quarta-feira, 7 de julho de 2010

Guiné 63/74 – P6685: Histórias do Eduardo Campos (14): O que aconteceu à “minha” Nhacra?

1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos a 3ª parte da narração da sua ainda fresquinha viagem à Guiné.

CAÇ 4540 – 72/74 – SOMOS UM CASO SÉRIO

O que aconteceu à “minha” Nhacra?
Quando decidi efectuar a viagem, disse à minha família em que circunstâncias o ia fazer, acabando por me juntar a esta “expedição” à volta da Guiné. O “Capitão” Zé Rodrigues e os restantes marinheiros, que, só por si, eram a garantia de uma viagem de sucesso.

O que eu não esperava era que ao grupo se viessem juntar mais três nobres marinheiros: o Fernando Henriques, o Petiz e o Vilar.

Embora os três compreendessem e falassem português bastante bem, era-nos muito difícil saber, através deles, o que pretendiam, facto este proveniente, em parte creio eu, de lhes ser muito difícil interpretar o nosso tom irónico, brincalhão e de boa disposição que foi patente, nas nossas conversas, no dia-a-dia.

Seja-me pois permitido aqui exprimir toda a minha gratidão, pelas muitas e boas gargalhadas que me proporcionaram.

Tinha a perfeita consciência que no meu regresso á Guine, nem tudo o que iria encontrar seria do meu inteiro agrado, mas também estava longe de imaginar o avançado estado de degradação, de muitas infra-estruturas, que no passado conheci no seu melhor aspecto.

Todos sabemos que estou a falar de um país pobre, onde os recursos mais básicos não existem sequer para a sobrevivência dos seus povos, mas mesmo reconhecendo este facto, sinto uma certa revolta, pelo que fui encontrar em Nhacra.

Para quem viveu num aquartelamento que durante 10 meses foi a sua casa, e que bela era ela, julgo não exagerar que foi dos aquartelamentos mais bonitos que vi na Guiné.

Por momentos pensei que estava em Nagasaki ou em Hiroshima, o que aconteceu à minha Nhacra?

Um agradecimento pela simpatia e gentileza do Administrador de Nhacra, pela forma como nos recebeu e autorizou a tirar algumas fotos, tendo ao mesmo tempo lamentado o estado de destruição daquele espaço.

Nhacra – Antiga Capela

Nhacra – Antiga Enfermaria

Nhacra – Antigo bar dos praças?

Nhacra – Antigo edifício do comando

Nhacra – (?)
Nhacra - (?) Nhacra - (?)
Nhacra - (?)
Nhacra - (?)

Nhacra – Entrada da porta de armas
Nhacra – casa do administrador

Nhacra – Carvalho –Eu –Administrador – Capela – Carminda

Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540

Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

24 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6461: Histórias do Eduardo Campos (13): Língua Portuguesa na Guiné: Em Perigo?

terça-feira, 6 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6684: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (20): Liderança e voluntariado de mãos dadas na Mata dos Madeiros

1. Mensagem de José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 26 de Junho de 2010:

Meu caro e amigo Carlos Vinhal,
Cá estou de volta a dar-te algum trabalho.
É uma história simples. O seu significado está muito para além das palavras.

Dentro de dias irei abraçar alguns dos protagonistas aqui mencionados. Ao fim de 37 anos!

Para ti e para os nossos camaradas um abraço imenso,
José Câmara


Memórias e histórias minhas (20)

Liderança e voluntariado de mãos dadas na Mata dos Madeiros


A emboscada ao grupo da 26a. CCmds junto ao nosso acampamento na Mata dos Madeiros trouxe alterações significativas à nossa actuação. Entre elas tiveram significado especial o reforço das escoltas ao Bachile e ao grupo que, diariamente, juntava a lenha para a cozinha. Porém, o esforço maior adveio do começo da picagem da estrada e da protecção próxima das máquinas e dos trabalhadores em serviço na estrada. Esta nova missão, a nível de um grupo de combate, era protagonizada por um dos grupos regressados do mato, e prolongava-se até às seis horas da tarde. Os postos de sentinela noturnos já eram reforçados com três elementos. Outra consequência não menos significativa foi o facto dos grupos de combate nas saídas de vinte e quatro horas terem o seu quadro completo de graduados.

Como consequência de todo este reforço de trabalho, os nossos soldados sem dúvida os mais sacrificados, passaram a actuar quase continuamente. O seu esforço passou a ser compensado com 12 horas de descanso a cada 12 dias de trabalho contínuo. Os graduados eram mais felizardos nas noites passadas no acampamento porque só tinham que fazer uma ronda nocturna. Comum a todos os operacionais foi o reforço das rações de combate que passou de uma em cada 48 horas, para duas e meia em cada 72 horas.

A 28 de Abril de 1971 escrevi à minha madrinha de guerra o seguinte:

"Esta manhã voltei de uma operação (24 horas), para voltar ao mato durante o dia (12 horas). No regresso voltei a sair numa escolta aqui perto (o Bachile distava cerca de 10 Kms do primeiro acampamento). O trabalho está a ser durinho, mas vai-se cumprindo da melhor maneira. Amanhã vou novamente para o mato; depois de amanhã devo descansar para voltar a alinhar mais quatro dias seguidos para o mato."

A primeira destas quatro saídas aconteceu porque o Comandante da Companhia, Cap Mil Rogério Rebocho Alves pediu-me para substituir no 2.°Pel o Alf Mil Agostinho Barata Neves por impedimento deste. Integrar aquele pelotão não era problema. Comandá-lo era. Os furriéis João Cruz, Fernando Silva e Joaquim Fermento eram competentes e, qualquer um deles, à altura de comandar o grupo. A fim de evitar mal entendidos com os meus camaradas, pedi autorização para levar a minha secção completa. Era, julgo eu, a forma mais correcta de assumir, como graduado mais antigo, o comando de um grupo que não era o meu. O Comandante da Companhia compreendeu e anuíu.

Foi assim que a minha secção saiu 'voluntariamente' para o mato sem que o pessoal soubesse das razões. Durante os próximos quatro dias só regressávamos ao acampamento para abastecimento de água e ração de combate.

Quando regressámos da primeira das quatro saídas, o 1.º Cabo José Leonardes, um excelente homem e militar, aproximou-se e disse-me sensivelmente o seguinte:

- O pessoal da nossa secção não percebe porque teve que ir para o mato só porque o meu furriel se ofereceu como voluntário. Nós já estamos sobrecarregados com trabalho. Eu acho que eles têm razão.

Perante esta manifestação correcta de desacordo, respondi:

- Eu não fui voluntário. O nosso Capitão pediu-me que o fosse. Nesta companhia eu sou, talvez, o único que não pode tentar negar-se a um pedido dele. Quanto a vocês eu só posso acrescentar que vos treinei e sei o que cada um é capaz de fazer. Tens razão numa coisa: O meu problema não pode ser o vosso. Qualquer outra explicação sobre este assunto serão vocês que a terão que descobrir e compreender. A partir de hoje, sempre que eu tiver que alinhar fora do grupo, vocês não terão que me acompanhar.

Nunca saí para o mato sem a minha secção. Os meus homens compreenderam que eu estive sempre ao lado deles. Também compreenderam que eu, tal como eles, era um açoriano com alguma responsabilidade acrescentada.

Finda a conversa com o Leonardes, enquanto me preparava para regressar ao mato, desta vez com o meu grupo, o Comandante da Companhia informou-me que o Alf Mil Francisco João Magalhães, comandante do grupo, tinha adoecido e que eu teria que comandá-lo. Essa informação originou um diálogo que não esteve muito longe deste:

- Meu capitão, o grupo não deve sair desfalcado de um graduado.

- Vai ter que ser pois não tem ninguém preparado para te ajudar.

- Meu Capitão, temos um que eu sei estar sempre preparado para qualquer eventualidade.

-Quem? - perguntou o comandante. Eu não respondi. O capitão encaminhou-se para a sua G3, pôs o cinturão com as cartucheiras, o cantil e duas granadas de mão. De seguida dirigiu-se ao depósito de géneros para recolher a sua ração de combate.

A 3 de Maio de 1971 escrevi à minha madrinha de guerra o seguinte:


"A saída de ontem teve um bom aliciante. O comandante da companhia resolveu acompanhar-nos pela primeira vez. Claro está que se andou um bocadinho mais que o normal. Tivemos interesse em que ele visse alguns aspectos da mata por onde andávamos. Rapazes novos tudo podem, como se costuma dizer, e como eu guiava a coluna no seu trajecto tentei fazê-lo tremer um bocadinho. Tudo saíu bem."

Foi assim, desta forma simples, que o comandante da CCaç 3327 recebeu o seu baptismo operacional na Mata dos Madeiros.

Para mim nunca foi importante que o comandante da companhia alinhasse no mato. Os bons líderes manifestam-se de muitas maneiras, entre elas a força do carácter e do trabalho.

O Cap Mil Art Rogério Rebocho Alves era um homem culto e humanista. Impunha disciplina com uma palavra amiga e compreensiva. Isso não o impedia de usar, em casos mais extremos, o RDM. Muito raramente o fez. Na sua missão principal fazia tudo o que lhe estava ao alcance para minimizar a miséria que era a nossa luta na Mata dos Madeiros.

A forma como ele fez a sua primeira saída para o mato dignificou o homem, o militar e o comandante.

José Câmara
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6484: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (19): Baptismo de fogo adiado

Guiné 63/74 - P6683: Memória dos lugares (88): Binta, no Rio Cacheu... Quando o meu anfitrião foi o JERO, da CCAÇ 675 (Manuel Joaquim, ex-Fur Mil, CCAÇ 1419, Bissorã e Mansabá, 1965/67)


1. Comentário de Manuel Joaquim, com data de hoje, ao poste P6676 (*)

 Meu caro JERO:

Aqui está uma bela ocasião para te dar um abraço. Aproveitando as palavras do Luís Graça,  venho reforçá-las, fazendo o que já ando para fazer há uns meses, desde o momento em que te vi neste blogue.



Em inícios de Outubro de 1965, estava a minha CCaç 1419 em Bissau,coube à minha secção fazer segurança interna a um transporte marítimo-fluvial: Bissau - Farim - Bissau, no caso a um pequeno barco e a dois batelões de reabastecimento.
Já no regresso de Farim, descendo o belo rio Cacheu, atracámos em Binta. A minha secção estacionou no aquartelamento da CCaç 675 enquanto decorreram as operações de carga/descarga e se cumpriu o período de descanso da tripulação.

O meu anfitrião foi um tal Fur Mil Oliveira (!). A esta distância temporal não me lembro, objetivamente, dos temas das nossas conversas. A não ser de dois, o trabalho operacional da CCaç 675 e um teu trabalho suplementar que era a redação de um Diário da Companhia  de que me lembro de ver o 1º volume já impresso (?) e que manuseei.

O bom nível do convívio foi tal que nunca mais me esqueci dele. Alguma razão deve ter havido para isto acontecer, sem dúvida a qualidade do meu interlocutor. Agora, pelas referências elogiosas que aqui recebes, confirmo que continuas a mesma figura agradável que marca quem contigo convive.

Estou muito contente por te saber vivo e bem
vivo !

Um grande abraço do

Manuel Joaquim
(Fur Mil, CCaç 1419, Guiné, 65/67) (**)



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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 5 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6676: V Convívio da Tabanca Grande (13): Caras Novas (Parte IV ): O JERO, aquele rapaz de Alcobaça e de Binta, lembram-se dele ? (Luís Graça) 


(**) Vd. poste anterior da série > 27 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6645: Memória dos lugares (80): Bissau, cidadezinha colonial (Parte V) (Agostinho Gaspar)

Guiné 63/74 - P6682: Convívios (259): Convívio anual de "Os Sobreviventes" - CCAÇ 3490, Saltinho, 1971/74 (Mário Migueis)

1. Mensagem de Mário Migueis da Silva* (ex-Fur Mil de Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 21 de Junho de 2010:

Caro Carlos:
Votos sinceros de muita saúde e boa disposição.

A pedido dos organizadores do último encontro de ex-combatentes da CCaç 3490 (a da emboscada do Quirafo), na mira da captação de novos convivas para os próximos, estou a remeter-te uma pequena notícia sobre o mesmo, bem como algumas fotos que a ilustram.

Considerando que, recentemente, comprei uma peruca branquinha e troquei os óculos por lentes de contacto, junto ainda uma nova foto tipo passe, onde é patente o meu novo visual. Se puderes passar a fazer uso dela na apresentação da minha prosa (e não só) futura, agradecia.

Um grande abraço
Mário Migueis


Convívio anual da CCaç 3490 - Saltinho 1971/74

“Os sobreviventes”


Quando, pouco depois do meio-dia do passado domingo, dia 13, entrei na sala do restaurante Milho-Rei, em Penafiel, onde já se comia e bebia sem cerimónia, dei comigo a exclamar mentalmente: “ora, cá estão, finalmente, os sobreviventes da desgraçada 3490!”. Na verdade, não os via desde Outubro de 1972, andando a tentar localizá-los há, pelo menos, uns cinco anos. Aliás, meses atrás, cheguei a apelar nesse sentido neste nosso santo blogue, que tantos milagres tem operado em casos congéneres. Mas, nem assim: do outro lado, nada, ninguém respondeu. Mas, como quem porfia sempre alcança, não desisti e, através do “Luís Graça e camaradas da Guiné”, cheguei ao blogue “Histórias da Guiné 71-74…”, que me havia de dar a grande pista: um artigo do Luís Dias, seu fundador e nosso camarada de tertúlia - ex-alferes de uma das outras companhias do batalhão em Galomaro e Dulombi - tinha merecido um comentário que a minha perspicácia de homem das informações – modéstia à parte – não deixou passar. E, na verdade, quem assim comentava não era gago nem um qualquer, era tão só e simplesmente o Agostinho Barbosa, um dos dois organizadores de todos os convívios já efectuados, os quais, viria a saber, vinham acontecendo nos últimos seis anos sem interrupção. Ao e-mail que lhe dirigi, respondeu prontamente com uma simpatia quase comovente. Depois, foi só esperar que decorressem os dois mesitos que nos separavam da data prevista para o encontro.

De todos os presentes, que, com os familiares que os acompanhavam, ultrapassariam a centena e meia, apenas reconheci imediatamente os ex-furriéis Aguinaldo Silva (Ponte do Lima) e Carlos Raimundo (Faro). Mas, curiosamente, embora disfarçado com barba e cabelo branco, fui imediatamente reconhecido pelo Carvalho, 1.º Cabo Cripto da Companhia, por sinal, senhor – na altura - de uma voz melodiosa, que interpretava alguns fados castiços de Lisboa de uma forma tão arrepiante e especial que nos levava invariavelmente às lágrimas. Nunca mais esqueci algumas das bonitas letras do seu reportório!

Após quinze minutos de animadas conversas e múltiplas reapresentações, já tinha o nome de cada um na ponta da língua e toda a gente sabia que “aquele da barba branca” era o Furriel das Informações. Pena que, como é natural neste género de encontros de pessoas espalhadas por todo o país e não só, se tenham registado algumas ausências, designadamente a do Comandante da Companhia, capitão miliciano Dário Lourenço, que, por razões de ordem profissional, tivera que se ausentar para o estrangeiro dias antes. Quem também não vi por lá – gostava muito de o rever, embora tenha estado com ele há relativamente pouco tempo na Tabanca de Matosinhos – foi o nosso querido camarada de tertúlia António Batista, que, na sua qualidade de morto-vivo, é uma imagem de marca da unidade em questão.

Mas, que foi uma festa bonita, lá isso foi. A concentração iniciou-se manhã cedo, seguindo-se, na Igreja do Calvário, no centro da cidade, uma missa sufragada por todos os camaradas já falecidos. Por volta do meio-dia, foi tempo de seguir para o restaurante Milho-Rei, situado a cerca de seis de quilómetros de distância, junto à estrada para Entre-os-Rios. Para além dos comes e bebes em quantidade e qualidade, não faltaram os discursos, os brindes, as brincadeiras e um bailarico abrilhantado por uma mini-banda ao vivo. Confesso que, de todos os encontros em que já participei, este foi, sem dúvida, o mais animado, com todos os participantes imbuídos num ambiente de euforia, dando mostras do seu contentamento por estarem de novo reunidos, afastadas que foram as sombras de um passado de dor e sofrimento, que a fraternidade que os ligava ajudou a esbater. Estão, pois, de parabéns o Agostinho Barbosa (Penafiel) e o Justino Sousa (Paredes), não só organizadores de mais este convívio, mas, eles próprios, também, os idealizadores, mentores e fautores do tocar a reunir as tropas, decorridas que eram já três décadas desde o regresso da Guiné. E o que estes grandes entusiastas gostariam agora era que, nos próximos encontros, mais malta da Companhia comparecesse, para que todos pudessem sentir e fazer sentir o doce sabor da camaradagem, que permanece viva e inalterável no coração de cada um. Para tal, solicitam àqueles que ainda não tiveram oportunidade de estar presentes em nenhum dos convívios anteriores que facultem desde já à Organização (agostinhorochabarbosapenafiel@gmail.com) os respectivos contactos, possibilitando assim a sua oportuna convocação para o encontro do próximo ano que, em princípio, terá lugar de novo em Penafiel durante o mês de Junho.

Outros dizem que cada vez somos menos. Cá os nossos homens da Organização preferem que se diga que cada vez seremos mais, bastando para isso que tu, caro camarada da CCaç 3490, marques a tua presença nos próximos encontros.

Até lá!

Esposende, 15 de Junho de 2010
Mário Migueis da Silva


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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6245: Estórias avulsas (84): O lírico, ou com a ditadura não se brinca (Mário Migueis)

Vd. último poste da série de 29 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6655: Convívios (173): 10 de Junho de 2010 (Arménio Estorninho)

Guiné 63/74 - P6681: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (3): Conclusão

1. Conclusão da publicação das memórias do Sílvio Faguntes Abrantes, membro da nossa Tabanca Grande, conhecido na Guiné como o Hoss. Pertenceu à CCP 121 / BCP 12.

Hoss e o Folhas


Uma dum colega ferido no dia 16 de Junho, com soro



16 de Junho de 1970

Conclusão


Conforme mencionei na 1.ª parte, houve um oficial que na emboscada saltou da viatura sem a G3 e pediu ao Folhas que lhe desse a dele, ao que este rejeitou. O oficial fez a vida negra ao Folhas o resto da comissão.

Passados uns meses e já em plena época das chuvas, fomos para um aldeamento na fronteira com o Senegal onde só havia um pelotão de obus.

Nós, soldados, dormíamos debaixo de panos de tenda, onde a água entrava por todos os lados, os oficiais e sargentos instalados numa antiga escola. O nosso acampamento mais parecia um acampamento do índios dum filme de cowboys do que de soldados prontos para a guerra e dar a vida pelo Pátria.

Um dia saímos de manhã fazer uma operação de reconhecimento, chegámos todos molhados. À noite fomos em auxílio dum quartel do exército que estava a ser atacado, chegámos todo molhados. Na manhã seguinte o dito oficial manda formar a companhia de camuflado. Camuflado significa botas. Nós só tínhamos dois pares de botas e dois camuflados que estavam todos molhados. Então resolvemos formar em fato de treino uns, e outros de calções, a única coisa que tínhamos enxuto para vestir. Ao ver tal situação o dito oficial manda o Folhas sair da formatura, entra em discussão com ele e deu-lhe cobardemente duas bofetadas.

O Folhas passa-se da cabeça, e não era para menos, vai buscar a G3 com um carregador enfiado, pronta a disparar, corre atrás do oficial que se refugia na escola. Então eu e outros colegas fomos acalmar o Folhas, o que não foi nada fácil e conseguimos que nos desse a G3.

Passados poucos minutos reuniram-se alguns velhinhos da companhia e de cabeça quente ditamos a sentença ao nosso oficial. Decidimos que, se o dito oficial participasse do Folhas, deixaria de contar a 100% no efectivo das tropas Pára-quedistas, ou seja hoje não estaria no reino dos viventes. Por sorte não houve participação.

Mas digo com toda a honestidade, se fosse comigo não lhe perdoava. Ainda hoje pergunto o que é que me segurou em não concretizar a sentença, algumas vezes o tive na mira. O meu pai nunca me bateu.

Seria mais um morto em combate.

Esse grupo era composto por 3 MG, 2 Hk, 1 Degtariev e várias G3.

Porque é que este senhor não se meteu comigo ou com outro colega meu? Porque teve de ser com o Folhas?

Há 2 ou 3 anos encontro, numa festa da companhia, em Tancos, um outro oficial, hoje coronel na reforma que me perguntou pelo Folhas, ao que eu respondi que não sabia nada dele. Então contou um outro triste episódio passado entre ele e o Folhas. Não vale a pena estar aqui a recordar, pois eu já não estava na Guiné. Pergunta o coronel porque é que o Folhas era um revoltado. Então eu e o meu amigo Vicente, outro enfermeiro, contámos a passagem da G3. O nosso homem nem queria acreditar no que ouvia.

- Não é possível que um oficial faça uma coisa destas, nunca imaginei tal coisa. Se encontrasse aqui o Folhas, pedia-lhe desculpa agora mesmo.

Atitude digna dum Homem.

Junto envio duas fotos. Uma dum colega ferido no dia 16 de Junho, com soro e a outra, eu o Folhas. O colega que segura o soro, se a memória não me falha, é um bravo açoriano.

Hoss
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Nota de CV:

Vd. postes de:

20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6195: Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/1971) (1): Quando a minha MG 42 ficou engatada no banco da viatura e sofremos uma tremenda emboscada a 3km do Pelundo
e
14 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6387: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (2): o ataque à coluna Bissau-Teixeira Pinto, em 16 de Junho de 1970 (II Parte)

Guiné 63/74 - P6680: O Nosso Livro de Visitas (91): A. Branco, CCAÇ 16, Bachile, chão manjaco, 1971

1. Mensagem do nosso camarada José Romão [, foto à esquerda], com data de 30 de Junho último:

Assunto:  Bachile, CCAÇ 16


Amigos e camaradas Magalhães Ribeiro e António Graça Abreu


Aqui vos mando uma mensagem enviada pelo camarada Branco que também prestou serviço militar no Bachile.


Um grande abraço. Romão


2. Mensagem do A. Branco, com data de 29 de Junho passado, para o Zé Romão:

Assunto -  Bachile,  CCAÇ 16

Caro Romão

Acabo de fazer mais uma das minhas habituais visitas ao blogue do Luis Graça e rapidamente me apercebi do texto e das imagens da CCAÇ 16.

Tal como referes, e ao contrário da opinião do António Graça Abreu, o Bachile nessa altura era efectivamente tal qual o descreves e sublinhas com fotos.

A confusão do António Graça Abreu, deve ter a ver com o que eu algures já li,  noutros sítios,  em que o Bachile antes da conclusão da estrada até ao Cacheu não tinha nem por sombras  aquelas condições, até porque a CCAÇ 16 só foi organizada em Fevereiro de 1970,  conforme nota descretiva que a seguir envio.

Esclarecida esta situação, queria-te pedir que me autorizasses a copiar para o meu album pessoal as imagens do quartel e nomeadamente da minha secção, a arrecadação, já que as que eu tenho não têm a mesma qualidade.

Por agora um abraço e vou continuando atento a tudo o que surja referente à nossa companhia e ao Bachile.

A. Branco
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Notas sobre a Companhia de Caçadores nº 16, compiladas por José Martins (Vd. poste P4347, de 14 de Maio de 2009)


(i) Subunidade do recrutamento local, foi organizada no CIM de Bolama, em 4 de Fevereiro de 1970;

(ii) À semelhança de outras, da chamada "nova força afriacna", por quadros (oficiais, sargentos e praças especialistas) de origem metropolitana e por praças guineenses, de etnia manjaca;

(iii) Colocada em Teixeira Pinto, em 4 de Março de 1970, destacou dois pelotões para Bachile, passando a estar integrada no dispositivo do BCAV nº 1905, e substituindo a CCAÇ nº 2658, que se encontrava em reforço no sector;

(iv) Em 30 de Abril de 1970, já com o quadro orgânico de pessoal completo,  passa a ser a unidade de quadrícula de Bachile;
(v) Em 28 de Janeiro de 1971 passa a depender do CAOP 1 (com sede em Teixeira Pinto);

(vi) A partir de 1 de Fevereiro de 1973, fica na dependência do o BCAÇ nº 3863 e do BCAÇ nº 4615/73, que assumiram, a seu tempo, a responsabilidade do sector em que aquela subunidade estava integrada;

(vii) Destacou forças para colaborar nos trabalhos de reordenamento de Churobrique;

(viii) Em 26 de Agosto de 1974, desactivou e entregou o quartel de Bachile ao PAIGC, recolhendo a Teixeira Pinto, onde foi extinta a 31 de Agosto desse ano.

(ix) Assumiram o comando desta subunidade, os seguintes oficiais:

Cap Inf Rolando Xavier de Castro Guimarães
Cap Inf Luciano Ferreira Duarte
Cap Mil Inf  José Maria Teixeira de Gouveia
Cap QEO [Quadro Especial de Oficiais] José Mendes Fernandes Martins
Cap Inf Abílio Dias Afonso
Cap Mil Art  Luís Carlos Queiroz da Silva Fonseca
Cap Mil Inf Manuel Lopes Martins

(x) Esta subunidade não tem História da Unidade: existem  apenas alguns registos,  muito incompletos, relativo aos períodos de 1 de Janeiro a 31 de Setembro de 1972 e de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1973 (Vd. Arquivo Histórico Militar, caixa nº 130 – 2ª Divisão/4ª Secção).

3. Comentário de L.G.:

Agradeço ao Romão e ao Branco (bem como ao nosso infatigável colaborador, amigo e camarada José Martins) estas preciosas notas sobre o historial da CCAÇ 16, da qual não temos falado muito no nosso blogue, a não ser mais recentemente.

O Branco, que é nosso leitor regular, fica deste já convidado a integrar a nossa Tabanca Grande, se assim o desejar. Basta-lhe mandar-nos duas imagens, digitalizadas, uma actual e outra do tempo da tropa. Diz-nos também qual foi o teu percurso na tropa, onde moras e, ainda, se quiseres, o que fazes ou fazias na vida activa, além do dia do teu aniversário. Tens aqui um batalhão de gente à tua espera. E que desejarão saber mais coisas sobre Bachile, a CCAÇ 16 e os teus manjacos. Até á volta do correio. (*)
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 5 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6674: O Nosso Livro de Visitas (91): Hélio Matias, ex-Alf Mil Cav, comandante do Pel Rec Daimler 805 (Nova Lamego, 1964/66), que conheceu o Triângulo do Boé (José Martins)

Guiné 63/74 - P6679: Controvérsias (92): A ficção e a guerra (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 5 de Julho de 2010:

Meus caros camarigos editores
Escrevi hoje um texto sobre esta "conversa" à volta da ficção e da realidade, suscitada pelo texto do Mário Cláudio.

Como sempre publicarão se assim o entenderem, mas se me é permitida uma sugestão, a publicar seria agora, visto que depois deixará de ter sentido.

Mas vós é que sabeis "da poda"!

Um abraço forte e camarigo para todos do
Joaquim



A FICÇÃO E A GUERRA


Li com atenção todos os textos publicados na Tabanca Grande, bem como os comentários e, salvo melhor opinião, julgo haver um consenso que nos remete para que a publicação deste tipo de textos de ficção, deve ser perfeitamente identificada como tal, para que não haja confusões com a realidade, como tentarei explicar mais adiante.

Já foram publicados vários textos, (chamemos-lhe de ficção), neste nosso espaço, entre eles alguns meus e todos foram, ao que me lembro, perfeitamente identificados como tal, não fosse eu um dia ser confrontado com alguém que me dissesse na cara que eu tinha a mania de ter sido um qualquer “rambo”, ao lerem um texto meu que pretendia retratar humoristicamente algumas bravatas causadas pela imaginação.

Mas há também opiniões, com as quais eu comungo inteiramente, que afinal a ficção portuguesa sobre a guerra apenas retrata o lado negro da guerra, como se esse lado negro fosse uma realidade sempre presente e constante da actuação das Forças Armadas Portuguesas, o que não pode estar mais longe da realidade.

Os nossos camarigos que procedem com empenho à compilação de dados estatísticos sobre a guerra saberão com certeza quantas centenas de milhar de Portugueses combateram ao longo de treze anos nas três frentes de guerra.
Pergunto eu então, a quantas dezenas, (não se contarão com os dedos das duas mãos?), se podem definitivamente assacar tais práticas de barbárie em teatro de guerra?

Quero eu com isto dizer que não se deve falar do assunto?

Com certeza que sim, que se deve falar de tal assunto por muito que ele doa!
Os factos aconteceram, (embora talvez nem tantos porque se percebe que muitos são de “ouvir dizer”), mas ao representar a guerra apenas com estes episódios, insisto que se ofende a memória de tantos e tantos milhares, que obrigados ou de livre vontade, lutaram corajosamente, com a dignidade humana que é possível numa guerra desta natureza, ou em qualquer uma, claro.

E repito ainda que aqueles das gerações mais novas, (talvez nossos filhos, talvez nossos netos, talvez amigos de uns e outros), que possam ler estes textos sem uma perfeita noção de que são ficcionados, poderão ter uma imagem dos seus pais e dos seus avós que não corresponde minimamente à realidade, ainda por cima muitas vezes “ajudada” pela forma deficiente como esta parte da história é ensinada, e pelo labéu que em determinada altura a “política” lançou sobre os combatentes desta guerra.

E viram fotografias e reportagens em revistas estrangeiras, e ouviram dizer, e citam nomes, e logicamente acredito que aconteceram tais factos, mas porque é que raio também essas mesmas revistas, ou essas mesmas fotografias, não mostram o outro lado da guerra?

Porque é que a ficção há-de tratar exaustivamente tal assunto, e não retrata, insisto o outro lado da guerra?
Onde estão as fotografias, e as reportagens dos soldados, cabos, furriéis, alferes, capitães, (se calhar até os chamados oficiais superiores), se dedicaram no meio da guerra a ensinarem as letras, a ensinarem a escrever, a melhorarem as condições de vida das populações?

Não serão eles muitos mais do que os que praticaram os tais actos de barbárie?

Onde estão as fotografias, e as reportagens sobre os enfermeiros e médicos “militares” que empenhadamente vacinaram, trataram, fizeram partos, ensinaram regras básicas de higiene a toda uma população, melhorando as condições de saúde e o acesso à mesma?

Não serão eles muitos mais do que os que praticaram os tais actos de barbárie?

E onde estão as fotografias, e as reportagens sobre os militares que fizeram e protegeram colunas, apenas para levar arroz e outros mantimentos a Tabancas que deles precisavam, que fizeram poços e reconstruíram casas, que deram enfim do seu melhor, para dar uma vida melhor a essas populações?

Não serão eles muitos mais do que os que praticaram os tais actos de barbárie?

Não serão estes temas, (e apenas para citar estes), uma realidade também da guerra e por isso não mereciam também um tratamento literário de ficção que os retratasse?
Pois, provavelmente não teriam muita venda, e não serviriam determinados propósitos.

É verdade, meus camarigos, querer transformar a guerra de África que vivemos num repositório de atrocidades, sejam elas ficcionadas ou verdadeiras, não é mais do que querer dar dum todo uma imagem distorcida, que está muito longe de corresponder à realidade.
Já não é a primeira vez que se fala por aqui de “hitleres” e outros quejandos?
Então e não havia também os “stalines” de um lado e do outro?
Eu, por mim, estou tão longe de uns como dos outros, e “hitleres” e “stalines” sempre os haverá, mas não representam minimamente a humanidade, representarão sim a desumanidade que infelizmente também faz parte da humanidade.

Meus camarigos, este escrito já vai longo, mas quero que fique bem claro que não faço a apologia da guerra, (como cristão, condição indissociável de mim, sou totalmente contra a guerra), e que não afirmo que tudo correu maravilhosamente sem terríveis atitudes de parte a parte, mas afirmo, isso sim, que no cômputo geral as forças em presença, quer de um lado quer do outro, se portaram bem mais dignamente que as forças armadas dos países que se pretendiam “donos do mundo” no século XX, quer da “direita”, quer da “esquerda”, e que afinal não foram exemplo para ninguém.

Reafirmo ainda para terminar, que a minha questão não tem a ver comigo próprio, (tenho a consciência tranquila sobre o modo como me comportei na Guiné), mas com aqueles que olham para mim, para nós, como uma referência para as suas vidas, porque somos pais, avós, amigos ou simplesmente mais velhos.

A todos o meu forte e camarigo abraço
Joaquim

Monte Real, 6 de Julho de 2010
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6615: 20 Anos depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (6): Sem Título 3

Vd. poste de 6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6678: Controvérsias (91): Mário Cláudio e o debate, Açordas! (José Brás)

Guiné 63/74 - P6678: Controvérsias (91): Mário Cláudio e o debate, Açordas! (José Brás)

1. Mensagem do nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 5 de Julho de 2010:

Carlos, meu amigo
Podes editar ou não, sendo que é grande para comentário

Um abraço
José Brás


Mário Cláudio e o debate:

Açordas!


Isto é que vai aqui uma açorda!

E começando assim, repetindo uma comezinha fala de "malucos do riso" e de um personagem popularizado (ou popularunchizado?) por actor de mais recursos do que, alcandorados em balofa erudição, alguns pensavam, começando assim, corro o risco de também popularuncho, ou de gato escondido com rabo de fora.

Mas lembrei-me do dito e pareceu-me bom como bengala, disso pedindo desculpa a eruditos e não eruditos, pelo abuso.

E para que preciso eu de bengala, afinal?

E antes ainda, e antes ainda pergunto a mim próprio porque diabo hei-de eu, em vez de me deixar quieto no meu canto, estar a meter colher em tal açorda, deitando mesmo a mão à bengala, seguramente porque sinta que dela necessito na circunstância, nem que seja para encontrar espaço e tempo de entrada no testo de barro, no alho, muito, nos coentros e outras ervas.

De Mário Cláudio, nem sei bem porquê, posso dizer quase, que nunca li nada, se disser que nada é o muito pouco e atravessado, lido mais com os olhos do que com a alma (quando leio, leio mais com a alma, o que é muito perigoso).

E é muito mau que assim seja, para mim, claro, porque indiciador de ligeirezas minhas e incapacidades de entender grandezas.

Li agora o texto que deu tempero a este luxo de debate e, peço desculpa a quem fala de densidades, porque digo que tal não achei e, sim, um texto limpo e claro, pronto a ser consumido sem grandes exigências de entendimento, ficção sobre um real muito conhecido, tivesse sido ou não, esse real, já em si, muito ficção. Marcado, certamente, e contra isso não haverá nada a dizer senão contrastar com outras marcas.

Quer dizer. A ficção escorre aqui, a meu ver, apenas pela forma como se juntam as palavras e se criam as imagens, apenas pelo estilo narrativo, naturalmente a milhas dos códigos do relatório a que nos habituámos muito.

Quase posso garantir que conheci o personagem em Tavira, mítico, cara de menino perdido, parecendo sempre longe dali, duro com seus instruendos, não mais que outros que por lá campeavam, amigos da pinga, violentos, sonhando heroísmos em África, confessadamente, alguns, admiradores de Hitler, fazendo pagar à maralha o preço de tão azarenta data de nascimento.

E reencontrei-o também na Guiné, onde, que me conste, não teve oportunidade de fazer das suas, se é que as fez realmente quilómetros mais abaixo no mapa de África. Aliás, nem ele, nem outros supostos heróis que nos haviam feito a vida negra no Algarve, alegadamente para nos endurecer e preparar na perspectiva do que nos esperaria.

Do que diz Mário Cláudio, e de como o diz, acabou por parecer que não falava da andorinha mas da Primavera.

E o clamor se elevou! Como é hábito, salutar, acho eu.

Com ou sem razão? Com ou sem razões (que não é a mesma coisa)?

Pessoalmente, desculpem-me a palavra honrada, tendo em conta o que somos como grupo (e somos, naturalmente, um pouco do que fomos), apesar da heterogenidade que compõe o ramalhete, só poderia dar bernarda.

Alguns dos comentários, em minha opinião, indo mais longe do que provavelmente Mário Cláudio quis ir, acrescentaram a pimenta.

De facto, pese embora a ocorrência de casos extremos e desvairados, do que sei, do exército português não se poderá dizer que se excedeu em desumanidades para além daquelas inevitáveis em guerras. Aceito que, provavelmente, ocupado com a realidade isolada de Medjo e do Corredor, sei muito menos do que um jurista em Bissau. E a melhor prova disso foi e é a possibilidade do abraço, acabada a guerra; são as declarações dos do outro lado sobre a bravura combatente e a moderação do gesto da tropa portuguesa, quando no acto de aprisionar.

Creio ser insuspeito, dizendo o que digo aqui, ou, pelo menos, não mais suspeito que todos os que abrem a boca para falar disto. Eu perguntaria se conhecem outra guerra deste tipo, com outros intervenientes, que na ressaca das independências, tenha sido possível juntar os dois lados sem ódios nem raivas, como aconteceu connosco e ainda acontece hoje, alguns achando que exageradamente, até.

Excessiva foi a postura do regime que se fechou à apropriada leitura da história e alongou o conflito, criando impossibilidades aos que lutavam dos dois lados. E nisso nos diferenciamos claramente de outras experiências, porque também os intelectuais portugueses não esperaram tempos para se pronunciarem contra a guerra, contra a guerra tendo estado sempre e o disseram abertamente, talvez que com isso se lhes enublando a visão sobre os que lutavam e aguentavam bravamente na crença de dar tempo a políticos para resolverem politicando, talvez olhando uma árvore e achando que era bosque.

Uma coisa não se pode negar. Este texto desatou uma boa e elevada discussão, quer do ponto de vista da afirmação de posições, quer do ponto de vista, mesmo, da construção da comunicação, e eu me espanto que se considere isso negativo.

Quanto ao fazer-se ou não ficção na Tabanca, quem é contra que invoque o artigo que nos estatutos o definem, claramente mostrando entender diferenças entre ficção e realidade.

E pronto, tenho dito!
Abraços
José Brás
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6436: Bibliografia de uma guerra (56): Vindimas no Capim, de José Brás - Maneira mais cómoda para obter esta obra

Vd. último poste da série de 5 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6677: Controvérsias (90): Guerra colonial: os Garcez que (nunca) existiram (Belarmino Sardinha)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6677: Controvérsias (90): Guerra colonial: os Garcez que (nunca) existiram (Belarmino Sardinha)

1. Mail de hoje, do Belarmino Sardinha (que, para quem não sabe,  trabalhou na Sociedade Portuguesa de Autores, instituição onde se presume tenha conhecido o Mário Cláudio):
 
Carlos,
Envio-te este texto por achar grande demais para comentário, se não for esse o entendimento dos editores, faz-me o favor de o remeteres para os comentários ou pura e simplesmente ignorá-lo.

Um abraço,
BSardinha



2. O ESCRITO QUE NÃO QUERIA TER ESCRITO
 

por Belarmino Sardinha

Vi no blogue, li e ponderei a leitura do belo texto apresentado por um amigo do escritor Mário Cláudio (*) e assinado por este, e é sobre esse texto que quero pronunciar-me.

Tenho pelo escritor Mário Cláudio uma forte admiração e reconheço-lhe a importância na vida de todos nós, trazida pela arte da palavra escrita ou dita através das representações teatrais das peças de que é autor.

Tenho pela pessoa de Rui Barbot Costa o respeito e admiração do ser humano que sempre me pareceu existir na pessoa com quem falei, poucas vezes, mas as suficientes para me aperceber da pessoa que tinha na minha frente. Nunca abordámos o serviço militar obrigatório ou a guerra, desconhecia mesmo que tivesse estado na Guiné.

Porém, o facto de o admirar enquanto escritor e ser humano, leva-me a não deixar passar a sua narrativa (de ficção), não despida de um sentimento generalizado de acontecimentos praticados, ou mandados praticar por um hipotético militar, não só por achar que não corresponde inteiramente à verdade -estando eu enganado e sendo real a sua dimensão carecem de uma melhor fundamentação-, mas por nos tornarem a todos indirectamente culpados.

Vi fotografias publicitadas pelo regime, tinha eu 11 ou 12 anos, onde as coisas aconteciam de forma generalizada mas em sentido contrário. Eram fotografias de interesse do regime para levarem à indignação e possibilitarem alimentar a guerra durante os anos que se seguiram, mas diziam respeito apenas e só a Angola. Não vi fotografias dessas vindas de Moçambique ou Guiné, antes ou durante os anos de guerra nestes locais.

Temos no blogue o relato de um ex-militar que serviu na Guiné, mas viu matarem-lhe um irmão deficiente e o pai. Voltamos a falar de Angola.

Existem fotografias com cabeças cortadas e espetadas em paus, tiradas por um ex-militar fotógrafo, em Angola, estão publicadas em livro e foram alvo de um artigo de imprensa.

O contrário também aconteceu, é certo, em menor número se não mesmo pontual ou selectivamente, mas uma vez mais em Angola. Embora não possa afirmar não ter havido, não conheço nenhuma referência a Moçambique ou Guiné, com excepção de um texto publicado no blogue onde foi descrito a morte dos guias. Não pondo em duvida, ninguém mais se pronunciou ou corroborou esta situação.

Estou em crer que o texto de ficção do escritor Mário Cláudio mais não pretende que alertar e a salientar os excessos que acontecem em qualquer guerra, quando o descontrole emocional e humano ressaltam em situações nem sempre possíveis de controlar, não quero acreditar que está a dar relevância a actos condenáveis cometidos por pessoas de má índole, não só porque é dar-lhes uma importância que não merecem como, uma vez mais, não foram/são, felizmente, a generalidade.

Não podemos ignorar que alimentámos uma ou três guerras durante 13 anos e que estas situações aconteceram nos anos iniciais. Após isso, pugnámos por um princípio generalizado de respeito, se é que existe respeito quando se prende, interroga, tortura e humilha fruto da guerra. Este aspecto dava para muitas outras extrapolações mesmo sem guerra.

Acredito que a narrativa ficcionada do escritor Mário Cláudio em nada faz eco com aqueles que, sem qualquer vivência ou conhecimento de causa não se coíbem de se pronunciarem apelidando de assassinos todos os que foram para a guerra cujo objectivo era só o de matarem e cortarem as cabeças aos pretos.

É bom separarmos as águas. O texto apresentado a frio, sem um conhecimento de quem o escreveu, a razão porque o escreveu ou o tipo de obra a que se destina pode levar a interpretações desajustadas.

Não me compete, nem é esse o meu propósito, fazer a defesa do autor que dela não necessita para nada, mas o meu conhecimento da pessoa custa-me compará-lo a um qualquer político de vão de escada em angariação de votos para uma qualquer eleição, muito mais quando ele próprio, em Bissau ou em outro qualquer lugar da Guiné fez também parte da guerra.


Este é mesmo o escrito que não queria ter escrito, mas de acordo com as disposições e interesses do blogue "Luís Graça e Camaradas da Guiné", devemos contar as nossas vivências e dar a nossa opinião, para memória futura, deixando aos historiadores a recolha do que interessa efectivamente para que possam dar-lhe forma, corpo e vida.

Um abraço
Belarmino Sardinha


[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.] (**)
___________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de  4 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6672: Para o livro de ouro do Capitão Garcez, um inédito de Mário Cláudio

(...) Chega-me a mensagem de um que andou com o Capitão Garcez nas lutas africanas, e transcrevo dele este bocado, “Há muitíssima confusão, o que favoreceu o mito. Vamos pensar. Mas eu não pretendo branquear-lhe a memória, muita atenção, o tipo era um homicida que descobriu, na guerra colonial, a sua coutada, e que se realizou na tortura, no massacre e na matança. A prova está em que nenhum de nós confraternizava com ele, e havia um como que acordo tácito, entre a malta, nesse sentido. Estou a avistá-lo, ainda, sempre isolado, absorvido nas bolinhas de fumo, que atirava para o ar, com aquele rosto de querubim, mas que, se analisado à lupa, apresentava-se destituído de qualquer sentimento. Por que haveria eu de o desculpar? Mas o que ninguém negará é que as cabeçorras dos pretos, espetadas nos paus, a bordejar a picada, funcionavam como um truque da psico, para demonstrar aos rebeldes, convencidos, pelas igrejas evangélicas, de que Deus os conservava invulneráveis às balas, que não beneficiavam do dom da imortalidade e que não eram menos mortais do que nós. Se isto não escusa as atrocidades, é natural que lhes dê, no entanto, uma certa razão, e uma razão patriótica, que constituia aquilo que, na circunstância, se desejava do sujeito. Quem se adiantaria, se não o Garcez, para executar o trabalho sujo, desempenhado sem luvas, e a que não se furtava, por o considerar imprescindível, talvez, e não tanto porque lhe apetecesse?” (...)

Guiné 63/74 - P6676: V Convívio da Tabanca Grande (15): Caras Novas (Parte IV ): O JERO, aquele rapaz de Alcobaça e de Binta, lembram-se dele ? (Luís Graça)


From: Nhabijoes | 4 de Julho de 2010 | 2 visualizações


Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. O Jero, ao lado do Joaquim Mexia Alves, faz entrega ao Luís Graça de uma lembrança do evento: uma bonita peça de cristal de Alcobaça, sua terra querida... Dizeres: V Convívio da Tabanca Grande, Mapa da Guiné-Bissau, Luís Graça. Neste vídeo, segundo eu percebo (há um grande ruído de fundo), ele confessa que o nosso blogue, liderado discretamente por mim, mudou a sua vida... Só espero que para melhor. A confissão, vinda de um amigo, tem que passar pelo sistema de triagem... A lembrança (mesmo que o gravador tenha trocado a Tabanca Grande por Palanca Grande) merece as minhas mais enternecidas palavras de agradecimento e reconhecimento... (LG)


Vídeo (1' 25''): Luís Graça(2010). Alojado em You Tube > Nhabijoes



O JERO ou José Eduardo Oliveira é um dos mais produtivos membros do nosso blogue (já com mais de 60 referências ou marcadores), para o qual entrou há menos de um ano...


Natural de Alcobaça, bancário reformado, director adjunto do jornal local, ofereceu-se de imediato para organizar o V Encontro Nacional da Tabanca Grande. Acabámos por optar por Monte Real, e associá-lo à Comissão Organizadora (de que fizeram parte, além dele, o Carlos Vinhal, o Joaquim Mexia Alves, o Miguel Pessoa e o Belarmino Sardinha).


O JERO é daqueles camaradas que, uma vez apresentados, se tornam,  ao fim de cinco minutos, velhos conhecidos, que a gente se apressa a pôr na lista dos amigos favoritos... Ele é a gentileza em pessoa, uma doçura como os licores e doces da abadia à sombra da qual nasceu e cresceu a sua terra. E tem uma qualidade que é rara entre os primatas: pratica a amizade, é gentil, é prestável, é leal, sem quaisquer pretensões de protagonismo, sem intriga, lisonja ou má-língua... 


Cara nova ? Sim, é a primeira vez que ele vem a um Encontro Nacional da Tabanca Grande. Razão por que merece este destaque.




Dedicatória do então Cap Inf Tomé Pinto, comandante da CCAÇ 675, oferecendo ao autor (Fur Mil Enf Oliveira) o livro que ele (JERO) escreveu e o capitão editou, em 1965... Uma edição limitada, rodeada de cautelas próprias da época: afinal, tratava-se de um diário com material classificado e que, como tal, não podia ser manuseado por qualquer pessoa...  A Nação estava em guerra, mas era bom que pouco ou quase transpirasse para a rua... Havia, na época, o entendimento de que a segurança (não apenas nacional, mas dos homens que combatiam em África) estava em primeiro lugar... Terá sido uma tragédia, para este país, a conspiração do silêncio à volta de um guerra que a censura (política e militar) só muito tardiamente chegasse a ser posta na agenda política e social dos portugueses... A palavra de ordem era, então, "A Pátria Não Se Discute" (Salazar).








Capa (original) do livro, "Comp CCAÇ 675, Nunca Cederá", da autoria do JERO. Edição do Comandante da Companhia, Tomé Pinto, em 1965 (hoje, Ten Gen Ref; julgo que foi também padrinho de casamento do JERO e da 


Exemplar nº 10. Dedicatória, manuscrita, do autor, Fur Mil Enf José Eduardo Oliveira: "*Para os meus queridos Pais, Avó e Irmã: A história de um ano de Guiné que eu não vos contei nas minhas cartas.  Vosso, José Eduardo. Binta, 1 Out 65".







Imagens digitalizadas por L.G., a partir de um exemplar, original, gentilmente cedido por (e já devolvido, em Monte Real, no dia 26 de Junho passado,  a) o JERO, aquela jóia de moço de Alcobaça e de Farim, que insiste em tratar-me, para grande constrangimento meu, por comandante... Por fim, publicidade é devida à marca LineCrystal, da empresa Alcoplas, Lda, com sede em Alcobaça. 


____________


 Nota de L. G.:


  3 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6670: V Convívio da Tabanca Grande (12): Caras novas (Parte III): O João Barge, da CCAÇ 2317, que foi meu actor em A Cantora Careca, com o Rui Barbot/Mário Claúdio... (Carlos Nery)

Guiné 63/74 – P6675: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XI): O escritor, o teatrólogo e o atrevido escrevinhador

1. Mensagem de Vasco da Gama* (ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74) , com data de 5 de Julho de 2010:

Comecei por escrever um comentário ao poste do Nery e fui andando, andando até ao anexo que publicarão se assim o entenderem....

Um abraço amigo.
Vasco da Gama


BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - XI

O ESCRITOR, O TEATRÓLOGO E O ATREVIDO ESCREVINHADOR


Camaradas e Amigos,
Por motivos que me ultrapassam, mas com quase toda a certeza ligados à minha nabice informática, não consegui colocar um comentário ao texto referenciado no P6672**, publicado pelo nosso camarada Carlos Nery, penso que a pedido do Mário Cláudio, conceituado escritor com uma vastíssima obra da qual possuímos, a minha mulher e eu, alguns livros. Não entendo a razão porque não foi o próprio a enviá-lo, pois parece-me que é membro da nossa Tabanca Grande, faltando-lhe apenas o envio das fotografias actuais para que a sua entrada seja devidamente “formalizada”.

Confesso a minha iliteracia “Claudiana,” pois ainda não li qualquer obra de um escritor premiado com o prémio Fernando Pessoa e com o prémio Vergílio Ferreira, entre outros, o que constitui uma “falha” que prometo colmatar se a minha cabecinha, cada vez menos pensadora, não me trair nessa intenção.

Como grande parte dos meus camaradas sabe sou pessoa ligada ao teatro amador no meu querido Grupo Caras Direitas, fundado há mais de uma centena de anos, onde colaboro na escolha, encenação e produção de algumas peças que vamos apresentando aqui e acolá, tendo neste momento prontas a apresentar em qualquer lado “A Gota de Mel”, de Leon Chancerel, “Perguntem aos Vossos Gatos e aos Vossos Cães” do Manuel António Pina e ainda uma peça mais ligeira, a única das três que vai dando escasso retorno, chamada “Só Cenas”, que é um conjunto de vários quadros mais ou menos revisteiros, mas que tocam alguns assuntos como a pedofilia, a má governação, crítica social local, misturados com danças e canções mais ou menos popularuchas.

Vem isto a propósito da peça “Cantora Careca” que terá sido levada à cena em Bissau…, em tempo de guerra. Como sabem a Cantora Careca do Ionesco enquadra-se naquilo que se designa por anti-teatro ou teatro do absurdo.

Muito resumidamente o texto mostra como um casal “desconhecido” após dialogar de uma forma não muito fácil de ser entendida por todo o público, chega à conclusão que mora na mesma rua, habita na mesma casa e dorme, pasme-se, na mesma cama.

Em Bissau, em tempo de guerra, demonstra alguma coragem levá-la à cena, a não ser que tivesse sido apresentada para a elite militar e suas esposas…

Torci pois o meu nariz ao ver estas notas, que no entanto me despertaram a curiosidade para ler e reler o texto do Mário Cláudio.

Como disse, li e reli e queridos camaradas sem qualquer pretensão em armar-me em crítico literário, a minha senilidade ainda não chegou aí, gostei do texto são e escorreito, mas perdoem-me o atrevimento, não tem rigorosamente nada a ver com o nosso Blogue, em minha opinião, obviamente.

O texto é um panfleto contra a presença da tropa na Guiné e é apenas e só pura literatura.

O Blogue diz respeito ao somatório de opiniões de combatentes que expressam as suas experiências nessa guerra colonial, onde alguns se bateram por convicção e outros foram obrigados a combater no mato em condições infra humanas, que os senhores do ar condicionado de Bissau ou de outras metrópoles, milicianos ou profissionais, jamais poderão imaginar.

No meu Blogue interessam-me os escritos dos camaradas da Guiné e as suas experiências dolorosas, contadas por gente com estatuto de escritor, ou por outros que mal sabem escrever.

Literatura e opinião política, leio-a noutro lado.

Já agora e relativamente ao texto parece-me que ficar-se apenas pelo “mata” é curto; na guerra também se morre. Não aceito estes unilateralismos, para não dizer que os abomino.

A guerra não é só o que está descrito no texto; não é só o mata e se erros houve foram de parte a parte.

Fui andando, andando e agora, meus pacientes editores, publiquem ou não.

Do meu Buarcos lindo, passada que foi a meia noite e com um cheirinho a maresia a invadir o meu “castelo”, envio um abraço fraterno para todos os meus camarigos.

Vasco Augusto Rodrigues da Gama
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6399: Parabéns a você (114): Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAÇ 8351, Cumbijã, 1972/74 (Carlos Vinhal / Belarmino Sardinha / Giselda e Miguel Pessoa / JERO / Manuel Maia)

(**) Vd. poste de 4 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6672: Para o livro de ouro do Capitão Garcez, um inédito de Mário Cláudio

Vd. último poste da série de 5 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6321: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (X): As minhas (in)Congruências ou as minhas (in)Coerências?

Guiné 63/74 - P6674: O Nosso Livro de Visitas (91): Hélio Matias, ex-Alf Mil Cav, comandante do Pel Rec Daimler 805 (Nova Lamego, 1964/66), que conheceu o Triângulo do Boé (José Martins)

1. Recebemos, através do nosso camarada e colaborador José Martins [, foto actual à esquerda], a seguinte mensagem, assinada por Hélio Matias.

Boa tarde.

Segui com interesse o que escreveu sobre os intervenientes e histórias da zona do Gabu.

Fui o Alferes Miliciano que comandou o Pelotão de Reconhecimento Daimler 805, e que se deslocou para Nova Lamego com o Batalhão de Caçadores 512, transitando depois para o de Cavalaria 705 e finalmente o de Caçadores 1856.

Atravessámos o Cheche inúmeras vezes, apoiámos todo o sector de Madina do Boé (penso ter sido dos últimos a lá ir somente com o comandante do Batalhão no seu jeep e motorista), percorremos Béli, estivemos em Piche com a 727, fomos a Canquelifá e Buruntuma em situações complicadas, etc.

Se achar de interesse, poderei fazer-lhe chegar um texto mais pormenorizado e melhor elaborado do que este que fiz ao correr da memória, até porque tenho documentação escrita e fotográfica.

Cumprimentos e bem-haja.

Hélio Matias.


2. Resposta do José Martins:

Data: 15 de Maio de 2010
Assunto: Re: Madina do Boé

Caro Hélio Matias

Agradeço as palavras amáveis acerca do meu trabalho sobre o Triângulo do Boé. Foi durante a elaboração do mesmo que tomei conhecimento de que tinha sido a antecessora da minha unidade - a 3ª Companhia de Caçadores Indígenas, posteriormente Companhia de Caçadores nº 5 - que instalou os aquartelamentos de Madina do Boé e Beli.

Eu próprio estive na evecuação das mesmas,  em Junho de 68 e Fevereiro de 69.

Constato, em breve pesquisa, que se trata de um combatente que esteve na Guiné entre Outubro de 64 e Agosto de 66, depois de consttituir unidade em Cavalaria 6, no Porto.

Quanto à oferta de colocar à minha disposição material escrito e fotografico, é uma honra. Mas proponho o seguinte:

Existe o blogueforanadaevaotres.bloguespot.com, que agrega mais de 400 antigos combatentes da Guiné que, dentro das possibilidades e saber de cada um, vai escrevendo os seus textos que, ao serem fixados e colocados na Internet,  constituirão um documento de inegável valor para as gerações vindouras. É de notar que alguns académicos já beberam, no blogue, as informações de que necessitavam. Assim proponho que adira ao blogue e, na primeira pessoa, possa transmitir a todos nós as experiências e vivências que troxemos da Guiné, para mim considerada como uma segunda pátria.

A Tabanca Grande, assim também designada, reune-se em convívio uma vez por ano (esta ano [foi] no dia 26 de Junho, em Monte Real), além de já haver outras, espalhadas por várias regiões do país, que se vão emcontrando para um simples café ou para uma confraternização à volta da mesa, como portugueses que somos.

Fico a guardar a entrada de mais um camarada da Guiné na Tabanca Grande.

Este mail segue com conhecimento aos editores do blogue.

Um fraterno abraço e até breve, já que a linha está aberta.


José Martins

____________

Nota de L.G.:

Vd. último poste desta série > 4 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6530: O Nosso Livro de Visitas (90): O Alenquer, condutor, Pel Rec Fox 42 (Aldeia Formosa, Guileje, Ganturé, Sangonhá, Cacoca, 1962/64)

domingo, 4 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6673: Controvérsias (89): Ainda e sempre Guileje, Gadamael, Guidaje... "A vida é curta, a arte é longa, a ocasião fugitiva, a experiência enganadora, o juizo difícil",como diria o Hipócrates (Aforismos, Séc. IV/V a.C.) (Luís Paiva)



1. Comentário, com data de 1 do corrente, do Luís Paiva ao poste P3689, de 3 de Janeiro de 2009 (*):

Sobre "A Retirada de Guileje", de que fui um dos vários protagonistas, não valerá a pena - penso eu- reiterar o que já antes afirmei em publicação anterior.

O livro com o mesmo título, da autoria do Cor Alexandre Coutinho e Lima, com toda a documentação que o autor lhe anexou, retrata fielmente no essencial os acontecimentos ocorridos no que foi um dos teatros de guerra no final do conflito colonial na Guiné.

É minha firme convicção que ao então Major Coutinho e Lima, Comandante do COP 5, os que nos encontrávamos estacionados no aquartelamento de Guileje, ficámos a dever-lhe a vida. Não me parece razoável comparar as situações de Guileje com Guidaje quanto mais não seja porque a este último aquartelamento foi prestado um apoio militar por forças especiais de que Guileje - por motivos que não importa discutir aqui e agora - não usufruíu.

Mesmo o apoio aéreo a Guileje passou a ser reduzido e pouco eficaz após o abate do Fiat ocorrido naquela zona algum tempo antes. Recordo que eu vivi todos esses acontecimentos dado ali ter permanecido com duas Companhias, inicialmente até finais de 1972 afecto à CCAÇ 3477 (G
ringos de Guileje) e posteriormente com a CCAV 8350 (Piratas de Guileje).

A troca de ideias é salutar desde que se faça com o respeito mútuo; obviamente que se admite - como agora "soe dizer-se" - o contraditório, mas - isso é muito importante, penso eu - que o assunto seja debatido acaloradamente por quem não viveu no terreno os acontecimentos, pode tornar-se insultuoso para os que ali viveram dias tão dramáticos.

No que respeita a Gadamael a situação foi ainda mais trágica porquanto aquele aquartelamento não dispunha das infra-estruturas militares de Guileje, designadamente abrigos subterrâneos, e dos acontecimentos que se seguiram (e que não era preciso ser-se estratego militar para adivinhar) advieram várias baixas de camaradas pelo que uma discussão não fundamentada representa uma profunda falta de respeito pelas vítimas que ali tombaram.

O assunto parece continuar a envolver muita controvérsia, parte significativa da mesma desencadeada por quem não viveu directamente os acontecimentos pelo que seria desejável alguma contenção e decoro, e não só pelas vítimas já referidas como pelos muitos intervenientes que já não se encontram entre nós por terem falecido ao longo dos últimos anos.

A vida é demasiado curta pelo que a devemos aproveitar para uma sã concórdia pois à medida que o tempo vai decorrendo a nossa inexorável condição humana conduzir-nos-á ao final dos nossos dias. Saudações cordiais a todos os leitores deste texto.

Luís Paiva
Ex-Fur Mil Art.ª, 15.º Pel Art
(Guileje e Gadamael, 1972/73)