quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5171: Histórias de José Marques Ferreira (7): Jornal da Caserna (1)



1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, que foi Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré 1963/65, enviou-nos com data de 26 de Outubro de 2009, o primeiro de alguns extractos, que nos irá enviar futuramente, do "Jornal da Caserna" da sua Companhia:


Camaradas,

Há já algum tempo que ando ausente da tertúlia da Guiné e Camaradas. Pensei (e quando isto acontece, é sinal de que, às vezes, penso mal) que se haviam esgotado as “estórias” da minha estadia na Guiné, ou melhor, do meu turismo naquelas terras de vermelho.

Se alguns acontecimentos neste interregno aconteceram, até falhei um encontro com um dos nossos editores – Magalhães Ribeiro –, porque no dia em que tive uma oportunidade para ir ao Porto, e depois aí realizarmos o nosso contacto e encontro, esqueci-me do telemóvel em casa. Desculpa, mais uma vez, MR.

Não sei se já dei conhecimento à tertúlia, que fundei, em Ingoré, um pequeno «Órgão de Comunicação Social», com a designação já pouco usada actualmente, de: "JORNAL DA CASERNA".

Então lembrei-me que nos diversos exemplares de «Jornal da Caserna», que guardo e preservo desde então, há artigos quer da minha autoria, quer de outros camaradas, que, merecem ser publicados e, certamente, que eles vão gostar de os tornar a ler, aqui no blogue.

Conheço-os a todos, mas desde a desmobilização que nunca mais nos voltamos a cruzar. A identificação de cada um dos autores vai surgir no desenrolar da postagem de vários artigos que vos vou enviar, sendo esta, também, uma boa forma de os darmos a conhecer ao restantes Camaradas e Amigos, e, ao mesmo tempo, nós os recordarmos.

Creio bem que os autores quando descobrirem aqui, os seus textos ficarão agradavelmente surpreendidos.

Para nós da CCAÇ 462… poderá até ser o início do reencontro pessoal!

Hoje, transcrevo uma história cujo autor assinava com o pseudónimo “Flash” (o Alf Mil Geraldes), que era o ilustrador do «Jornal da Caserna» e possuía jeito e vocação para o desenho, e caricatura, fora do comum. O título da sua história, baseada em factos reais, como todas as que relato da Guiné, era a seguinte:

Duas horas de espera em S. Vicente

Estava eu aborrecido na margem do Cacheu esperando cambança. A jangada com um desarranjo aborrecido, continuava parada e as horas passavam… algumas moscas aborrecidas passeavam nas nossas mãos e na cara, provocando uma revolta que se traduzia em palmadas desesperadas nos locais em que elas pousavam.

Alguns patos bravos, pegas e outras aves cruzavam o ar sobre as nossas cabeças com toda a sorte de pios extravagantes.A meu lado, sentados, silenciosos e imóveis, alguns nativos esperavam também que a jangada se resolvesse a passar-nos. Com resignação comecei a olhá-los, aos seus enfeites de argolas, latas, o corpo suado devido ao sol que nos martelava lá do alto e os seus movimentos cadenciados para afastar os insectos… foi então que reparei mais em pormenor num deles.

Era um moço forte, alto e desenvolvido, rosto impassível igual a tantos outros, o seu braço direito estava cortado pela articulação do cotovelo… depois de alguns segundos de exame distraído à sua mutilação, ia a desviar o olhar quando ele voltando os olhos para mim por curto espaço de tempo, fitou o toco mutilado do seu braço.

Pressenti que ele ia dizer alguma coisa e olhei-o mais atentamente, ele bateu com o braço esquerdo no que restava do braço amputado, e, com um sorriso em que deixou entrever uns dentes grandes e separados e num tom de voz forte, quase divertido, afirmou: “Lagarto”. Compreendi que ele me explicava aquela mutilação e abanei a cabeça, mostrando atenção ao que ele me disse e encorajando-o a continuar.

Tinha sido duas chuvas atrás, de manhã muito cedo quando ele, Samba, acompanhado do seu filho, um macho ainda novo, de poucas chuvas, se meteram na canoa para atravessar o Cacheu e chegar à outra margem onde o arroz semeado esperava os seus braços para produzir o suficiente para aguentar no tempo seco.

Samba, deitado na parte traseira da canoa, preguiçosamente auxiliava as remadas do filho, com o braço metido na água, movimentando-o qual o remo tosco que o filho utilizava. Subitamente um vulto esverdeado sulcou a água, e, Samba sentiu a dor aguda de muitos dentes fortíssimos dum lagarto.

Devia ter-se sentido muito aflito, pois nos seus olhos prespassou uma sombra quando contou esta passagem, depois a canoa começou a balançar perigosamente ameaçando voltar-se pelos puxões violentos do crocodilo. Samba olhou o filho ainda novo e sentiu um medo que o pelou, mas um pensamento súbito iluminou-o e, com um repelão a sua mão esquerda segurou o cabo da faca afiada que trazia à cintura… depois com golpes rápidos, os dentes e lábios apertados cortou com a faca os ligamentos do braço no cotovelo, e, foi o bastante para que com um estalido seco o crocodilo mergulhasse nas águas amareladas do Cacheu levando na boca, bem preso nos seus afiados dentes o braço valente daquele homem, que, após o seu acto de heróico desespero ficaria caído sem sentidos no fundo da canoa com um coto sangrento e uma faca na mão esquerda.

Quando a sua narrativa terminou, fiquei a olhá-lo, em olhar mudo de admiração e não tive palavras para perguntar nem dizer mais nada… e ele sorria.A jangada começou a funcionar com um lento ranger de ferros desconjuntados, as aves com os seus pios estranhos e as moscas continuavam a sobrevoar-nos.

Fiz um aceno ao homem e dirigi-me ao sítio de atraque.

Finalmente íamos passar!!!”



Nota: A ilustração é exactamente um possível retrato da frente do aquartelamento em Ingoré, impresso no cabeçalho do «Jornal da Caserna» na sua segunda edição. A primeira era dactilografada, e só o original é que era ilustrado pelo camarada Geraldes.

Para todos um abraço,
J.M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes


Gravura: José M. Ferreira (2009). Direitos reservados.

Guiné 63/74 - P5170: Historiografia da presença portuguesa em África (27): Lembram-se do Notícias da Guiné? (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Outubro de 2009:

Malta,
Já estou a ler “A Marinha em África” do Comandante John P. Cann, é bastante interessante, não fossem os erros ortográficos e péssima revisão.

Anunciando que não vou entrar em polémica com ninguém, temos a seguir “Em nome da Pátria – Portugal, Ultramar e a Guerra Justa”, que acaba de sair e que vai dar muito que falar (ou provavelmente vai ser ignorado).

