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terça-feira, 6 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22073: Blogoterapia (296): Melancolia - Em dias chatos e aborrecidos, ligo a música e deixo que ela me transporte para outros níveis de consciência mais suportáveis (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

Miguel Torga

Foto (editada): Com a devida vénia a SAPO Viagens


1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 5 de Abril de 2021:

E
m dias chatos, aborrecidos, tramados, nefastos, em que tudo de mau acontece, sem querer especificar, ligo a música e deixo que ela me transporte para outros níveis de consciência mais suportáveis. Nessa atmosfera de sons em harmonia, surge a melancolia que é um estado de alma nem alegre nem triste, enfim é uma tristeza suave que ajuda a viver e a suportar a realidade nua e crua das mágoas em ferida que o pessimismo avoluma.

Talvez o meu problema seja a dicotomia de viver entre duas vidas, ou minha falta de jeito para utilizar as palavras adequadas quando me dirijo aos outros, enfim um problema criado pela solidão social e intelectual e no entanto eu valorizo o auxílio que outros com mais poder dialéctico me poderiam trazer.

Fernando Pessoa bebia vinho ou aguardente, bebidas nacionais, no Martinho da Arcada ou na Brasileira e escreveu odes e poemas imortais para a posteridade.

Cafés que Luís de Camões, grande poeta e grande boémio, não frequentou porque no seu tempo não havia, perdia-se por vielas e tabernas com marinheiros e plebeus, e por palácios com reis e nobres ociosos segundo reza a lenda, a arquitectar o grande poema, que escreveu, como um grande hino à Pátria.

Eu como outros amigos com menos talento ficaremos contentes se encontrarmos algum companheiro paciente e lúcido para escutar as nossas lamúrias na esperança de que ele seja um deus que tudo cala e tudo perdoa.


Neste devaneio da memória, surge Miguel Torga, meu ídolo maior, com o rosto farto, seco e rugoso esculpido em granito pelo vento agrestes das montanhas a lembrar o meu velho pai , um homem com raízes fundas também nesse "Reino Maravilhoso" de terras pobres que obrigavam a meditar e marcavam os rostos com rugas acentuadas.

Tão longe tão próximo, uma figura tutelar, outro herói nacional que me acompanha desde a adolescência.

Nos últimos Diários, com a idade a avançar mas com uma lucidez sempre jovem, impressiona-me o pessimismo e a angústia de viver que revela, e de que não dá explicações. Chegado a um alto patamar da vida em prestígio, fama e homenagens, esse grande lutador, destinado a ser lavrador ou pastor, que em ciência e livros se transformou num oráculo amado e admirado por todo um povo. Talvez eu tenha que ler a biografia dele, se a houver, para conseguir interpretar essa tristeza que a mim me contagiava.

O tempo abriu. Está um lindo dia de Primavera. Não há dias felizes, há horas felizes!

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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE JUNHO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21085: Blogoterapia (295): O Covid-19 e os mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

domingo, 10 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21756: (In)citações (176): Nós, os "dinossauros" do blogue e o novo "annus horribilis" de 2021: queremos continuar a ser um blogue de partilha de memórias e de afectos, no fundo um "grupo de ajuda mútua"... Afinal, os velhos combatentes podem ser destruídos, mas nunca derrotados, parafraseando o protagonista de "O Velho e o Mar" (José Belo / Luís Graça)






Vistas da Tabanca da Lapónia


Fotos (e legenda): © José Belo (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem de José Belo (, régulo da Tabanca da Laponia)

Date: terça, 5/01/2021 à(s) 11:15
Subject: Perguntas de subjetividades feitas
 
Caro Luís 

Perguntas ao ano que passou,  procurando respostas construtivas no ano que se inicia (*). 

O que levou a que tantos Camaradas que, com os seus muito interessantes textos e comentários, por vezes acalorados mas vivos, tenham terminado de o fazer?

Sem citar nomes de entre os mais "clássicos" representantes de mui dísparas opiniões, foram parte importante da dinâmica do blogue.

Silêncios e distanciamentos que se fazem notar.

Obviamente os anos passam, os problemas de saúde vão aumentando, e a situação de isolamentos vários do dia a dia actual também são factores importantes

Mas "estrangular" o meio de contacto que é este blogue,  em nada vem ajudar o anteriormente apontado.
Muito pelo contrário, isolando-nos cada vez mais nos nossos "retiros" de conveniência, sejam eles geográficos ou comunicativos, acabamos todos por perder algo de nós próprios.

Algo que mais não é que as nossas experiências comuns na guerra da Guiné que, a seu modo, vieram formar as nossas vidas.

Um abraço do J. Belo

2. Comentário do editor LG:

A escassos 3 meses de completar 17 (dezassete!) anos de existência, em 23/4/2021, o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné corre o risco de se tornar um blogue de... "dinossauros"!... Uma palavra, de resto, que nada tem de depreciativo ou pejorativo: dinossauro (do grego deinós, -ê, -ón, terrível, horrível + - saûros, -ou, lagarto) é algo ou alguém que mete respeito ou merece consideração pela sua antiguidade, sabedoria, experiência, resiliêmcia, capacidade de sobrevivência...

Este ano, e quando o início da guerra colonial, ou guerra do ultramar, ou guerra de África (como cada um quiser chmar-lhe), fizer sessenta anos (1961-2021), o nosso blogue ainda estará cá, espero bem!, para ajudar os últimos soldados do império a exorcizar os seus fantasmas...

Blogoterapia... A palavra ainda não foi grafada nos nossos dicionários. Mas tem já cerca de 270 referências no nosso blogue... Se calhar devia ter mais: afinal o que fazemos aqui todos os dias é isso mesmo, é blogoterapia, é partilharmos memórias (e emoções) através do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné...

Sem querer fazer concorrência (desleal) aos "psis" (psiquiatras, psicólogos, psicoterapeutas, e eu até tenho três na família...), diria que o nosso blogue é também um "grupo de ajuda mútua" (em inglês, "mutual aid group")... É um grupo de partilha de informação, conhecimento, vivências, histórias de vida, memórias, emoções, cores, sons, sabores... e saudade!

Faz-nos bem ?... Mal não nos faz (desde que o usemos com conta, peso e medida, sabendo que há mais vida para lá das redes sociais, e que é importante igualmente os nossos convívios e encontros, de que estamos, infelizmente,  arredados há 10 meses por causa da pandemia de Covid-19).

Ainda ontem a nossa amiga aniversariante e grã-tabanqueira Cristina Silva, filha do nosso camarada Jacinto Cristina, escrevia este comentário que nos sensibiliza a todos e que também nos define, com propriedade: 

"Meu querido amigo Luís! Foi com grande emoção que li as palavras que me dedicou, no meu aniversário! Sabe, o meu amigo, que eu sou uma pessoa de afectos e, como tal, com este seu gesto não só me sensibilizou como me encheu o coração de alegria! Com grande orgulho, pertenço a esta comunidade de gente boa." (**)

Pois, Zé Belo, cá vamos... Blogando e andando (era o título de uma série do nosso camarada JERO, o último monge de Alcobaça, que agora anda mais confinado) ... Já a Blogpoesia, a caminho das 770 referências,  bem se esforça por humanizar a nossa caminhada pela picada da vida, cada vez cheia de minas e armadilhas... 

Também. sem falsa modéstia, nos orgulhamos de ter dado novos blogues e novas tabanncas ao mundo... E, provavelmente aí megalómanos, ou portugueses de Quinhentos, continuamos a achar que O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (130 referências).

Também vamos Facebook...ando (cerca de 100 referências) mas o Facebook não é o nosso forte, ou a nossa praia...Não é o melhor sítio para se estar com os amigos e camaradas, na medida em que também há  muita gente, ruidosa e até indesejável,  à volta, a meter-se em bicos de pés ou a fazer caretas para a câmara. 

As estórias (e temos centenas delas...) são, essas, sim,  o nosso forte. Mas dá trabalho alinhavar uma estória e submetê-la à crítica dos leitores. Mesmo assim, o nosso blogue já ajudou dezenas de camaradas a publicar o seu primeiro livro... 

Há as estórias e as histórias, e com elas lá vamos remendando a teia, esburacada, da nossa memória. Por que cada um viu, viveu, ouviu, experimentou, sofreu, reteve, interiorizou, gravou... apenas uma parte, sempre ínfima, da realidade. E os olhos, os "óculos", com que chegámos a Bissau e vimos a Guiné e a guerra, eram de muitos feitios e muitas cores.... Não tem mal, no final, o nosso caleidoscópio é muito mais feérico, mágico e divertido... 

O blogue ajudou-nos a ver que a Guiné e a guerra não podiam ser vistas a preto e branco, de um lado e do outro lado do combate (para usar uma expressão cara ao Jorge Araújo)... Eu, pessoalmente, confesso que sei hoje muito mais da Guiné e da guerra do que sabia quando regressei a casa, em 17/3/1971, a bordo do T/T Uíge... E regressei, "são e salvo", com a promessa de rapidamente tudo esquecer... Acabei, feliz ou infelizmente, por quebrar a promessa... Afinal, "o criminoso volta sempre ao local do crime",,,

Que é que queres que te diga mais, ó luso-sami, Zé Belo, perdido  pelas  tundras, montanhas e florestas da terra dos samis ?... Para já, foi bom ter-te conhecido a ti e a muitas camaradas que por aqui têm passado, e um parte deles  espalhada, como tu, pelas sete partidas do mundo. E vão continuar a passar, "devagar, devagarinho", proque  afinal devagar é que se vai ao longe... 

Dito isto, espero que no novo "annus horribilis" de 2021,  se continue a:

 (i) refrescar a Tabanca Grande, com a entrada, no mínimo, 2 novos grã-tabanqueiros por mês (de preferência, ainda com "prazo de validade"); 

(ii) publicar , no mínimo, 3 postes por dia; 

(iii) produzir, no mínimo, quatro comentários em média por poste; 

(iv) registar duas mil ou mais vizualições de páginas por dia...

(v) ser um "blogue de afectos" e uma "comunidade de gente boa"...

Se conseguirmos manter a nossa "performance", como até aqui, pese embora o efeito da idade, das mazelas,  das vicissitudes da vida, das desilusões e das canseiras, isso quer dizer que o nosso blogue ainda está vivo e recomenda-se... 

Afinal, os velhos combatentes podem ser destruídos, mas nunca derrotados, parafraseando o velho pescador de "O Velho e o Mar", do Ernest Hemingway (1952).   Quero eu dizer: podem "confinar-nos", podem relegar-nos para o "lixo da História", podem passar por cima de nós sem pedir-nos licença, pode a vida fazer-nos mil e uma tropelias, mas não podem roubar-nos as nossas memórias, as boas e as más... Claro que convém sacá-las do limbo da memória, antes que chegue o sacana do Alzheimer ou outra demência crónica degenerativa...(**)

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Notas do editor:

(*) Vd. também postes de:

4 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21732: O nosso blogue em números (66): continuamos vivos: no "annus horribilis" de 2020 publicámos 1202 postes, valor que está dentro da média anual dos últimos
seis anos

5 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21735: O nosso blogue em números (67): no "annus horribilis" de 2020, o número de visualizações de páginas foi de cerca de 800 mil, tendo atingido um total de 12,4 milhões

6 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21740: O nosso blogue em números (68): em 2020, no "annus horribilis" da pandemia de Covid-19, tivemos uma média de 4,5 comentários por poste (num total de 5410 comentários em 1202 postes)

7 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21744: O nosso blogue em números (69): No mundo globalizado, fomos vistos em muitos países, com natural destaque para Portugal (41%), EUA (25%) e Brasil (6%)...Cabo Verde e a Guiné-Bissau, infelizmente, ainda não aparecem no Top 20... São dois pequenos países, de resto com taxas de penetração da Internet desiguais: 63,3% e 12,7%, respetivamente

sábado, 25 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21198: Blogoterapia (296): Achado misterioso (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de hoje, 25 de Julho de 2020:

Amigo, Carlos Vinhal
Faço votos para que te encontres de boa saúde junto dos que são queridos.
Carlos, de quando em vez publico na minha página no facebook uns pequenos textos a que dou o nome de pensamentos à deriva, o próximo vai ser este.
Se entenderes que merece a pena, pública no blogue.
Algumas vezes coisas com pouco jeito também tem o seu interesse, se mais não for ajudam-nos a valorizar aqueles que são bons no que fazem, neste caso aquilo que escrevem. Se entenderes que não merece a pena, como já te tenho dito, o caixote do lixo está sempre à mão.

Recebe um abraço.
António Eduardo Ferreira


Achado Misterioso

Acordei exaltado e confuso. Sonhei com alguém que há muito andava perdido e me pediu ajuda. 
Levantei-me, ansioso, e logo fui à sua procura, era ainda cedo quando de casa saí, caminhando sem rumo esperando que a sorte, ou o acaso, me ajudassem a encontrar esse alguém que em sonhos me pediu ajuda, subi montes, desci encostas, atravessei vales e rios até que cheguei ao mar, caminhei pela areia, com o andar incerto e preocupado as gaivotas se assustavam, mas quem eu procurava não encontrei. 

Voltei de novo à montanha, subi ao ponto mais alto de onde olhei em várias direções, mas ninguém perdido eu consegui ver, entrei no deserto e fui mais além onde tive por companhia sombras vagabundas, até que a noite chegou, e eu, já cansado, à ânsia começava a juntar a desilusão de não encontrar quem procurava. 

Teimosamente decidi seguir em frente, entretanto uma forte trovoada se abateu sobre o deserto e um enorme relâmpago durante algum tempo tudo iluminou e a minha mente se transformou em dia, foi então, que graças à trovoada, que se abateu sobre mim, eu entendi que esse alguém que eu procurava e até então não tinha encontrado, afinal era eu próprio…

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE JUNHO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21085: Blogoterapia (295): O Covid-19 e os mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21085: Blogoterapia (295): O Covid-19 e os mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)



1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 14 de Junho de 2019:


O COVID- 19 E OS MÍSSEIS STRELA

O que terá a ver uma coisa com a outra? Aparentemente nada. Mas se pensarmos um pouco mais friamente conseguimos encontrar algumas semelhanças nas mudanças que ambos provocaram. Nós, os que vivemos aquele tempo na Guiné temos ainda bem presente as alterações com que durante algum tempo tivemos de conviver.

Se agora para enfrentar o COVID-19 tivemos que ter todos os cuidados, entre eles o confinamento, que para a nossa geração do ponto de vista emocional não ajuda mesmo nada, com a agravante de não se saber até quando…

Os Strela quando apareceram também levou alguns dias a saber o que era. Se os primeiros a sofrer as consequências foram os pilotos que, neste caso, eram como que a linha da frente, os guarda-costas daqueles que em terra, muitas vezes necessitavam da sua ajuda. Durante algum tempo essa ajuda da forma que acontecia antes dos Strela deixou de acontecer, pelo que todos sofremos se não fisicamente, do ponto de vista mental foi terrível. Uns mais que outros… a minha companhia teve um desses exemplos, uma mina anti-carro acionada por uma viatura a poucos metros do arame, de um dos sítios onde nós estávamos, fez quatro feridos, alguns com gravidade, estiveram cerca de três horas à espera que os viessem buscar no local onde os hélis normalmente desciam quando lá paravam. E nós ali à espera de os ver chegar, mas eles não apareceram.

Mesmo para quem não viveu situações assim será fácil de “ver” qual o sentimento de raiva e revolta que se apoderou de nós. Ao fim daquele tempo de espera foi necessário levar os feridos até Cufar, pelo rio, para além do nosso pessoal com os três sintex que tínhamos na companhia, participaram também os fuzileiros que estava no Xugué. Era já noite quando um avião aterrou na pista para os levar para o hospital. Foi terrível a marca que esse acontecimento nos deixou… a conversa do momento era qual de nós será o próximo?... A partir daí a força aérea continuou a andar por lá, mas de forma diferente, antes dos strela durante os bombardeamentos desciam quase junto às árvores. Depois do aparecimento dos Strela, pelo menos naquela zona, passaram a ser feitos a grande altitude, comparando com o que era antes

Também o COVID-19 fez alterar o nosso comportamento. Era o que menos desejávamos. Com a idade que temos e ter por perto a sombra invisível do maldito vírus que nunca se sabe por onde se encontra. Acabou por alterar o comportamento das pessoas a nível mundial. Falando de nós portugueses, será que alguém alguma vez terá pensado que para ir à farmácia, ao restaurante, ao hospital, ao banco etc, tinha de ir de máscara e esperar à porta autorização para entrar?…

Será que os humanos vão interiorizar o que tem estado e ainda continua a acontecer. Ou vão continuar a pensar em chegar a Marte e a outros sítios… e quando confrontados com um COVID ficam de quarentena sem saber muito bem o que fazer.
Seria certamente o tempo indicado para refletirmos, e já agora, para termos a noção da nossa dimensão na terra…

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20776: Blogoterapia (294): A mente, de quando em vez, leva-nos a sítios onde já não queríamos ir... (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

quinta-feira, 26 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20776: Blogoterapia (294): A mente, de quando em vez, leva-nos a sítios onde já não queríamos ir... (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

Mansambo
Foto © Torcato Mendonça (2012)


1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 21 de Março de 2020:

Amigo, Carlos Vinhal
Faço votos para que te encontres de boa saúde junto dos que te são queridos, o resto virá por acréscimo.
Carlos, quando nada o fazia prever, esta semana, fui levado a reviver algum do tempo que passei na Guiné.


A mente, de quando em vez, leva-nos a sítios onde já não queríamos ir...

Devido à epidemia com que estamos a ser confrontados, no inicio da semana, fui levado "mentalmente" a sítios, aonde há já muito tempo não ia... à então "província" da Guiné. Sítios esses, que embora, não seja possível esquecer, mas que já há algum tempo estavam em hibernação.

Há dias, entrei num estabelecimento comercial onde fui fazer algumas compras, lá dentro, o olhar atento e desconfiado das pessoas, era como se quem delas se aproximava fosse o potencial inimigo de que todos tentamos fugir... o Covid-19, com a agravante de ao sairmos não saber o que nos pode ter acontecido, ou não... enquanto estivemos a escolher as coisas que pretendíamos. Será que o inimigo se apoderou de algum de nós?... Os menos pessimistas, depois de saírem, talvez não pensem muito no ambiente com que foram confrontados enquanto estiveram lá dentro. Ao contrário, os mais pessimistas.... ou talvez mais realistas... não conseguem esquecer assim tão facilmente.

Ao sair daquele local, fui levado a reviver um tempo que apesar de já ter terminado, há quarenta e seis anos, a mente ainda me fez “o favor”de ter que o recordar. Entre muitos outros porque passei, enquanto estive na Guiné, para mim, o mais marcante e aquele com que agora mentalmente fui confrontado foi o que me acontecia durante as muitas colunas que fazíamos enquanto estive em Mansambo. Quando saíamos do destacamento, durante alguns quilómetros, só os condutores seguiam na viatura, como era o meu caso. Os picadores seguiam na frente, todo o outro pessoal seguia em fila, com o espaço entendido conveniente ao lado da picada, alguns podiam seguir na viatura, mas não o faziam...

Era um inimigo diferente, mas também nunca se sabia onde podia estar. O estado emocional a que éramos sujeitos quando seguíamos só, na viatura, era terrível... pensando na possível mina que podia estar algures por ali à nossa espera... são esses os momentos que ainda hoje menos gosto de recordar... mas a mente de vez enquanto prega-nos estas partidas.

No dia a seguir de ter ido às compras, fui a um local onde tenho ido com frequência ao longo de dezasseis anos... o IPO em Coimbra. Também aí, quando ia a entrar por um dos sítios que era costume, fui informado que não podia passar, tinha de entrar no portão a seguir. Mais uma vez a dúvida... será que o inimigo vai comigo disfarçado... só depois de ter passado por um pequeno rastreio fui autorizado a entrar. Uma vez mais, fui de algum modo forçado a revisitar situações, que eu supunha estarem arrumadas, em que o inimigo que nunca vi... mas ouvi e senti... parecia estar sempre por perto.

Depois de ter sido confrontado com a anormalidade... que se está a viver nestes dias, e que me fez reviver o tempo que passei na Guiné, fui levado a pensar que o transtorno mental, que a minha passagem pela guerra me provocou, foi ainda maior que aquele eu supunha ter sido...

Amigos, quanto ao Covid-19, resta-nos estar algum tempo de quarentena e depois veremos. Ou outros hão de ver...

António Eduardo Ferreira.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20336: Blogoterapia (293): Neuro II - Quarto 7 - Cama 14, ou as camas por que passamos ao longo da nossa vida (Juvenal Amado)

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20655: Da Suécia com saudade (63): reabrindo a Tabanca da Lapónia, agora ao povo... (José Belo)



A minha alegre casinha.. Tabanca da Lapónia: ela continua a lá estar, em Abisko, Kiruna... O endereço, na Net,  é que mudou.


"O valor das coisas näo está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis" (Fernando Pessoa)


"Sem casas näo haveria ruas / as ruas por onde passamos pelos outros / mas e principalmente onde passamos por nós". (Ruy Belo: Todos os poemas, Lisboa, Assírio e Alvim, 2000)



Os fiéis amigos...


Visitas nem sempre  bem  vindas...


Para onde é que fica Empada ?... 

"Partir! / Nunca voltarei,/ Nunca voltarei porque nunca se volta. / 
O lugar a que se volta é sempre outro, / A gare a que se volta é outra. /
Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia."

Álvaro de Campos / Fernando Pessoa 




"Lourinhac" ?.....Cá tem!... Mas o meu vodka caseiro (94%,  depois de 4 passagens pelo alambique) aí vendía-se certamente na... farmácia! Para mais é medicinal com casca de limäo e pau de canela, ou casca de limäo e rosmaninho. SKÅL !!! (Leia-se: Saúde!).


Fotos (e legendas): © José Belo  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Belo: 

Data - 13/02/2020, 22:02
Assunto - Tabanca da Lapónia


Entretive-me umas horas a reconstruir a Tabanca da Lapónia numa versão evocativa de 40 anos de literais... congelamentos vários!

Algumas fotos e vídeos repescados das 4 versões anteriores a somarem-se a alguns novos.
Por faltas de paciência, várias das fotos contêm,de momento,pouco "paleio", oferecendo unicamente uma brisa fresca (!) desde bem dentro do Círculo Polar Árctico..

José Belo

A quereres dar uma saltada "nostálgica" até à última zona verdadeiramente selvagem da Europa...Sê bem vindo!

A morada é tabancalaponialusitano.blogspot.com
O título do blog é :

Lusitano...40 Anos na Lapónia

Um abraço, José Belo


2. Dois dias depois, oui seja ontem,  às 11h07, recebemos nova mensageem, com o seguinte teor:

Assunto - Convívio de... génios

Depois da "reinauguracäo" da Histórica (!) Tabanca da Lapónia,  acabei por lá colocar , a título de "apifamento", alguns pensamentos de um ramalhete de de génios do tipo Ruy Belo, Fernando Pessoa e...J. Belo!

Escrita agora em *português de lei*, vamos ver se alguns Lusitanos ciberturistas acabam por surgir neste blogue.

As antigas Tabancas da Lapónia, escritas em inglës e sueco, conseguiram estabelecer contactos com amigos da Escandinávia e dos States mas, muito poucos em Portugal. (*)

É mais uma tentativa de "vender" o ar fresco do Círculo Polar Árctico.
Bem-vindo!

Um abraço.

(E a propósito de "portuguës de lei",  acabei de aprender depois destas muitas décadas que a maneira correcta de escrever-se Lapónia na língua de Camöes é...LAPÔNIA!...LAPÔNIA??!?!

3. Para quem chegou ontem à Tabanca Grande... recorde-se que  o José Belo:

(i) é o régulo da Tabanca da Lapónia, nas suas várias "versões";

(ii) é membro da Tabanca Grande, para onde entrou "de jure e de facto"  em 8 de março de 2009;

(iii) tem cerca de 140 referências no nosso blogue, ou seja, é um "contribuinte líquido", dá mais do que o que recebe;

(iv)  formado em direito, foi jurista na América e na Suécia;

(v) a guerra, a paz e o amor levaram-no até à Suécia onde vive há mais de 4 décadas, e onde constituiu família;

(vi) continua a ter uma pontinha de orgulho nas suas velhas raízes portuguesas: de vez em quando escreve, no nosso blogue, uma crónica para a sua série "Da Suécia com saudade"; 

(vii) no século passado,  nioutra reincarnação, foi alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, e manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década; 

(viii) está reformado como cap inf do exército português;

(ix) não sei se, como ao Camões, lhe pagam o mísero soldo, sendo um "autoexilado" (não cinfundir com... "desertor"): os amigos queixam-se de que a Pátria lhe foi Madrasta;

(x) reparte os dias do ano entre a Suécia (Estocolomo), o círculo polar ártico, na Lapónia (Abisko, Kiruna), e  Key West, na Flórida, EUA, onde a família (os filhos)  tem negócios e onde vivem os seus netos;

(xi) as vicissitudes da vida (, as suas "partidas"...) tornaram-no um "resistente" (ou diria: "resiliente"):

"Os meus 10 anos de vida militar, muito rica em 'acontecimentos' hoje incríveis, a somar-se a toda uma "tarimba" jurídica nos States, seguida de voluntariamente ter escolhido viver com o vizinho mais próximo a 297 km da minha porta, tornaram-me no que hoje sou....extremamente resistente. Quase como escreveu o poeta :"Deixei de ser aquele que esperava...isto é...deixei de ser aquele que nunca fui".

(xii) considera-se um exemplar de uma espécie em vias de extinção (**)

PS - Ah!, e não é primo do Ruy Belo... Belos há muitos, belos, bravos e bons é que... não!


4.  Comentário do editor Luís Graça:

José: acho que te faz bem… a ti e a nós, sentir esse frio polar ártico a entrar pelos poros da pele, pelas narinas, pelos meurónios, pela "alma" (para quem ainda tem "alma")... mas não pelas frinchas das portas e janelas, que a tua Tabanca é climatizada! 

 Acho que te faz bem reabrir a Tabanca da Lapónia"… e assumir a tua “idiossincrasia” de lusitano das 7 partidas, “perdido” na Lapónia há 40 anos…

É, ademais,  um gesto de grande hospitalidade, camaradagem e lhaneza, próprias de um puro lusitano como tu, abirr a tua casa ao "povo", depois de aí  receberes  a nobreza vikiNg e a burguesia ianque.

Como prometido, e com a devida vénia,  fiz uma visita ao teu blogue e uma seleção das tuas imagens. (Os vídeos, esses, deixo-os para exploração dos mais "voyeuristas")… 

Não sei a quem atribuir os créditos fotográficos. Mas, por defeito, pertencem ao régulo...A dificuldade é escolher, dada a magia de cada uma das fotos e sobretudo das legendas poéticas!... Sei que és um leitor de longa data de poetas portugueses como o Ruy Belo, o J. Belo  (, que por acaso não são  primos) e do Fernando Pessoa (ou dos Fernandos Pessoas)... 

É uma boa terapia, a escrita, a blogoterapia, , a poesia.. E eu perguntei-te (e tu não me respondestes, estás nesse direito...)  se tu não tinhas (ou nunca tiveste) um… diário.

Enfim, imagina que me lembrei  de te lançar um desafio: fazeres um check-list das 24 horas do dia na vida de um lusitano na Lapónia… Os "lapões" da Tabanca Grande, uma vez reaberta, ao "povo" a tua Tabanca da Lapónia, vão querer saber mais coisas sobre a vida do régulo no seu dia-a-dia:

(i) a  que horas é que  te levantas ? 
(ii) a que horas é que te deitas ?  Aqui é os séniores deitam-se  com as galinhas, aí será com as renas;
(iii) como é que tu te deslocas quando vais às compras ? 
(iv) também vais à caça e à pesca ? ou és agora conservacionista ?
(v) e como é que te desenrascas quando as renas e os cães precisam de veterinário ?
(vi) enfim, o que é que se come e bebe aí na tasca da Tabanca da Lapónia  ? 
(vii) será que o régulo é mais peixeiro do que carneiro ?
(viii) o campismo é "tax free" ?

e coisas idiotas do género. O problema é que a Tabanca da Lapónia, apesar de toda esta recente publicidade, ainda não vem nos roteiros turísticos da Lusitânia. Vou pedir ao PInto Loes (agência do Porto) para te pô no mapa... Ou é melhor não ?!

Sabemos que, se o régulo quiser tomar um chá na casa da/o vizinha/o  mais próxima/o,  tem que fazer uns 300 quilómetros (, o equivalente à distância de Lisboa ao Porto)... Em trenó puxado a renas, deve demorar umas horas valentes...Aindapor cima à luz dos archotes... 

Deve acrescentar-se que o termo "lapão" (feminino: "lapoa") pode ser considerado ofensivo e até racista...À cautela, vamos de futuro procurar evitá-lo... De resto, ele há coisas que,  quem um dia for lá, à Tabanca da Lapónia, deve saber, para não fazer... "merda": Lapónia para os lapões é... Sápmi.
Lapöes é... Samer. Um Lapão é... Same.  Uma Lapoa (mulher da Lapónia) é... Samisk kvinna. (**)

Meu caro régulo: a Lapónia (, sim, os brasileiros dizem Lapônia), por causa do sol da meia noite, das auroras boreais e do Pai Natal, tende a ser vista de maneira muito redutora e estereotipada... Por isso, se calhar é muito “voyeurismo", da parte dos nossos leitores, perguntarem-te estas coisas todas... Por razões até de segurança, não deves responder a nenhum delas...Quem quiser saber mais, que vá aí e te bata à porta: será por certo bem recebido, se for por bem, e com uma credencial da Tabanca Grande...  Ah!, e não se esqueçam: levem também uma garrafinha da Aguardente Vínica DOC Lourinhã... (Na minha terra, quem a bebia, escapou à gripe espanhola, à "pneumónica", a pandemia de 1918/19, que matou mais de 60 mil portugueses...).

Zé, não leves a mal... Há camaradas da Tabanca Grande que, nem por um canudo, conseguem ver Braga, quanto mais a Lapónia… Mas Braga tinha obrigação de ter uma tabanca, e não tem. Tem uma arcebispo, tem uma sé, tem um clube de futebol... mas não tem uma tabanca!...As tabancas mais próximas são a dos Melros (Gomdomar, Fânzres), da Maia, a de Matosinhos...

A Lapónia, colónia sueca, que não tinha obrigação nenhuma, até tem uma tabanca!...E já "histórica", sim, senhor!... 

Há 40 anos, é obra!...Grande lusitano!... Enfim, se estivesses mais perto, a gente  até ia ter contigo um dia destes… Em abril vou aos países bálticos num daqueles  esquemas de “turista estúpido”… mas não vai dar para beber um vodca contigo!... Como eu bem gostaria!... (****)

(***) Vd. postes de:

20 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15270: Da Suécia com saudade (55): Despedida do blogue, dos editores e de todos os de mais camaradas... Afinal, também há 4 décadas saí do nosso querido Portugal sem bilhete de ida e volta... Os amigos terão sempre uma "casa portuguesa" ao dispor, na Lapónia sueca, em Estocolmo, ou em Key West, Flórida, EUA (José Belo)

(****) Último poste da série > 8 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20427: Da Suécia com saudade (62)... E agora também dos States, Florida, Key West... A catarse do Império... O lugar do Portugal de hoje, tanto na Europa como no mundo, é que deveria ser assunto de discussões acaloradas (José Belo)

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20336: Blogoterapia (293): Neuro II - Quarto 7 - Cama 14, ou as camas por que passamos ao longo da nossa vida (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 5 de Novembro de 2019:


NEURO II - QUARTO 7 - CAMA 14

O passado visita-nos, toma-se consciência do que fizemos e do que não fizemos. De  algumas coisas nos arrependemos, de outras temos pena de não ter feito de outra forma ou de ir mais além. No presente vivemos como se não tivéssemos muito tempo. Correr já não é opção, assim caminhamos para o futuro incerto, desejando ter ainda acesso ao que de bom a vida nos dá.

E que de bom tem mesmo, quando o simples é vedado a muitos camaradas quando a saúde os abandonou? Quando necessitam do carinho da família e vigilância, quando são remetidos para instituições, tantas vezes cansadas de ver degradação física e psíquica, e reagem como um cilindro, que vai calcando, ignorando os apelos de quem precisa de ir à casa de banho, ou tão simplesmente limpar os óculos? Os zeladores também têm preocupações familiares, como o dinheiro, com as condições de trabalho, por vezes são vilipendiados pelos utentes, mas não seria de mais vestirem o fato branco, pôr o seu melhor sorriso e com palavras de conforto, animarem um bocadinho a vida dos que estão a seu cargo ainda que por breves horas no seu turno.

Esta introdução um bocado sombria, deve-se ao apelo desesperado e de raiva, de um nosso camarada que sofre (ELA[1]) de abandono ao ponto de pedir que Deus o leve. Como dizer a um camarada neste sofrimento, que espere os impossíveis dias melhores, uma vez que só pode piorar?

O físico Stephen William Hawking, talvez o mais famoso doente com "ELA", que apesar da sua enfermidade viveu até aos 76 anos.

O que me leva a escrever hoje é uma coisa tão comum e tão banal que é uma cama. Todos nascemos numa, dormimos em várias ao longo da vida e a grande maioria em tempo de paz, também morrerá numa. Quando era criança, a minha cama como normal para a época era cheia de camisas de milho, por vezes com restos de tarolos à mistura, um dia de festa quando a minha mãe abrindo portas e janelas remexia a palha, que triplicava de altura e como garoto era uma brincadeira ficar enterrado no monte, que hoje traria alergias e renites alérgicas à maioria de garotos, que nem os ares condicionados aguentam. No nosso tempo passaria por vulgar constipação, com ameaças de que andássemos à chuva levávamos o tratamento profiláctico à base de uns tabefes.
Mas o meu pai homem atento às coisas modernas e simplificadas, logo trocou a palha por sumaúma e assim acabaram-se as comichões. Mais tarde passamos ao máximo da modernidade ao alcance dos nossos bolsos com os de esponja e por aí ficámos por muitos anos.

Quando fui para o CICA4, voltei a privar com a sumaúma que continha várias gerações de percevejos, que milagrosamente não me atacaram, já o meu amigo Sapateiro, ali da Calvaria de Porto Mós, fez com eles um contrato de exclusividade a fim de o só chatearem a ele, que dormia mesmo encostado a mim. Após muitas queixas selectivas, porque eles não atacavam todos, veio um belo dia que, tudo foi desmanchado e substituído por beliches acabados de pintar de verde, com limpíssimos também verdes colchões, que iriam levar algum tempo a ganhar inquilinos incómodos e malcheirosos. No tempo em que lá estive, não deu para constatar nada disto, e no RI6 do Porto, foi mais do mesmo, por ter por ali passado a modernidade da época.

Quando cheguei a Abrantes - RI2, aconteceu-me o impensável. Não tinha cama e passei a dormir à vez, na cama dos camaradas que estavam de serviço. Quando ele chegava eu procurava outra e ali ficava com sorte até de manhã. Como o frio apertava mandaram-me para Santa Margarida e aí por mais roupa de cama que requisitasse, o frio era tal que me fardava e deitava-me vestido.

Entretanto fui mobilizado e assim travei conhecimento com os beliches do Angra do Heroísmo, com os do Cumeré, e por fim cheguei a Galomaro onde a sobrelotação do quartel me obrigou a dormir numa grande tenda de campanha com um pano de tenda por baixo e o saco a servir de cabeceira. Nada que não tenha acontecido a milhares de camaradas. Por fim encontrei alojamento permanente, num abrigo habitado por uma mescla de camaradas das mais variadas especialidades, entre um dos morteiros 81 mm e da MG 42.

Galomaro - Dentro do abrigo, a partir da esquerda: Aljustrel, Ermesinde, Juvenal e Caramba

Finalmente, regressado em Abril de 74, em 79 passei da minha cama de solteiro para a de casado onde tenho sido constante e feliz.

Por desacatos do destino, pois não penso ter pecados dignos de castigo, fui parar ao hospital com uma doença rara, auto-imune, chamada Miastenia Gravis (que veio para ficar como a Toyota), onde pela primeira vez travei conhecimento com uma cama articulada. Estive onze dias hospitalizado, entrei junto com uma senhora com AVC, onde estava já um individuo com 61 anos com AVC isquémico, que saiu primeiro que eu e deu lugar a um jovem com 36 anos também acometido do mesmo, juntando-se assim aos vários casos espalhados pelo piso. Contei a história deveras apaixonante e corajosa do José Saúde, falei-lhe da associação de doentes dessa maleita e constatei, com os números de um AVC por cada quatro indivíduos.

Os alarme e sinais dos três F's

FACE, FORÇA e FALA, bem como a máxima importância de pedir ajuda dentro das primeiras duas horas em que começaram os sintomas e anomalias.

Por ultimo a forma como fui tratado e vi tratar. A excelência dos cuidados prestados por médicos, enfermeiras, auxiliares, de um sistema hospitalar cheio de deficiências e carências tão propaladas por bem intencionados e por muitos mais pelos mal intencionados, onde os profissionais fazem milagres com o que têm. O seu sorriso, carinho e palavra amiga, são parte das melhores recordações que guardarei para sempre.

Lembrei-me das campanhas muitas vezes mesquinhas e ignorantes, que contra o Serviço Nacional de Saúde fazem e querem acabar com ele. Meus camaradas e amigos é preciso defendê-lo por nós e pelas nossas famílias. A saúde e a liberdade só lhe damos valor quando as perdemos.

Já estou na minha cama felizmente.

Nota: - [1] - ELA - http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/ela-esclerose-lateral-amiotrofica

Um abraço
Juvenal Amado
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Nota pessoal do editor CV:

Ao nosso camarada enfermo desejo a melhor qualidade de vida possível, dentro dos condicionalismos que esta terrível doença impõe.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20039: Blogoterapia (292): Os Impérios (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732)

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20039: Blogoterapia (292): Os Impérios (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732)



1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), autor do livro "Brunhoso, Era o Tempo das Segadas - Na Guiné, o Capim Ardia", com data de 4 de Agosto de 2018:


Os Impérios

Hoje acordei com uma dor de cabeça ligeira mas desagradável. Quando isto me acontece vou andar alguns quilómetros no Parque da Cidade e esse estado de espírito maléfico e doentio tende a desaparecer ou pela influência do ar livre e da natureza, ou talvez por causa do aquecimento, que dá o exercício físico, que obriga o sangue a circular melhor e activa neurónios cerebrais que estavam adormecidos.

Fui fazer essa caminhada matinal e já no regresso aconteceu-me o seguinte percalço:
Numa rua não muito distante de casa vi uma gaivota a voar entre algumas casas e como já a tinha visto em dias anteriores, decidi parar para verificar se haveria alguém que lhe abrisse uma porta ou janela para lhe dar de comer. Não vi nada, continuei o meu caminho mas logo que virei costas ela fez voo rasante sobre a minha cabeça e tocou-me com os dedos das patas nela. Fez mais três voos rasantes mas eu como já estava prevenido, quando a sentia próxima levantava o punho para a atingir, se ela se aproximasse demasiado.
Os antigos romanos rotulavam alguns dias como nefastos, que para eles, eram dias azarentos, nocivos, sombrios, tristes.

Para sublimar outras adversidades que entretanto me aconteceram, falarei da angústia de viver. Li alguns existencialistas, "A Náusea" de Sartre, o mestre dessa escola filosófica, "A Manhã Submersa", entre outros, de Virgílio Ferreira que talvez me tenham dado alguma capacidade para resistir ao pessimismo.
Arthur Shopenhauer o filósofo do pessimismo, dizia: "a vida é trabalho, é dor" e assim se defendia ele dos dias nefastos. "Quem nunca pensou em subir à torre mais alta da terra, para se lançar dela, descobrir a sensação de liberdade desse voo, sem se preocupar com o fim que o pode esperar", não sei se o pensei ou se algum poeta louco o escreveu.

Quando os nossos desgostos são muito prosaicos, mais vale abrigar-nos no guarda-chuva das escolas filosóficas que têm a virtude de integrar os nossos males particulares em pandemias universais . Todos temos uma filosofa de vida que nos orienta, que pode estar dentro de alguma religião ou fora de todas elas. Os antigos romanos, pelo grande império que criaram, estão na base da formação da Europa moderna. Tendo aproveitado grande parte do saber dos egípcios, gregos, fenícios, judeus, e doutras civilizações antigas de povos que habitaram as margens do Mediterrâneo.

Nós europeus retalhados em muitas nações que têm tentado alguma união com muita dificuldade, somos os herdeiros do Império Romano e dessas civilizações. Roma foi um Império imenso, maior do que a Europa do Mercado Comum. Talvez um dia explique porque me fascina.

O Império Português também foi imenso, criado através dos descobrimentos, espalhou-se por terras longínquas de todo o Mundo. Nós fomos os seus últimos soldados, os que o abandonamos, os que o perdemos, os que não o soubemos defender. Quando nos fardaram e armaram, o Império já não tinha defesa possível e o velho ditador, por maldade, quis-nos dar essa responsabilidade.

Este texto desdobra-se em dois mas por todo ele perpassa o tédio, o cansaço, a apatia, o fantasma da derrota.

Estou cansado da guerra, há já cinquenta anos que convivo com ela
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19456: Blogoterapia (291): Graças à vida... e ao nosso blogue (Virgílio Teixeira / Luís Graça)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19456: Blogoterapia (291): Graças à vida... e ao nosso blogue (Virgílio Teixeira / Luís Graça)

1. Comentário de Virgílio Teixeira [ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), nascido no Porto em 29 de janeiro de 1943; vive em Vila do Conde, economista e gestor reformado (*) 

Caros amigos, camaradas e membros do Blogue:

A todos os que leram este Poste, aos que comentaram esta data de aniversário, e a todos os outros que por razões, que a razão desconhece, não aparecem aqui, pela minha parte o meu muito sincero, obrigado.

Entro hoje no chamado quarto quadrante da vida, se tivermos como horizonte os 100 anos.

No 1º quadrante fomos crescendo, aprendemos a ler, chegamos a gente adulta, e fomos cumprir as nossas obrigações, enquanto cidadãos de Portugal.

No 2º quadrante formamos família, o objectivo da vida, e procuramos o nosso caminho.

No 3º quadrante, já instalados na nossa missão na terra, estamos na velocidade cruzeiro, e já pensamos que sabemos quase tudo.

No 4º quadrante, que começa no 1º dia dos 76 anos, vamos percorrer a parte mais difícil da nossa existência, lutando, agora não contra as minas e armadilhas, mas contra um inimigo implacável, a idade, o inicio da velhice que custa a convencer-nos, e o outro lado da batalha, a doença que nos vai levar, mais tarde ou mais cedo, a fazer parte da lista daqueles que da lei da morte se foram libertando – isto aprendi aqui no blogue, entre muitas outras verdades.

Quero aqui publicamente agradecer ao nosso editor, amigo e camarada, Luís Graça, a única pessoa que conheço que nasceu no meu dia, por me ter trazido para a companhia destes nossos tertulianos, cujo convívio, mesmo que virtual, deram um novo rumo à minha vida. 

Partilhando acontecimentos que julguei sempre que só tinham passado por mim, e que afinal, nos juntamos num núcleo de pessoas, que têm em comum mais do que terem passado pela guerra da Guiné, mas acima de tudo porque ficaram e estão marcados por esta vivência e não conseguem ver-se livres do «espírito e mistério» daquela terra, tão madrasta, para tanta gente, e que nos amarrou para toda a vida.

Obrigado por me terem aturado os meus maus momentos, e por tudo aquilo que escrevo e que não é do agrado de todos, mas são coisas que não consigo ultrapassar, estou bem assim e espero continuar por muito tempo, há aqui um espaço de escape, para partilhar com gente que sabe do que falo, pois hoje, é mais difícil encontrar alguém que entenda esta linguagem.

E agora comentando para o aniversariante Luís Graça, nos seus jovens 72 anos, que seja muito feliz, e que o País lhe pague por ter ‘montado’ este Blogue, narrando a nossa guerra, sem hipocrisia, sem preconceitos, sem politica, apenas a verdade nua e crua, quer se goste ou não, mas que ficará para sempre na nossa história, da nossa geração. Parabéns, Luís, e um Bom Dia junto daqueles que te são mais queridos. Virgílio Teixeira Vila do Conde, 29 de Janeiro de 2019

P.S. - Para quem não sabe: No dia 29 de Janeiro de 1943, estava eu a nascer, quando o General Nazi Paulus comunicou a Hitler que se ia render aos Russos na frente da batalha de Leninegrado, levando para a morte inglória, mais de 200 mil soldados.


2. Comentário de Luís Graça, ex-fur mil armas pesadas inf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), nascido na Lourinhã, em 29 de janeiro de 1947; é sociólogo,  professor universitário reformado, vive entre a Lourinhã e Alfragide / Amadora:


Como já tive ocasião de te dizer pessoalmente ao telefone, fico feliz e sensibilizado por ler o teu sincero e emotivo comentário, para mais sendo tu um dos mais recentes, mas também dos mais ativos,  grã-tabanqueiros entrados há pouco mais de um ano...

Tens  já mais de 110 referências no nosso blogue, o que é obra!...  Tens um extenso álbum com um milhar de fotos a preto e branco e a cores, e uma memória notável dos temos e lugares da guerra da Guiné.

Gosto da tua franqueza e frontalidade, és tipicamente um homem do Norte. Fazes anos no mesmo dia que eu, por isso passei,  a partir de ontem, a tratar-te  também como "mano", além de amigo e camarada...

Só me lembro de um velho amigo, que já morreu há muito, que fazia anos no mesmo dia que eu: o tio João 'Moleiro', da Atalaia / Lourinhã... Moleiro de profissão... (E, mais recentemente, de um dos filhos do meu amigo Luís Morais, de Tomar, que eu ajudei a doutorar-se em saúde pública, e curiosamente filho de miliar, com vivências em Angola, na infância.)

Quando lá vivi, na Lourinhã, e sobretudo nos primeiros anos do meu regresso da Guiné, entre 1971 e 1974, ia sempre lá a casa dele, o ti João 'Moleiro', que sempre conheci 'enfarinhado',  beber um copo à sua/nossa saúde, nesse dia... Com o meu saudoso amigo, colega e primo João 'Patas' que, se não erro, era afilhado do ti João 'Moleiro' ... (Nas terras pequenas, na província, toda a gente tem alcunhas, muitas vezes ligadas às velhas profissões: moleiro, sapateiro, funileiro, mata-porcos, bate-chapas, sacristão, carteiro, canalizador, etc.)

E, ainda a propósito: descobri que o João 'Patas', meu colega nas finanças (, o meu emprego de ocasião...), era meu primo, depois de morrer, ainda novo, com filhas para criar, naquela idade em que devia ser proibido um homem morrer... Fez uma comissão em São Tomé e Príncipe, o João 'Patas', no início dos anos 60... Era do clã "Maçarico", de Ribamar, como eu... Os nossos bisavós eram irmãos, soube-o mais tarde, tarde de mais...

Virgílio, sei que não gostas de fazer anos... Afinal, quem gosta de envelhecer? É verdade,  hoje estamos um ano mais velhos, mas estamos vivos!... Em rigor, matematicamente falando, estamos 24 horas mais velhos do que ontem... É só isso.  E tivemos, os dois, que revalidar a carta de condução...

Mas demos graças à vida, por tudo o que a vida nos deu!... e nos vai continuar a dar... porque, modéstia à parte, a gente merece tudo... e mais qualquer coisinha!

Espero que tenhas tido, com a tua querida família, um belo jantar, em Vila do Conde... Como eu te dsse, se fosse mais perto, iria lá cravar-te um uísque... com água de Perrier... Sei que trouxeste uma boa garrafeira e ainda não a estafaste toda... Mas fica para a próxima! ... Afinal, Vila do Conde não fica longe dos sítios por onde páro quando vou ao Norte...

Espero poder, entretanto, dar-te um abraço ao vivo, em Monte Real, no dia 25 de maio.... Já temos marcado, para esse dia, o XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande... Vamos comemorar os 15 anos de existência deste espaço (único) que é o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, onde todos cabemos com tudo aquilo que nos une e até com aquilo que nos pode separar (a política partidária, a religião proselitista, o clubismo futebolístico...). 

E, mais uma vez,  obrigado pelo teu elogio ao blogue que foi pensado, justamente, para unir todos os camaradas que estiveram na Guiné, entre 1961 e 1974... Os vivos e os mortos...  Todos, mas todos, independemente da arma, da especialidade ou  do posto... E a única união possível é através da partilha das memórias (e dos afetos)... Um alfabravo, Luís.

PS - Blogoteria: substantivo feminino > Blogo (de blogue) + terapia > tratamento de 'doenças ou distúrbios' através da partilha de memórias e afetos (por exemplo, entre antigos combatentes ou camaradas de armas)... Ainda não vem nos dicionários... Mas há-de lá chegar.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19451: Parabéns a você (1569): Luís Graça, ex-Fur Mil Armas Pesadas Infantaria da CCAÇ 12, fundador e editor deste Blogue e Virgílio Teixeira, ex-Alf Mil SAM do BCAÇ 1933 (Guiné, 1967/69)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19328: Blogoterapia (290): O Medo - como nunca pensei que sentisse (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor do BCAÇ 3872)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 21 de Dezembro de 2018:

Carlos e Luís
Após a leitura do livro do nosso camarada António Martins de Matos e em especial o capitulo escrito pela psicóloga Teresa Matos sobre o medo, resolvi fazer uma pequena viagem sobre o meu medo ou medos.
Junto vai uma foto onde estão vários dos que seriam sobreviventes da emboscada do Quirafo em Abril de 1972. De notar que o que está na primeira fila ao centro é o condutor único sobrevivente da primeira viatura. Ao lado dele, à nossa esquerda, é o condutor da segunda.

Um Feliz Natal e um próspero Ano Novo para todos os membros da tabanca mais para as suas famílias.

Abraços
Juvenal Amado


O MEDO

No dia 24 de Dezembro faz 47 anos que desembarquei em Bissau integrado no meu Batalhão 3872, o que quer dizer, que no momento que escrevo estas linhas navegava ou estava ao largo da ilha da Madeira. Não tive medo quando fui mobilizado, nem quando embarquei, nem quando desembarquei. Havia um misto de curiosidade e distanciamento, que quase parecia que não me estava a acontecer aquilo e que era um simples observador.

Mas na noite do desembarque, já no Cumeré, provei o medo como nunca pensei que existisse tal sentimento. A violência da guerra chegou até mim, que tinha dado duas dúzias de tiros de G3 e era esse o som mais próximo que tinha dela. Não sabia na altura que a espiral do medo tinha tantos patamares e que, aquele som das antiaéreas, a fazer batimento de zona, que faziam tremer o chão, não era nada comparado com som de um ataque onde as explosões e o matraquear das armas ligeiras têm um resultado tão aterrador.

O medo tolda-nos os sentidos, desfaz-nos o discernimento, penetra perniciosamente nos músculos, tolhe-nos as passadas, encharca-nos a roupa com suor gelado, deixamos de ver e ouvir com clareza, por vezes não se tem controle sobre as mais elementares necessidades fisiológicas, a irracionalidade sobrevem à amálgama de sensações descontroladas, em que nos tornamos seres sem quereres nem vontades próprias. Desse estado, saímos em várias direcções e soluções impensáveis, quando, no estado da razão de que normalmente somos proprietários, faríamos ao contrário .

Ao longo da vida passamos por diversos medos por ou ignorância rotulamos de medo, pois o medo na infância do escuro, do professor, do resultado do exame, o medo de ser rejeitado, o medo do ridículo, em nada é equiparado ao medo que nos descontrola ao ponto de nada mais ter interesse que a preservação da vida.

O medo como escreve a psicóloga clínica Teresa Matos* (vale a pena ler) é bem mais complexo do que até aqui eu pensava. Envolve a produção ou ausência de substâncias que na nossa condição de humanos produzimos. Escreve ela, que sujeitos ao medo o nosso corpo se transforma com reacções físico-químicas, que nos preparam para receber em antecipação o impacto de qualquer agressão que nos ponha em perigo.

Depois respondemos ao medo por ordem de um superior, porque por vezes existe o medo hierárquico, que suplanta o medo do inimigo. Se assim não fosse, como se explicaria, que à ordem de comando um soldado salta para a frente afrontando cortinas de balas?

Noutras, o individuo reage em autodefesa, porque é necessário responder à agressão. Finalmente o medo pode tolher de tal maneira o individuo que nada fará para se defender.

No principio da guerra, falou-se de quem se matou após a mobilização com medo de morrer na guerra, quando afinal dessa forma certeira cumpriu o destino que temia mas, que lhe era incerto.

“o medo tem alguma utilidade, mas a covardia não”. Mahatma Gandhi

Quem esteve em situações de combate, ou participou em colunas em que minas mataram camaradas, sabe do terror que se sente após os acontecimentos, a dificuldade de abandonar a vala e em especial, em mexer os pés do sítio onde nos abrigamos na urgência.

Conheço um camarada que tendo sofrido uma emboscada onde morreram vários companheiros (Quirafo - Saltinho) sofre de stress pós-traumático e o medo apodera-se dele de tal forma que não consegue responder-lhe, não dorme, é visitado pelos acontecimentos e as caras dos que morreram não lhe saem da cabeça. Os sons da tragédia compõem a banda sonora do que poderia ser um filme. Neste caso são os psicólogos e psiquiatras a administrar químicos em substituição dos que não se produzem naturalmente de que fala a autora Teresa Matos. O organismo do nosso camarada não consegue responder ao medo que se pegou a ele de forma visceral. Cumpre-me aqui informar, que já não falo com o camarada desde que ele começou a ser tratado e por isso, não ter real conhecimento do seu estado hoje.

Alguns destes camaradas sobreviveram à emboscada do Quirafo. O que está na primeira fila ao centro é o condutor único sobrevivente da primeira viatura. Ao lado dele, à sua direita, é o condutor da segunda

Naquele tempo também sofri do medo real e em antecipação ao que poderia acontecer quando ia em colunas mas por outro lado pernoitei em sítios onde só alguma inconsciência da minha parte, permitiu ignorar o perigo. Conheci quem com medo dos ataques, só se deitava após as 11 horas da noite, pois era norma que se não nos atacavam até aquela hora, já não fariam com medo de serem apanhados pela madrugada na retirada.

Fez no dia 1 de Dezembro anos que fomos atacados ao arame farpado. O sentinela na dúvida se eram cabras a pastar ou guerrilheiros, não quis disparar com medo de levar uma porrada do comandante. Valeu-nos outro camarada que pegou na G3 e despejou o carregador sobre os vultos.

Mas o medo também é motor da actividade humana. O medo de ficar para trás, o medo que pareça mal, o medo da solidão e da incompreensão, o medo da velhice quando afinal devíamos ter mais medo de não chegarmos a velhos.

Assim existem vários patamares para o medo. O medo é um sentimento que se revisita como nenhum outro, pois há quem tenha medo de ter medo.

“Todos os homens têm medo. Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a coragem”. Jean Paul Sarte

Um Feliz Natal em paz é o meu maior desejo para todos os camaradas

(*) - Livro de António Martins de Matos Voando Sobre Um Ninho de Strelas, capitulo 42
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19145: Blogoterapia (289): Aquele toque a finados é uma coisa que me arrepia... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19145: Blogoterapia (289): Aquele toque a finados é uma coisa que me arrepia... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

1. Mensagem de Virgílio Teixeira (, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69; natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já mais de 90 referências no nosso blogue):

Data: domingo, 28/10/2018 à(s) 11:54
Assunto: Dia do Exército - Celebrações em Guimarães

Bom dia, Bom amigo Luís,

Hoje é o Dia do Exército e ainda não vi um Poste alusivo a esta efeméride. Não sabia também, talvez pela mudança da hora, alterou os meus circuitos electrónicos.

Estava a fazer a barba, a minha mulher estava na cozinha, como sempre almoçamos em casa.
Ela tem a TV ligada na RTP1. E depois vem a missa de Domingo, que ela segue religiosamente enquanto trabalha.

Quando dou conta, ela tem a TV no máximo, estava a tocar aquele hino ao mortos, pela banda militar.
Como isto me arrepia, vim logo ver e ouvir a cerimónia, embora não em trajes militares... Aquele toque a finados, é uma coisa que me arrepia, ela sabe que eu gosto disso, nem precisa dizer nada, depois diz-me que é o Dia do Exército, e estava a ser celebrado numa igreja algures em Guimarães.
Não sei se estava lá o CEME, ou CEMGFA, havia muitos galões de General.

Esta noite tive novamente mais outro pesadelo. Estava a chegar à Guiné, para uma nova comissão...
E ainda me lembro que no sonho eu disse quando lá cheguei, sozinho, que ia para Nova Lamego!
De onde vêm estes sonhos, que apesar de tudo não são pesadelos, estava a encarar tudo bem, até disse lá à malta que já conhecia aquilo tudo, tinha já estado lá, depois acordei, não sei porquê, eram horas de acordar.

Desculpa estar a ocupar o teu tempo com estas merdices, num Domingo de sol e frio, ainda não fui à rua, mas já o sinto. Mas tenho de desabafar com alguém que me compreenda, os meus já não têm paciência, eu traumatizei-os ao longo dos tempos.

Ontem tivemos um dia muito mau, com um funeral de um amigo dos meus filhos, que também era quase 'filho' da casa, com 46 anos. O Padre Bártolo foi quem fez as cerimónias, às 10 horas da manhã. Veio de carro fúnebre da Alemanha, onde vivia, estava casado com uma mulher da Geórgia, ela também estava cá. A família estava num caos, são nossos conhecidos e amigos, o meu filho foi um dos seus melhores amigos, e carregou também à frente, a urna, juntamente com outros.

Um bom dia para ti junto da tua família.

Abraço,
Virgílio
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sábado, 9 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17749: Blogoterapia (288): Quando o tudo não vale nada (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor AR da CART 3493)

Um olhar
Foto: © Dina Vinhal

1. Em mensagem do dia 25 de Agosto de 2017, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) mandou-nos este seu pensamento.


Quando o tudo não vale nada

Todos nós já passamos ou vimos alguém enquanto mais novo, e alguns, mesmo já idosos, a trabalhar sem ter tempo para ver o mundo que o rodeia…
Não ter tempo para a família.
Não ter tempo para os amigos ou para aqueles que necessitavam da sua ajuda.
Não ter tempo para escutar. Na maioria das vezes, apenas ouve.
Não ter tempo para observar atentamente, limitando-se a olhar…
O Pior é com tal comportamento pensa que está a fazer o melhor para si e para os seus e, não raramente, quando vê que afinal estava errado é tarde de mais… Mesmo assim, há sempre um tempo em que é possível mudar, jamais chegará onde com outro comportamento poderia ter chegado, mas entre o tudo e o nada há que aproveitar o que ainda for possível.
Por isso, mesmo que ainda possa andar depressa, procure não andar com pressa… tente observar calmamente o ambiente que o rodeia, e não apenas olhar. Procure escutar sempre, mesmo que lhe pareça não merecer a pena, mas merece sempre, se mais não for permite-nos valorizar aqueles que sabem o que dizem e que gostamos de ouvir, ainda que seja muitas as vezes que não temos oportunidade de lhes dizer.
Ao longo da vida muitos de nós somos confrontados com situações em que o tudo não vale nada, não raramente é a partir daí que descobrimos o caminho que devíamos ter percorrido… mas como o passado não volta mais há que arrumar, porque esquecer é impossível, e procurar novo rumo, parar nunca!

António Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17517: Blogoterapia (287): Não é fácil ser português (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas)

terça-feira, 27 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17517: Blogoterapia (287): Não é fácil ser português (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas)



1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 25 de Junho de 2017:

Ser português não é fácil, e penso que nunca foi fácil para a grande maioria do povo. Lançados à conquista de um império, que nunca resultou numa maior distribuição das riquezas, modernidade nem bem estar, fica-nos o orgulho de que os nossos antepassados fizeram o impensável para um país tão pequeno como o nosso, tanto na expansão como na defesa da nossa nação. Não foi pois por falta de coragem que não chegamos ao tão almejado estádio em que seria equiparada a nossa grandeza exterior, com a riqueza e bem estar interno e que nos elevaria a estatuto entre as nações mais avançadas na arquitectura, na medicina, nas ciências, na educação e, por conseguinte, no progresso que dita o bem estar da sua população.

Os nossos antepassados regaram com o seu sangue terras longínquas, repeliram invasões, guerras civis, revoluções e, por fim, acabamos a construir as cidades para os outros.

Assim chegou a vez da nossa geração e fomos quase um milhão.

Durante 13 anos fomos actores principais numa guerra que nos sangrou, apartou das nossas famílias e, pior, tornou o futuro irremediavelmente perdido para muitos.

Aqui chegados, constato que continuamos a ser usados na nossa boa vontade e orgulho patriótico.

No 20 de Maio fui receber a minha Medalha Comemorativa de Campanha. No momento senti um misto de orgulho e algumas dúvidas.

Orgulho por ir receber a medalha que foi finalmente imposta, quarenta e tal anos depois do meu regresso. Independentemente das razões, entendo que é meu direito reivindicar a mesma, como uma coisa que me é devida.

Dúvidas. Qual real valor que esta condecoração tem. Na mesma cerimónia vi militares no activo receberem também distinções por serviços prestados. Terá sido na Bósnia? No Iraque, em África, onde se fazem hoje comissões de 6 meses como voluntários, mais bem armados, equipados, treinados e remunerados? No caso, as ditas Medalhas por Serviços Distintos tinham a categoria de ouro, prata e bronze. É aqui que começa a minha incompreensão.

Será que no meio de vinte e tal ex-combatentes que foram receber a Medalha Comemorativa das Campanhas, não estariam homens, que no seu tempo praticaram actos de bravura em combate durante as suas comissões, em especial em Angola, Guiné e Moçambique?
Vinte e tal meses em zonas 100% operacionais que até a água se ia buscar com risco de vida. Isto é comparável a quê nos dias de hoje?

O nosso exército é hoje profissional e voluntário, os seus membros relativamente bem remunerados, direi mais, excelentemente remunerados, quando prestam serviço em qualquer zona de conflito, normalmente em missões de policiamento ou de interposição.

Note-se que não estou contra a nossa participação nessas acções, uma vez que a integridade nacional se defende hoje a milhares de quilómetros das nossas fronteiras. Talvez se deva pôr em causa as razões que provocaram a instabilidade neste Mundo e que levaram ao actual estado de coisas, mas isso é outra questão.

Será possível que aqueles jovens soldados (todos graduados alguns com o peito carregado de medalhas), que no sábado foram condecorados por serviços prestados, tenham feito alguma coisa que transcendesse os actos de bravura de alguns de nós há 45 ou mais anos.

Estavam lá veteranos das três frentes, Comandos, tropa normal e paraquedistas, que naquela guerra sofreram o que só nós sabemos. Perfilámo-nos, emocionámo-nos com a homenagem aos mortos (cada um se lembrou dos seus) recebemos as honras dos militares em parada, seguidamente almoçámos no quartel no meio das fardas de gala e camuflados, mas será que nem um de nós merecia uma daquelas medalhas, de bronze ou prata, para já não falar na de ouro?

Quantos ex-combatentes receberam alguma? Soldados anónimos que contribuíram com a sua coragem para salvarem outros. Quem não conheceu um pelo menos? Algumas provas disso foram ignoradas e apagadas, para assim não serem prova viva da gravidade dos ataques. Chegou-se ao cúmulo de mencionar as munições gastas para repelir o ataque como sendo gastas em exercícios.

As provas de heroísmo foram apagadas como apagaram os buracos feitos pelas armas do inimigo e, quanto muito, foram as companhias ou batalhões galardoados no final das comissões pelo cômputo geral do serviço, beneficiado destes louvores os comandantes que viram assim averbadas estas às suas folhas de serviços.

Quanto à medalha, vou guardar a minha como memória daquele tempo, mas lamento que ela cheire a prémio de consolação e que, ao nos serem entregues hoje, se queiram justificar perante nós de alguma coisa, em vez de praticarem a mais elementar justiça para quem deu tanto si.

Dentro de alguns anos haverá milhares de veteranos a viver sozinhos, sem rendimentos para irem para um lar, com valores hoje a rondar os 1000 € (que muitos casais de reformados hoje não aufere), mais medicamentos, fraldas e cuidados de saúde complementares.

Nessa altura para que servirão as medalhas?
Que nos irão fazer?

A Pátria sempre teve filhos e enteados, mas une-nos, apesar das nossas diferenças sociais e até politicas, um sentimento que nos enche o peito. Podemos não estar de acordo com governos e governantes mas a Pátria somos nós, ama-se, não se discute, não se vende e não se renega, por muito que em nome dela nos maltratem.

Dela espera-se só o reconhecimento, pelo amor que lhe damos, na maioria das vezes sem retribuição alguma.

Um abraço
Juvenal Amado

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2. Comentário do editor:

Não é meu hábito "deitar faladura" a seguir aos textos dos camaradas, mas o tema que o Juvenal traz à liça, sugere-me alguns comentários.

Quanto à atribuição da Medalha Comemorativa das Campanhas, logo no fim da nossa comissão ficou registada na Caderneta Militar de cada um. Vejam a página 12.
Conclusão, a Medalha devia ter sido distribuída na altura. Como não foi, e todos nós mudámos de residência inúmeras vezes depois de passarmos à disponibilidade, digamos que as autoridades militares perderam o nosso rasto, não sabendo sequer se somos vivos. Restava fazer o que agora vem a ser feito, requerer a Medalha, dando sinal de que ainda estamos vivos. "Estes" nunca a negaram e estão a distribuí-las às centenas, anualmente.
Já agora, a culpa disto tudo foi da "outra senhora", a quem poucos afrontavam então.

Quanto às Medalhas de Serviços Distintos, a coisa é mais complicada, pois a sua atribuição dependeria de proposta dos respectivos Comandantes.
Já se sabe que conforme a hierarquia ia descendo, mais difícil era o acesso às mesmas. E nós, caro Juvenal só tínhamos direito à de cobre, à de folheta, melhor dizendo.
Voltamos à mesma, não vale a pena pensarmos nisso agora.

E o mais sensível para nós, as actuais missões no estrangeiro.
Não há comparação possível com o nosso tempo. Quantas localidades tinham telefone na Guiné?
Os militares de hoje têm ao seu dispor toda uma panóplia de meios de comunicação que há cinquenta anos eram impensáveis.
Os vencimentos são tão diferentes que é pecaminoso fazer qualquer comparação.
Os actuais militares ganham muito? Não, nós é que ganhávamos pouco. O problema foi nosso, que vivemos noutros tempos de míngua.
O tempo de missão foi consideravelmente reduzido porque os efectivos são suficientes para a rotação dos mesmos.

Os militares de hoje são  considerados e reconhecidos? Ainda bem, pena que não tenha sucedido isso connosco.
Não te esqueças Juvenal, que pela esquerda radical, a seguir ao 25 de Abril, fomos considerados fascistas, colonialistas e outras coisas terminadas em istas, sorte tivemos em não sermos presos. Talvez  porque éramos muitos. Já nem falo na entronização daqueles que se negaram a ir para a guerra, transformados em verdadeiros patriotas.

Finalmente, o nosso fim de vida, para uns em carência, para outros mais desafogado.
A falta de condições básicas terá a ver com a condição de ex-combatente? Em alguns casos sim, mas não podemos generalizar. Cada caso tem de ser analisado, e arranjar-se a solução adequada. A nossa condição de ex-combatente não se pode sobrepor à daqueles que por serem mulheres ou homens mais afortunados, não foram à guerra.

Que queremos afinal? Respeito, reconhecimento pelo nosso esforço e apoio aos estropiados e afectados física e psicologicamente pela guerra.

CV
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17491: Blogoterapia (286): Uma memória daquele espaço em Casal dos Matos, Pedrógão Grande (Mário Beja Santos)