

"Por isso tivemos que solicitar ao Comodoro Almeida Brandão, o Comandante Marítimo, que assumisse as funções de Comandante-Chefe interino das Forças Armadas na Guiné-Bissau. Regista-se o facto de este oficial já ter reconhecido a Junta de Salvação Nacional (JSN). 

"Para as funções de Encarregado do Governo interino, o MFA indigitou um dos seus membros, o Tenente-Coronel Mateus da Silva que era Comandante do Agrupamento de Transmissões, o Quartel-General da conspiração, e um dos poucos oficiais superiores que integrava o Movimento dos Capitães (MOCAP). “

"Lisboa em 20 de Maio de 2005

"Jorge Sales Golias, Tenente-Coronel, MFA da Guiné-Bissau - 1974, Adjunto do CEME, General Carlos Fabião - 1974/75"

(1) Lista dos Oficiais revoltosos:

TCor [Eduardo] Mateus da Silva, Engº Trms
TCor Maia e Costa, Engº
Maj [Raúl] Folques,  Cmd
Maj [Manuel Joaqum Trigo Mira] Mensurado,  Pára [BCP 12]
Cap Simões da Silva,  Art
Cap [Jorge] Sales Golias, Eng Trms
Cap [Carlos] Matos GomesCmd
Cap Batista da Silva.  Cmd
Cap [Zacarias] Saiegh, Cmd (Africano)
Cap Ten Pessoa Brandão, Armada
Cap mil José Manuel Barroso



Como poderemos ler nesta citação, este Golpe Militar na Guiné, segundo um dos seus protagonistas, o então capitão Jorge Sales Golias, “foi um acto pacífico, civilizado, mas dramático”, mas que,  segundo me contaram à época, foi “duro na forma”, em que destituíram o então General Bethencourt Rodrigues…. 

Eu estava lá em Bissau na altura, e apesar de ser muito jovem (tinha 13 anos de idade), era filho de um militar com grandes responsabilidades neste TO e que presenciou também este “episódio histórico”, fiquei com essa ideia (bem como ao longo destes últimos 40 anos), embora se possa considerar que um “golpe militar é por natureza duro”. 

No entanto entre militares que viviam a guerra em conjunto, do mesmo lado da “trincheira”,  e que,  até o dia 25 de Abril, mantinham uma “cadeia hierárquica” sólida, liderada quiçá por um dos mais competentes e respeitados generais portugueses da altura [o gen Bethencourt Rodrigues], o momento seria inevitavelmente (seria mesmo ?) sempre “dramático” para quem é destituído das suas funções neste contexto político-militar. 

Esta ideia com que fiquei, será no entanto verosímil,  a ter em conta  o facto deste general ter ficado “tão tocado” com este episódio que,  passado muitos anos,  não quis dar entrevistas em direto para reportagens sobre a “A Guerra Colonial”, tanto quanto sei. Disse sempre que não se esquecia da “forma como o trataram” nessa manhã longínqua,  no Forte da Amura,  em Bissau.



Lisboa > Base Naval do Alfeite > 30 de abril de 1974 > Da esquerda para a direita: Coronel António Vaz Antunes, Brigadeiro Leitão Marques, General Bethencourt Rodrigues e Coronel Hugo Rodrigues, todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau. Fotografia obtida já no Alfeite, em Lisboa no dia 30 de Abril de 1974.

Foto: © Fernando Vaz Antunes  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


Não irei aqui proceder a reflexões “técnico-militares”, se o Sr. General foi apenas “destituído das suas funções” pelos militares revoltosos, ou se foi mesmo “preso”, pois esse tipo de discussões não serão a razão principal deste mesmo artigo.

Sendo assim,   passo à apresentação do “documento histórico”, que justificou a elaboração deste mesmo artigo, o “manuscrito do Sr. coronel de Infantaria, António Vaz Antunes: primeiro apresentarei o original, escrito pelo seu próprio punho, logo dias após o seu afastamento das suas funções neste TO, e depois a “transcrição fiel”,  realizada pelo seu filho Fernando Vaz Antunes, onde apenas se procedeu à introdução / reorganização de notas de rodapé, para permitir uma melhor leitura, tendo também recorrido ao “Regulamento de Abreviaturas Militares” para um melhor esclarecimento dos acontecimentos relatados.


Guiné > Região do Oio > O Coronel António Vaz Antunes,  em Farim,  no ano de 1974. Fotografia do arquivo pessoal do coronel António Vaz Antunes.

Foto: © Fernando Vaz Antunes  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Primeira parte da folha 1, do documento manuscrito do cor inf António Vaz Antunes, de 9 folhas. Trancrição da responsabilidade do seu filho Fernando Vaz Antunes.

3. Lisboa 30Abr74  > Memorando dos acontecimentos de Bissau  (Transcrição dos registos originais)  [Por decisão do editor, e para tornar a leitura mais fácil, e o blogue mais ágil, apresentam-se as imagens digitalizadas do documento manuscrito, nos dois postes a seguir]

Cor. António Vaz Antunes


Funções:

Desde 24Mar – Inspector do CTIG

13Abr – Adjunto do Cmdt do CTIG para parcial substituição do Brig. 2º Cmdt [1], de licença; Cmdt intº do COMBIS por licença do Comandante

Sequência cronológica

24Abr

Considerando que 26 era feriado em Bissau, e para aproveitamento de tempo, solicitei à Chefia Srvc Transportes passagem para Bolama, a partir das 09:30

Planeei assistir às cerimónias mais significativas de homenagem a Honório Barreto e seguir depois para Bolama, em visita ao BArt [2] em IAO.

25Abr

Conhecimento por camaradas, do Movimento das Forças Armadas em Lisboa: através da BBC ao fim da tarde, depois de actividades várias no CTIG e COMBIS, tive conhecimento do triunfo do Movimento. 

Às 18:00 horas comuniquei à Chefia Srvc Transp para anular ida a Bolama.

22:00 horas – como de hábito, desloquei-me para o COMBIS para pernoitar, depois de ter recebido comunicação telefónica do Chefe do Estado Maior do CTIG [3] para recomendar ao pessoal de guarda a máxima atenção na vigilância com vista a garantir a segurança dos quartéis contra qualquer tentativa do IN.

À chegada ao COMBIS recebi a mensagem escrita que repetia a recomendação telefónica. Dei as necessárias instruções ao Oficial de Dia. 

Pouco depois o Oficial de Dia batia à porta do quarto para me prevenir de que a Emissora Nacional (Lisboa) ia transmitir uma mensagem do Movimento. Desloquei-me para o Bar, onde ouvi a mensagem na companhia do Oficial de Dia e mais 2 alferes.

Logo de seguida voltei para o quarto e pouco depois ouvi a repetição da mensagem, feita agora por emissor da Guiné e mais tarde repetida pelo PFA [Programa das Forças Armadas]  , vulgo “PIFAS”.

26Abr

Às 08:00 dirigi-me para a Praça Honório Barreto, de uniforme nº1 (branco), acompanhado do Cor Lemos [4]

Terminada a cerimónia, voltei ao quarto e mudei de farda.

09:45 – Chegada ao QG/CCFAG para tomar parte no briefing diário. Enquanto aguardava no local habitual, juntamente com outros oficiais – nomeadamente Cor Vaz, Cor Pilav Amaral Gonçalves, Cmdt Ricou e Comodoro Brandão [5] –, o Cmdt Lencastre chegou conduzindo um Volkswagen muito apressadamente, travou bruscamente e dirigiu-se a correr ao Comodoro a quem comunicou qualquer coisa, de que eu só percebi “vêm aí pára-quedistas”. 

O Comodoro não reagiu, o Cor Amaral Gonçalves pareceu-me surpreendido e eu perguntei ao Ricou, também impassível, o que se passava.

Este informou-me que eram os pára-quedistas que estavam a cercar o QG. Perguntei qual a intenção, respondeu não saber. Perante a impassibilidade destes, dirigi-me à sala de reuniões para onde tinha visto entrar o Sub Chefe do Estado Maior – Ten Cor Monteny [6] –, disse-lhe o que se tinha passado e ele respondeu-me que não sabia de nada. 

Respondi que, nesse caso, o nosso General [7] também não devia saber. Confirmou-me que não. Nessa altura ordenei-lhe que fosse avisar o nosso General, o que se prontificou a fazer, tendo saído para o efeito [8]. 

Momentos depois o grupo de oficiais, que estava fora, dirigiu-se para a sala de reuniões. Fiz o mesmo e cada um ocupou o lugar habitual.

Faltavam o General Cmdt Chefe, o Brigadeiro Adjunto [9] e o CEM/QG/CCFAG [10]. Não estranhei, por supor que estariam ocupados – e não era a primeira vez que o Comodoro presidia à reunião.

Logo que todos tomaram lugares – e havia muito mais oficiais que era habitual em briefing de rotina, especialmente considerando que era feriado –, adiantou-se para a frente o Ten Cor Mateus da Silva [11] que pedia atenção e disse: 

“A Comissão na Guiné do Movimento das Forças Armadas, que está aqui presente, entendeu que o Sr. General Bethencourt Rodrigues não podia continuar no desempenho de funções. Foi-lhe dado conhecimento disso e destituiu-o. Em face disso nomeia o Sr. Comodoro, Comandante Chefe, e eu, que já desempenhava funções de direcção no Serviço das Obras Públicas, passo a desempenhar as de Secretário Geral” [12].

O Comodoro fez um gesto afirmativo de cabeça e disse: “Bem, vamos ao briefing!”. 

Houve uns curtos momentos de silêncio e passividade que me fizeram crer que só eu fora surpreendido, pelo que me levantei e pedi licença ao Comodoro para dizer: 

“Para mim é surpresa o que acabo de ouvir. Tenho uma missão de responsabilidade da defesa de Bissau. Desejo identificar os membros da Comissão da Junta que tomou tais decisões e conhecer a minha posição!” 

O Comodoro propôs que falássemos depois do briefing. Insisti para que se não adiasse porquanto não conhecia as novas estruturas criadas.

Além disso,  em 33 anos de Oficial nunca se me tinham deparado tais procedimentos dentro das estruturas militares, pelo que pedia o esclarecimento da situação. 

Enquanto falava, um capitão tentou intrometer-se, no que o impedi [13]. Mas logo que terminei, ele pediu licença ao Comodoro e sugeriu “que o senhor Coronel acompanhasse o Sr. General para Lisboa, no Boeing que o transportaria nessa tarde”.

Fiquei perplexo, o Comodoro não respondeu, mas fitava-me como esperando a minha reacção, e então retorqui: 

“Lamento que seja posto na situação de aceitar uma sugestão apresentada por um Capitão que não conheço, mas se o Sr. Comodoro a aceitar eu aceito-a também!”.

 O Comodoro respondeu: “Sim, é melhor, vai com o Sr. General para Lisboa!”. 

Perguntei se podia contactar com o Sr. General, a fim de lhe perguntar se dava licença que o acompanhasse. Perante resposta afirmativa, pedi licença e retirei-me. Dirigi-me de imediato ao gabinete do Comandante Chefe e perguntei ao Sr. General Bethencourt Rodrigues se autorizava que o acompanhasse no avião que o transportaria para fora de Bissau. 

Respondeu-me que não tinha que se pronunciar sobre isso porque fora forçado por um grupo de oficiais, que invadiram o seu gabinete, a abandonar o cargo. Esclareci que apenas pedia licença para o acompanhar, porquanto a ordem para embarcar tinha-me sido dada no briefing nas circunstâncias que atrás referi.

Entretanto entraram no gabinete o Comodoro, o Cor Vaz, o Cmdt Ricou e o Cmdt Lencastre. Após breves palavras que o primeiro disse ao Sr. General, em termos de lamentação (que eu não entendia… ), esclareci-o que o Sr. General autorizava que eu o acompanhasse. Perguntei por guia de marcha, e disse-me que não era precisa. Indaguei sobre hora e local de reunião e fui informado que podia reunir-me no Palácio, ao Sr. General, até às 13 horas. 

Logo de seguida – cerca das 10:15 –, dirigi-me ao COMBIS para recolher os meus haveres pessoais e informar o meu Chefe do Estado Maior, de que devia entrar em contacto com o Cmdt Chefe para lhe definir a situação e missões.

Quando chegava à entrada do Depósito de Adidos, acesso ao COMBIS, estava a formar junto à porta, muito apressadamente, um Pelotão do Batalhão de Comandos Africanos, transportado para ali numa viatura pesada estacionada em frente. O Pelotão estava completamente armado, inclusive com LGF e armas automáticas, equipado e municiado.

Deduzi que seria por minha causa, mas nem parei nem interferi. Rapidamente reuni os meus haveres após o que chamei o Ten Cor Altinino e o Cap Bicho para os informar que deixava o COMBIS, mas não tinha dados que me permitissem transmitir o Comando.

Cerca das 12:45 cheguei ao Palácio com a minha bagagem. Cerca das 14h, quando vi chegar a guia de marcha para o Brig. Leitão Marques e Cor. Hugo Rodrigues da Silva, telefonei ao Cor Vaz, Chefe do EM/CTIG solicitando uma guia também para mim. Às 15:30 o Cor Vaz e o Ten Cor Monteny disseram-me que o Comodoro não assinava a guia e não autorizava que eu saísse.

Surpreendido por esta nova versão, procurei o Comodoro para que me esclarecesse. Estava num dos corredores do Palácio para tomar parte na cerimónia de tomada de posse do novo Governo da Província. Respondeu que não estava na disposição de autorizar que saísse quem pedisse. Lembrei-lhe que eu não o pedira – ele é que o ordenara. Reagiu atirando-se para um sofá e declarando que se quisesse embarcar que embarcasse, mas que não me passava guia.

Mais tarde, já no aeroporto, pedi-lhe para me atender em particular, e solicitei que recordasse o que se tinha passado e a ordem que me dera, e a situação em que me colocara na presença de dezenas de oficiais. Decidiu então que me enviaria a guia pelo correio e autorizou que embarcasse.

Chamei o Cor Vaz e o Ten Cor Monteny e, estando também presente o Cmdt Ricou, o Comodoro deu ordem ao Cor Vaz para me enviar a guia para o DGA [14] no dia seguinte.

Nessa mesma ocasião, disseram (não me lembro quem) ao militar que fazia policiamento à porta de passagem para a gare, que eu podia embarcar.


(24-26Abr1974) – Cor. António Vaz Antunes

Fernando Vaz Antunes, documento inédito, cedido pelo autor ao Luís Gonçalves Vaz e ao blogue  Luís Graça & Camaradas da Guiné

Fonte: © Fernando Vaz Antunes (2014).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Bissau > Quartel-General > O velho forte da Amura > Entrada principal



Foto: © João Martins  (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


E no ainda Império Português, decorria aqui, neste antigo forte colonial (Forte da Amura), mais um Capítulo da História Colonial Portuguesa. No entanto ainda seriamos “senhores deste território”, desta Província Ultramarina,  por mais seis meses, já que o acantonamento e a retirada dos 42 000 militares portugueses (número máximo de militares presentes neste TO) , bem como as negociações com o PAIGC, iriam levar o seu tempo e conhecer a sua “turbulência”.

 Nesta fase final, ainda houve “pressões por parte do PAIGC” e por parte de alguns sectores políticos para que todo o processo de descolonização na Guiné fosse célere. Como tal em 14 de Outubro de 1974 saem os últimos militares portugueses por via aérea, e no dia 15 saem os últimos militares portugueses, por via marítima, estes já ao largo, desde o dia 14 de Outubro.

Espero assim ter contribuído mais um pouco, para a elaboração da “Memória Futura do Golpe Militar de 26 de Abril de 1974”, na antiga Província Ultramarina Portuguesa da Guiné. 

Resta-me agradecer ao Sr. Fernando Vaz Antunes, filho do Sr. Coronel António Vaz Antunes, a amabilidade em me ter confiado esta missão de divulgação deste importante “documento histórico”, de que é proprietário e legítimo herdeiro. Como a História se faz a partir do estudo de documentos e vestígios do passado, aqui ficou mais um, com grande valor para que historiadores e investigadores se possam debruçar sobre estes acontecimentos marcantes da nossa vivência colectiva.


Braga, 29 de Abril de 2014

Luís Beleza Gonçalves Vaz

____________

Notas de AVA/FVA/LGV:

[1] - Brigadeiro Octávio de Carvalho Galvão de Figueiredo, 2º Comandante do CTIG e, por inerência, Comandante do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau).

[2] - Batalhão de Artilharia nº 6520/73, mobilizado pelo RAL5-Penafiel e aerotransportado entre 01 e 04Abr74, do AB1-Portela para a BA12-Bissalanca, de onde marchou para o CIM-Bolama.

[3] - Coronel de cavalaria CEM Henrique Manuel Gonçalves Vaz (CEM/QG-CTIG desde 07Jul73 até 14Out74)

[4]  -«A cerimónia começou mais tarde porque se aguardou, em vão, a chegada do Gen Cmdt Chefe. A dada  altura, por decisão do Comodoro Brandão que estava presente, deu-se início à cerimónia com uma alocução  do então Maj de infantaria Alípio Emílio Tomé Falcão, Comissário Provincial da MP na Guiné.» [AVA]

[5] - António Horta Galvão de Almeida Brandão, Comandante do ComDefMarG (Defesa Marítima da Guiné).

[6] - António Hermínio de Sousa Monteny, Tenente-Coronel CEM

[7] - José Manuel de Bethencourt Conceição Rodrigues, desde 29Set73 Governador e CCFAG.

[8] - «Houve entretanto um curto impasse: o Monteny continuava a escrever uns papéis, que eu lhe retirei da secretária repetindo-lhe que fosse de imediato – e ele foi. Isto passou-se na sala, enquanto o resto do pessoal estava fora. Quando o Monteny saiu, vim atrás dele, mas ao chegar à porta vi que os que estavam fora, incluindo o Comodoro, vinham entrando para o briefing, e eu fiz o mesmo, enquanto o Monteny descia o jardim.» [AVA]

[9] - Brigadeiro Manuel Leitão Pereira Marques.

[10] - Coronel CEM Hugo Rodrigues da Silva. [O QG/CTIG era o Quartel General do Exército (situado nas instalações militares de Santa Luzia), enquanto o QG/CCFAG era o Quartel General de todas as Forças Armadas em serviço naquele território (situado no antigo Forte da Amura, mesmo em frente ao cais de Bissau). O coronel Henrique Gonçalves Vaz, CEM/CTIG na altura destes acontecimentos, irá desempenhar as funções de Chefe do Estado-Maior do CTIG/CCFAG (Comando Unificado), após este Golpe Militar.]

[11] - António Eduardo Domingos Mateus da Silva, TCor Engº Trms, desde Jul72 Comandante do AgrTmG.

[12] - «O Mateus da Silva propôs-se ocupar os cargos de Secretário Geral e Encarregado do Governo – o que veio a acontecer –, tendo sido “empossado” cerca das 12h quando nós estávamos ainda no Palácio do Governo (e residência do Governador).» [AVA]

[13] - «O Capitão era o José Manuel Barroso, miliciano, que dirigia o semanário “Voz da Guiné” (e mais nada); era casado com a “fulana” que estava em Bissau para estudar a instalação da Universidade de Bissau, recebendo por isso 15 contos X mês (naquele tempo… ).» [AVA]

[14] - Depósito Geral de Adidos (Calçada da Ajuda, em Lisboa).

(Continua)

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12737: Notas de leitura (565): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 3 de 4 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Não vale a pena chorar sobre o leite derramado.
Grande era a expetativa de encontrar documentação consistente para apreciar intervenções necessariamente úteis ou pertinentes de um conjunto de intervenientes de primeira água à volta da descolonização da Guiné.
A parte técnica deve ter corrido muito mal, são frequentes as intervenções truncadas ou impercetíveis, a simples mudança de uma bobine mutilava os depoimentos. E no entanto, Almeida Bruno, José Manuel Barroso, António Ramos, Nunes Barata e Bethencourt Rodrigues são figuras incontornáveis. É o que há, felizmente, nalguns casos ainda é possível procurar recuperar a memória histórica.
Seguir-se-á a última intervenção, Carlos Fabião.

Um abraço do
Mário


A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas* (3)

Beja Santos

As jornadas de trabalho promovidas pelos Estudos da Arrábida prosseguiram em 29 de Julho de 1997, o depoimento-base coube ao General José Manuel Bethecourt Rodrigues, Ministro do Exército entre 1968-1970, Comandante da Zona Militar Leste de Angola (1971-1973) e Governador e Comandante-Chefe da Guiné entre 1973 e 1974. Como já se tem vindo a alertar os confrades, existe o site (www.ahs-descolonizacao.ics.ul.pt/guine.htm), propriedade do Instituto de Ciências Sociais onde se poderão consultar os diferentes textos e poder confirmar que existem notórias dificuldades em tomar o pulso às declarações dos diferentes intervenientes: cassetes inaudíveis, intervenções de difícil compreensão, frases truncadas, intervenções impercetíveis de que não foi possível a transcrição, etc. etc.

Bethencourt Rodrigues, para pesar nosso, fez uma intervenção contida, formal, nitidamente à defesa. Deu explicações sobre o seu itinerário curricular, a partir de 1952, contou como, em 1958, se começou a ter a perceção de que algo iria acontecer em África, fez comentários ao golpe ensaiado por Botelho Moniz e outros oficiais para apear Salazar, elogiou o General Silva Freire, falecido no desastre do Chitado, considerou-o o melhor general da sua geração e pela sua premonição em perceber que era através da quadrícula que se poderia restaurar a confiança junto das populações africanas. Recordou o seu trabalho ao lado de Costa Gomes e comentou detalhadamente a sua ação no Leste de Angola.

Quanto ao que se passou na Guiné, considerou que o V Congresso do Povo foi o acontecimento político-social mais marcante do seu mandato como Governador. Abriu o jogo quanto ao que seria a retração do dispositivo, terá sido a primeira e única vez que explicou o que seria a retirada de inúmeros destacamentos e povoações: “Planeava converter as 225 guarnições em oitenta e tal. Mas já não tive tempo”. E confessou-se: “Reformado aos 55 anos, dediquei-me ao estudo. Pesquisei, li, meditei. E sabe a que conclusão cheguei? Que o país nunca teve um problema de defesa nacional em África. A tropa podia estar farta, mas obedecia”. Sempre muito cuidadoso, a certa altura deixa escapar um outro desabafo: que Spínola era muito facioso, para ele quem não tivesse andado no Colégio Militar ou não fosse Cavalaria era menos que zero.
E lamentavelmente é o que se possui sobre a intervenção de Bethencourt Rodrigues.

Em 1 de Agosto reaparece José Manuel Barroso e depõe o General João de Almeida Bruno, Ajudante de Campo do General Spínola e Comandante do Batalhão de Comandos Africanos. Barroso, sobrinho de Mário Soares, começa por referir o que tinham sido as relações entre Spínola e Soares antes do 25 de Abril. Barroso fora mensageiro entre Soares e Spínola, Soares enviara-lhe o livro “Portugal Amordaçado” com dedicatória, o General discordava substancialmente do conteúdo do livro, nomeadamente a visão sobre o Ultramar. Soares procurou encontrar-se com Spínola no Senegal, com mediação de Senghor, só que o assassinato de Amílcar Cabral tudo alterou. Foi este o pretexto para que a assistência e intervenientes logo regressassem ao tema do assassinato de Cabral. Barroso lembra-se de ter visto o inspetor Fragoso Allas a increpar: “Estúpidos, estes gajos de Lisboa são todos uns estúpidos, isto não se faz”. Spínola estava igualmente contristado, dizia repetidamente que o assassinato de Cabral iria criar ainda mais problemas no diálogo com o PAIGC. Mais adiante, Barroso referiu igualmente que no final de 1973 ou início de 1974 era convicção de Spínola de que a operação do assassinato podia ter tido origem em Lisboa, posição que irá corrigir mais tarde, atribuindo-a exclusivamente às questões internas do PAIGC.

Veio à baila o tema da politização dos Oficiais que se encontravam na Guiné, sobretudo a partir do momento em que passou a haver reuniões onde o derrube do regime era referido com todas as letras, e apreciou-se até que ponto a cultura política de certos Oficiais Milicianos terá sido determinante para um estado de espírito de golpe de Estado, independentemente do que se passara em Lisboa em 25 de Abril. A conversa foi novamente reconduzida para a guerra da Guiné e Almeida Bruno discreteou sobre a sorte que coube ao PAIGC com os primeiros abates de aviões: o Tenente-Coronel Brito, Comandante de Grupo da Força Aérea, figura central dos pilotos, foi abatido como na semana seguinte foi abatido o seu sucessor, Mantovani. Descreveu a sua ação e a dos Comandos Africanos durante o cerco de Guidage com a operação a Cumbamori, cuja base, afirmou, foi totalmente destruída.

Aos poucos, a conversa voltou a deslizar para fora do eixo principal, passou-se a especular sobre o comportamento de Spínola enquanto foi Presidente da República, qual a sua ideologia, como se deixou isolar, que aliança estabeleceu com Palma Carlos e Sá Carneiro, como a Comissão Coordenadora do MFA o foi encostando às tábuas. Barroso, no meio daquela diatribe, ainda tentou regressar ao quadro ideológico dos Oficiais ao tempo da Guiné de Spínola e depois próximo do 25 de Abril, teceu considerações que teriam sido úteis para a discussão, que não houve. Voltando à personalidade de Spínola, Almeida Bruno desentendeu-se com o antigo Governador da Guiné e criticou os erros políticos cometidos do 11 de Março em diante, Spínola por não estar na ribalta, não tinha uma visão pessoal do poder, era ambicioso e vaidoso.


Ciências Sociais em África, alguns projetos de investigação

Editado pelo Conselho para o Desenvolvimento da Investigação Económica e Social em África (CODESRIA), este livro foi editado em Dakar de 1992, é um levantamento de pesquisas bibliográficas que procuram identificar áreas-chave da investigação. O economista angolano João Gonçalves debruçou-se sobre as ciências sociais em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Destacou o trabalho do INEP – Instituto Nacional de Estudo e Pesquisa, reconheceu o papel motor do seu primeiro diretor, Carlos Lopes. O INEP tem tido uma relevante prestação em trabalhos sociológicos e antropológicos, com especial referência para a revista Soronda. E adiantou os seguintes elementos:
Diana Lima Handem apresenta os trabalhos mais consistentes com dois livros: um em português, enquanto coordenadora do seminário A Guiné-Bissau perante o ano 2000, e o outro em francês, sobre o poder no seio dos Balanta-Brassa.
Carlos Cardoso, o segundo diretor, também estuda os balantas, e Raul Fernandes, com o seu trabalho sobre os Bijagós, têm teses em preparação. Por várias vezes a revista Soronda publicou textos seus, assim como de Rui Ribeiro e Faustino Mbali, que prepara um mestrado sobre a problemática Estado-campesinato.

No domínio da economia, Eduardo Fernandes e Bernardino Cardoso estão na origem de textos que deverão ser considerados como pontos de partida para uma investigação mais aprofundada, ilustrada pela criação no INEP de um grupo de trabalho pluridisciplinar dedicado ao estudo do ajustamento estrutural.

Por outro lado, o CODESRIA participou por duas vezes na edição de trabalhos efetuados no quadro do INEP e sobre a economia política da transição na Guiné-Bissau.
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Notas do editor

(*) Vd.Poste anterior da série de 10 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12705: Notas de leitura (561): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 2 de 4 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 17 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12730: Notas de leitura (564): "Murmúrios do vento", da autoria do capitão Valdemar Aveiro, 3º livro de uma trilogia sobre a epopeia da pesca do bacalhau, que chegou a ser alternativa à guerra colonial (Prefácio de José António Paradela, arq) (Parte II)

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12706: Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72, 1972/74) (Parte VIII): A última visita de um general colonial, Bettencour Rodrigues, a dois ou três meses do 25 de abril


Foto nº 27 B


Foto nº 27 A


Foto nº 27


Foto nº 26


Foto nº 26 A


Foto nº 26 B


Foto nº 25


Foto nº 25 A


Foto nº 25 B

Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > Imagens da visita do gen Bethencourt Rodrigues, no princípio de 1974.

Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados. [Edição; L.G.]



1. Mensagem de Jorge Pinto [ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74] [, foto atual à esquerda]


Data: 28 de Janeiro de 2014 às 17:44
Assunto: Memórias Fulacunda: Ùltima visita de um General colonial


 Luís, meu caro amigo

Com este dia de chuva o "apetite", para  passar o tempo no sotão das recordações, ganha espaço.

Hoje descobri que tinha fotos relacionadas com uma visita do General Bethencourt Rodrigues a Fulacunda, em Janeiro/Fevereiro de 1974, e comecei a recordar:

Lembro-me que esta visita foi curta e marcada por três pequenos discursos com conteúdo e tom adquados às características do grupo social a que o general se dirigia.

Num primeiro momento (Foto nº 26), logo à entrada, ainda junto à pista de aviação, dirigiu-se à população em geral, que se juntou para o saudar, com os mais novos à frente.

Lembro-me que, sem referir a palavra "Nação", salientou a necessidade de Portugal manter a unidade territorial e multi-racial. Percebi nas suas palavras a intenção de que vinha a Fulacunda para transmitir aos guinéus ali residentes a confiança na sua capacidade de "auto-defesa", em relação ao "inimigo", sem necessidade de haver uma permanente presença da tropa.

Lembro-me que alguns soldados ao ouvirem a palavra "auto-defesa", algo confusos, me perguntaram o que queria dizer... Ficando incrédulos e com um sorriso cínico após a explicação.

No segundo discurso, em frente à casa do administrador de posto (foto nº 27), dirigiu-se exclusivamente à juventude masculina. Dirigiu-lhes, apenas algumas palavras em tom militarizado e paternal. Incentivou-os a unirem-se àqueles que combatem o "inimigo" e lutam por uma Guiné com um futuro melhor para todos.

Por fim o terceiro discurso (foto nº 25), teve lugar na parada do quartel e foi exclusivamente dirigido à 3ª Cart/Bart 6520/72. Neste discurso começou por referir o longo tempo de comissão que a companhia já tinha. Enalteceu o espirito de missão e sacrificio vivido durante esse tempo. Alertou para a necessidade de estarmos preparados para mais sacrificios.

Como foi o encerramento desta visita, sinceramente não me recordo... julgo que o nosso general e a pequena comitiva não chegaram a almoçar em Fulacunda.

Esta foi a última visita de um Governador Colonial da Guiné-Bissau a Fulacunda. O esperado "25 de Abril" ocorrerá dois ou três meses depois desta visita.

Se achares que esta breve memória tem algum interesse para o pessoal da Tabanca Grande, podes naturalmente publicar e até reformular consoante julgues conveniente. 

Desejo-te continuação de uma boa semana.

Forte abraço amigo, JPinto.

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12467: Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte VII): Como é que a malta pssava os 'tempos livres'...

domingo, 9 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10356: Tabanca Grande (358): Ramiro Jesus, ex-Fur Mil Comando da 35.ª CComandos (Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Ramiro Jesus (ex-Fur Mil Comando da 35.ª CComandos, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73), com data de 25 de Julho de 2012:

Olá, boa-tarde.

Sou um dos "exemplares" da raça de ex-combatentes, em vias de extinção.

Há muito que desejava comunicar com a "espécie", mas não domino muito bem a tecnologia e nem conhecia este meio. Agradecia, portanto, a informação acerca do que tenho que fazer para poder publicar algumas fotos e estórias da minha companhia - a 35.ª C.C., que esteve na nossa Guiné de 24/11/71 a 15/12/73. Fico, por isso, a aguardar informações e despeço-me com os milhares de abraços necessários para contemplar todos os que lá passaram e agradecendo antecipadamente a melhor atenção.

Obrigado!
Ramiro Jesus


Vista de Teixeira Pinto

2. Convite ao nosso camarada para aderir à Tertúlia, em mensagem do dia 30 de Julho de 2012:

Caro camarada Ramiro:

Muito obrigado pelo teu contacto. Não estranhes o tratamento por tu que é uma "norma" do Blogue, pois qualquer camarada da Guiné é um amigo especial e os amigos especiais tratam-se por tu, respeitando a maneira de ser e pensar de cada um. Quem palmilhou aquela terra vermelha, fez lama com o seu suor, atravessou bolanhas e percorreu aquelas matas é um de nós. Seja soldado ou general, doutor ou electricista, homem ou mulher, é um igual no nosso blogue.

Posto isto, fazemos muito gosto em te receber na nossa caserna virtual, também conhecida por Tabanca Grande, onde há sempre lugar para mais um camarada. Já vamos a caminho dos 600 e temos imenso espaço disponível.

Para te recebermos, mandarás uma foto actual e outra do tempo de tropa, tipo passe de preferência, em formato JPEG. Só queremos nos digas o teu antigo posto, pois supomos que sejas Comando. Podes indicar a data de ida e de regresso e outros elementos que identifiquem a tua Unidade.
A jóia a pagar para pertencer a esta equipa, será uma pequena história que servirá como apresentação, acompanhada, ou não de fotos que deverão ser legendadas para que se possa aferir do local, quem está nelas, etc.

Eu sou contemporâneo das 26 e 27 CC, sendo que a 26 foi formada com malta da minha incorporação (1969) e a 27 esteve em Mansabá em 1971, onde a minha Companhia (CART 2732) esteve em quadrícula entre ABR70 e FEV72.

Qualquer esclarecimento que precises é só consultar-me porque aqui não há taxas moderadoras e eu estou de serviço (quase) permanente.

Fico então à espera do teu próximo contacto, já agora para a minha caixa de correio.

Recebe um abraço do camarada e novo amigo
Carlos Vinhal


Vista parcial de Bula
Foto ©: Victor Garcia

3. Em mensagem recente recebemos do nosso camarada Ramiro Jesus as suas fotos da praxe e os elementos que ele próprio nos disponibilizou.

Boa-tarde camarada Carlos Vinhal.
Embora um pouco atrasado por causa das férias, mas então cá estou a responder e a enviar as fotos - que espero sejam aceitáveis - para a minha "incorporação" na Tabanca Grande.

Para preenchimento da "ficha", direi então que pertenci à 35.ª Companhia de Comandos;
O meu posto era Furriel Miliciano;
Embarcamos em Lisboa, no Angra do Heroísmo, no dia 24/11/71;
Desembarcamos em Bissau no dia 29/11/71;
Regressamos, no Niassa, com embarque em Bissau a 15/12/73 e desembarque em Lisboa a 23/12/73.

A maior parte do tempo da minha comissão foi passada em Teixeira Pinto (hoje Canchungo), onde substituímos a 26.ª CC, de que me falas, depois, uns tempos em Bula e os últimos meses - mais do que o previsto porque o general Spínola se desentendeu com o regime e não regressou depois das férias de Agosto de 1973 - em Bissau, de guarda ao Palácio do Governador, na época em que o PAIGC declarou a independência unilateral em Madina do Boé.

Tínhamos a esperança e quase promessa de fazer menos tempo de comissão pelos "roncos" que tínhamos conseguido, mas tivemos de esperar e sossegar o novo Comandante-Chefe Bethencourt Rodrigues e assim fizemos vinte e cinco meses.

E parece-me que por hoje é tudo. Espero ter dito o suficiente, mas fico a aguardar confirmação e indicações acerca do necessário para continuar a minha contribuição para o desfiar das nossas memórias.

Um abraço!
Ramiro Jesus


Palácio do Governador

4.  Comentário de CV:

Caro camarada Ramiro, estás apresentado à tertúlia. És mais um Comando perfilado na formatura da Tabanca Grande, embora sejas o primeiro da 35. Temos apenas uma entrada no marcador da tua Companhia pelo que te cabe a responsabilidade de fazer a sua história na nossa página.

Podes então, quando quiseres, começar a enviar as tuas memórias e as tuas fotos às quais daremos a nossa melhor atenção. Os textos podem vir no corpo da mensagem ou em anexo, no formato Docx de preferência, e as fotos como for mais fácil para ti, JPG ou Docx que a malta cá se desenrasca.

A tua correspondência deverá ser sempre enviada simultaneamente para dois endereços, o do nosso Editor Luís Graça (luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com) e para um dos co-editores eu ou Eduardo Magalhães. Na lateral da página tens os respectivos endereços.

Não posso terminar a tua apresentação sem te deixar, em nome da tertúlia - camaradas, amigos e editores - um abraço de boas vindas.

O teu camarada e amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10308: Tabanca Grande (357): Apresenta-se o ex-1º. Cabo Escriturário Francisco Gomes, CCS/BCAÇ 2834 (Buba, Aldeia Formosa, Guileje, Cacine, Gadamael, Buba, 1968/69)

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9719: Notas de leitura (349): Os Últimos Governadores do Império, coordenação de Paradela de Abreu (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 5 de Março de 2012:

Queridos amigos,
Nesta coletânea, a Guiné é contemplada com três entrevistados. Silva Tavares, que depois partirá para Angola e ali ficará até 1961, exalta com humildade e admiração o importante trabalho do seu antecessor, Sarmento Rodrigues; António de Spínola concede um depoimento para ler de fio a pavio, tudo aquilo que constitui o desentendimento com Marcello Caetano e a redução da área a defender quando passou a ser manifesta a possibilidade de defender povoações e aquartelamentos fronteiriços, aparece aqui descrito com curta margem para equívoco; e Bethencourt Rodrigues protege-se com dados factuais sem alguma vez explicar o que pretendia fazer ao longo de 1974.
São depoimentos que valem pelo que deixam insinuado nas entrelinhas.

Um abraço do
Mário


Os Últimos Governadores do Império 

Beja Santos 

“Os Últimos Governadores do Império” (coordenação de Paradela de Abreu, Edições Neptuno e Edições Inapa, 1994) acolhem o registo de Governadores que se dispuseram a desfiar as suas memórias no período em que estiveram à frente de parcelas do Império. No que toca à Guiné, o volume guarda os testemunhos de Álvaro da Silva Tavares (a partir de 1956 e até 1958), António de Spínola (de 1968 a 1973) e de Bethencourt Rodrigues (entre 1973 e 1974).

Álvaro da Silva Tavares foi magistrado do Ministério Público de 1945 a 1956 na Guiné, Moçambique, Angola e Estado da Índia, em que foi nomeado Secretário-Geral daquele Estado. Abandonou as funções de Governador da Guiné para tomar posse como Secretário de Estado da Administração Ultramarina e foi Governador-Geral de Angola de 1960 a 1961. O seu depoimento engancha no relevante trabalho no seu predecessor, Sarmento Rodrigues, não é por acaso que Silva Tavares recorda o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, a importante colaboração que a instituição estabeleceu com o Institut Français d’Afrique Noire, Dakar, e o seu incontornável Boletim e o manancial de monografias. Refere igualmente a Missão de Combate à Doença do Sono e a Missão Geo-Hidrográfica da Guiné. Discreteia sobre o ensino, pondo em paralelo com o trabalho das missões católicas e as escolas corânicas. No tocante à saúde, não esquece o que Raoul Follereau, a grande notabilidade na lepra escreveu sobre a Guiné, dizendo que era o primeiro território do mundo em condições de erradicar a lepra como endemia, e exalta o trabalho da Missão do Sono. Centra a sua memória na agricultura guineense.

Diz que a cultura do arroz conheceu uma alteração radical na gestão de Sarmento Rodrigues quando este mandou proceder à recuperação das bolanhas. E deixa uma crítica velada: “Depois dele, porém, o interesse dos serviços provinciais cessou e até surgiram certas críticas em relação a trabalhos feitos de lama, alvo de constante manutenção. De fato, os terrenos tinham de ser defendidos das marés por muros de lama, fortalecida por uma estrutura interna de vegetais e ramos de arbustos. O que se alterou foi o sistema regulador, que permite impedir a entrada de água salgada das marés altas e a saída da água das chuvas na maré baixa, e os métodos, visto terem sido utilizadas máquinas como as motoniveladoras”. Foi assim que se procedeu à recuperação dos terenos e se viveu o período áureo da cultura em que a Guiné era conhecida como exportadora de arroz. Refere igualmente as culturas de amendoim, palmeiras, mandioca, caju, manga e o desenvolvimento da granja de Bissau. Considera que as eleições do Presidente da República, em 1958, na Guiné, foram modelares, Américo Thomaz obteve 60 % e o general Delgado 40 %.

António de Spínola narra a extensa conversa que teve com Salazar em que expendeu os seus pontos de vista sobre o Espaço Português, a sua heterogeneidade e descontinuidade geográfica, propondo para a Guiné um novo estatuto, pelo que pretendia acelerar o desenvolvimento económico da província. Salazar não comentou esta exposição, limitou-se a dizer: “É urgente que embarque para a Guiné”. Considera que a sua política de promoção social foi um dos eixos bem-sucedidos da sua gestão, orientado para a justiça social, pleno respeito pelas instituições tradicionais africanas, incremento económico, participação na Administração Pública das gentes da Guiné, referindo concretamente os Congressos dos Povos.

Dentro desta visão reformadora do conceito de permanência em África, Spínola incentivou contactos com os chefes da guerrilha do PAIGC e encontrou-se com Senghor, este apoiou-o no processo de autonomia interna da Guiné com uma duração não inferior a 10 anos, seguida de uma consulta popular que, escreve Spínola, possivelmente conduziria à independência no quadro de uma comunidade luso-afro-africana. Esta proposta não foi aceite por Caetano. E escreve: “Perante a decisão do governo de Lisboa, foram suspensos os contactos com Senghor, sem que deixasse transparecer as verdadeiras causas de interrupção das conversações. O desconhecimento do facto e a situação de impasse que se seguiu levaram determinada fação do PAIGC a pressionar Amílcar Cabral no sentido de este se substituir a Senghor nas diligências iniciadas. E assim, na sequência do processo em desenvolvimento, Amílcar Cabral propôs, em Outubro de 1972, encontrar-se comigo em território português, eventualmente em Bissau. Informei pessoalmente o Presidente do Conselho da nova perspetiva que se abria, esgotando toda a gama de argumentação, para que não se perdesse a oportunidade oferecida por Cabral. Caetano opôs-se dizendo que estava fora de causa qualquer hipótese de acordo político negociado e que se encontrava preparado, para aceitar, se necessário uma derrota militar”.

Para Spínola, estava perdida a última oportunidade de se resolver com honra e dignidade o problema da Guiné. E continua: “Arreigou-se profundamente no meu espírito a convicção de que Portugal, em contradição com a sua própria vocação, caminhava para um fim trágico”. Descrevendo os acontecimentos críticos de 1973, depois do aparecimento dos mísseis Strella e da operação “Amílcar Cabral”, foi enviado ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas um memorando com três alternativas: redução da área a defender; conservação do atual dispositivo sem qualquer reforço, à luz de um espírito de defesa a todo a custo; reforço do teatro de operações em ordem a manter a superioridade sobre o inimigo. O General Costa Gomes visita a Guiné em Junho de 1973 e emitiu a opinião de que, perante a impossibilidade de dotar a Província com os meios necessários à sua defesa, a única alternativa seria a de um retraimento do dispositivo com o abandono de largas áreas do território ao longo da fronteira. Spínola escreve ao ministro do Ultramar comentando que não será ele a abandonar as áreas e as populações em cuja proteção se empenhara pessoalmente e termina assim: “Agudiza-se o problema da minha substituição, que peço a Vossa Excelência seja considerado a tempo de possibilitar a alteração do dispositivo militar que é mister fazer”.

O General Bethencourt Rodrigues tomou posse em 14 de Setembro de 1973, chegou a Bissau em 29 de Setembro. O texto de caracterização da situação político-económico-social da Guiné é praticamente o mesmo que publicou no livro de testemunhos “África, vitória traída” (Editorial Intervenção, 1977). Fala no V Congresso, na viagem do ministro do Ultramar à Guiné, de 15 a 20 de Janeiro, de que aumentara o orçamento da Província, de que estavam em construção as estradas Jugudul-Bambadinca, Piche-Buruntuma, Catió-Cufar e Aldeia Formosa-Buba, que entrara em laboração a CICER, que aumentara o preço do arroz e que em Março de 1974 estavam desviados para fins exclusivamente civis 37 oficiais, 50 sargentos e 182 praças. Entende que estavam a funcionar bem os órgãos do governo, a rede administrativa que cobria o território e que a produção agrícola satisfazia em grande parte as necessidades da população. E afirma: “Não cuidei de interesses pessoais ou de grupos e tive sempre como objetivo único o interesse da Guiné”. Bethencourt Rodrigues foi forçado a abandonar a Guiné em 26 de Abril de 1974. Neste seu depoimento não carateriza a evolução político-militar enquanto que em “África, vitória traída” afirmara que estava em curso a retração do dispositivo, supõem-se na linha aprovada pelo general Costa Gomes.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9707: Notas de leitura (348): Les Batisseurs D'Histoire, de Gérard Chaliand (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 21 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9634: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (8): Os Oficiais do Corpo do Estado Maior (CEM) no TO da Guiné em 1973/74 (Luís Gonçalves Vaz)

1. O nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, membro da Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG - 1973/74), enviou-nos a seguinte mensagem com data de 21 de Março de 2012:

Os Oficiais do Corpo do Estado Maior (CEM) no TO da Guiné em 1973/74

Os oficiais do QG/CTIG e do Comando-Chefe, na Guiné no ano de 1974, eram quase todos do Corpo do Estado Maior (CEM), inclusive, o próprio General Bethencourt Rodrigues (ver a estrela nas boinas do general Bettencourt Rodrigues e no seu CEM do CTIG, coronel Henrique Gonçalves Vaz). Este Corpo de Oficiais eram na altura considerados uma Elite dentro do Exército Português.  


General Bethencourt Rodrigues e o Coronel Henrique Vaz 

O Corpo de Estado-Maior (CEM) foi criado em 1834, pelo Decreto de 18 de Julho, com um quadro de 8 oficiais superiores, 2 coronéis, 16 capitães e 16 tenentes, num total de 40 oficiais. 


O CEM  consistia num corpo, formado apenas por oficiais de elite, que recebiam uma formação especial para exercerem funções nos estados-maiores das grandes unidades do Exército Português


A sua formação passou a ser feita na Escola Central de Oficiais - mais tarde, Instituto de Altos Estudos Militares. Ao receberem a sua formação, os oficiais abandonavam as suas armas de origem e ingressavam no Corpo de Estado-Maior. 


O CEM foi novamente criado em 1938 e mantido até ao 25 de Abril de 1974. Pelo art.º 6º do Decreto 28.401 de 31 de Dezembro de 1937, passou a ter a seguinte constituição: 12 coronéis, 12 tenentes-coronéis, 20 majores e 40 capitães, num total de 84 efectivos. Considerado muito elitista, o corpo foi extinto a seguir ao 25 de Abril de 1974

Hoje em dia só se fala de CEM, em termos históricos e de investigação militar, sendo assim  o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do Instituto Universitário de Lisboa, apresenta como Tema de um Projecto de Investigação, o seguinte: "O Corpo do Estado Maior do Exército Português: apogeu e queda", explicitando que "o projecto tem por objectivo o estudo aprofundado da elite do Corpo do Estado-Maior (CEM), no Exército Português, durante o Estado Novo. Em termos cronológicos, o projecto abrange períodos fundamentais na acção do CEM, desde os anos 1940 às guerras em África, passando pela modernização operada com a adesão à NATO e detectando as várias influências doutrinárias estrangeiras." 


[Mais informação disponível em: http://www.cies.iscte.pt/projectos/ficha.jsp?pkid=433. ]

Estes oficiais que entre outros, "aguentaram a Retirada Final", foram também parte daqueles que fizeram o planeamento das operações da Guerra, e que trataram de toda as operações de logística, para que não faltasse nada (ou faltasse o mínimo...) aos militares que estavam na frente de combate, no mato. Como tal relembro-vos o seguinte: 

O Curso Complementar do Estado Maior, no IAEM (Instituto dos Altos Estudos Militares, segundo o General Pedro Cardoso, com o curso (1958/59) foi o primeiro a instruir os oficiais do Exército Português, sobre” guerra subversiva”. 


As tácticas e técnicas para este tipo de conflito foram” importadas” da Inglaterra, com base nos problemas ligados com a Malásia, o Quénia e a ameaça soviética. Segundo este oficial, os Militares Portugueses não foram surpreendidos em África, pois a partir de 1960 os oficiais do Corpo do Estado Maior já saíram com preparação para este tipo de Conflito não convencional. 

Instituto de Altos Estudos Militares (IAM), Curso complementar do Estado Maior, 1958/59. Capitão Henrique Gonçalves Vaz com os camaradas e professores, no Instituto de Altos Estudos Militares em 1959.  


Curso complementar do Estado Maior, 1958/59. Capitão Henrique Gonçalves Vaz com os camaradas, no Instituto de Altos Estudos Militares em 1959. O Tenente-coronel, Cunha Ventura é o oficial sentado á direita e o Coronel Henrique Vaz é o oficial de óculos a pé frente á porta, na altura capitão.  

Também o Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE), em Lamego, criado em 16 de Abril de 1960 pelo exército português, com o fim de ensinar aos militares portugueses as tácticas de contra-insurreição (ou contra-subversão), foi importante na "condução de uma doutrina para a guerra colonial". Como tal, tanto o CIOE como o IAEM tornaram-se  fóruns para exploração e desenvolvimento das estratégias e tácticas mais eficazes contra qualquer conflito não convencional nas colónias portuguesas de então. 


Apresentação de trabalhos no Curso do Estado Maior no IAM, curso de 1958/59, frequentado por dois oficiais do CEM, presentes no TO da Guiné em 1973/74, o coronel do CEM, Henrique Gonçalves Vaz (CEM/CTIG) e o Tenente-coronel do CEM, Cunha Ventura, Chefe da 1ª Repartição do QG do CTIG nesse mesmo ano. 

Na Guiné Portuguesa, a partir da chegada do gen Bettencourt Rodrigues, o Comando-chefe e o QG/CTIG, ficaram sob o comando de oficiais do Corpo do Estado Maior (CEM), formados já para "enfrentarem" uma guerra "assimétrica" como a guerrilha que o PAIGC nos fazia, desde o Comandante-chefe ao Chefe da 4º Repartição, passando pelos seus Chefes do Estado Maior (o do QG do CTIG e o do Comando-chefe), todos eram do Corpo do Estado Maior, ao contrário do anterior Comandante-chefe, o ilustre General Spínola, que era da Arma de Cavalaria. 

O Coronel do CEM Henrique Gonçalves Vaz, CEM do CTIG, e o Tenente-coronel do CEM Cunha Ventura, Chefe da 1ª Repartição, foram do mesmo Curso do Estado Maior no IAEM, Instituto de Altos Estudos Militares, conforme se pode comprovar pela fotografia em anexo. Este oficiais frequentaram o curso complementar do Estado Maior em 1958/59, e logo no primeiro ano do curso, em 1958, realizaram um estágio na Alemanha, numa unidade Americana, no âmbito do Curso Complementar do Estado Maior. 


O coronel Henrique Gonçalves Vaz, como Chefe do Estado-Maior da RMP, acompanhando o  Brigadeiro Comandante da Região Militar do Porto, Eduardo Martins Soares, na visita ao Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE), em Lamego no ano de 1971.

Em 1973/74, eram os seguintes oficiais do CEM (Corpo do Estado Maior) no Teatro de Operações da Guiné:

Comandante-Chefe General do CEM - José Manuel Bethencourt Conceição Rodrigues, o Herói do Leste de Angola;

Quartel General do CTIG:

Comandante do CTIG - Brigadeiro do CEM Alberto da Silva Banazol

Chefe do Estado-Maior do CTIG - Coronel do CEM, Henrique Manuel Gonçalves Vaz, nomeado por escolha.

Sub-chefe do Estado-Maior do CTIG - Tenente-coronel do CEM, António Hermínio de Sousa Monteny;

Chefe da 1ª Repartição - Tenente-coronel do CEM Hernâni Manuel da Cunha Ventura;

Chefe da 2ª/3ª Repartição - Major do CEM Fonseca Cabrinha;

Chefe da 4ª Repartição - Tenente-coronel do CEM  A. Fernandes Morgado;

Chefe de Serviço de Transportes - Tenente-coronel de Infantaria Monsanto Fonseca;

Comando-chefe:

Chefe do Estado-Maior do Comando-chefe - Coronel do CEM Hugo Rodrigues da Silva;

Sub-chefe do Estado-Maior do Comando-chefe -Tenente-coronel do CEM - Joaquim Lopes Cavalheiro;

Chefe da 4ª Repartição do Comando-chefe -Tenente-coronel do CEM - Augusto Jorge da Silveira Reis

Nota 1: Haveria mais oficiais na Guiné do Corpo do Estado Maior, mas não muito mais, pois pelo Decreto-lei nº 46 326 o Quadro de oficiais do CEM só tinha:

12 – Coronéis
12 - Tenentes-coronéis
60 - Majores e Capitães
Total Nacional – 84

Nota 2: Como tal, nem todos os oficiais do CEM eram do "Quadro", muitos eram "Adidos" ou "Supranumerários". 

Bibliografia. Lista Geral de Antiguidade dos Oficiais do Exército (Quadro Permanente), Referida a 1 de Janeiro de 1969, Direcção do Serviço de Pessoal - Repartição de Oficiais, Ministério do Exército. 


Visita a uma unidade com o Comandante-Chefe, General Bettencourt Rodrigues (1973), vendo-se em 1º plano, da esquerda para a direita: Coronel do CEM, Henrique Gonçalves Vaz, general Bethencourt Rodrigues e o Comandante do CTIG,  Brigadeiro Alberto da Silva Banazol. 

A Situação na Guiné era “muito má” em 1973, em termos militares, pois enfrentávamos um inimigo cada vez mais preparado e muito bem equipado, vários especialistas nesta área, afirmam que depois da introdução do míssil Strela, bem como outro equipamento “de ponta” de origem Soviético, a superioridade militar portuguesa até então, deixou de ser efectiva…, como tal, os altos comandos da Nação nomearam para a Guiné Portuguesa, os melhores dos seus Quadros, nomeadamente o General Bethencourt Rodrigues, denominado no meio militar, como o 'Herói do Leste de Angola', onde conseguiu êxitos muito significativos, numa também guerra de guerrilha, na expectativa de aguentarem, ou mesmo superar o inimigo da altura, o PAIGC , que mais do que nunca, estava a ser apoiado materialmente e tecnicamente, por uma das maiores potências militares Mundiais da altura e de sempre, a União Soviética. 

BRAGA, 21 de Março de 2012 
Luís Gonçalves Vaz 
(Tabanqueiro 530) 
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Nota de MR: 

(*) Vd. também sobre esta matéria o poste do mesmo autor em: