![](http://3.bp.blogspot.com/-YKhgn2smrho/TmEj2cWvUyI/AAAAAAAASOQ/Z6O-V3gOyAw/s1600/Jos%25C3%25A9+Manuel+M.+Dinis-3.jpg)
1. Em mensagem do dia 24 de Outubro de 2011, o nosso camarada José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos uma nota de leitura sobre o livro do Coronel Páraquedista José de Moura Calheiros, "A Última Missão".
![](http://4.bp.blogspot.com/-ETz_AuBrSUQ/TqaW28l5hlI/AAAAAAAASxI/y6fgCfbQuRA/s1600/A+%25C3%259Altima+Miss%25C3%25A3o.jpg)
![](http://4.bp.blogspot.com/-CZxkUlPJAik/TqaW6rxAcYI/AAAAAAAASxQ/mzwO0sv4f9I/s1600/Jos%25C3%25A9+Moura+Calheiros.jpg)
Assim, terá sido com agradável surpresa que, ao integrar o BCP 12, constatou que lhe sugeriu uma exemplar organização militar em guerra, onde aconteciam reuniões diárias no ComChefe, apoio aéreo quase instantâneo para evacuações, bem como o ambiente no Batalhão, onde havia coesão e as melhores instalações militares na Guiné, onde foi o Segundo Comandante.
Naturalmente, para quem combateu na mítica Guiné (estive a fazer intervenção em Piche, e depois em quadrícula em Bajocunda, nos quase pacíficos anos de 1970/71), os relatos sobre o Cantanhez, Guidage e Gadamael são sempre susceptíveis de curiosidade, e fonte de informação e interpretação crítica.
Por me propor fazer uma breve apreciação ao descrito, vou passar sobre muita da informação expandida, para me fixar apenas em poucos aspectos:
Assim, relativamente ao cerco de Guidaje fica nítido, que os nossos aquartelamentos mostravam vulnerabilidades, quando os ataques do IN eram bem dirigidos e organizados, consistindo de flagelações à Unidade, chamariz para a Força Aérea ali deslocar-se e confrontar-se com os Strela, enquanto por terra, a minagem e emboscadas aos itinerários, provocavam estragos e desmoralização nas NT, neutralizando-as. E deve notar-se, que em Guidage estiveram presentes todas as nossa tropas especiais, com maior ou menor envolvência, mas todas sofreram baixas antes inesperadas. É impressionante a descrição de uma emboscada na região de Cufeu, de onde os páras foram salvos pela decisiva e temerária intervenção dos Fiat's (temerária porque não pestanejaram perante a possibilidade da existência de mísseis nas redondezas), muito bem orientados sobre a localização do IN (a escassa distância das NT que já contavam duas baixas mortais), atacaram e dispersaram o IN colocando um ponto final à aflição.
Sobre o ataque perpetrado pelo Batalhão de Comandos Africanos à base IN de Cumbamory, destaco da leitura duas situações insólitas: primeira, que o BCA deslocou-se para a região com exagerada antecedência e o espalhafato da tropa especial, prejudicando o efeito surpresa que a Operação requeria; segunda, que a Operação foi precedida de um intenso bombardeamento onde se admitia ser a localização da base IN, o que não deve ter coincidido, caso contrário o IN teria sofrido baixas e abandonado o local. Ora, quando os Comandos chegaram à região, estiveram em combate e sofreram inúmeras baixas, pelo que o eventual êxito da Operação é suscetível de estar maquilhado, e pode tornar verosímil a declaração anexa de Manecas, Comandante do PAIGC. Ainda assim, proceder a um assalto sem o adequado conhecimento do local, enquanto, sabia-se, havia tropa apeada empenhada no cerco a Guidage, não parece aos meus olhos ter sido a melhor opção. E refere o autor na página 455: "O ataque à base de Cumbamory não veio aliviar em nada e muito menos solucionar a situação de Guidaje".
Também refere que no dia seguinte o BCA abandonou Guidaje a pé e a corta-mato, ao contrário do que lhe estaria destinado, escoltar as viaturas e o pessoal de regresso a Binta, que permaneciam em Guidaje havia 5 dias, incluindo "muitos feridos" a necessitar de evacuação. Outra medalha para AB.
Sobre Gadamael, destaco da leitura que em cerca de 15 dias o COP-5 conheceu os seguintes Comandantes: Coutinho e Lima, Rafael Durão, Ferreira da Silva, Mascarenhas Pessoa, e Araújo e Sá. Esta sucessão de Comandantes nomeados pelo ComChefe, parece-me reveladora da perturbação que ia em Bissau, e pode ser demonstrativa de alguma incapacidade para gerir sob pressão. Segundo o autor, a acção preponderante de Araújo e Sá foi determinante para a retoma da normalização em Gadamael. Não o diz no livro, mas foi um período em que a par de acções de heroísmo, aconteceram outras de total perturbação e abandono, reveladoras de incompetência e falta de comando, com o IN a atacar quando e como queria.
Refiro-me agora (porque contraria a temporalidade) à missão no Cantanhez de que o autor foi responsável. Tratou-se de uma participação dos 3 ramos das FA, bem planeada, e bem coordenada, com uma única falha (a do local do desembarque de uma Companhia), que provocou a ira do General Spínola. Dessa acção concertada, resultou com êxito a reocupação do Cantanhez, como resposta à visita de uma delegação da ONU que iludiu no percurso o QG e as NT. O autor escreve como se construíram aquartelamentos e estradas a partir do nada, sempre com a preocupação de manter acções de patrulhamento defensivas, de inicio, e ofensivas mais tarde, por forma a garantir um ambiente de segurança e paz. Na página 620 e seguintes elogia o Comandante Araújo e Sá (cuja extraordinária acção terá passado despercebida) e o BCP 12, em contraposição com a opinião expressa: "É que na Guiné de então, a Glória estava pré-determinada e as honrarias contemplavam normalmente apenas um circulo restrito junto do General Comandante-Chefe. Depois, o marketing e os círculos de amigos fizeram o resto. E apareceram as lendas, que progressivamente têm vindo a tomar o lugar da História". E dá exemplos através de excertos de conceituados cronistas de guerra que terão ido às fontes do costume. Do que pode resultar que, "Quando hoje lemos algo sobre aquele período da guerra na Guiné, parece que tudo o que de bem e de bom ali foi feito se deve a um pequeno grupo de militares próximos do Gen. António de Spínola, cujos nomes são exaustivamente citados. É copy and paste, já satura! Até deverá saturar a quase totalidade desses militares, pois em nada contribuíram para a situação que se criou".
A partir desta constatação o autor questiona o rigor da História de Portugal e a genuinidade das fontes, duvidando, "se os cronistas investigaram ou se, como os copistas de antanho, se limitaram a reproduzir a opinião da corrente dominante na corte, para, em coro com os bardos, cantarem as glórias dos príncipes".
Muito obrigado senhor Coronel.
JMMD
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Notas do Editor:
(*) Vd. poste de 13 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8900: Notas de leitura (286): Lugar de Massacre, de José Martins Garcia (José Manuel M. Dinis)
Vd. último poste da série de 25 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8947: Notas de leitura (292): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte II): Futebol e Nacionalismo (Nelson Herbert / Luís Graça)