Um abraço do
Mário


Lembram-se do “Notícias da Guiné”?Beja Santos

O número 1 do Notícias da Guiné surgiu em 21 de Abril de 1968, exactamente na altura em que o general Arnaldo Schulz concluía a sua comissão de serviço como Governador Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné. Foi ao Bairro da Ajuda e descerrou as placas toponímicas das Avenidas General Arnaldo Schulz e Dr. Azeredo Perdigão, e das ruas Tenente-Coronel Fernando Branquinho, Regedor Capitão de 2.ª linha Abna Onça e Alferes Jorge Goli Seidi. Apresentava-se como boletim do Centro de Informação e Turismo da Guiné, na sua primeira fase (de Abril a Novembro, 39 números) tinha um formato A4, com 10, 12, 16 ou mesmo 20 páginas. A partir de Novembro (número 40) a publicação mudou de formato e, pelo menos, irá publicar-se até Março de 1970. Falaremos mais tarde da segunda fase.

Como é evidente, era uma publicação propagandística, prometia fazer o registo do dia-a-dia da vida da portuguesa província da Guiné. Encontramos de tudo, para além do elogio da governação local: necrologia, filmes da UDIB, captura de cadastrados, publicidade ao Feno de Portugal e à Casa Mussá onde se vendiam os prestigiados gira-discos Garrard. Havia desfiles dos meninos da Mocidade Portuguesa, prémios Governador da Guiné (aparece a fotografia do meu querido Quebá Soncó, o destino, sempre sorrateiro, pregou-lhe uma partida, regressou de férias e foi atingido numa rótula, viria a ser transferido para Hospital Militar Principal, em Lisboa), acontecimentos sociais da mais variada índole, muito desporto, inaugurações e um espantoso noticiário internacional onde, na época, mereceu destaque a invasão da Checoslováquia perpetrada pela União Soviética, há noticiário de gargalhada, desajustado às realidades locais, alguém escolhia ao acaso o que a ANI mandava para Bissau. Temos tropas a chegar e tropas a partir e os comunicados com operações e mortes em combate de ambos os lados. Seria interessante perceber a quem se destinava esta publicação, mas é óbvio que havia leitores africanos das classes que apoiavam o regime. Para que conste.


(Clicar na imagem para ampliar)
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Notas de CV:

Guiné 63/74 - P5167: Agenda Cultural (37): Lançamento do livro de Mário Beja Santos, Quem Mexeu no Meu Comprimido?, dia 3 de Novembro

Guiné 63/74 - P5147: Historiografia da presença portuguesa (26): A Literatura Colonial Guineense (Leopoldo Amado) (III): Até ao Portugal democrático

Guiné 63/74 - P5169: Parabéns a você (37): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791 (Editores)

Sempre que o calendário marca o dia 28 de Outubro, Jorge Fontinha(*), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, comemora o seu aniversário.

Neste ano de 2009, Fontinha tem mais trezentos e setenta e muitos camaradas e amigos que se associam à sua alegria, por somar mais um ano de muitos que a sua vida terrena há-de comportar.

A Tertúlia envia os parabéns ao Jorge Fontinha e felicita a sua família, desejando saúde e alegria para todos.


Jorge Fontinha está connosco desde o dia 8 de Agosto do ano passado, quando se dirigiu a Luís Graça deste modo:

Por mero acaso, dei de caras com o teu Blog.
Trato-te por tu, por tua sugestão como camarada de guerra, embora te não conheça pessoalmente.
Todavia, somos mais ou menos do mesmo tempo e pelo que me parece partilhamos dos mesmos princípios e opiniões sobre a nossa e não só... Guerra do Ultramar.

Estive na Guiné, de finais de Setembro de 1970 a finais do mesmo mês, de 1972, como Furriel Miliciano de Infantaria.
Bula e Teixeira Pinto, foram base de apoio da minha Companhia, a CCAÇ 2791.

Tenho muitas histórias e relatos, mas abstenho-me agora de contar seja o que for, até porque a minha guerra começa em Angola, no dia 15 de Março de 1961, então com 12 anos de idade, numa fazenda no interior de Nambuangongo.

A minha intenção ao enviar este mail é tão só, pretender poder contribuir com alguma das memórias nunca esquecidas, das vivências dessas duas etapas da minha vida.

Moro em Peso da Régua e nasci em 28 de Outubro de 1948.
Reformado do BPSM/MILLENNIUMbcp, dedico-me a navegar na Internet e a fazer uns pequenos trabalhos para uma empresa de rotulagens.

Agradecia que me contactasses no sentido de me poder tornar em mais um colaborador do Blog e me poder tornar num dos Amigos dos Camaradas da Guiné.

Um grande abraço,
Jorge Fontinha



Jorge Fontinha tem uma série própria dedicada às sua estórias (***).

Deixo-vos algumas fotos por ele enviadas, que documentam instantâneos da sua passagem por terras de Teixeira Pinto.

Família de Jorge Fontinha, que está sentado no capô da viatura, em Nambuangongo por volta de 1952. Os seus pais nos extremos e o seu irmão(**) de pé vestido de branco.

Jorge Fontinha em Teixeira Pinto, numa das suas folgas

Jorge Fontinha no decurso da Operação

Jorge Fontinha comemorando os seus 23 anos

Alferes Gaspar e Jorge Fontinha

Furriéis Jorge Fontinha e Antonino Chaves

Com o Enf. Silva, no Balanguerez

Ensinando as crianças a fazer uma horta, nas traseiras da escola

Dando aulas em Mato Dingal na escola local, por nós improvisada

Fur Mil Jorge Fontinha e o Soldado Álvaro Lobo

Fotos e legendas: © Jorge Fontinha (2008). Direitos reservados.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3129: Tabanca Grande (82): Jorge Fontinha, Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72)

(**) Vd. poste 20 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3142: História de Vida (15): Para que se faça história (Jorge Fontinha)

(***) Vd. postes de:

18 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3139: Estórias do Jorge Fontinha (1): O meu batismo de fogo e da CCAÇ 2791 (Jorge Fontinha)

8 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3186: Estórias do Jorge Fontinha (2): Estrada de Teixeira Pinto-Cacheu (Jorge Fontinha)

15 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3743: Estórias do Jorge Fontinha (3): O meu Grupo de Combate (Jorge Fontinha)

13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3888: Estórias do Jorge Fontinha (4): O primeiro morto do 4.º GCOMB/CCAÇ 2791

18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4048: Estórias do Jorge Fontinha (5): Lavadeiras de Bula

23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4237: Estórias do Jorge Fontinha (6): O 4.º GCOMB / CCAÇ 2791, destacado no CAOP 1 - Teixeira Pinto

31 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4888: Estórias do Jorge Fontinha (7): A nossa Casinha

Vd. último poste da série de 19 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5130: Parabéns a você (36): Carlos Filipe Coelho da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74 (Editores)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5168: Convívios (172): Atenção pessoal & Familiares da CCaç 2790 (António Matos)



1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos em 27 de Outubro de 2009 a seguinte mensagem:



Não é sem mágoa que constato, ano após ano, que as hipóteses de juntar à volta de uma mesa os antigos e ainda vivos combatentes da C. Caç 2790, são por demais escassas, fruto do desconhecimento do paradeiro da imensa maioria dos nossos soldados que, por açorianos, aumentaram a diáspora por terras, essencialmente, do tio Sam.


Nunca vamos além da dúzia e recorremos ao alto patrocínio dos cônjuges para "compor" a sala, ou melhor, a mesa.

Desta vez estamos a tentar aliciar filhos com o intuito de se aperceberem destas "banalidades" conhecidas por solidariedade, camaradagem e verdadeira amizade entre pessoas de diferentes origens, estudos e condições financeiras, mas imbuídos do mesmo espírito de corpo tendo como lema o já velhinho "Um por todos, todos por um !"

Vamos reunir-nos no próximo 21 de Novembro e o cenário será um dos salões da Associação Nacional de Farmácias no restaurante "A Ver Navios".

Caso algum camarada daquela C. Caç. ainda não contactado esteja interessado em participar, deverá tão somente, deixar um comentário a este poste manifestando a vontade.

Abraços,
António Matos
Alf Mil Minas Arm da CCAÇ 2790

Emblema e guião de colecção: Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5167: Agenda Cultural (37): Lançamento do livro de Mário Beja Santos, Quem Mexeu no Meu Comprimido?, dia 3 de Novembro

CONVITE

1. Mário Beja Santos, O Museu da Farmácia, O Círculo de Leitores e a Temas e Debates, convidam os tertulianos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, principalmente os da Grande Lisboa, a estarem presentes no lançamento do livro "Quem Mexeu no Meu Comprimido?", a ter lugar no dia 3 de Novembro de 2009, pelas 18h30, no Museu da Farmácia, sito na Rua Marechal Saldanha, 1, ao Bairro Alto.
O livro será apresentado por Margarida Caramona e Luís Matias.



(Clicar na imagem para ampliar)



2. Sobre o livro:

Edição/reimpressão: 2009
Páginas: 264
Editor: Temas e Debates
ISBN: 9789896440695


Um manual de divulgação e um roteiro prático de saúde que vem preencher uma lacuna no nosso panorama editorial, onde nada consta sobre este tema. O seu objectivo principal é fornecer noções elementares sobre o medicamento tanto a doentes crónicos como aos utentes da farmácia, e convidar os formadores a usar estas noções nas suas aulas, dada a incompreensível omissão do medicamento em todos os currículos escolares. Como o medicamento é o bem de consumo imprescindível mais especial que existe, também se apela à sua responsabilização, por parte dos doentes e utentes, incitandoos ao diálogo com o farmacêutico, para obter mais ganhos e saúde.

OBS:- Sinopse retirada da página Wook, com a devida vénia.
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Notas de CV:

Mário Beja Santos foi Alferes Miliciano e Comandou o Pel Caç Nat 52 em Missirá e Bambadinca, (Guiné) nos anos de 1968 a 1970.

Vd. último poste de Mário Beja Santos, com data de 23 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5145: Agenda Cultural (35): Anos 70 Atravessar Fronteiras, exposição no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 27 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5165: Agenda Cultural (36): A sair, em breve, o livro da História de Portugal em Sextilhas, do nosso camarada Manuel Maia

Guiné 63/74 – P5166: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (19): Um dia calha a todos: - O parvo de serviço foi o enfermeiro!


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 19ª história, com data de 25 de Outubro de 2009:

UM DIA CALHA A TODOS: - O PARVO DE SERVIÇO FOI O ENFERMEIRO!

BINTA, 13 de Setembro de 1964

«No dia 13, domingo, içar da bandeira e uma manhã calma para escrever à família. À tarde, um desafio de futebol para “desenferrujar”os músculos – a semana tinha sido de trabalho duro, mas para dar uns pontapés na bola arranjam-se sempre 22 “artistas” –.

Depois da bola mais umas horas para uma sesta merecida. À noite, quase todo o pessoal se foi deitar cedo pois havia “trabalho” para as primeiras horas da manhã.

Mas houve “alguém” que quis proporcionar um final mais “animado” a esse domingo especial – fazia 4 meses que tínhamos chegado a terras da Guiné – e organizou uma “soirée”, embora um pouco tardia, que nos fez levantar a todos da cama.

Seriam umas 23:00 horas, quando, de várias direcções, o Estacionamento começou a ser flagelado com rajadas de pistola-metralhadora e espingarda.

A reacção das sentinelas foi rápida, principalmente do terceiro e quarto postos, e momentos depois todo o dispositivo de defesa estava organizado, embora houvesse, como é natural, à mistura com a surpresa, alguns momentos de precipitação principalmente dos elementos que se encontravam ainda a pé, escrevendo ou conversando.

Minutos depois”todo o mundo” desfrutava com muito mais à vontade a “sessão extraordinária” que o inimigo nos tinha vindo “dedicar”, possivelmente como represália à nossa acção em Santancoto e ninguém se dignava responder ao fogo inimigo que, passado o rompante inicial, nos ia flagelando com tiros de pistola isolados.

O ”espectáculo” durou até cerca da 1h30, terminando com o incêndio de algumas moranças abandonadas a cerca de 1 km de Binta, que o inimigo houve por bem destruir para assinalar a sua retirada.

Algumas morteiradas bem dirigidas apressaram-lhes o passo e tiraram-lhes a vontade de fazer mais «fogueiras».Reforçam-se os postos de sentinela.

Depois de alguns minutos de conversa e de umas piadas àqueles que, no início do ataque, tinham vistos rajadas “levantar”o pó do chão e inimigos, em cima de árvores, já dentro do estacionamento, toda a gente se foi deitar e recomeçar o sono interrompido.

“Alguém” iria pagar estas horas de sono que tínhamos perdido...

Hoje, dia 14, dois grupos de combate bateram as imediações do quartel encontrando diferentes tipos de invólucros, e localizando as duas principais posições de fogo do inimigo, que se situavam de 300 a 500 metros do estacionamento .

Pelos rastos encontrados avaliou-se o grupo atacante entre 40 a 50 indivíduos, convergindo todos os vestígios de retirada em direcção da estrada de Bigene, que confirma a ideia inicial de que a flagelação de Binta foi como represália à nossa acção na região de Santancoto.

Não se esperava que os “Santancotenses»fossem tão susceptíveis nos seus brios e chega-se à conclusão que eles afinal não sabem bem com quem estão metidos...

É possível que em breve o saibam!!!
Durante o dia souberam-se mais umas histórias pitorescas que se registaram, a quando do início do ataque, salientando-se uma cena movimentada na Sala dos Sargentos.

Naquela sala, onde ainda havia luz e se conversava amenamente, houve uma certa atrapalhação a quando dos primeiros tiros de que resultaram um “petromax” partido, uma passagem apressada por baixo de uma mesa e uma porta arrombada a caminho de uma saída mais segura pela sala dos telegrafistas.

Houve ainda alguém que disse que “eles estão a atacar em massa e já estão cá dentro”, mas parece que tudo isto não chegou a passar de boato...».

Enfim... o velho problema de quem tem um buraco ao fundo das costas...!

Quarenta e tal anos depois!

À distância no tempo confesso ter tido um grande cagaço... na longínqua noite de 13 de Setembro de 1964.

Mastigando as recordações dessa noite diferente da minha vida tento encontrar explicações para a dimensão do dito (o cagaço) pois já não éramos propriamente «maçaricos» na Guiné... quando aconteceu o ataque a Binta.

A surpresa de um ataque «a nossa casa» é no entanto um pouco diferente de uma emboscada no mato onde se sabe que, de um momento para o outro, podem (podiam) acontecer tiros e confusões.

O ataque ao quartel surpreendeu-nos...

A hora era tardia e ninguém estava a pensar em «guerras».

Jogava-se o «King» na Sala dos Sargentos e eu até tinha uma «boa mão»...
De repente rajadas de pistola-metralhadora e tiros de espingarda.

Tá, tá, tá, tá, tá,boum, boum...
Pum,pum, pum...
Tá, tá, tá, tá...

É (foi) uma sensação do caraças!

Mas que porra é esta!!!

Os tiros pareciam que nos estavam a passar a centímetros da cabeça.

Lembro-me que nos levantámos que nem um tiro – passe a expressão – e ala lá pra fora mas... pela porta dos telegrafistas.

Para perceber melhor o que aconteceu há que explicar que, de facto, o medo dá asas mas não nos transforma em passarinhos...

Estávamos numa sala que tinha duas saídas.Uma para o lado donde vinham os tiros e outro pró outro lado.

O lado bom.

Está claro que foi esta saída que escolhemos.

Havia bidões de protecção (bidões cheios de terra) do lado donde vinham os tiros mas ninguém teve a «lembrança» – ia dizer a «coragem» - de sair por esse lado.

O efeito chicotada –o tiro a passar na vertical da cabeça de um indivíduo – é de facto uma sensação... do caraças.
Isto... para não usar o português «vernáculo» que nessa altura usámos e abusámos amiudadas vezes...

Parece (parecia) que dizer asneiras espantava –um pouco – o medo!

A «boa mão» do «King» não deu para apagar o petromax...

Atrasei-me um pouco na saída para «o lado bom» e só consegui apagar a luz quando parti o petromax contra o chão.

Não foi um acto heróico mas... foi o que se pôde arranjar na altura.

Os meus camaradas do «King» já tinham entretanto arrombado a porta para saída do lado bom – a sala dos telegrafistas – que, além dos tiros, gramaram com uma cavalgada pelas suas instalações de uns quatro(ou cinco) furriéis que lhes devem ter parecido – salvo as devidas proporções - uma manada de búfalos a fugir de leões.

3Leva mais tempo a contar do que o tempo que levou a saída... para o lado bom.
Depois agarra-se uma arma, dá-se uns tiros do nosso lado para o lado dos «maus» e logo tudo muda de figura...

O nó no estômago atenua-se.Lembro-me ainda de no dia seguinte – eu e os meus companheiros do «King»» – termos descoberto telhas partidas por cima da sala de «Sargentos».

Foram estragos causados pelos tais tiros que nos tinham parecido ter passado a rasar as nossas cabeças...

Afinal tinham passado dois metros acima!

Mas o tal efeito da «chicotada» é de facto... do caraças.

Tá, tá, tá, tá, tá, boum, boum...
Pum, pum, pum...
Tá, tá, tá, tá...

Ainda hoje me lembro. Dos sons e... da minha «boa mão» do «King» que... tremia comó caraças.

Oh Oliveira apaga o «petromax»!

Tá bem, pá. É já a seguir.

Toma... contra o chão.

E... apagou-se a luz!!!

Da-se!!!

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5165: Agenda Cultural (36): A sair, em breve, o livro da História de Portugal em Sextilhas, do nosso camarada Manuel Maia



1. Editora Erres e Esses, Lda. Newsletter, Outubro de 2009. Novidades Editoriais
Esta newsletter (completa com as imagens) encontra-se disponível neste sítio.

O editor Adelino Fernandes tem o prazer de anunciar a publicação, para breve, de duas novas obras, da Erres e Esses Lda:

- HISTÓRIA DE PORTUGAL EM SEXTILHAS
por Manuel de Oliveira Maia ("Uma visita à História de Portugal admiravelmente relatada em verso") (*)

- e A CIDADE E AS SERRAS,
o bem conhecido romance de Eça de Queirós ("Com a ortographia da epocha")

2. Comentário de L.G.:

O nosso bogue associa-se a (e congratula-se com) esta iniciativa. Um dos nossos propósitos é também descobrir e revelar talentos literários, de entre os amigos e camaradas da Guiné. Eu próprio escrevi um pequeno prefácio para o livro, que irei aqui reproduzir em breve, como formna (modesta) de fazer a sua promoção. Mas os nossos parabéns vão em primeiro para o autor, Manuel Maia, o nosso talentoso e inspirado bardo do Cantanhez, e que vê realizar-se um sonho de vários anos... E em segundo lugar, para o Vasco da Gama - esse valente capitão miliciano que foi Tigre do Cumbijã, esse homem e figueirense, solidário e sensível, onde bate um grande coração...

Foi o nosso Vasco quem arranjou para o livro um editor, seu conhecido, e é ele, com o apoio de outros nossos camaradas e amigos, gente boa e discreta, que tem envidado os melhores esforços para que tenhamos, com o lançamento da obra do Manuel Maia, um verdadeiro êxito editorial.

O livro deve sair antes do Natal e a um apreço acessível às depauperadas bolsas dos amigos e camaradas da Guiné. Um livro, de cento e poucas páginas, para ser lido, obrigatoriamente, por qualquer tuga que se preze, dos 9 aos 99, e onde quer que esteja, do Canadá à Austrália, do Porto a Bissau (**)...É para a gente ler e reler, e oferecer aos nossos filhos e netos. Diremos em breve como e onde o adquirir.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 29 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4755: Blogpoesia (55): História de Portugal em Sextilhas (Manuel Maia) (IX Parte): Do início da República à Grande Guerra (1910/17)

O livro agora editado, História de Portugal em Sextilhas, é uma versão revista e aumentada, completa das estrofes que começaram a ser publicadas no nosso blogue, contando os feitos dos nossos antepassados, dos primórdios da nacionalidade até ao 25 de Abril de 1974 (cobrindo portanto a nossa história milenar, as quatro dinastias monárquicas, a I República e o Estado Novo)... São mais de 400 estrofes, de primeira água literária aliada ao rigor historiográfico...

Em breve serão dadas mais informações detalhadas sobre a obra e como a adquirir... Há já dezenas de pedidos de reserva, por parte dos membros da nossa Tabanca Grande.

(**) Vd. último poste da série Agenda Cultural: 23 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5145: Agenda Cultural (35): Anos 70 Atravessar Fronteiras, exposição no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5164: Blogues da Nossa Blogosfera (21): Por mor dos navios da nossa armada e dos seus marinheiros (Diogo Duarte)

Blogue Reserva Naval, do nosso camarada e amigo Manuel Lema Santos, criado e mantido desde meados de 2006... Magnífico, sóbrio elegante... Obrigatório para quem quiser saber tudo (ou quase tudo...) sobre o papel da nossa Marinha de Guerra no TO da Guiné (LG).

Blogues da nossa blogosfera... Barco à Vista > Informações sobre a Marinha Portuguesa... Blogue, criado em Junho de 2009, por alguém do "Porto, Norte, Portugal" , e que se apresenta como tendo "por escopo servir de acervo de documentação e permitir a consulta de dados de natureza técnica das principais unidades da Marinha de Guerra Portuguesa"... Devo acrescentar que os nossos marinheiros detestam a palavra "barco": para eles, a nossa Armada não tem "barcos", mas sim "navios"... Mas percebe-se o título do blogue, quando já havia um outro, Navios à Vista, de Rui Amaro, Foz do Douro, Porto, um blogue para "troca de impressões sobre navios e portos"... (LG)


1. Mensagem de Diogo Morais Duarte, leitor do nosso blogue, com data de 13 do corrente:

Assunto - Artigo sobre LDM

Caro camarada,

Sou um leitor assíduo do blogue. Como por via da regra têm pouca participação do pessoal da Marinha, deixo um pequeno contributo.

Indico-vos um blogue que tenho vindo acompanhar:
http://barcoavista.blogspot.com/ , que desta vez apresenta um artigo sobre as LDM - Lanchas de Desembarque Médias [, publicado em 13/10/2009].

Estou certo que terá interesse para todos, pois devem ser certamente poucos os camaradas que nelas não navegaram ou não as viram nos rios da Guiné. (**)

Cumprimentos,
Diogo Morais Duarte
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série: 19 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5134: Blogues da Nossa Blogosfera (20): JEROALCOA.BLOGSPOT.COM, de José Eduardo Oliveira

(**) Alguns excertos do artigo e apontamentos de leitura:

(i) As LDM (da classe LDM 400) deslocavam cerca de 60 toneladas, mediam 17,8 x 5 x 1 metros, a sua velociadade máxima era de 9,2 nós (16 km), a sua autonomia não ultrapassava as 220 milhas (à velocidade de 8,2 nós), tinham um guarnição de 4 homens (m cabo - o famoso "patrão da lancha" - e 3 marinheiros)...

(ii) Outras características (classe LDM 400):

- Armamento > 1 Peça OERLIKON Mk2 de 20mm/65 (2 Km de alcance); 2 Metralhadoras MG-42 de 7,62mm.

- Capacidade de carga > 80 militares / 35 toneladas de carga / 1 viatura blindada até 32 toneladas / 1 camião de 6 toneladas / 2 viaturas ligeiras...

- Ano de construção: 1967/68

- Emprego operacional: Transporte e apoio logístico (mantimentos, munições, etc); Embarque e desembarque de tropas; Serviço público.


(iii) Distribuição das LDM pelos teatros opeacionais do Ultramar, durante a guerra colonial: Angola: 5; Guiné: 51; Moçambique (Lago Niassa): 4

(iv) As LDM "eram o principal meio de desembarque da Marinha no que respeita ao emprego de Fuzileiros, aquando da execução de operações militares com a totalidade dos efectivos de uma CF (140 militares) ou de um DFE (80 militares), originando o binómio LDM-Fuzileiros"...

(v) "Trata-se de um tipo de embarcação concebido para utilização temporária (máximo 48 horas), dado não dispor de meios de subsistência, não obstante a título de exemplo na Guiné-Bissau foram usadas em patrulhas de rios que chegavam em média às duas semanas, sendo de referir que tal situação ocorria em detrimento das condições de vida a bordo e sacrifício das suas guarnições".

(vi) (...) "No caso da Guiné-Bissau (multiplicidade de braços de mar e rios, grandes amplitudes de maré e rios muito sinuosos), [o emprego de LDM] atingia mais de 80%, percentagem esta que aumentou a partir de 25 de Março de 1973 com a diminuição de voos de carácter logístico da FAP, devido ao fogo anti-aéreo com recurso a mísseis terra-ar de fabrico soviético SA-7 Grail Strela por parte do PAIGC".

(vii) (...) Pelo facto de "serem dotadas de pouca velocidade, muitas foram alvo de ataques desencadeados a partir das margens pelo PAIGC na Guiné-Bissau, sendo o caso mais conhecido o da LDM 302, atacada e afundada três vezes; outras foram visadas pelo rebentamento de engenhos explosivos improvisados, submersos e de fabrico artesanal do PAIGC, em rios estreitos e pouco fundos, denominados por "minas aquáticas", em ambas as situações as respectivas guarnições tiveram algumas baixas (feridos e mortos), mas nunca deixaram de ripostar, honrando assim as dignas tradições da Marinha Portuguesa"

Fonte: Barco à Vista > 13/10/09 > Lanchas de Desembarque Médias (Com a devida vénia...)

Vd. também o magnífico, sóbrio e elegante Blogue Reserva Naval, criado e mantido, desde Abril de 2006, pelo nosso camarada e amigo Manuel Lema Santos (Lisboa), um homem que acalenta ainda a paixão do mar, dos rios da Guiné e do tempo que em foi oficial da nossa Armada... Trata-se de um "espaço aberto a antigos Oficiais da Reserva Naval na publicação de documentos, relatos, imagens e comentários. Um meio de comunicação e participação na divulgação do legado histórico da Reserva Naval da Marinha de Guerra"...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5163: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (21): A CCAÇ 2791 em Teixeira Pinto - CAOP 1

1. Mensagem de Luís Faria, (*), ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 25 de Outubro de 2009:

Amigo Vinhal
Com um abraço para ti e demais co- Editores segue outro dos capítulos de “Viagem…” há já uns tempitos interrompidos.

À restante Tertúlia um outro abraço, com votos de paz e serenidade, único modo de conseguirmos objectivar com clareza os eventuais caminhos a percorrer na procura da resolução dos nossos problemas.

Luís Faria


Teixeira Pinto – CAOP 1
Por Luís Faria

Chegados ao nosso novo destino - Teixeira Pinto - e libertos da formatura em Parada na apresentação ao Comando do CAOP 1, há (julgo) que distribuir uns abraços por pessoal do 4.º GCOMB que já lá se encontrava desde o princípio do ano, procurar as novas suites e dar uma vista de olhos aos cantos da casa. Depois e certamente… umas súrbias no agradável Bar dos Comandos, que também passaríamos a frequentar.

O quartel tinha pouco a ver com o de Bula. Era muito maior e se bem me recordo, espraiando-se da cidade até ao rio, com melhores instalações e com muita maior densidade populacional militar.

A FORÇA - CCAÇ 2791 a três GCOMB, colocada às ordens do CAOP, estava prestes a iniciar uma nova etapa naquela ZO do Cacheu, que se iria prolongar por aproximadamente cinco meses, entremeados por três semanas em que os três GCOMB foram deslocados para a defesa de Bissau, dos últimos de Julho a terços de Agosto.

Em coabitação no quartel e em termos operacionais de intervenção, havia uma Companhia de Páras (128?, 127?), outra de Comandos (28ª?, 29ª?) e um Destacamento de Fuzileiros Especiais, para além de um Esquadrão Daimmler (não recordo se este coexistia no mesmo espaço, mas estou em crer que não).

Os três GCOMB da 2791 foram integrar estas forças de intervenção, passando a breve trecho a rodar com elas.

Àquela data era lá a sede do CAOP 1, sob o comando do Cor Pára-quedista Rafael Durão (era mesmo durão !!) que não deu descanso à nossa Companhia durante os meses em que lá estivemos, pondo-nos a trabalhar em força mas com contrapartidas, como adiante explicarei.

Ao Cor Durão, que fazia jus ao seu nome, julguei-o como um homem correcto e forte de carácter, e um Militar de grande carisma e competência. Dizia que os camuflados usados em Operações deviam cheirar a mato (mal) e não a lavados, para se confundirem nos odores daquelas matas onde o embrulho era mais que provável, como viríamos a constatar. Tinha razão, mas não era novidade.

O pessoal da 2791 foi usado em alternância com a tropa especial, como se de uma se tratasse. Actuávamos em bi-grupo (raramente completo) nas matas belicosas de um e outro lado da estrada Teixeira Pinto - Cacheu, passando por norma 36 horas em operação e 24 em descanso.

Provas dadas, começamos a ter direito a alimentação e ração de combate especiais e também a reforço de armamento. Se a memória não me atraiçoa, cada Grupo, quando saía, para além da dotação normal, acrescentava duas MG e mais um lança-rockets, não tendo a certeza de um morteiro 60. As rações de combate passaram a ser iguais às dos Fuzileiros.

Dava gozo e prazer vermo-nos com aquele armamento! Sentíamo-nos confiantes e até…importantes! Não esqueçamos que no conceito(?) de alguém(uns(?)) éramos um Bando do Arame (??!!)! Mas pelos vistos… privilegiado, por essas alturas!!

Que diferença de condições e tratamento comparando com Bula, onde fomos usados e abusados sem qualquer apoio ou contrapartida!!!

Em Teixeira Pinto, o Cor Durão exigia mas, como se vê, proporcionava-nos condições e apoio efectivo. Carregando na mão a sua Kallash chegou mesmo a integrar o bi-Grupo da FORÇA numa operação embrulhada, sob comando do Alf Mil Barros (2.º GCOMB), demonstrando ao pessoal a sua confiança e talvez ao mesmo tempo, aquilatando da nossa preparação e competência.

Para fugir daquela pressão toda a que passamos estar sujeitos, e que fez com que a dada altura o horizonte de futuro pessoal passasse (falo por mim) a ser o dia seguinte, meia dúzia de nós resolveu alugar uma vivenda situada na esquina de uma paralela à avenida principal.

Nela e nos intervalos das operações, o stress passou a ser vencido com cerimónias entre camaradas amigos, em que as frescas bazucas e o Casal Garcia, o Demole com ou sem Coca-Cola, e o petisco, passaram a ser omnipresentes. De certo modo festejávamos mais um dia ganho e tentávamos não pensar no dia seguinte.

Nessas ocasiões, a música ouvida, tocada e cantada muitas vezes a(o) desafi(nad)o, era um dos complementos alienadores dos nossos receios e pensamentos sombrios, levando-nos por vezes para momentos (continuo a falar por mim) desenraizados da nossa realidade e da nossa maneira de ser, transportando-nos em visões animadas e coloridas de esperança, umas vezes, sombrias e difíceis de suportar… outras, que nos isolavam e acabrunhavam!

Quando estas últimas aconteciam… aparecia sempre, pelo menos, um amigo que nos dava o ombro e ajudava a ultrapassar esses momentos mais penosos e difíceis.
Andávamos pelos vinte anos, com uma vida já estropiada e um futuro de incertezas.
A nossa adolescência esfumara-se rapidamente para passado!

Um novo homem ia surgindo, arcando para toda uma vida marcas profundas, ganhas durante essa transição brusca, fora de tempo e afinal… sem reconhecimento e pelos vistos sem sentido!

Luís Faria

Luís Faria em Teixeira Pinto

Teixeira Pinto > Avenida Principal

Teixeira Pinto > Igreja Católica
A nossa vivenda em Teixeira Pinto

Teixeira Pinto > "Cerimónia" na Vivenda

Fotos (e legendas): © Luís Faria (2009). Direitos reservados
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4907: Convívios (158): 8.º Encontro da CCAÇ 2791, dia 26 de Setembro de 2009 em Torres Vedras (Luís Faria)

Vd. último poste de 28 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4874: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (20): Adeus Binar, até sempre

Guiné 63/74 - P5162: Controvérsias (39): Nunca se fez um inquérito ao acidente que vitimou o meu avô James e seus companheiros (Sofia Pinto Bull)

Guiné > Região do Oio > Mansoa > Distância, em quilómetros, de Mansoa a algumas das principais povoações, a leste (Bafatá, Bamabadinca, Enxalé), a sul (Porto Gole) e a leste (Bissau, Nhacra, Encheia)... Na foto, o ex-Alf Mil Paulo Raposo, CCAÇ 2405/BCAÇ 2852 (1968/70).

Foto: Paulo Raposo (2006)

Guiné > Região do Oio > Mansoa > Rio Mansoa > Pescadores > "Mansôa é uma linda vila, à qual o rio Mansôa empresta também os seus encantos, dando-lhe um verde imenso, e florido... A história da Guiné, passa por Mansôa, não só por ser um importante centro de comércio, mas também por ser um centro militar de grande importância estratégica, pois era aqui que existia a única ponte que permitia o acesso a Bissau... Inserida na conflituosa região do Óio, e a poucos quilómetros da mítica mata do Morés, Mansôa foi sempre um palco importante na história da Guiné... A partir de 15/12/2003 a jangada que atravessava o rio rio Mansôa, em Joladim, foi substituída por uma excelente ponte, passando a existir um segundo acesso a Bissau" (Fonte: Guiné - História > BCAÇ 2885, por Carlos Fortunato)
Foto: Cortesia de César Dias, ex-Fur Mil Sapador, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71), membro da nossa Tabanca Grande.


1. Comentário, de hoje, de Sofia Pinto Bull ao poste 10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3292: Controvérsias (3): O acidente de helicóptero que vitimou Pinto Leite (J. Martins / J. Félix / C. Vinhal / C. Dias) (*)

Luís, ao fazer umas pesquisas sobre a Guiné-Bissau, deparei-me com o vosso blog e como não podia deixar de ser procurei info sobre o acidente de 25 de Julho de 1970, o qual vitimou o meu Avô James (Pinto Bull) (**) que, infelizmente, eu nunca viria a conhecer.

E não posso deixar de esclarecer e garantir-lhe (e aos demais participantes/intervenientes do blog) que o acidente ocorreu exactamente na data que mencionei - 25 DE JULHO DE 1970. O meu Pai, inclusivamente, prestava serviço militar na altura na Guiné-Bissau, tendo ele próprio participado nas buscas do aparelho e dos corpos (também o do seu próprio Pai).

Documentos disponibilizados pela COLOREDO (Comissão Eventual para Localização e Recolha de Dcumentação da Marinha sobre a sua Acção nas Operações Militares em África e Timor - 1967/75) com base em documentos nela existentes e no Arquivo Geral da Marinha e em depoimentos prestados por alguns dos intervenientes na operação também o confirmam.

Transcrevo um excerto do livro «O Sonho Desfeito - Quanto Vale a Vida de um Homem?», de Vasco Pinto Leite, irmão do Dr. Pinto Leite, falecido também no acidente:

"(...) Dia 25 de Julho de 1970

"Cerca das 15.00 horas ocorreu a queda de l helicóptero da FAP quando voava de Teixeira Pinto psra Bissau e foi atingido por um forte tornado. (...) pilotado pelo alferes miliciano Pil Av da FAP Francisco Lopes Manso e fazia parte duma formação de 3 helicópteros comandada pelo Cap Pil Av Cubas, que pilotava um dos helicópteros, sendo o terceiro pilotado pelo alferes miliciano Pil Av Coelho.

"O helicóptero sinistrado transportava como passageiros:
- 4 deputados à então Assembleia Nacional (Dr James Pinto Bull, Dr José Pedro Pinto Leite, Dr Leonardo Coimbra e José Vicente de Abreu).
- Capitão de cavalaria Carvalho de Andrade, oficial de ligação do Comando Chefe das Forças Armandas da Província da Guiné.

"Posteriormente viria a verificar-se que o helicóptero tinha caído nas águas do Rio Mansoa, em 20 metros de fundo, a Este da Ilha de Lisboa, ou seja, entre esta e a Ilha de Bissau."


Buscas ocorreram nos dias seguintes (segundo cópias de documentos constantes no livro), terão sido resgatados das águas lodosas dois corpos identificados como sendo do Dr Leonardo Coimbra e do Cap Carvalho de Andrade, e os detroços do aparelho, estes últimos entregues à FAP a 30 de Julho.

Uma das lanchas envolvidas nas buscas, "a LPG Cassiopeia manteve-se na área até ao dia 2 de Agosto, fazendo buscas sistemáticas das águas do Mansoa entre as ilhas de Lisboa e de Bissai mas nada mais viria a encontrar. (...) botes voltaram por vezes às zonas das buscas, em observação, mas nada mais encontraram."

Mas, de facto, e com muita pena minha e concerteza de todos os familiares das vítimas deste desastre, nunca houve nenhum INQUÉRITO. No livro, Vasco Pinto Leite afirma ainda:

"(...) Três dias depois da tragédia, em 28 de Julho de 1970, morre Salazar, e as atenções da Comunicação Social passam para 2º plano o impacto com o desastre da Guiné. Daí para a frente, os brandos costumes portugueses fizeram o resto", inclusivamente "o inquérito que não foi feito", sublinha o autor! (****).

Espero ter elucidado e respondido a algumas dúvidas.

Na imaginação desenho ainda hoje o meu retrato do meu Avô que quis o destino (ou não) que eu nunca tivesse conhecido, e na memória ficam, para além da enorme tragédia, histórias e relatos maravilhosos da minha Avó principalmente, mas também de outras pessoas que tiveram a felicidade de se cruzarem na vida com o meu Avô e com quem também eu me tenho vindo a cruzar!

Sofia Pinto Bull

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Notas de L.G.:

(*) Vd. também postes de:

11 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3296: Controvérsias (4): O acidente aéreo de 26 de Julho de 1970 (Jorge Picado)

20 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3335: Controvérsias (6): O acidente aéreo de 25 de Julho de 1970 (Carlos Ayala Botto)

10 de Outubro de 2008 (Guiné 63/74 - P3291: (Ex)citações (4): Pinto Leite, em Bambadinca, dois dias antes de morrer em desastre de helicóptero: Não há solução militar)

10 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3866: FAP (7): Troca de lugar no ALL III salvou-me a vida, em 25 de Julho de 1970 (Jorge Caiano, mecânico do Alf Pilav Manso)

(**) Último poste da série > 24 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5153: Controvérsias (31): Afinal quem saiu derrotado na guerra da Guiné? (José da Câmara)


Não confundir o James Pinto Bull com o seu irmão, Benjamim Pinto Bull, de quem se apresenta aqui uma resenha biográfica, adaptada (Cortesia de Wikipédia > Benjamim Pinto Bull)

(i) Benjamim foi o líder da União dos Naturais da Guiné-Portuguesa (UNGP), um movimento que defendia uma evolução, negociada e pacífica, para a Guiné-Bissau.

(ii) Cita o Diário de Notícias, aquando da sua morte recente, que Benjamim Pinto Bull “era daqueles homens como já há poucos, um lutador”.

(iii) Durante a sua vida foi um defensor de uma independência progressiva da Guiné-Bissau, em oposição com a linha (revolucionária) de Amílcar Cabral e do seu PAIGC. Chegou, ao que parece, a tentar negociar nos bastidores do poder de Salazar.

(iv) Nasceu na Guiné-Bissau, no seio de uma das suas mais ilustres famílias.

(v) O seu irmão, James Pinto Bull, foi o histórico deputado da Ala Liberal, que morreu, no acidente de helicóptero, com José Pedro Pinto Leite e outros, em 25 de Junho de 1970, no Rio Mansoa.

(vi) Aos sete anos de idade, Benjamim Pinto Bull foi enviado para França, onde ingressou num seminário. Concluiu o ensino secundário e voltou para Portugal, para um seminário em Viana do Castelo. Nesta cidade estudou grego e latim. Mas não seguiu a vida eclesiástica.

(vii) Já em idade adulta, regressou à sua terra, para trabalhar nas alfândegas. Nesta altura, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) seguiu-o e perseguiu-o até à Guiné-Bissau.

(viii) Segue-se o seu o exílio, no Senegal, onde foi acolhido por Léopold Sédar Senghor.

(ix) No Senegal, continuou a luta pela independência do seu país. Léopold Sédar Senghor foi, além de dirigente político e nacionalista, um poeta e um intelectual de grande craveira. Senghor e Pinto Bull tornaram-se grandes amigos.

(x) Abraçando uma nova etapa da sua vida no Senegal, Benjamim promoveu a língua portuguesa, a nível do ensino secundário e do ensino superior. Tornou-se rapidamente no tradutor oficial de Senghor (que, de resto, e ao que parece, na sua árvore genealógica, teria ascendentes portugueses).

(xi) Continuou os seus estudos, formando-se em Filologia Românica em Paris, para depois regressar a Dakar para dar aulas. A sua tese de doutoramento versa sobre o trabalho de Senghor: "Leopold Sédar Senghor e a Negritude".

(xii) Regressa a Portugal em 1984. Foi cônsul do Senegal em Lisboa e leccionou Latim Jurídico e Literatura Africana de Expansão Portuguesa em várias universidades privadas, como a Moderna, a Internacional ou a Lusófona.

(xiii) Em 1989, publicou "Filosofia e sabedoria, O crioulo da Guiné-Bissau". Publicou ainda uma autobiografia – "Memórias de um Luso-Guineense" – com introdução a cargo de Adriano Moreira.

(xiv) Em 1992, num autocarro, a caminho de Loures, Benjamim Pinto Bull defendeu um rapaz de apenas 12 anos que estava a ser insultado. Foi agredido e um soldado da GNR acabou por ser acusado de racismo e violência contra o professor. Um triste, miserável episódio que mereceu a atenção da comunicaçã social, na época, e que levou o então Presidente da República, Mário Soares, a pedir-lhe publicamente desculpas em nome de Portugal.

(xv) Benjamim Pinto Bull faleceu em Lisboa, no dia 25 de Janeiro de 2005.


Do James Pinto Bull, encontrei as seguintes referências bibliográficas, no Portal Memórias de África e do Oriente, Fundação Portugal-África, desenvolvido pela Universidade de Aveiro e pelo CESO :

[13098] Bull, James Pinto
Subsídios para o estudo da circuncisão entre os balantas / James Pinto Bull. In: Boletim cultural da Guiné portuguesa. - Vol. VI, nº24 (1951), p. 947-954
Descritores: Guiné-Bissau Antropologia social e cultural Circuncisão


[13108] Bull, James Pinto
Amor e trabalho / James Pinto Bull. In: Boletim cultural da Guiné Portuguesa. - Vol. VII, nº25 (1952), p.181-187
Descritores: Guiné-Bissau Antropologia social e cultural Contos

[64277] Bull, James Pinto
Amor e trabalho / James Pinto Bull. In: Boletim cultural da Guiné Portuguesa.- vol. 7, nº 25 (Jan. 1952), p. 181- 187
Descritores: Guiné Bissau Trabalho

[80712] Bull, James Pinto
Visita presidencial á Província da Guiné Portuguesa / James Pinto Bull. In: Cartaz. - ano 4, nº 16 (1968), p. 15.
Descritores: Guiné Bissau Chefe de Estado Visita oficial População autóctone

[186325] Bull, James Pinto
Subsídios para o estudo da circuncisão entre os balantas / James Pinto Bull. In: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. - Vol. VI, nº 24 (1951), p. 947-954
Descritores: Guiné-Bissau Mutilação sexual População autóctone

[201234] Bull, James Pinto
A doença do sono / James Pinto Bull. - Contém bibliografia. In: Anuário da Escola Superior Colonial. - (1944-1945), p. 223-233
Descritores: África Doença tropicalTEXTO :


(****) Vd. Decreto-Lei n.º 400/70:

Considerando que no decorrer de uma viagem à Guiné, organizada para informação da Assembleia Nacional, morreram num desastre de helicóptero os Deputados James Pinto Bull, José Pedro Maria Anjos Pinto Leite, José Vicente Abreu e Leonardo Augusto Coimbra;

Atendendo a que a missão que lhes foi confiada se revestia de grande importância para o País;

Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

Artigo único. - 1. Aos familiares que estavam a cargo de cada um dos Deputados James Pinto Bull, José Pedro Maria Anjos Pinto Leite, José Vicente Abreu e Leonardo Augusto Coimbra, e que a requeiram, será atribuída uma pensão do Tesouro do quantitativo correspondente ao subsidio mensal fixado para os Deputados, compreendendo a parte fixa e trinta dias de senhas de presença, a abonar mensalmente, com inicio no dia imediato ao do acidente.

2. O direito e a fruição destas pensões regulam-se pelos princípios estabelecidos no Decreto-Lei n.º 47084 , de 9 de Julho de 1960, não estando, contudo, os seus quantitativos sujeitos a quaisquer deduções, com excepção do selo de recibo.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Marcello Caetano - João Augusto Dias Rosas.

Promulgado em 12 de Agosto de 1970.
Publique-se.

Presidência da República, 21 de Agosto de 1970. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ.