segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5379: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (22): Operação “Ananases”


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos a sua 22ª história, com data de 29 de Novembro de 2009:

Operação “Ananases”

O registo desta operação é dada”à estampa” quarenta e tal anos depois de ter acontecido...

Oficialmente nunca aconteceu e julgamos até poder afirmar que pouca gente da C.Caç.675 se lembrará dela...

Aconteceu no mês de Outubro de 1965 - o Capitão Tomé Pinto já não estava na Guiné -em data que não nos é possível confirmar com exactidão até... porque... foi uma «operação secreta»...

Antes de avançarmos na estória é preciso explicar o contexto em que a mesma aconteceu, fazendo notar um pormenor que não é de somenos.

A Companhia de Caçadores 675 foi durante a sua estadia na Guiné uma «Companhia Independente».Numa primeira fase pertenceu ao Batalhão de Cavalaria 490 (Ten. Coronel Fernando Cavaleiro) – de Junho de 64 a Abril 65 – e na segunda fase - a partir de Maio de 65 até ao final da comissão – esteve na dependência operacional do Batalhão de Artilharia 733 (Ten. Coronel Glória Alves).

Quer se queira quer não uma Companhia Independente é (quase) sempre uma «filha bastarda» do Batalhão, com direito a embates – leia-se "chatices" de diversos graus entre chefias - que tiveram no caso da nossa Companhia diversos tipo de encaixes...

Com o Batalhão 490 alguns «desencontros» iniciais esbateram-se e a Companhia 675 passou até a ser, a partir de determinada altura, a “filha dilecta” do Comando sedeado em Farim.

Com o Batalhão 733 as relações nunca foram boas nem más... antes pelo contrário!

Na tal segunda fase – a partir de Maio 65 – a «675» provocou sempre “azias” ao “733”, a quem só a citação do nome do Capitão Tomé Pinto provocava alergias do tipo «DC» (*).

Posto isto... estamos agora em condições de contar os quês e... porquês da ultra-secreta “Operação Ananases». Tem a palavra o cérebro da operação, Belmiro Tavares de seu nome, ao tempo Alferes Milº. de Infantaria da CCaç. 675:

«...O nosso Capitão já nos tinha deixado. Um dia o Cabo Cifra (1º.Cabo Operador Cripto nº. 2542, José Manuel Moura) deu-me conhecimento que tinha chegado uma mensagem de Farim. A CArt. 731 avisava que no dia seguinte iria patrulhar a zona de Canicó.

Fiquei abismado...

A CArt. 731 mal patrulhava a sua zona e propunha-se «invadir» a nossa!? Que se passaria naquelas cabeças!?

Aguarda. – Disse ao Moura.»


Procurei o nosso saudoso e malogrado Guia Malan Sissé e perguntei-lhe: Que haverá em Canicó que atraia a tropa de Farim?

A resposta foi imediata:

O régulo (Mamadu Baldé, Alferes de 2ª. Linha) vive em Farim e tem em Canicó uma plantação de ananases.

Está na época de os colher.

Ordenei ao Cifra:- Transmite que a zona de Canicó está armadilhada!

No dia seguinte, pela manhã, o 3º. Grupo de Combate, fez uma proveitosa batida... aos ananases de Canicó.

Trouxemos um Unimog bem carregado de ananases... afora os que comemos... in loco!

A tropa de Binta não se deixa enganar».

Ser “comido” pela malta do Batalhão 733... é que era bom!


Guia Malan Sissé. Binta, Setembro de 1965.
Fotografia de Belmiro Tavares.


Perder com eles... nem a feijões... quanto mais a ananases!»

Aconteceu... em Outubro de 1965.

O dia exacto... não ficou... mas que o sabor daqueles ananases era especial... era!

No regresso a Binta... um militar, de que já não recordamos o nome, dizia para o Alferes Tavares:

«Oh meu alferes acabei de encontrar um ananás que parece que tem um código de barras!

Um Código de Barras!? O que é que diz?

733... já foste!

É... pá... come lá o teu ananás e... não inventes. Isto é uma «operação que nunca aconteceu»!

Uma pausa e o Alferes Tavares, depois de comer mais um pouco de ananás, disse entre dentes:

«Só faltava o Furriel Oliveira daqui a alguns uns anos pôr esta “estória” nalgum livro de memórias da Guiné. E quando começar a mania dos blogues está-se mesmo a ver que ele vai entrar nessa…»

-O meu Alferes disse alguma coisa?

-Não pá…estava só a falar com os meus botões!

Premonitório este Alfero, digo eu.

(*) - DC = Dor de Corno.

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5378: Blogoterapia (133): Falando do povo da Guiné-Bissau... e alguns poemas (Regina Gouveia)

1. Mensagem da nossa tertuliana Regina Gouveia*, com data de 28 de Novembro de 2009:

Caro Luís Graça
Com a saída e apresentações do livro**, juntamente com gripe A nos netos, dispersei-me um pouco e não sei se cheguei a mandar um texto para publicação no Blog.
Envio-o agora. Se já recebeste, desculpa a duplicação.
Um abraço
Regina Gouveia



Nha Fala

NHA FALA é uma parábola sobre a voz (...) A fala de Vita é a fala da África (...)
Quis contar esta história por meio de uma comédia musical para mostrar a vitalidade deste continente. A música é o melhor modo de expressão dos africanos
”.
(Flora Gomes)


Se há no Porto espaços em que me sinto bem, um deles é o Clube Literário. Mesmo quando os eventos não me atraem muito, tenho sempre o rio em frente para deleite do olhar. Mas foi mais que isso na Semana Cultural dedicada à Guiné Bissau.

Terça feira, 17 de Novembro, bar do Clube, encontro sobre Contos tradicionais da Guiné-Bissau.

Já há muitos anos adquiri um livro de contos guineenses pelo que os contos não constituíram uma novidade. Um sociólogo guineense fez uma análise sobre os mesmos, o que foi minimamente enriquecedor. Sempre com um fundo moral, nos contos figuram muitos animais entre eles o lobo, egoísta e agressivo, a lebre e a tchoca, símbolos de esperteza. Figuram também animais solidários que emprestam os seus olhos a outros animais cegos, e animais ingratos que depois de recebidos os olhos tentam apropriar-se deles para sempre

Enquanto o encontro decorria, um tocador dedilhava um cora. Cora é um instrumento de cordas, tradicional dos povos mandingas da África Ocidental. Construído a partir de uma meia cabaça fechada por uma cobertura de pele, e com um braço que sustenta até 25 cordas, é o instrumento que acompanha os trovadores errantes, um misto de poetas e cronistas. O seu som, belíssimo, pretende reproduzir o de uma ave

Sexta feira, 20 de Novembro, auditório do Clube, projecção do filme "Nha Fala" de Flora Gomes. Fantástico. Lembrando um pouco Kusturica, Flora Gomes busca, através da personagem Vita, um rumo para um povo que, para renascer, precisa de cortar com uma parte do passado

A banda sonora, muito bem conseguida, como que proclama a importância da música na cultura africana

Embalada pela música africana viajo no tempo….

Dezembro de 1969, visita de Spínola a Bafatá.

Acompanha-o a mulher, Helena Spínola, a quem é oferecida uma recepção, enquanto o marido trata de assuntos que ali o levaram. Para a recepção são convidadas as mulheres dos militares.

Fui colocada perante um dilema. Estar presente seria como que uma conivência com uma guerra sem sentido, que sempre abominei.
Faltar significaria perder um espectáculo que, provavelmente, jamais iria ter oportunidade de ver. A balança pesou para este segundo lado.

Dirigi-me à casa do Administrador onde estava Helena Spínola na varanda, acompanhada por várias senhoras. Como não conhecia ninguém isolei-me a um canto. Helena Spínola, muito gentil, veio ter comigo e integrou-me no grupo. Em breve a música africana ecoava no ar. Marimbas, guitarras, coras, tambores, num inesquecível festival de sons.

E outros sons me assomaram agora à memória: os sons dos tambores num choro (funeral) bem perto de minha casa, os sons de um batuque num casamento e os sons dos guizos nas pernas e nos braços de uma criança.

Foi numa tabanca perto de Bafatá. A criança estava ao colo da mãe que, orgulhosa, ma estendeu para eu pegar nela ao colo. Emocionada peguei na criança, que ao ver-se fora dos braços da mãe começou a gesticular, perninhas e bracinhos em grande agitação. Do tilintar dos guizos emergia uma espécie de toada que tornou mágico o momento

A música é o melhor modo de expressão dos africanos (Flora Gomes)

Mas a estas imagens e a tantas outras recordações que deixaram em mim marcas indeléveis, associam-se outras que já não deveriam existir no século XXI. Refiro-me ao programa “Dar a vida sem morrer” apresentado por Catarina Furtado.

E apesar de tudo ainda continuam a cantar. Que força é essa amigo…

Vi-te a trabalhar o dia inteiro, construir as cidades pr'ós outros, carregar pedras, desperdiçar muita força pra pouco dinheiro.
Vi-te a trabalhar o dia inteiro. Muita força pra pouco dinheiro (…)

Sérgio Godinho, Que força é essa

Em 2005, a propósito das comemorações do 30.º aniversário da independência do seu país, Mia Couto quando proferia na Suiça, uma conferência subordinada ao tema: “No passado, o futuro era melhor?” disse a dada altura:

- Em 1975, nós mantínhamos a convicção legítima mas ingénua de que era possível, no tempo de uma geração, mudarmos o mundo e redistribuirmos felicidade. Não sabíamos quanto o mundo é uma pegajosa teia onde uns são presas e outros predadores.

Ao ver a situação da Guiné-Bissau nos dias de hoje, sei que o futuro com que sonharam no passado era bem melhor que o futuro que lhes estava reservado. Tal como nos contos, o povo continua solidário capaz de dar os olhos, mas há sempre lobos predadores egoístas e sem escrúpulos.

Ao escrever estas palavras lembrei-me de três poemas que de certo modo, põem o dedo na ferida.

Hipocrisia

Lactarius deliciosus. Não sei se foi Lineu quem o nome lhes deu.
Eu, no meio do pinhal, com gestos suaves, subtis, vou-as colhendo uma a uma.
São as sanchas, frágeis, delicadas, como que envergonhadas,
por baixo da caruma.
Chapéu e pé em tom alaranjado, já em pequenina, a medo, eu as colhia
pois sabia que mesmo ali ao lado, outros cogumelos, alguns muito mais belos,
teciam seus ardis. Insidiosos, perigosos, escondem em si a muscarina,
a psilocibina, tanta, tanta toxina, tantas vezes fatal.
Tal qual a hipocrisia nos humanos, desumanos, antes eu diria,
que enchem a boca com a democracia e a globalização, visando um mundo novo,
enquanto vendem armas para matar o povo que subjugam pela exploração.

Regina Gouveia, Magnetismo Terrestre
***

Tchador

Déboras, Irinas, Svetlanas ucranianas, sul- americanas, não importa.
Partiram em busca de uma porta que lhes desse acesso a melhores vidas.
e acabaram ludibriadas, iludidas, nas mãos de proxenetas.
São traficadas são exploradas, vezes sem conta são violadas
e quando, apesar de jovens, acabadas, são abandonadas, jogadas nas sarjetas.
Sandras, Bintas, não importa o nome, a vida deu-lhes até hoje violência e fome.
Aquela com onze anos, tão menina, de uma outra menina já é mãe.
Por certo é a primeira boneca que ela tem. E nos olhos, em vez de ódio
e de revolta, uma lágrima solta, enquanto embala a filha com amor.
Aquela outra ali é argelina, talvez a "pietá" que correu mundo.
Nos olhos um desgosto tão profundo, maior que o próprio mundo.
E aquelas outras das quais não vejo o rosto que, se doentes, não podem ser tratadas, que são impuras, se desvirginadas, que se forem violadas
poderão por castigo ser queimadas?
O que dirão os seus olhos por baixo do tchador?
Humilhação? Desgosto? Resignação? Rancor? Talvez revolta?
Se eu um dia usar tchador por meu querer acreditem que não é para me esconder
é só para tentar não ver tanta injustiça, tanto horror,
tanto fanatismo, tanta dor, neste mundo cruel à nossa volta.

Regina Gouveia em Reflexões e Interferências
***

Pai Natal

Pai Natal, acabo de perceber que não és imparcial
A alguns meninos deste tudo e a outros não deste nada
Será que perdeste a morada, não estava a tundra gelada,
ou estava a rena cansada?
No Natal que logo vem, pensa bem pois não pode ser assim.
Ou dás presentes a todos ou não os dás a ninguém. Nem a mim.

Regina Gouveia em Ciência para meninos em poemas pequeninos
***

E já que o Natal se aproxima, termino desejando a todos um Bom Natal
Regina Gouveia
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5276: Agenda Cultural (45): Semana Cultural da Guiné-Bissau, 16 a 20 Novembro, no Clube Literário do Porto (Regina Gouveia)

(**) Vd. poste de 25 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5341: Agenda Cultural (48): Lançamento do livro Era uma vez... Ciência e Poesia no Reino da Fantasia, de Regina Gouveia (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 30 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5377: Blogoterapia (132): Fotos, recordações e divagações (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P5377: Blogoterapia (132): Fotos, recordações e divagações (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado*, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, com data de 28 de Novembro de 2009:

Caros Luís, Carlos, Virgínio, Magalhães e restante Tabanca Grande:
Hoje apeteceu-me falar dos meus avós, de bajudas e coisas simples que contribuíram para o que sou hoje.
Um abraço
Juvenal Amado



FOTOS, RECORDAÇÕES E DIVAGAÇÕES

Começou por ser um punhado de fotografias mais um monte de recordações mal alinhadas na minha cabeça.
Eram recordações e vivências rejeitadas, fora um tempo de que não me orgulhava particularmente.

Tudo em que acreditava rejeitava o que ia fazer em terras estranhas. Mas o poder da aventura o sentir que passado esse tempo voltaria às ruas e praças da minha juventude, fez-me conformar com a sorte e lá embarquei para aquele destino desconhecido, um entre milhares de anónimos.

Oriundos de um país com muros altos, onde a paz podre se definia popularmente pela politica do três F, com os ideais do meu avô republicano das barricadas, condenado à deportação e salvo pela instauração da Republica, éramos amarfanhados por uma polícia política, onde se falava à socapa da merda mole ou da propriamente dita...dura.

Homem nascido lá para Mangualde,  que serviu sem se servir, que deu aos filhos somente os ideais pelos os quais lutou, sofreu e fez sofrer. Casa simples e pobre, embora parente de famílias endinheiradas, (os pobres gostam de ter família rica, os ricos acham que aqueles parentes foram com o mesmo nome registados por engano),  solidário, repartia o que tinha para 7 (sete) filhos da altura, (chegou aos onze) , com quem chegasse à sua modesta casa.
- Deolinda, põe mais um prato na mesa.

A minha avó levantava a cara da camisa onde cozia um botão, olhava para o retrato dele e depois para mim,  com aqueles olhos míopes, através das lentes grossíssimas, talvez para ver o efeito que as suas recordações tinham em mim, que o não cheguei a conhecer.

Dele também herdei somente o nome, o seu amor às causas do Homem pela justiça e distribuição mais equitativa da riqueza.

Os netos combateram nos três teatros de operações, o mais novo com idade militar participou no levantamento das Caldas da Rainha,  em 16 de Março 1974.

A rudeza das condições de vida dos nossos jovens nos campos e nas fábricas, forneceram as condições físicas para aguentarem,  sem revoltas, o que mais nenhuns por essa Europa livre e próspera suportariam.

São muitos os actos de coragem calados pelos  próprios intervenientes, esses são valentes a dobrar. Muitos nunca tiveram consciência da bravura dos seus actos. Não se escolhe o momento, a acção justifica o acto.

Passados trinta e quatro anos sobre o regresso, apeteceu-me reviver e contar o que nunca tinha contado a ninguém. Se calhar,  também nunca ninguém tinha querido ouvir. O chegar ao blogue deu-me essa oportunidade de assumir,  fora de um pequeno grupo de pessoas, que tinha lá estado e que a vontade de lá voltar era uma realidade.

Leio os postes concordo, discordo com alguns, emociono-me com outros, vejo este espaço como um espaço de liberdade aceite e consentida, onde cada um tem a sua visão. Não é obrigatório que não se mude de opinião.

Bebo toda a informação que me chega. Lamento que as nossas televisões filmem em locais restritos, que foquem mais as pessoas que os sítios. Tento ver aquele pedaço de Bafatá, de Gabu, Bissau, etc, que possa reconhecer, mas as grande angulares das câmaras de filmar ficaram esquecidas e normalmente só nos chegam imagens,  as quais não conseguimos referenciar.

Revejo as fotos. Como estará a minha lavadeira Mariama. Era uma menina quando no início da comissão a aceitei, duvidei sempre que fosse ela que me lavava a roupa.

Na Tabanca com a minha lavadeira, Mariama,  e irmãos

Aparecia sempre com crianças mais pequenas de olhos grandes e barrigas inchadas da subnutrição. Pedia-me sempre um peso para comprar sabão ou linha para coser botões. Mentira, nunca comprava sabão e os botões eram cozidos com fios de várias cores que elas tiravam dos seus panos.

No fim da comissão fui com ela comprar-lhe um corpinho à venda que, para além de vender algumas coisas à população, também comprava mancarra aos agricultores, roubando deliberadamente no peso. Dizia ele que era para descontar a terra que vinha agarrada à casca do amendoim. Enfim, lá como cá, roubava-se sempre os mesmos, os mais pobres e desfavorecidos.

Mas voltando ao corpinho, máxima aspiração das jovens bajudas que assim teimavam em tapar o que nós mais gostávamos de ver. Lá escolheu e lá se tapou muito orgulhosa.

No dia da partida lá estava ela mais os garotos à sua volta com o corpinho vestido a dizer-me adeus quando passei a caminho do Xime, pela última vez trinquei e esfreguei os olhos do pó da picada.

Mas lá está imortalizada na minha cabeça e nas fotos que ganharam valor inestimável à medida que os anos passam por mim.

Como todos os que já se foram lá e cá, que por estranho que pareça continuam a ser recordados (os nomes de cada um é dito todos os anos num momento de recolhimento) como baixas do 3872, nunca lhes retirarão esse estatuto, pois eles estão no tal punhado de fotos e recordações.

Juvenal Amado

Fotos: Juvenal Amado (2009). Direitos reservados.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5041: Estórias do Juvenal Amado (23): O velho milícia

Vd. último poste da série de 23 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5328: Blogoterapia (131): Sobe a calçada, camarada, sobe (Luís Carvalhido, CCS/BART 3873, Bambadinca, 1972/74)

Guiné 63/74 - P5376: Os nossos camaradas guineenses (12): Os 53 comandos africanos mortos... Fuzilados, corrige o velho Issumane Baldé (Francisco Costa / Lusa)


1. O nosso camarada Fernando Costa (ex-Fur Mil Trms da CCS do BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, 1973/74) ) mandou-nos há dias cópia de notícia da Lusa, sobre a cerimónia da Liga dos Combatente, do dia 14 do corrente, com o seguinte comentário:  "O Velho Baldé foi o único que disse a verdade"

[Reprodução, com a devida vénia]


Defesa: Santos Silva descerrou placa com 53 militares comandos mortos na Guiné


Lisboa, Portugal 14/11/2009 19:19 (LUSA)

Temas: Política, Defesa, governo, Sociedade

Lisboa, 14 Nov (Lusa) - O ministro da Defesa Nacional descerrou hoje uma placa com 53 nomes de militares comandos mortos na Guiné, numa cerimónia inserida nas comemorações do 91º aniversário do Armísticio de 1918 e no 86º  aniversário da Liga dos Combatentes.

Após receber honras militares no Monumento dos Combatentes, no Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa, Augusto Santos Silva participou também nas condecorações a membros da Liga dos Combatentes e na condecoração, a título póstumo, com a Grã Cruz da Medalha de Mérito Militar, do major general Carlos Manuel Costa Lopes Camilo.

O ministro, que esteve acompanhado do secretário de Estado da Defesa Nacional, Marcos Perestrello, assistiu também à cerimónia que assinalou a transladação dos restos morrtais de três soldados mortos na guerra da Guiné.

"Curvemo-nos perante os três corpos dos militares tombados na Guiné e pelos 53 soldados portugueses cujos nomes passam a figurar numa placa hoje descerrada", disse Santos Silva, ao intervir na cerimónia que contou com a presença dos diversos chefes militares, incluindo o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Valença Pinto.

Na ocasião, o ministro enfatizou o importante papel da Liga dos Combatentes não só no apoio e solidariedade para com os seus associados mas também na promoção e difusão dos valores e símbolos que fazem a identidade nacional.

Santos Silva considerou "excepcional" a ideia da Liga dos Combatentes de englobar também nestas comemorações o 35º  aniversário do fim da guerra portuguesa em África (Moçambique, Angola e Guiné), um palco de conflito armado em que "as tropas portuguesas deram o seu melhor, executando as missões que lhe foram confiadas" pelo poder político vigente na altura - a ditadura.

Pela guerra em África passaram "mais de um milhão de portugueses", referiu o ministro, que falou também do cruzamento de civilizações e do encontro de culturas subjacente aquele "destino português".

Quanto ao presente e ao futuro, o ministro apontou as importantes missões que as Forças Armadas Portugueses têm na imposição e manutenção da paz e em acções humanitárias, num quadro das alianças a que pertencem.

Quanto à placa hoje descerrada com os 53 nomes de militares comandos mortos na Guiné, já o ministro tinha abandonado o local e ainda ali permanecia um idoso, de nome Issumane Baldé, que assegurou à Lusa que, apesar de não ter sido dito na cerimónia, aqueles soldados naturais da Guiné tinham sido "fuzilados" após o regresso das tropas portuguesas.

FC.
Lusa/Fim

[ Revisão / fixação de texto / título / bold e sublinhados: LG]

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Nota de L.G.:

Vd. os últimos postes desta série:

 26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4582: Os Nossos Camaradas Guineenses (11): Ernesto… procuro saber algo sobre este meu Amigo guineense (António Matos)

 14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4526: Os Nossos Camaradas Guineenses (10): Bodo Jau, mais uma história de miséria, que nos revolta (Carlos Silva)

25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4411: Os Nossos Camaradas Guineenses (9): O que (não) sabemos sobre os comandos africanos (Virgínio Briote)

13 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4332: Os Nossos Camaradas Guineenses (8): Braima Baldé, ex-Alf Cmd Graduado, BCA (1938-1975) (Amadu Djaló / Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P5375: Patronos e Padroeiros (José Martins) (5): Serviço de Administração Militar - Rainha Santa Isabel





1. Mais poste da série Patronos e Padroeiros das Armas do Exército Português, um trabalho de pesquisa do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70).





PATRONOS E PADROEIROS - V

SERVIÇO DE ADMINISTRAÇÃO MILITAR – RAINHA SANTA ISABEL


Isabel de Aragão, nasceu em Saragoça, Reino de Aragão, em 1271, filha mais velha do rei Pedro III de Aragão e Constança da Sicília.

Na sua árvore genealógica, pelo lado materno, descende de Frederico II, Sacro Imperador Romano-Germânico, e Manfredo de Hohhenstauffen, rei da Sicília, e, além disso, uma sua tia materna foi Santa Isabel da Hungria, considerada santa pela Igreja Católica.

D. Dinis, que subiu ao trono em 1279, aos 19 anos de idade, enviou uma embaixada, constituída por João Velho, João Martins e Vasco Pires, a Aragão onde se encontravam embaixadas dos reis de França e de Inglaterra, com propostas matrimoniais para os respectivos príncipes herdeiros. A preferência recaiu sobre o monarca português.

Casaram, por procuração em 11 de Fevereiro de 1288. Deu entrada em Portugal, por Trancoso, em 26 de Junho seguinte, vila que foi acrescentada ao dote de Isabel, que constava das vilas de Abrantes, Óbidos, Alenquer, e Porto de Mós, os castelos de Vila Viçosa, Monforte, Sintra, Ourém, Feira, Gaia, Lamoso, Nóbrega, Santo Estêvão de Chaves, Monforte de Rio Livre, Portel e Montalegre, além das rendas em numerário das vilas de Leiria, Arruda, Torres Novas e Atouguia da Baleia. Também tinha os reguengos de Gondomar, Rebordões e Codões, além de uma quinta em Torres Vedras e da lezíria da Atalaia.

Deste casamento nasceram Constança (3 de Janeiro de 1290 - 18 de Novembro de 1313), que casou em 1302 com o rei Fernando IV de Castela, e Afonso (8 de Fevereiro de 1291 - 28 de Maio de 1357), sucessor do pai no trono de Portugal, com o título de D. Afonso IV.

D. Isabel evitou um confronto entre seu marido e rei de Portugal, D. Dinis, e seu filho D. Afonso, quando este sentiu que a sua sucessão podia estar em risco, dado que seu pai demonstrava ter por Afonso Sanches, seu filho bastardo, e lhe pretendeu dar combate em Alvalade em 1325.

D. Dinis morre nesse mesmo ano. D. Isabel, vestindo o habito da Ordem das Clarissas recolhe ao Convento de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, donde só saiu em 1366.

Foi nessa altura que D. Afonso IV, rei de Portugal, declara guerra ao seu sobrinho, o rei D. Afonso XI, filho da sua irmã Constança de Portugal, porque o rei castelhano tratava mal a esposa, D. Maria, filha do rei português.
D. Isabel, a rainha-mãe, deslocou-se para Estremoz, evitando, mais uma vez, pela sua intercessão. A paz só foi assinada em Sevilha no ano de 1339.

D. Isabel, veio a falecer em Estremoz, em 4 de Julho de 1336, vindo a ser sepultada em Coimbra no Convento de Santa Clara-a-Nova.

Sobre a Rainha Santa, como ficou conhecida, na Crónica dos Frades Menores de Frei Marcos de Lisboa de 1562 diz que “levava uma vez a Rainha santa moedas no regaço para dar aos pobres (...) Encontrando-a el-Rei lhe perguntou o que levava, (...) ela disse, levo aqui rosas. E rosas viu el-Rei não sendo tempo delas.”

A Rainha Santa Isabel de Portugal foi beatificada pela Igreja Católica em 1516, durante o pontificado do Papa Leão X e canonizada em 1625, pelo Papa Urbano VIII. Tem a sua festa Litúrgica no dia 4 de Julho.

Foi proclamado Padroeira do Serviço de Administração Militar por Portaria de 16 de Agosto de 1983 e Ordem do Exército n.º 3 (1.ª Série), de 31 de Março de 1984.

José Marcelino Martins – 24 de Novembro de 2009
[Organizado a partir de imagens e textos da Wikipédia]

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5371: Patronos e Padroeiros (José Martins) (4): Exército - Arma de Engenharia - Nossa Senhora da Conceição

domingo, 29 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5374: As nossas mulheres (9): Homenagem à D. Teresa, nossa leitora e funcionária na Biblioteca da Liga dos Combatentes (José Martins)

1. Mensagem de José Martins*, (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 26 de Novembro de 2009:

Caros camaradas
Junto um texto de homenagem a uma leitora assídua do nosso blogue.
Conheço-a desde 30 de Junho de 2003 e, desde então, tem sido uma óptima amiga e uma preciosa colaboradora, nunca se furtando a proporcionar-me todos os elementos que lhe solicito.
Tambem já foi referida pelo JERO.

A D. Teresa não merece só este texto. Merece todo o nosso reconhecimento, no sentido mais lato do termo.

Um abraço
José Martins


“30 Minutos”

Este programa foi passado no Canal 1 da RTP em 24 de Novembro de 2009.

Pode ser visto na página ultramar.terraweb.biz e no site http://www.ligacombatentes.org.pt/

O trabalho desenvolvido pelos profissionais Patrícia Machado (Jornalista), Pedro Boa-Alma (imagem) e Guilherme Brízido (edição), merece o nosso, de combatentes que somos, merece, dizíamos, o nosso agradecimento, por trazer, mais uma vez, à discussão a questão dos sem abrigo e, desta feita, aqueles que também deram o seu melhor na juventude e, passados largos anos, ainda não conseguiram a reintegração na sociedade ou, esta mesma, acabou por exclui-los.

Não vou comentar o trabalho da Liga no campo do Apoio Médico, Psicológico e Social, que conhecemos, pois fomos convidados para uma sessão em que intervieram o Major Dr. António Correia (Psicólogo) e a Dr.ª Filipa Santos (Assistente Social) e, no final da mesma, fiquei com a certeza de que se iniciava um novo ciclo em relação aos antigos combatentes, mas que, como sempre, muito tempo irá passar para se conseguirem resultados. No entanto o “pontapé de saída” foi dado.

Mas na reportagem o que mais me emocionou, e que merece maior destaque, foi a forma como o nosso camarada Carlos, que foi 2.º Sargento Miliciano pois cumpriu duas comissões, foi acarinhado por uma funcionária da Liga dos Combatentes.


A D. Teresa e o ex-2.º SRGT Carlos.
Imagem retirada do Programa 30 Minutos, editada e postada por CV, com a devida vénia à RTP


D. Teresa Almeida no seu local de trabalho.
© Foto José Martins – 17Nov2009


Na D. Teresa Almeida, que presta serviço na biblioteca da Liga dos Combatentes há cerca de 40 anos, e que neste momento tem em mãos uma tarefa enorme – digitalizar fotos e memórias – os combatentes têm não só uma amiga, mas diria uma “fada” madrinha de guerra ou uma irmã.

Pessoalmente sinto-me lisonjeado sempre que a procuro, e não são poucas vezes, para obter um ou outro elemento para os escritos que faço. Sempre com uma satisfação imensa, recebe e trata todos os que se lhe dirigem: parece que estamos perante alguém que sempre nos conheceu, e a quem dedica uma amizade extrema.

Basta ver a forma como se emocionou com a visita do Carlos e o acompanhou até à porta da sede da Liga ou à porta da própria casa do Carlos: a Rua.

D. Teresa Almeida no seu local de trabalho.
© Foto José Martins – 17Nov2009


Mas naquele abraço senti-me também abraçado, um abraço longo e sentido. É assim que a nossa amiga Teresa Almeida recebe os combatentes. Naquele seu espaço de trabalho, rodeado de História, parece que o tempo pára. Por isso quando temos de partir, partimos já com saudade, mas com o propósito de ali voltar o mais breve possível.

Para ELA o nosso carinho e reconhecimento eterno. Bem-haja, querida amiga!

José Marcelino Martins
26/Novembro/2009
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5371: Patronos e Padroeiros do Exército (José Martins) (4): Arma de Engenharia - Nossa Senhora da Conceição

Vd. último poste da série de 28 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5368: As nossas mulheres (12): Mãe, eu estou aqui (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P5373: Convívios (177): O Bando do Café Progresso, reune-se uma vez por mês na cidade do Porto (Jorge Teixeira (Portojo)

1. Em mensagem do dia 28 de Novembro de 2009, o nosso camarada Jorge Teixeira (Portojo), ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70, deu-nos a conhecer mais um local físico, que se quer venha a ser uma referência, e um local (site/sítio) de internete, ambos pontos de encontro de velhos camaradas do tempo de tropa.

Estes nossos camaradas que já estão devidamente organizados, adoptaram o nome de " O Bando do Café Progresso", vá-se lá saber porquê, esta coisa de Bando não me é estranha, mas passemos à frente.


Quem quiser aceder a esta página só terá que ir a: http://bando-do-cafe-progresso.blogspot.com/

Com a devida vénia, a fim de que se possa fazer uma ideia de quem compõe aquele Bando e o que pretendem, transcrevo o P1 da sua página.


P.1 - Apresentação do nosso sítio


O Café Progresso

Neste mais que centenário espaço, situado próximo a Carlos Alberto e ao velho edifício da Universidade, aos Leões, no Porto, começaram-se a reunir há cerca de 5 anos velhos amigos e ex-camaradas militares.

Alguns já se conheciam dos tempos de infância e adolescência. Outros foram chegando, mas somos ainda poucos os que habitualmente, todas as segundas quartas-feiras de cada mês, aqui nos juntamos.

Sempre esperamos que algum ex-camarada se nos junte, quer seja fisicamente, pela net ou por qualquer outro meio.

O convívio é o nosso prazer. Por isso estamos sempre inventando formas de o fazer. Mas é aqui, no velho Progresso, que delineamos as nossas estratégias, partilhamos as conversas de velhos tempos, comentamos outros blogues (as Tabancas do Luís Graça e a de Matosinhos são os principais), vamos revendo fotos, enfim, as velhas coisas de velhos ex-camaradas.

Escrevam-nos e apareçam.



Aqui fica a apresentação do Bando do Café Progresso.
Consultem a sua página e/ou vão numa segunda quarta-feira de um mês qualquer ao Café Progresso para encontrarem um saudável grupo de jovens que querem reviver tempos idos e passar um bom bocado de tempo.

CV
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5149: Direito à indignação (8): Fomos forçados como presidiários a cumprir pena no degredo (Jorge Teixeira/Portojo)

Vd. último poste da série de 18 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5291: Convívios (174): Camaradas da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851 procuram restaurante em Fátima para o seu convívio de 2010 (Raul Albino)

Guiné 63/74 - P5372: Agenda cultural: (49): Síntese da minha comunicação no Colóquio Internacional na Universidade dos Açores (Carlos Cordeiro)




1. A propósito da sua intervenção no Colóquio Internacional Representações de África na Universidade dos Açores*, que teve lugar entre os dias 26 e 28 de Novembro de 2009, recebemos estas duas mensagens do nosso camarada Carlos Cordeiro**:



Esta no dia 27 de Novembro de 2009:

Meu caro Carlos,
Obrigado por tudo. Foi um incentivo muito especial ter-te encontrado como amigo e ter feito outros amigos (muito em especial o José Câmara) para avançar com este trabalho que, afinal, irá crescer em fôlego. Agora pude dizer pouco: em 20 minutos diz-se pouco. Tinha, como se imagina, algum receio. Estava entre os "meus pares" historiadores (eu considero-me somente "aprendiz de historiador") que têm grandes reservas sobre esta coisa de apresentar uma comunicação exclusivamente baseada num blogue e recursos da Internet (como fiz gala de repetidamente afirmar).

No fim, o coordenador da mesa disse: "cuidado - não tentem fazer esta experiência em casa". Foi a brincar, evidentemente. Mas... lá estava um colega a defender(-me) que os historiadores de hoje não podem deixar de ter em conta os blogues, até porque, como são abertos, estão sujeitos ao contraditório. Uma colega de Estudos Culturais e Comunicação comentou que nunca tinha aberto qualquer blogue com um "livro de estilo" e regras de conduta ética como o nosso.

O Tomás esteve presente (aliás, também como técnico) e depois conversámos sobre a minha comunicação.

Correu bem, mas exigirá, para a publicação, de umas quantas noitadas. Oxalá não venha mais tarde a pagar caro estas aventuras...

Um abraço amigo do
Carlos


E esta, hoje dia 29:

Caro Carlos,
O prometido é devido! Segue um pequeno resumo da minha comunicação. Em 20 minutos não se pode dizer grande coisa e eu, ainda por cima, não falo muito depressa e gosto de cumprir o tempo que me dão, pois também sou rigoroso quando presido a este tipo de sessões. Além disso, quis também aproveitar para apresentar alguns dados sobre a participação de militares açorianos na Guerra do Ultramar.

Como poderás ver, não disse nada de especial para nós, que acompanhamos o blogue diariamente. Como estava entre historiadores profissionais e alunos, achei que devia trazer a debate esta importante questão dos relatos de guerra na "primeira pessoa", nas suas potencialidades e reservas.

Não houve críticas (expressas) à comunicação. As duas intervenções de assistentes foram no sentido positivo. Uma, salientando o facto de os historiadores dos tempos modernos não poderem alhear-se das informações dos blogues, até porque são espaços abertos e, portanto, sujeitos constantemente ao contraditório, e outra (muito positiva para o blogue) a destacar o ineditismo (pelo menos para a colega que interveio) de um blogue com "livro de estilo".

Para a publicação, irei então desenvolver a temática, apresentando exemplos. Vou ter que percorrer o blogue com cuidado.
Desculpa o arrazoado.

Um abraço


Síntese da comunicação do nosso camarada Carlos Cordeiro

O Dr. Carlos Cordeiro, num instantâneo, durante a sua intervenção

[…]
A ideia de apresentar esta comunicação surgiu-me depois de, por razões de ordem particular, ter consultado o blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que passei a acompanhar assiduamente […].

Nesta comunicação procura conhecer-se e, talvez, numa fase posterior, avaliar-se a importância da “massificação” do acesso à Internet enquanto elemento enriquecedor do acervo de fontes históricas à disposição do investigador e, no caso concreto, para a história da Guerra do Ultramar […].

O blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, constitui a II série do “blogue-fora-de-nada”, iniciado por Luís Graça, no ano de 2004. A partir de Abril de 2005, Luís Graça, como antigo combatente, começa a dar relevo especial à guerra na Guiné, acabando, a partir de Junho do mesmo ano, a blogue dedicado exclusivamente a assuntos ligados à guerra e aos ex-combatentes que ali estiveram em comissão militar[…].

A partir daí, não parou de aumentar a participação no blogue, do que resultou a incapacidade de armazenamento da informação – textos, fotografias, mapas. Ao fim de um ano de existência e com 825 entradas ou postes, passou a ser alojado noutro servidor, com o título “Luís Graça & Camaradas da Guiné”. Dadas as exigências do crescente trabalho de edição, Luís Graça passou a contar com três co-editores, também antigos companheiros (ou camaradas, na terminologia militar) da Guiné. Nesta altura, e já convencido da importância que o blogue vinha assumindo, o editor apelava:

Junta as tuas às nossas fotos, divulga e salvaguarda os teus aerogramas, cartas, relatórios, diários, documentos militares ou papéis esquecidos guardados no sótão, num velho baú, reconstitui as tuas memórias, recorda os sítios por onde passaste, viveste, combateste, sofreste... Ajuda os teus ex-camaradas a reconstituir o puzzle da memória da Guiné (1963/74)... Faz-te bem, a ti e a eles, a todos nós, ex-combatentes, portugueses ou guineenses... Além disso, prestas um pequeno serviço à geração dos teus filhos e dos teus netos... Para que eles, ao menos, não possam dizer, desprezando o teu sacrifício: "Guiné?... Guerra do Ultramar? Guerra Colonial? Guerra de libertação ?... Não, nunca ouvi falar!".

Como critérios éticos que os participantes devem respeitar, são defendidos, entre outros, os seguintes: respeito mútuo; partilha da informação; respeito pelo povo da Guiné e pelo “inimigo de ontem”, recusa da auto-culpabilização e da responsabilidade colectiva; não intromissão na vida política interna da República da Guiné-Bissau; respeito, acima de tudo, pela verdade dos factos; liberdade de pensamento e de expressão e respeito pela propriedade intelectual e direitos de autor3.

Feita a breve apresentação do blogue, convém ainda apontar alguns dados estatísticos:

- Até 23 de Novembro tinham sido publicados 5214 postes.

- No ano de 2008 foram publicados 1208 postes, número já ultrapassado no corrente ano. O número de tertulianos ultrapassa já as três centenas, cerca de 70% dos quais antigos alferes, furriéis e capitães milicianos.

Evidentemente que, como anteriormente se referiu, é elevado o número de páginas e blogues da Internet que se referem a assuntos da guerra do Ultramar e aos ex-combatentes. Considerámos este como exemplo, dada a sua relevância enquanto fonte para o conhecimento do contexto da guerra na Guiné, permitindo o cruzamento de informações, o acesso a fotografias de época, a consulta de relatórios (alguns confidenciais) o complemento ou correcção de informações oficiais (por exemplo, relatórios oficiais de operações) com as vivências de quem esteve no terreno, as condições de vida nos aquartelamentos, a convivência com as populações, tudo isto pontuado pelas recordações dos momentos de aflição e de descontracção. O que não há (salvo um ou outro caso sem relevância) é a reivindicação de actos heróicos próprios. O heroísmo, quando surge, é geralmente atribuído ao camarada do lado […].

Não estamos, naturalmente, perante fontes totalmente fiáveis. Grande parte da participação resulta de memórias pessoais, com as lacunas e imprecisões próprias da passagem de, no mínimo, 35 anos. Mesmo estas falhas são, amiúde, completadas e corrigidas por outros participantes, quer nos comentários, quer em novos postes, o que, em diversas situações, chega mesmo a despertar polémicas e controvérsias muito significativas, como, por exemplo, o caso da retirada (ou fuga, para alguns) de Guileje. Mas há também transcrições de diários de guerra e de correspondência nos fornecem informações “em cima da hora” […].

Seriam inúmeros os exemplos de textos e fotografias (algumas carregadas de dramatismo) que viriam, ao menos, abrir o debate sobre contextos e episódios da guerra do Ultramar como a historiografia os tem abordado […].

Saliente-se, por outro lado, que, mesmo tendo em consideração a liberdade de pensamento e de expressão como um dos valores defendidos pelo “livro de estilo”, o certo também é que se pede “respeito, acima de tudo, pela verdade dos factos”. E, neste sentido, a equipa editorial não se exime à responsabilidade de, em situações duvidosas, solicitar esclarecimentos adicionais aos respectivos autores.

Quanto às representações de África e dos africanos [tema geral do colóquio], “Luís Graça & Camaradas da Guiné” é riquíssimo. Se, por um lado, o relato das memórias factuais – situações de tensão e perigo, vida nos aquartelamentos, actividades operacionais, etc., são, em grande parte, carregadas de pessimismo, por outro, nas situações de descontracção, a escrita assume o carácter de quase fascínio por aquela terra e aquelas gentes. Isto, aliás, é bem patente nas viagens de saudade e solidariedade que muitos desses tertulianos fizeram e continuam a fazer à Guiné. A visão do povo é também a do carinho, estima e compreensão […].

Continuando esta viagem pelos caminhos da Internet, pude verificar que, quer quanto à quantidade quer quanto à qualidade, a informação disponibilizada possibilitaria, por exemplo, a elaboração de quadros sobre a participação de unidades militares mobilizadas pelos BII17 (Angra do Heroísmo) e BII18 (Ponta Delgada). O sistema de busca facilita, sem dúvida, a investigação. É evidente que os dados são retirados da Resenha Histórico-militar das Campanhas de África, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África, mas isto não lhes retira qualquer valor. Um outro recurso muito importante, também disponibilizado pela Internet é a lista de mortos na guerra do Ultramar.

Concluindo: o que se pretendeu com esta comunicação foi apresentar à discussão a possibilidade de aproveitamento de informações de blogues como fontes históricas, nomeadamente quanto às vivências de guerra, contadas na primeira pessoa, de centenas de milhar de portugueses que passaram pela guerra do Ultramar. Evidentemente que há o recurso a outras metodologias, como a realização de entrevistas, inquéritos, consulta da documentação existente no Arquivo Histórico Militar e nas unidades mobilizadoras, não esquecendo também a imprensa, etc.. É, no entanto, de ter em conta que, naqueles fóruns os participantes se sentem como “iguais” (no blogue que analisámos o tratamento é obrigatoriamente por tu e camarada) e, de algum modo, compreendidos e solidários e, portanto, mais “verdadeiros” no que relatam. Mas também estamos conscientes das fragilidades deste tipo de investigação e da necessária filtragem e crítica da informação. Além disso, a esmagadora maioria dos participantes tem um nível de instrução ou de posição socioeconómica que ultrapassa a generalidade dos militares que estiveram na guerra, já que são na sua maioria ex-furriéis e alferes milicianos.

Pretendemos também testar páginas da Internet sobre a guerra do Ultramar para procurar verificar o tipo e qualidade de informação que de lá podíamos aproveitar para um estudo sobre as unidades militares açorianas nos três TO. O certo é que, com algumas falhas sem significado, conseguimos obter informações sobre as unidades militares mobilizadas, os teatros de operações onde prestaram serviço, o número de mortos em campanha e concelhos de onde eram naturais. Não se trata da solução para o trabalho do investigador, mas de mais uma ferramenta de que pode servir ao historiador para desenvolver o seu trabalho.


Dr. Carlos Cordeiro, Professor de História Contemporânea na Universidade dos Açores, Ilha de S. Miguel, Ponta Delgada, usando da palavra.


2. Comentário de CV:

Face a esta fatia sintetizada da intervenção do nosso camarada Carlos Cordeiro no Colóquio realizado muito recentemente na Universidade dos Açores, na dupla qualidade de estudioso da História Contemporânea e ex-combatente na guerra colonial, onde salientou o papel do nosso Blogue como repositório de memórias dos ex-combatentes da Guiné, qualificando os nossos propósitos e salientando o modo como convivemos entre nós, só nos podemos sentir orgulhosos por esta exposição num meio especializado de historiadores. Foi aceite que os Blogues não podem ser ignorados como fonte de informação, principalmente quando, modéstia à parte, como o nosso, apresentam um grau de qualidade e veracidade comprovada, e discutida abertamente por todos os intervenientes e leitores. Todos os nossos depoimentos estão sujeitos à crítica e aos reparos, se algo que não estiver totamente de acordo com a realidade vivida então.

Por outro lado, estamos gratos ao Dr. Carlos Cordeiro, na sua qualidade de historiador, por levar até junto dos seus pares o conhecimento da nossa existência.

A partir de hoje devemos sentir ainda mais orgulho no nosso trabalho, e ganhar forças para prosseguir esta tarefa, que só terminará quando o último de nós já não souber sequer o seu próprio nome. As nossas memórias têm que passar para ciberespaço, quanto antes, para ficarem acessíveis a quem delas se quiser servir no futuro.

Em frente camarigos.

Aos que ainda não se apresentaram à Tabanca Grande julgando que as suas memórias são deprezíveis, convido a vir até nós, porque todos somos poucos e cada testemunho é um acontecimento que fará parte da História que alguém há-de compôr.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5325: Agenda Cultural (46): Colóquio Internacional Representações de África na Universidade dos Açores (Carlos Cordeiro)

(**) Carlos Cordeiro é um ex-combatente em Angola, onde fez a sua comissão de serviço como Fur Mil At Inf no Centro de Instrução de Comandos, nos anos de 1969/71.
Vive em Ponta Delgada, Ilha de S. Miguel, onde é professor de História Contemporânea na Universidade dos Açores.

Vd. último poste da série de 25 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5341: Agenda Cultural (48): Lançamento do livro Era uma vez... Ciência e Poesia no Reino da Fantasia, de Regina Gouveia (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P5371: Patronos e Padroeiros (José Martins) (4): Exército - Arma de Engenharia - Nossa Senhora da Conceição




1. Quarto poste da série Patronos e Padroeiros das Armas do Exército Português, um trabalho de pesquisa do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70).





PATRONOS E PADROEIROS - IV

EXÉRCITO - ARMA DE ENGENHARIA – NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO


Nossa Senhora da Conceição Padroeira da Arma de Engenharia

A festa da Imaculada Conceição, comemorada em 8 de Dezembro, foi definida como uma festa universal em 1476 pelo Papa Sisto IV.

A Imaculada Conceição foi solenemente definida como dogma pelo Papa Pio IX em sua Bula Ineffabilis Deus em 8 de Dezembro de 1854. A Igreja Católica considera que o dogma é apoiado pela Bíblia (por exemplo, Maria sendo cumprimentada pelo Anjo Gabriel como "cheia de graça"), bem como pelos escritos dos Padres da Igreja, como Irineu de Lyon e Ambrósio de Milão. Uma vez que Jesus tornou-se encarnado no ventre da Virgem Maria, era necessário que ela estivesse completamente livre de pecado para poder gerar seu Filho.

Desde o cristianismo primitivo diversos Padres da Igreja defenderam a Imaculada Conceição da Virgem Maria, tanto no Oriente como no Ocidente. Os escritos cristãos do século II relatam a doutrina, concebendo Maria como a "Nova Eva", ao lado de Jesus, o "Novo Adão". No século IV, Efrém da Síria (306-373), diácono, teólogo e compositor de hinos, propunha que só Jesus Cristo e Maria são limpos e puros de toda a mancha do pecado.

A pureza de Maria do pecado desde o momento de seu nascimento também é atestada no Islã. Alguns dos títulos marianos no Islã realçam este fato:

* Tahirah: significa "Aquela que foi purificada" (Alcorão 3:42). De acordo com um hadith, o Diabo não tocou em Maria quando ela nasceu, portanto, ela não chorou (Nisai 4:331).

* Mustafia: significa "Ela, que foi escolhida". O Alcorão declara: "Ó Maria! Por certo Deus te escolheu e te purificou, e te escolheu sobre todas as outras mulheres dos mundos" (Alcorão 3:42). Deus escolheu a Virgem Maria entre todas as mulheres do mundo para um plano divino.

A festa da Imaculada Conceição de 8 de Dezembro, foi definida em 1476 pelo Papa Sisto IV, porém ele não definiu a doutrina como um dogma, deixando assim os Católicos livres para acreditar nela ou não, sem ser acusado de heresia, esta liberdade foi reiterada pelo Concílio de Trento. A existência da festa era um forte indício da crença da Igreja de Imaculada Conceição, mesmo antes da definição do século XIX como um dogma. Na Itália do século XV o franciscano Bernardino de Bustis escreveu o Ofício da Imaculada Conceição, com aprovação oficial do texto pelo Papa Inocêncio XI em 1678.

Nossa Senhora da Conceição, foi proclamada Padroeira da Arma de Engenharia pela Portaria de 22 de Maio de 1961 e Ordem do Exército n.º 9 (1.ª Série), de 9 de Setembro de 1961.

José Marcelino Martins – 24 de Novembro de 2009
[Organizado a partir de imagens e textos da Wikipédia]

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5362: Patronos e Padroeiros (José Martins) (3): Exército - Arma de Cavalaria - Mouzinho de Albuquerque

sábado, 28 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5370: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (VIII): As “licenciaturas” dos tigres do Cumbijã.


1. Mensagem do nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, enviada em 28 de Novembro de 2009:


BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO- VIII

AS “LICENCIATURAS” DOS TIGRES DO CUMBIJÃ

Tratado com “paninhos de renda” pela menina Adelaide, a minha mãe, que me deixou repentinamente, nos idos anos oitenta, antes mesmo de completar setenta anos de idade, vivi uma infância sem o mínimo sobressalto, pois para além dos miminhos que só as nossas mães sabem oferecer, tinha nela uma bela guarda-costas, pois impedia que as asneiras mais graves do Vasquito, quase diárias, chegassem ao conhecimento do pai Vasco, que no seu avantajado físico, metia um medo do caraças…

Um belo dia este vosso amigo ficou doente, penso que com uma gripe forte, mas já alertara a sua mãezinha, que postal com uma “falta de disciplina”, daquelas que a secretaria do liceu enviava ao encarregado de educação, escritas num vermelho ainda mais vivo que as camisolas do meu querido Glorioso, e que dizia respeito a uma expulsão de uma qualquer aula por uma qualquer coisa que eu havia feito, vinha a caminho e estava prestes a chegar. É desta que eu não escondo o postal seu malandro, ameaçava a minha mãe, mas os seus lindos olhos traíam de imediato as palavras e eu, repimpadamente, estava pronto para a próxima.

O meu pai saía para o trabalho pelas oito e meia, regressava por volta da uma para o almoço, o “sacana” do correio chegava pelas dez e meia, portanto tudo controlado. Nesse dia em que a gripe não me deixara levantar e em que deitado “estudava” uma qualquer disciplina, com uma revista do Condor ou do Cisco Kid entre as páginas do livro, aí pelas onze da manhã violentas pancadas, ainda hoje as ouço, de martelo na porta do meu quarto tiraram-me daquela modorra que a caminha nos proporciona.

Entre o assustado e o aterrorizado, senti logo que o pior acontecera.

O sr. Vasco havia esquecido qualquer coisa em casa onde regressara a buscar, julgo que documentos para uma escritura, e, galo dos galos, o carteiro havia-lhe entregue a correspondência e lá vinha a terceira “falta de disciplina” à mesma cadeira que me deixava o ano tapado.

Não consegui mexer-me e só passado um intervalo de segurança, quando as pancadas desferidas na porta pararam e o grito lançado pelo vozeirão do meu pai, de “bandido” se escoara havia mais de cinco minutos, me levantei e pé ante pé, abri a porta do meu quarto, espreitei e pasme-se, o meu pai havia pregado, sim pregado com pregos e martelo na porta do meu quarto, a “encomenda” que recebera do liceu.

Ao ler o texto sobre as escolas de Aldeia Formosa e Nhala do nosso camarada Amaro, recordei-me que lições bem aprendidas não se esquecem, até mais, fornecem-nos argumentos para solucionar problemas difíceis.

O Vasquito, já Cap. Gama na Guiné, comandava uma companhia de operacionais que após 3 ou 4 meses de calma relativa em Aldeia Formosa, foi viver em barracas de lona para o Cumbijã.

Entre os embrulhanços matinais na protecção à estrada e as festarolas que o P.A.I.G.C. nos proporcionava ao cair da tarde no nosso “aquartelamento”, com duas visitas ao arame, tínhamos de amassar blocos, cortar troncos de palmeira, abrir valas tudo isto à unha, ajudados durante algum tempo pela engenharia, quando a estrada chegou ao Cumbijã em direcção a Nhacobá e as máquinas descansavam ao lado das nossas tendas por detrás de montes de terra que elas próprias abriam para passar as noites…

Mas, nem só de trabalho físico viviam os Tigres. Havia trabalho intelectual a desenvolver e não me refiro à leitura da Bola ou à prática obrigatória do inglês que o meu querido camarada furriel Azambuja Martins nos proporcionava quando recebia a famosa revista PENTHOUSE que era “lida” avidamente por toda a companhia.

Refiro-me sim às aulas para quem não tinha a quarta classe. Tínhamos de arranjar tempo para dar o exame da quarta a todos os nossos companheiros, pois só com essa licenciatura, tinham direito a serem funcionários públicos (alguns camaradas vieram a ingressar na G.N.R.) e a tirar a carta de condução, que era o sonho de quase todos .As férias de muitos camaradas eram passadas em Bissau a estudar o código e a fazer o exame que lhes permitisse mostrar, até à exaustão a sua licença de condução, como se de qualquer diploma “internacional” se tratasse.

Vejam lá, nas condições em que vivíamos, a vontade e o entusiasmo dos nossos alunos e também dos mestres-escola que comigo iam colaborando.

Enfim, o tempo foi passando e o exame da quarta classe marcado.

Inicialmente esteve para ser feito em Aldeia Formosa, mas eu não aceitei alegando não importa agora o quê!
O exame tem de ser obrigatoriamente no Cumbijã!

As horríveis condições em que vivíamos, as imensas flagelações com que os turras nos brindavam, o facto de não termos sequer população, aquele ponto que alguns sempre aumentam quando contam a história de uma emboscada, o facto de os camaradas que nos ajudavam na protecção à estrada regressarem a Mampatá ou a Aldeia no final do dia e os Tigres terem de permanecer todos os dias naquele buraco, davam ao Cumbijã um estatuto de local “não grato”. Era um ponto a favor dos examinandos…

Chegou, proveniente de Bissau e devidamente escoltado por elementos de uma Companhia de Aldeia Formosa, onde havia aterrado pela manhã, o senhor examinador, penso que um furriel, de patente.

Se na escrita se conseguiu distrair o examinador e ajudar os Tigres candidatos ao diploma, a prova oral estava a correr mal sobretudo a dois deles, ao Armando e ao Martins. Aquilo estava a dar para o torto e o examinador insistia, insistia, de uma forma perigosa. Foi então que a lição “barulhenta” do meu pai me veio à memória e abandonando a “sala de exames” prevenindo só os mais próximos do que ia acontecer, dei ordem para que os meus três obuses disparassem em simultâneo para baterem a zona…

Imaginem ouvidos virgens de Bissau ao ouvir aquele estardalhaço!

Porra, até os alunos se atiraram para debaixo das mesas…

É verdade camaradas, todos os Tigres do Cumbijã foram aprovados, só não me recordo do grau de distinção atribuído…

Se fosse hoje, outro galo cantaria e de lá para cá, dada a rapidez da evolução da técnica, dos métodos de estudo e da qualidade dos mestres examinadores, não seriam necessárias três obusadas; bastaria um simples e silencioso fax enviado a qualquer dia da semana, incluindo um domingo, do Cumbijã para Bissau e tudo estaria “nos conformes”, com a aprovação dos meninos do Cumbijã que, honra lhes seja feita, nunca ocultaram a face perante os muitos perigos que enfrentaram, ao contrário de outros…

Desculpas para o examinador, para os turras se alguma obusada lhes acertou e parabéns aos meus licenciados do Cumbijã, alguns dos quais ainda convivem nos almoços da nossa querida Companhia de Cavalaria 8351.

Vasco Augusto Rodrigues da Gama
Cap Mil da CCAV 8351
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em: