segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7834: Notas de leitura (207): Antologia Poética da Guiné-Bissau (António Tavares)

CCS / BCaç 2912 - Galomaro


1. Mensagem de António Tavares* (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 20 de Fevereiro de 2011:

Ao ler o poema acima na minha Antologia Poética da Guiné-Bissau  (recensão e capa no P7819 de Mário Beja Santos) transcrevo-o.

Escrito de Agnelo Regalla (1972) lembra-me: uma parte da história dos Guinéus; a minha primeira noite na Guiné (01-05-1970) passada no cais de Pindjiguiti, o cais que a maioria dos ex-combatentes pisaram.

Em 3 de Agosto de 1959 os marinheiros indígenas de várias embarcações costeiras das firmas de Bissau manifestaram-se no cais de Pindjiguiti por melhoria salarial. Manifestação que resultou em greve, que foi imediatamente reprimida com barbaridade pela PSP, PIDE e militares, com mortos e feridos.

Era o começo da luta do povo da Guiné pelos seus direitos…

Em 23 de Janeiro de 1963 começou o início das acções militares do PAIGC com o ataque ao quartel de Tite, a guerra de guerrilha.

Até 1963 o PAIGC e Amílcar Cabral acreditaram que as Nações Unidas receberiam de Portugal o acordo para a autodeterminação dos povos da Guiné Portuguesa e de Cabo Verde.

Em 1446 Nuno Tristão descobre a Guiné. Diogo Gomes em 1460 descobre as ilhas de Cabo Verde.


QUINHENTOS ANOS DE HISTÓRIA

Quinhentos anos de história
(Sem história…)
Quinhentos anos de escravidão e exploração,
Quinhentos anos sem luz.
Os transatlânticos
Não chegaram ao Pindjiguiti,
E os estivadores morreram…
De fome e de balas no Pindjiguiti.
Quinhentos anos de tormento
Em que as mães choraram
(E ainda choram...)
Em que os bombolons clamaram vingança,
Para que a Guiné acordasse.



Agnelo Regalla, nasceu em Campeane, filho de Francisco Augusto Regalla e de Maria Assana Said Regalla. Formou-se em jornalismo no Centro de Formação de Jornalistas (França). Tem um grande curriculum político e poemas nas antologias de poesia guineense.

Conheci (1970/72) Francisco A Regalla, cabo-verdiano, comerciante em Galomaro.
Tinha sido vítima de um ataque do PAIGC em Campeane, na região de Tombali, onde perdeu todos os seus bens… em Galomaro estava a reiniciar a sua vida. Tinha um restaurante /bar, negociava com mancarra, alugava a sua camioneta (1+1), viajei imenso com ele a guiar uma nova viatura que comprou com os ganhos das suas múltiplas actividades comerciais. As duas viaturas do Regalla tinham prioridade no aluguer para os reabastecimentos do vizinho BCaç 2912.

Viajar com o F. Regalla era um prazer porque tinha sempre interessantes assuntos para conversa e era uma pessoa que transmitia confiança às nossas tropas…

Cumprimentos do,
António Tavares
Foz do Douro, 19 de Fevereiro de 2011
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7604: Facebook...ando (7): A terrível emboscada sofrida por uma coluna da CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro) e CCAÇ 2700 (Dulombi) em 1 de Outubro de 1971, às 20h30, na estrada Galomaro - Duas Fontes (Bangacia)... (António Tavares / Carlos Filipe / Juvenal Amado / Américo Estanqueiro)

Vd. último poste da série de 19 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7819: Notas de leitura (206): Antologia Poética da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7833: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (39): Teixeira Pinto - Capó e a bela donzela

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 19 de Fevereiro de 2011:

Caro amigo Vinhal
Com um abraço e votos de saúde e paz, envio-te mais um pouco de “Viagem…” para, se assim achares, publicar.

É um dos apontamento sobre um pequeno – longo período que passamos, onde a vida se resumia à sobrevivência diária embrutecida, em que qualquer “escape” era viver.

Um abraço para todos
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (39)

Teixeira Pinto – Capó e a bela donzela

As primeiras semanas de Outubro foram-se passando num dia-a-dia de certo modo rotineiro, em que as saídas para as matas se iam sucedendo sem haver felizmente maus encontros e as “cerimónias” marcavam o ponto, com maior ou menor assiduidade e extravasamento individual ou colectivo dos convivas, consoante o estado de alma, o mote (se é que era preciso), e a quantidade e variedade das bebidas intervenientes.

Em 02Out70, a CCAÇ 2791 (FORÇA) tinha pisado solo da Guiné. Um ano havia passado, muita vida se tinha vivido, muito sangue se tinha vertido, muita dor se tinha cumprido, no que acreditávamos ser um Dever Nobre.

Mas aquela terra que também era nossa, que juráramos defender e nos subtraíra já a juventude, iria querer ainda mais esforço, mais suor, mais dor, mais vida e a 10Out71, a escolha recaiu sobre o malogrado Jesus, Soldado Básico, simpático, solícito e bem disposto, que as águas calmas da bolanha reclamaram aquando dum refrescante banho. Triste sina a do Jesus. Indevidamente (?), já tinha sentido a mata em Bula e sobrevivido.

Os dias foram-se sucedendo sem outros males e a 25 do mês, a FORÇA a 3 GCOMB, reforçada com um GCOMB da CCAÇ 3308 vai para Capó, um não lugar no meio de nada, entre Teixeira Pinto e Cacheu, onde irá ser reinventado e construído um aquartelamento temporário que nos servirá de abrigo e base logística de apoio ao prosseguimento dos trabalhos de construção da estrada, em que íamos passar a estar empenhados na segurança próxima directa de trabalhadores, máquinas e da própria estrada.

Para além de se situar em zona já por nós ensaiada a ferro e fogo, neste acampamento íamos enquadrar meio milhar de trabalhadores nativos, o que era mais uma certa dor de cabeça diária, em especial quando regressavam do trabalho

Trabalhadores (foto J Fontinha)

Como o que não tem remédio remediado está, a desmatação inicia-se e a maquinaria faz ouvir o ronco dos seus potentes motores, desbravando e aplainando terreno, escavando valas e fossas, levantando barreiras protectoras de terra em substituição dos aramados, (por essa altura ainda nos eram desconhecidos os famigerados “bandos do arame”!?) edificando o que a breve prazo se vai transformar em reduto defensivo quadrangular torreado, que irá receber as cerca de seiscentas almas para aquelas bandas desterradas e que por lá se irão espairecer até primeiros de Dezembro.

Capó -Aspecto do aquartelamento (foto J Fontinha)

Construídas pelos exímios nativos em tempo recorde, as instalações feitas de ramos, folhas de palmeira e capim(?), vão alastrando nas suas formas paralelepipédicas pelos espaços a elas destinados. Nos quartos, perfeitamente ventilados e com “saídas de emergência”, as camas são também do mesmo material, com a particularidade de os estrados de fina ripagem arbustiva assentarem em pés enterrados no chão. Os bancos, mesas e todo o mobiliário eram peças artesanais únicas, perfeitamente enquadradas no estilo arquitectónico das edificações, estas concebidas de molde a não ferirem a sensibilidade paisagística do local.

Capó - Descanso do guerreiro! “Escopeta” sempre à mão.

Capó – higiene matinal

Capó – mobiliário - elementos 4.º Gr (foto J Fontinha)

Quanto a operacionalidade defensiva e reactiva, o Pessoal foi instruído das posições a ocupar, dos cuidados a ter e do modo de actuar. Na hora, só podíamos contar connosco, em especial à noite, já que o apoio da artilharia do Bachile não seria viável por não ter alcance suficiente, Teixeira Pinto e Cacheu estavam distantes e aviação era problemática (acabou por vir ajudar-nos, brindando-nos com um dos mais belos quadros pintados a um anoitecer)

A actividade operacional diária dos GCOMB começa a desenrolar-se com normalidade e rotatividade nas tarefas necessárias, como picagem e segurança às máquinas e trabalhos, abastecimentos, patrulhamentos e emboscadas de proximidade, segurança ao aquartelamento…

Elementos 2.º GComb (meu) - Augusto em 1.º plano

Os dias de canícula abrasadora iam-se sucedendo sem males de maior que lembre, embrenhando-nos a viver naquele meio de nada, onde o diferente era por vezes exacerbado, dando vida e alento àquelas almas penadas que por aquelas bandas se atreviam de quando em vez a sonhar(?!).

É assim que um belo dia, creio que pela manhã, reparo na correria desgarrada do pessoal ”residente” em subida para a barreira frontal à estrada. Apresso-me na mesma direcção a inteirar-me do que se passa e estampa-se-me o olhar numa branca e alourada donzela (?!), de mini - mini saiinha, que arejava as coxas e calcinha protectora das “vergonhas”, debruçando-se na apanha de pequenas florinhas amarelas, que julgo malmequeres.

Talvez por se aperceber das movimentações militantes, resolve prolongar e até alindar o trabalho, aumentando um pouco mais a ventilação da alva blusa em uso, quiçá devido ao eventual aumento de temperatura provocado pelo calor dos humanos olhares embicados e perscrutadores ou mesmo com intenção meritória e altruísta de tentar exercitar e dar um pouco de vida aos “mangalhos pendurões” e em hibernação daquela plateia de galfarros com avidez gulosa espelhada nos olhares.

Fosse por que motivo fosse… foi um raio de luz e calor que nos envolveu e marcou momentos que intimamente agradecemos e ainda hoje recordados .

Luís Faria

© Fotos L Faria/J. Fontinha
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Nota de CV:

Vd. último posue da série de 8 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7573: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (38): Teixeira Pinto - movimentações militares e dores de cabeça

Guiné 63/74 - P7832: Álbum fotográfico de Amaral Bernardo (Alf Mil Med, CCS/BCAÇ 2930, Catió, Cacine, Bedanda, Guileje, Gadamel, Tite, Bolama, 1970/72) (2): Bedanda, CCAÇ 6, 1971/72 (Parte I)





Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72 > O Alf Mil Med Amaral Bernardo esteve 13 meses em Bedanda, sendo substituído pelo Mário Bravo (finais de 1971/princípios de 1972)... Regressou à Metrópole em Outubro de 1972.


Fotos: © Amaral Bernardo (2011). Todos os direitos reservados.




1. Continuação da publicação de uma selecção de fotos do álbum da Guiné, gentilmente disponibilizadas pelo nosso camarigo Amaral Bernardo (José Maria Ferreira do Amaral Bernardo, director de serviço hospitalar, Professor Catedrático Convidado, a 30%, no ICBAS - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, antigo responsável  do Departamento de Ensino Pré Graduado do HGSA - Hospital Geral de Santo António, hoje integrado no Centro Hospitalar do Porto, EPE, Porto (Telef. + 351 222077570);  ex-alf mil médico, BCAÇ 2930, Catió, 1970/72)  (*)


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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > 17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7802: Álbum fotográfico de Amaral Bernardo (Alf Mil Med, CCS/BCAÇ 2930, Catió, Cacine, Bedanda, Guileje, Gadamel, Tite, Bolama, 1970/72) (1): O reabastecimento de Bedanda, no tempo das chuvas, através do Nordatlas, com lançamento de pára-quedas

Guiné 63/74 - P7831: Memória dos lugares (141): Bedanda vista por António Teixeira, ex-Alf Mil da CCAÇ 6 (1971/73) (3)

1. Mensagem de António Teixeira* (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73), com data de 19 de Fevereiro de 2011:

Boa noite
Bedandenses:

Felizmente, este movimento continua e hoje mais um reencontro, mais uma grande alegria. Graças ao amigo Vasco consegui finalmente chegar às falas com o ex-alferes Baltasar, que aparece aqui nesta foto fazendo parte de uma equipa de futebol de uma das selecções de Bedanda. O Baltasar está em primeiro plano e é o segundo a contar da esquerda, com a bola de futebol junto de si, tal ponta de lança matador. Está entre o Figueiral e o ex-furriel Vaguemestre, que suponho se chamava Revez (se alguém me puder ajudar...).

Claro que ficou bastante feliz com o contacto, onde tive a oportunidade de o por ao corrente deste movimento para o nosso reencontro. Estamos neste momento à procura de mais pessoal, e o que é certo é que o grupo vai aumentado. Falei-lhe também no nosso (acho que o posso chamar assim) blog, e já tive a oportunidade de lhe enviar via email um link.

Hoje vou-vos enviar mais algumas fotos de Bedanda, que passo a legendar.

B1 - Vista aérea de Bedanda. Em primeiro plano o Pelotão, dpois a pista de aviação e bem lá no fundo a tabanca o aquartelamento.
Foto editada por CV

B2 - Parte do aquartelamento. Este edíficio era destinado aos oficiais - os seus quartos, banhos e refeitório. Lá no fundo vê-se o refeitório geral. Por trás de este edificio ficava a nosso bar.

B3 - A Tabanca

B34 - Por do sol

B61 - Por do sol

B98 - A parede do edifício das fotos anteriores depois de um ataque. Um rocket caiu bem perto, mas só fez este estrago. Pior foi outro que caiu na tabanca e fez uma mortandade em galinhas e cabras. Conclusão, comidinha para uns dias (as que se aproveitaram)

B140 - Ao fundo está a nossa secretaria e o gabinete do capitão. Em primeiro plano já não me lembro que edifício era.

B141 - Outra imajem do aquartelamento. Ao fundo o refeitório.

B222 - Seleção de Bedanda, onde se pode ver o ex-alferes Baltasar, em primeiro plano, segundo a contar da esquerda.

Um grande abraço
António Teixeira
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7784: Em marcha, a ideia de um próximo encontro da malta que passou por Bedanda (António Teixeira)

Vd. último poste da série de 20 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7822: Memória dos lugares (140): Bedanda e o seu reabastecimento no meu tempo (Rui Santos, ex-Alf Mil, 4ª CCAÇ, 1963/65)

Guiné 63/74 - P7830: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (67): Na Kontra Ka Kontra: 31.º episódio




1. Trigésimo primeiro episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 20 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


31º EPISÓDIO

Um elemento da coluna tinha accionado um engenho explosivo, ficando com o corpo todo dilacerado. Nunca se chegou a saber se o engenho já lá estava na passagem anterior. Provocou ainda pequenos ferimentos nos que iam mais perto. Não produziu mais danos pois o Alferes Magalhães tinha sido muito preciso nas instruções dadas, no sentido de irem afastados uns dos outros seis ou sete metros. Um dos feridos ligeiros foi o Dionildo, que soltando meia dúzia de c… e f… depressa se recompõe.

Como autómatos, os homens tinham-se atirado para o chão e os mais nervosos, contrariamente às instruções recebidas, fizeram alguns disparos sem qualquer objectivo. Seguiu-se o silêncio, quer dos homens, quer dos animais da floresta. É então que o Alferes Magalhães com a garganta cheia do pó vermelho da picada, num grito rouco pergunta ao João Sanhá:

- Quem foi atingido?

À pergunta do Alferes Magalhães: - Quem foi atingido? O João Sanhá logo respondeu:

- Foi o Samba. Está todo desfeito.

O Alferes pelo hábito de conviver com o Dionildo solta, mas só para si, um c… f…

- Logo ele.

Naquele momento o Alferes quereria que tivesse acontecido aquilo a qualquer outro milícia menos ao Samba. Pensou na Asmau que mesmo que não ficasse viúva iria com certeza ficar com um homem mutilado, dependente. Gostou muito da Asmau e ainda gosta e isso está a angustiá-lo muito. Um sentimento de culpa instala-se nele. Pensa, sem qualquer razão, que podia ter dispensado o Samba, naquele dia. Tinha subestimado o inimigo quando pensava que qualquer aproximação a Madina Xaquili se faria pelo lado de Padada e sentia-se culpado.

O Alferes Magalhães monta uma defesa com alguns elementos metidos na mata, pois nunca se sabia com o que se contava, e depois de concluir que aquela mina não passava de um acto isolado, manda de imediato quatro homens à tabanca para que o rádio-telegrafista faça um rápido pedido de evacuação.

O Samba acaba por morrer durante o transporte para a tabanca.

Cerca de uma hora depois chega um helicóptero que parte como veio. A guerra estava ali e as coisas iriam precipitar-se.

Embora o Samba não tivesse família na tabanca toda a população organiza e participa no “choro”. Para todos os metropolitanos mais parecia uma festa. Houve música e cantares, tendo o Adramane disponibilizado uns cabritos para todo o pessoal comer.

Dada a falta de condições para conservar minimamente o corpo, ao fim da tarde é enterrado no “cemitério”, local incaracterístico, situado na mata logo a seguir à zona desmatada. O Alferes acompanhou todos os rituais embora sempre acabrunhado. Da cabeça dele não saía a pergunta: - Porquê ele? Tentou ver a Asmau, para lhe dar uma palavra de conforto, mas não conseguiu descobri-la. Devia estar recolhida na morança dos pais.

Tinha mandado uma mensagem para o comando de Galomaro a contar o sucedido e aproveitou para pedir um reforço de material e munições, especialmente para o cano do morteiro 60. Pouco comeu ao jantar e logo se dirigiu para o “bentem” para conferenciar com o Chefe da Milícia. Se o Alferes Magalhães andava incomodado com a morte do Samba, o João estava apavorado com o agravar da situação. Não era para menos, tratava-se da primeira acção do PAIGC nas imediações da tabanca. Talvez já não fosse colher os próximos produtos das suas lavras…

Coube ao Alferes Magalhães, com a sua melhor preparação militar, acalmar o João e explicar-lhe que se tinha que reagir e sobretudo não demonstrar aos subordinados qualquer sentimento de insegurança. Acrescentou que, perante o acontecido, os comandos de Galomaro e de Bafata iriam com toda a certeza reforçar a guarnição da tabanca. Convencido ou não o João parece mais calmo.

Como o Braima estava presente com o seu kora, depois da sua participação no “choro”, o Alferes pede-lhe para tocar qualquer coisa, o que ajudou muito a desanuviar o pesado ambiente.

Todos estiveram no “bentem” até mais tarde nessa noite a ouvir os acordes do Braima. O Alferes achava por um lado que os guerrilheiros depois daquela acção não iriam aparecer de imediato pois achariam que a tropa Portuguesa estaria a postos, por outro lado a mina detonada não se dirigiria à sua tropa mas sim a uma futura coluna de reabastecimento de Galomaro. Pensou em todas as possibilidades. Tinha-se enganado sobre a direcção da primeira aproximação do PAIGC e não queria cometer mais erros. Não tornaria a deitar-se tão cedo como era costume para não dar vantagem ao inimigo, se num ataque o apanhassem a dormir, tanto mais que é ele que manobra o morteiro 60. Poupar as dezasseis granadas era também essencial e só confiava nele próprio para isso.

Antes de se deitarem foram os três graduados dar uma volta pelos postos de sentinela, que à noite eram todos dentro da tabanca, incutindo ânimo e sentido de responsabilidade de forma a não se deixarem dormir e estarem de ouvidos bem atentos. Como a escuridão era total a vista não ajudaria muito a detectar uma possível aproximação dos guerrilheiros.

No dia seguinte ao incidente tudo já decorria como se nada tivesse acontecido, apenas se notava uma menor alegria nos semblantes dos africanos.

À hora do almoço, depois do patrulhamento habitual, já estavam os dezasseis metropolitanos sentados à mesa para almoçar quando chega o João e se dirige ao Alferes:

- Tenho uma coisa importante a dizer-lhe. Gostava que fosse a sós. O Alferes levantou-se, apreensivo, e afastou-se um pouco com o João. Este, em voz baixa, continuou:

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7809: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (66): Na Kontra Ka Kontra: 30.º episódio

Guiné 63/74 - P7829: Álbum fotográfico de João Graça (7): Djubis do Cantanhez, um lugar que tem de ser bom para nascer, crescer, aprender, brincar, trabalhar e viver... com saúde, em liberdade, em paz, em harmonia com a natureza (Parte III)






Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Faro Sadjuma > 10 e Dezembro de 2009 >  17h00 > De regresso a Bissau, vindo de Iemberém, com passagem por Guileje >  > Meninos tristes de Faro Sadjuma (*)...


Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


[ Selecção / edição: L. G.]
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Nota de L.G.:


(*) Vd. postes anteriores da série:


20 de Fevereiro de 2011 &gtGuiné 63/74 - P7827: Álbum fotográfico de João Graça (5): Djubis do Cantanhez, um lugar que tem de ser bom para nascer, crescer, aprender, brincar, trabalhar e viver... com saúde, em liberdade, em paz, em harmonia com a natureza (Parte I)


20 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7828: Álbum fotográfico de João Graça (6): Djubis do Cantanhez, um lugar que tem de ser bom para nascer, crescer, aprender, brincar, trabalhar e viver... com saúde, em liberdade, em paz, em harmonia com a natureza (Parte II)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7828: Álbum fotográfico de João Graça (6): Djubis do Cantanhez, um lugar que tem de ser bom para nascer, crescer, aprender, brincar, trabalhar e viver... com saúde, em liberdade, em paz, em harmonia com a natureza (Parte II)












Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 e 9 de Dezembro de 2009 > Meninos do Cantanhez...







Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Farim > 9 de Dezembro de 2009 > Meninos do Cantanhez (*)...

Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados





[ Selecção / edição: L. G.]
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Nota de L.G.:


Vd. poste anterior da série > 20 de Fevereiro de 2011 >Guiné 63/74 - P7827: Álbum fotográfico de João Graça (5): Djubis do Cantanhez, um lugar que tem de ser bom para nascer, crescer, aprender, brincar, trabalhar e viver... com saúde, em liberdade, em paz, em harmonia com a natureza (Parte I)

Guiné 63/74 - P7827: Álbum fotográfico de João Graça (5): Djubis do Cantanhez, um lugar que tem de ser bom para nascer, crescer, aprender, brincar, trabalhar e viver... com saúde, em liberdade, em paz, em harmonia com a natureza (Parte I)







Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Meninos do Cantanhez em dia de festa (baptizado)...









Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > São Francisco (entre Iemberém e Guileje) > 6 de Dezembro de 2009 > Meninos do Cantanhez em dia de festa (casamento)


Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




 O João Graça,  médico e músico, membro da nossa Tabanca Grande, passou duas semanas de férias na Guiné-Bissau, de 5 a 19 de Dezembro de 2009.  Ofereceu os cinco primeiros dias  (de 6 a 10 de Dezembro de 2009), para trabalhar como médico no Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém, no Cantanhez, com apoio da AD - Acção para o Desenvolvimento. 


Para além de Bissau e do Cantanhez, esteve nos Bijagós, na zona leste (Banbadinca, Bafatá e Gabu) e na região do Cacheu (São Domingos) ... 


As fotos referentes a miúdos do Cantanhez (de que publicamos a I Parte) foram tiradas nesse período, de 6 a 10, em sítios como Iemberém, São Francisco, Farim do Cantanhez, Guileje, Faro Sadjuma...  


Voltamos a  publicar a talvez a melhor do álbum do João, o menino de Iemberém, tirada no terreiro da tabanca, em dia de festa: Espantosa, a primeira foto de cima, em que o menino de Iemberém como que nos interpela, a todos nós, não só os pais-fundadores e os homens grandes da Guiné-Bissau,  mas também todos nós, portugueses, europeus e cidadãos do mundo...  Que lugar há para ele neste mundo que devia ser dele e  nosso mundo, o único lugar que ele tem, que nós temos, para nascer, crescer, aprender, viver, amar, trabalhar  e morrer... com saúde, em liberdade, com dignidade, em paz, em equilibrio com a natureza?


[ Selecção / edição: L. G.]
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Nota de L.G.:


Vd. postes anteriores da série:


24 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5531: Álbum fotográfico de João Graça (1): Médico em Iemberém por cinco dias


27 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5548: Álbum fotográfico de João Graça (2): O Fatango ou macaco fidalgo (Procolobus badius) do Parque Nacional do Cantanhez


1 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5577: Álbum fotográfico de João Graça (3): Os pescadores de Cananima, Rio Cacine


12 de Julho de 2010 >Guiné 63/74 - P6720: Álbum fotográfico de João Graça (4): Uma noite memorável na terra de Kimi Djabaté, a tabanca jacanta de Tabatô

Guiné 63/74 - P7826: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (36): Ida ao dentista em Farim

1. O nosso Camarada José Eduardo Oliveira - JERO -, (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), enviou-nos hoje a seguinte mensagem:


Salvo as devidas distâncias e com o devido respeito recordei-me desta história a quando de uma recente postagem sobre uma ida do então General Spínola ao estomatologista. No HM 241, em Bissau. Com o seu monóculo a ser confiado a um Médico durante o tempo da consulta dentária.
«É evidente que quem o tratou foi o Chefe, mas havia necessidade que alguém tomasse conta do monóculo e logo me tocou a mim. É engraçado que senti aquele receio de ser o fiel depositário de tão solene objecto. Mas consegui não o deixar cair!!!»
(Mário Bravo)



IDA AO DENTISTA A FARIM


Por volta de Novembro ou Dezembro de 1965, quando já contávamos cerca de 18 meses de comissão, chegaram ordens via rádio a Binta, vindas da sede do Batalhão em Farim, para uma ida ao dentista.
Militares da “675” aguardam transporte para Operação “TIRA-DENTE”

O Alferes Médico Martins Barata deu-me as devias instruções e em pouco tempo arranjei uma lista de militares com necessidade de cuidados de medicina dentária. À distância no tempo há que recordar que a visita a Farim era para arrancar dentes e não para os arranjar.

Num dia de manhã a coluna dos militares com dentes “estragados” arrancou para Farim.

Sentados nos Unimogs, com a G-3 entre as pernas e com o lenço na boca. Era naqueles dias que quem seguia atrás da primeira viatura comia pó que se fartava.

Chegámos a Farim sem problemas de maior e como Furriel Enfermeiro recebi instruções para orientar a consulta .Ao ar livre, está claro. Duas cadeiras e duas filas, frente a um Alferes Médico e a um 1º.Cabo auxiliar de enfermagem.  Cada “cliente” abria a boca, dizia qual era o dente ou os dentes estragados, levava uma injecção (anestesia) e vinha para o fim da fila. Passados uns minutos avançava para a extracção. Abre a boca, respira fundo e… alicate. Já está.
Meia dúzia de minutos depois do início das primeiras extracções, e como é comum na vida militar, alguém segredou ao parceiro do lado que o cabo é que era “bom”.

A fila que destinava ao médico ficou reduzida ao mínimo. Tentei perceber o que se passava e refazer a “fila” pró Alferes. Mas não consegui grande coisa.

A fila do Cabo engrossava e deve ter “facturado” o triplo das extracções em relação ao seu superior.  Foram recomendados alguns cuidados de higiene aos desdentados e com a malta toda a cuspinhar sangue lá regressámos a Binta. O lenço verde deu um jeitão.
O pó avermelhado da “estrada” é que foi difícil de suportar… mas a meio da tarde estávamos em “casa”.Sem problemas de maior. Além das dores na boca, está bem de ver.

Termino o registo desta operação “tira-dente” com um testemunho pessoal. Também então precisava de ter ido ao dentista… mas não fui.
Quando em Maio de 1966 regressei da Guiné andei cerca de 2 anos a tratar dos dentes. E tiveram que me extrair 11 (onze) dentes. Uma das extracções correu mal e tive uma alveolite. Como o próprio nome indica é uma infecção no alvéolo. Regressei ao dentista e ele mandou-me abrir a boca. Enquanto o diabo esfrega um olho fez-me uma raspagem. A frio, sem anestesia. Mais tarde explicou-me porquê. Mas naquele momento dei um berro que se deve ter ouvido dois andares acima do consultório. Dei um berro e um salto na cadeira.
Na “descida”… lembrei-me do Cabo. O de Farim. Porque é que não fui para a fila dele?
Não me tinha doído tanto e tinha sido à borla…
Acabei por contar a história do Cabo-dentista de Farim ao Médico-dentista de Alcobaça.
E consegui, mais tarde, um desconto na esquelética. Que é uma das minhas recordações da Guiné. Onze dentes postiços. Seis em cima e cinco em baixo.
Bons velhos dentes, digo, tempos.
De Binta. Da Guiné.
E quanto partir… até posso cá deixar a esquelética.
Pró museu da minha Companhia. Da seis, sete, cinco.
Mas não tenho pressa nenhuma…
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
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Nota de M.R.:
Vd. o último poste desta série em:
3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7544: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (34): Quem tem cu… tem continuação… (José Eduardo Oliveira - JERO)