sábado, 5 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P8999: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (5): Efeitos colaterais da crise académica de 1969

1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro* (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 2 de Novembro de 2011:

Camarigo Carlos Vinhal
Talvez porque este tempo de Inverno ajude a recordar memórias adormecidas.
Em anexo vai mais um texto, mais um "Estória", real e verdadeira das muitas passadas na Guiné.

Se entenderes por bem publicá-lo, estás sempre à vontade como é hábito.

Um abraço
Carlos Pinheiro


RECORDAÇÕES DOS TEMPOS DE BISSAU (5)

Efeitos colaterais da crise académica de 1969

Estávamos na Primavera de 1969. Era Abril. Já tinha passado 6 meses da Comissão na Guiné que se prolongaria por 25 longos meses.

Recentemente tinha partido o braço esquerdo num acidente sem história. Andava de “baixa” e frequentemente, depois do almoço, durante o chamado período da “sesta” desenfiava-me de Santa Luzia, do Q.G., até à cidade para conviver com a malta que também estava desenfiada em Bissau, à espera de transporte para o mato ou para a Metrópole.

Os sítios onde nos encontrávamos eram os habituais. O Café do Bento a que carinhosamente chamávamos a 5ª Rep., o ponto de encontro por excelência da malta do mato.

E eu tinha amigos no mato em todo o lado. Em Buba, em Tite, em Jabadá, Nova Sintra, em Catió, em Aldeia Formosa, em Bafatá, em Mansoa, em Farim, em Piche, em Bigene, em Bula, em Nova Lamego, no Cacheu, em Susana, em Varela, e depois até vim a fazer amigos quando a CCaç 1790 abandonou Madina do Boé, com a tragédia conhecida, uma vez que foram colocados na “minha guerra” dois dos sobreviventes.

Era rapaziada que tinha andado a estudar comigo na Escola Industrial de Torres Novas, era a malta da minha terra, Alcanena, era pessoal de Pernes e de Mira de Aire que frequentava de vez em quando nos bailaricos da época, eram colegas dos Serviços Médico Sociais para onde eu tinha entrado em 1964, era a rapaziada que tinha estado comigo na Escola Prática de Cavalaria em Santarém e que comigo tinha chumbado no Curso de Sargentos Milicianos e que também tinha sido “recompensada” como um comissão na Guiné, era malta que tinha estado comigo na Especialidade no Regimento de Transmissões no Porto, na Arca d’Agua, era malta que tinha ido comigo no UIGE em rendição individual, enfim era um conjunto alargado de companheiros e amigos embarcados no mesmo barco da Guerra da Guiné.

Mas também nos encontrávamos no Portugal ou no Internacional na Praça Honório Barreto, no Zé da Amura, nas Palmeiras em Brá, no Santos em Santa Luzia, na Solmar lá do sítio, no Café Pastelaria Império na Praça do Império, perto do Palácio do Governador, ou no Solar do Dez. Tudo isto de dia. De noite os encontros eram mais na Meta, no Chez Toi, na UDIB, no Sporting e até no Benfica a caminho da Sacor.

O caso que vou relembrar passou-se no Solar do Dez, talvez o melhor Restaurante de Bissau daquela altura. Mas como já tínhamos almoçado no quartel, porque o pré não dava para luxos, estávamos num mesa grande, a tomar café na esplanada e cada um ia contando as suas histórias, com muitas anedotas pelo meio.

Parece eu que estou a ver o Marques, que também tinha chumbado no CSM em Santarém. Na altura já era Regente Agrícola. Mas tinha chumbado. Era o Delegado em Bissau da sua Companhia. Namorava uma moça que estava em Medicina ou em Direito, já não me lembro bem. Volto a dizer. Parece eu que estou a ver o Marques, a ler em voz alta uma carta da namorada. E ela contava-lhe, e ele partilhava connosco, a invasão da Faculdade pela Policia e pela Pide com muita pancadaria e algumas prisões à mistura. Era a Crise Académica no seu auge, mas nós, que estávamos longe de tudo, desconhecíamos por completo. A Emissora Oficial só dava boas notícias, jornais não havia com regularidade, televisão nem vê-la, telefones nem sonhá-los e telemóveis nunca se tinha ouvido falar. Aquilo desta vez parecia uma sessão solene. O orador lia a carta pausadamente e nós caladinhos para não perdermos nada da noticia.

Ao lado, noutra mesa, estava um Major, o Comandante das Transmissões da Guiné, meu Comandante uma vez que o Destacamento do STM onde estava integrado, em última análise também dependia deste senhor, acompanhado de sua esposa, que apesar da sua posição importante e da nossa pequenês, nunca abriu a boca.

O pior foi à tarde. Eu como estava “de baixa”, passava o resto da tarde, até ao jantar, no meu quarto particular com mais de duzentas camas. Ouvia-se rádio, jogava-se à sueca e alguns descansavam porque iam entrar de turno à noite. Aparece o Sargento Caldas, entretanto infelizmente já libertado da lei da vida, bom homem e bom amigo. Era o meu Chefe directo. Vinha com mau aspecto. E de chofre perguntou-me onde é que eu tinha andado que o Major queria falar comigo e estava muito bravo. Contei-lhe tudo por onde tinha andado mas esqueci-me da leitura da tal carta, coisa que poucos de nós valorizámos, porque desconhecíamos os antecedentes da Universidade de Coimbra e a ebulição estudantil que havia naquela altura.

E lá fui eu, mas o Major já não estava. Ficou para o outro dia. Nessa noite nem dormi. O que é que o Major teria para estar tão bravo como tinha dito o Caldas. De manhã, bem cedinho lá estava eu, com o braço ao peito, mas de resto devidamente uniformizado e até com as botas bem engraxadas. Já eram mais de 10 horas quando ele chegou. Nem se sentou. Logo ali à entrada da porta dispara, perguntando-me o que é que estava ali a fazer ontem naquele “comício”? Fiquei perplexo. O que é que aquilo queria dizer? O que é que eu teria feito de mal? Fiquei sem resposta. Mas lá terei dito alguma coisa, atabalhoadamente, a tentar relatar o acaso do encontro. Levei uma rabecada das antigas. E ameaças quanto ao futuro foram as suficientes. O mato, nas piores condições e nos piores locais, tinha sempre vagas e estava sempre à espera.

Mais tarde, começou a constar, na caserna, que o senhor teria algumas ligações à Policia que tinha aquartelamento no Largo do Colégio Militar, junto à Avenida Arnaldo Shulz, em Bissau, a Policia Internacional e de Defesa do Estado, a tenebrosa Pide de má memória para o Povo Português mas também neste caso para o Povo da Guiné-Bissau. Nunca cheguei a saber se era verdadeira essa dupla função, mas lá que andei atrapalhado isso foi mesmo verdade.

Tudo se passou sem mais agruras. Mas andei mal durante muito tempo e com atenções redobradas. É que eu passava naquela Avenida de vez em quando e, às vezes, os tratamentos ouviam-se cá fora.

A guerra também tinha destas coisas. E é bom recordá-las para que a memória não esqueça.
Carlos Pinheiro
25.10 10
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8748: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (4): As notícias em Bissau - A Presse Lusitânia

Guiné 63/74 - P8998: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (28): Comemoração dos 50 anos dos cursos de 1961 das Tropas Pára-quedistas (Rosa Serra / Maria Arminda)

1. Mensagem da nossa camarada Rosa Serra (ex-Alferes Enfermeira Pára-quedista, BCP 12, Guiné, 1969), com data de 1 de Novembro de 2011:

Caro Luís
A razão deste mail, diga-se em abono da verdade, não é propriamente o seu pé que merece toda a atenção, mas sem ofensa para o dito, o assunto é outro.

Não sei se sabe mas dia 27de outubro a U.P.P. (União Portuguesa de Pára-quedistas) fez uma comemoração a todos os pára-quedistas que fizeram 50 anos de brevêt ou seja a todos cursos de 1961, o que vem sendo um habito desta "associação" que realiza o evento na nossa unidade mãe em Tancos.

Este ano houve uma particularidade, estiveram presentes as primeiras enfermeiras pára-quedistas que ficaram conhecidas pelo curso das 6 Marias.

As nossas amigas lá estiveram a dizer bem alto "PRESENTE" juntamente com todos os militares pára-quedistas que festejaram as suas bodas de ouro.

As quatro: Maria Arminda, Maria do Céu Policarpo, Maria Ivone Reis e Maria de Lurdes Rodrigues exibiram as suas boinas verdes e os seus brevêts. A Maria Zulmira e a Maria Nazaré foram representadas uma pelo seu irmão José André e outra pela sua filha.

A Maria Arminda fez um discurso. Se achar bem poderá ser publicado no nosso blogue juntamente com a noticia, se não concordar já sabe é só apagar sem qualquer problema.

Um abraço com desejo de boas melhoras.
Rosa Serra


As famosas finalistas com o seu director de curso


Tancos, 8 de Agosto de 1961 > Da esquerda para a direita: Maria do Céu, Maria Ivone, Maria de Lurdes, Maria Zulmira, Maria Arminda e o Capitão Fausto Marques (Director Instrutor).
Nota: Falta a Maria da Nazaré que torceu um pé no 4.º salto e só viria a acabar o curso alguns dias depois.


DISCURSO DO 50.º ANIVERSÁRIO DO 1.º CURSO DE PÁRA-QUEDISMO PARA ENFERMEIRAS

Ex. Senhor General Almendra
Senhores Oficiais Generais
Senhores Instrutores e Monitores
Minhas Senhoras e Senhores
Camaradas

Estamos hoje na Casa Mãe das Tropas Pára-quedistas a comemorarmos conjuntamente homens e mulheres, os cinquenta anos dos nossos Cursos de Pára-quedismo.

Seria mais uma comemoração igual às que anteriormente se efectuaram, com grande significado por certo para todos os que nelas estiveram incluídos, se acaso não tivesse ocorrido um acontecimento que se tornou histórico e que veio acrescentar um significado muito especial, para quase todos em geral, os que no decurso do ano de 1961 ingressaram na vida militar e em particular nesta Unidade.

Foi um ano relevante para os Governantes Portugueses, para as nossas Forças Armadas e para um grande número de cidadãos que repentinamente viu alterado o seu quotidiano, na sequência das constantes mobilizações para fazer frente ao conflito em que o país necessitou de se envolver, o que por certo não foi esquecido, nem o esquecerão jamais no decurso das suas vidas todos os que nele, de uma forma ou outra, marcaram presença e em especial, aqueles que puseram as suas vidas ao serviço de outros, “Os Combatentes”.

Foi o início da que então se veio a designar entre outras, por “Guerra do Ultramar”, com o massacre das populações indefesas no Norte de Angola, que se transformou posteriormente numa guerra de guerrilha, estendendo-se rapidamente aos territórios da Guiné e Moçambique, que tendo durado treze anos como todos sabemos, deixou profundas marcas na sociedade portuguesa e sequelas num elevado número dos ex combatentes.

Foi também um ano marcante na vida das mulheres, que pela primeira vez davam entrada numa Instituição militar para prestarem serviço, no âmbito da sua especialidade profissional de Enfermeiras.
Recordar o papel que as mulheres desempenhavam na sociedade de então e tentar fazer a comparação com os dias de hoje, é simplesmente surreal.

Nos anos sessenta as mulheres desempenhavam tarefas domésticas, ajudavam o cultivo da terra, operárias fabris, funcionárias dos serviços públicos e poucas prosseguiam os estudos nas universidades.

O homem era o centro das decisões, chamado a prestar serviço militar obrigatório, senhor do poder absoluto no seio da sua família, sendo à mulher reservado o papel de dona de casa, educadora dos filhos e poucas mais tarefas de relevo lhes eram atribuídas ou permitidas.

Situando-nos nessa época e aos seus costumes, seria pouco provável e até mesmo impensável, que algum dia poderiam cruzar a porta de armas de uma qualquer unidade militar, mulheres, que ao lado dos homens, viessem a receber instrução para desempenho de uma actividade, e aí permanecessem como militares.

Não havendo uma lógica aparente para ser dado esse gigantesco passo, a criação de um grupo que viria a frequentar o 1º Curso de Pára-quedismo para Enfermeiras, foi sem dúvida uma decisão superior, que após os acontecimentos de Março de 1961 em Angola, com inúmeros mortos e feridos, pôs em marcha um projecto inovador e o consequente virar de página da nossa história militar.

Não podemos esquecer nesta decisão, o arrojo do então Tenente-coronel Kaúlza de Arriaga, nas funções de Sub-Secretário de Estado da Aeronáutica, que apresentou ao Presidente do Conselho de Ministros, Dr. Oliveira Salazar, um plano para a criação nesse Ramo Militar de um grupo de mulheres enfermeiras, sediado no Batalhão de Caçadores Pára-quedistas em Tancos.

Foi nesse “Corpo de Forças Especiais,” que o mesmo criara em 1955 e que lhe oferecia a confiança necessária para o êxito da sua proposta, que a 26 de Maio de 1961, as onze candidatas, entraram pela primeira vez num quartel, para fazerem os seus testes psico-físicos.

O consentimento do Dr. Oliveira Salazar foi importante e decisivo, mas a conjugação de esforços no sentido de se efectivar tal projecto, teve também a anuência das chefias Militares, sobretudo dos Comandos das respectivas Unidades, Batalhão de Caçadores Pára-quedistas e Base Aérea nº.3.

Convêm também relembrar neste processo, a importância da Sr.ª. Dª Isabel Bandeira de Mello, conhecida entre nós por Isabelinha Rilvas, à época a primeira Pára-quedista da Península Ibérica, em ceder ao Tenente-Coronel Kaúlza de Arriaga, a documentação relativa aos treinos que executavam as “Enfermeiras do Ar”, pertencentes à Cruz Vermelha Francesa.

A Isabelinha como colega e amiga da maioria das candidatas que integraram esse primeiro curso, teve também a sua quota-parte de influência, na decisão em aceitarem esse desafio.

Pela primeira vez iam ser treinadas em Portugal, mulheres para Pára-quedistas. A sua preparação teve início a 6 de Junho/61 e terminou a 8 de Agosto, com a conquista da tão almejada boina verde e brevê, que lhes conferiram o título pelo qual passaram a ser designadas, “ As Enfermeiras Pára-quedistas”.

Para se chegar a esse dia, foi preciso percorrer um duro e difícil caminho; vencer barreiras a que não estávamos habituadas, ultrapassar receios e preconceitos, superar debilidades físicas, momentos de fadiga, desânimo e medo do fracasso. Porém entrámos determinadas e convictas de que poderíamos chegar ao fim.
Aceitámos voluntariamente esse grande desafio, de trocar a nossa vida rotineira, tranquila e profissionalmente estável, por outra que imaginávamos ser mais agitada, mas da qual não sabíamos como iria decorrer.
Éramos jovens, e como tal generosas e aventureiras.

Sabíamos que numa terra distante, parte do nosso vasto território ultramarino que apenas conhecíamos dos bancos da escola, tinha havido uma chacina de brancos e negros, portugueses em Angola e que repentinamente foram enviados militares, para a defesa das populações.

Não ficámos indiferentes e aceitámos o convite que nos foi formulado, deixamos as nossas famílias, e colegas de trabalho, projectos de vida em curso, e partimos para África e a par com os nossos militares, socorrer a quantos de nós necessitassem.

Nessa caminhada nunca estivemos sós. Desde o primeiro dia em que entrámos nesta Unidade, contámos com a compreensão e ajuda entre outros do nosso instrutor e director do curso, o então Capitão Fausto Marques, e o monitor, Sargº Jacinto Carneiro. Todos se foram habituando à nossa presença e nos foram aceitando, até mesmo os que já se encontravam mobilizados em África, que sem nos conhecerem, quando lá chegámos na primeira missão, nos receberam com o maior carinho e aceitação, o que veio a acontecer posteriormente, com muitos outros camaradas da Força Aérea.

Sentimos e constatámos que ao longo dos anos e pelas unidades por onde passámos, ganhámos amigos, deixámos marcas da nossa presença e muitos foram, os que também nos marcaram.

Passámos a ter outra família para além da biológica. Interiorizamos a sua mística e hoje sentimos que fazemos parte desta “GRANDE FAMÍLIA PÁRA-QUEDISTA” cujo lema, a todos recorda, “OS QUE NUNCA POR VENCIDOS SE CONHEÇAM”.

Recordamos com saudade todos os que já partiram e com quem convivemos, em especial e porque é o 1 º Curso, no que respeita às enfermeiras, que estamos a comemorar, que quero neste momento relembrar, as nossas colegas Mª da Nazaré e a Mª Zulmira que connosco fizeram parte do “GRUPO DAS SEIS MARIAS”, e que nos deixaram uma profunda saudade e muita pena por não estarem connosco, neste dia.

Hoje à distância de meio século, todos nos apercebemos de como foi importante para a emancipação das mulheres e posteriormente para os consequentes ingressos das mesmas, nos três Ramos das nossas Forças Armadas, o ter existido na Força Aérea um grupo de Enfermeiras Pára-quedistas.

Camaradas Amigos

Cinquenta anos, passado na vida de todos nós e uma parte no meio militar, é algo que não pode nem foi por certo esquecido, por quantos nos Pára-quedistas, de boina verde e asas ao peito, serviram PORTUGAL.
E citando o nosso poeta maior

“HONRA-SE A PÁTRIA DE TAL GENTE”

Setúbal, 26 de Outubro de 2011
Maria Arminda Santos
Ex-Tenente Pára-Quedista
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8990: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (27): Missão à Índia (II parte) (Maria Arminda)

Guiné 63/74 - P8997: Convívios (384): Encontro da Magnífica Tabanca da Linha, dia 24 de Novembro de 2011 em Alcabideche (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis, public relations da Magnífica Tabanca da Linha,  com data de 4 de Novembro de 2011:

Olá Carlos, boa tarde,
Hoje venho pedir-te o especial favor de anunciares o próximo encontro da Magnífica Tabanca da Linha, a realizar-se no próximo dia 24 de Novembro deste ano que corre, se a crise não vier atrapalhar as contas e o calendário. Naturalmente, um encontro desta natureza implica algum sacrificio mastigante, pelo que foi decidido pelo Exmo Senhor Comandante Rosales, irá acontecer pelas 12H30 no restaurante A Camponesa, que se situa no Cabreiro, em Alcabideche, ao qual se acede pela rua fronteira à entrada das traseiras do novo hospital de Cascais, por coincidência o mesmo sítio onde se realizou o anterior encontro.

Para a escolha da data não foi tido qualquer interesse particular, excepto o do Senhor Graça de Abreu que, cheio de chinesisses, anda a passear por Itália, mas advertiu querer estar presente, ou faria um escabeche dos antigos com a publicidade do costume. Quando me comunicaram esta especial atenção, cá o je nem pestanejou, sabendo-se como se sabe dos mimos que o AGA me dispensaria. Em troca, espero que ele tenha a elevação financeira para me oferecer o conduto.

No entanto, a grande surpresa deste encontro, posso desde já anunciar, será a eventual comparência do Senhor Luís Graça, consagrado bloguista que há algum tempo e vários encontros tem ameaçado comparecer, empossado de todos os direitos e deveres inerentes aos mastigantes. A ver se o pézinho maroto não vai frustrar mais uma tentativa. Pode acontecer que outras personagens nos surpreendam com as suas presenças, mas não posso ainda revelar nomes.

Depois do anúncio, passo aos factos:

O local da batalha já é conhecido de quem lá foi, tem bons acessos e bom parque de estacionamento, mas pode ser necessária ajuda para alguns com vista à conveniente localização, pelo que deixo aqui dois telefones: o do Comandante Rosales - 914 421 882; e o meu - 913 673 067.

O comerzinho vai constar da ementa que segue:
Entradas de pão, manteiga, azeitonas, salgados, "patê" de marisco e creme de legumes;
Prato de peixe: arroz malandro com lulas, gambas e ameijoas;
Prato de carne: lombo de porco assado com recheio de linguiça, batatinhas assadas e salada;
Sobremesas: salada de frutas e buffet de doces.

O preço inclui as bebidas que acompanham a refeição, mais o café, ficando as espirituosas ao encargo de cada um.

A dolorosa, negociada com especial cautela tendo em vista a tumultuosa progressão da crise, foi fixada em €15,20 (quinze euros e vinte cêntimos). Quem contar anedotas ou cantar qualquer género músical, poderá fazê-lo mediante o pagamento de uma sobretaxa, que isto não é a Tabanca do Centro, onde mora o castigador Mexia Alves.

Finalmente, lembro a todos os interessados que a confirmação deve ser até ao próximo dia 20, para que tudo corra nos conformes, e ainda lembro que se trata de um encontro de confraternização entre os jovens que palmilharam pela Guiné, e as senhoras suas esposas que aqui se fartaram de rezar por eles. Mas outros também podem comparecer para ajudar a contar as baixas que esta tropa de veteranos vai certamente causar nas manipulações culinárias do restaurante.

E pronto, Caríssimo Carlos, se ainda não adormeceste com a conversa, vai lá publicar o importante anúncio.

Abraços fraternos
JMMD
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Notas de CV:

Vd. poste de 3 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8211: Convívios (319): Convívio da Magnífica Tabanca da Linha (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 3 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8988: Convívios (376): Jantar de Natal e Assembleia Geral da Tabanca de Matosinhos, dia 3 de Dezembro de 2011, no Porto

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P8996: Blogoterapia (190): É bom ter amigos (António Martins de Matos)

1. Mensagem do nosso camarada António Martins de Matos* (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, actualmente Tenente General (R)), com data de hoje, 4 de Novembro de 2011:

Caros amigos
Aos que de uma ou de outra maneira manifestaram interesse pelo meu aniversário, o meu agradecimento.
Dedico estes versos de Alexandre O´Neill a todos os amigos da Tabanca:

" Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!

«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!"

É BOM TER AMIGOS

Abraços
António Martins Matos
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8985: Parabéns a você (332): Ten Gen Pilav António Martins de Matos, ex-Ten Pilav (BA 12, Bissalanca, 1972/74)

Vd. último poste da série de 11 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8765: Blogoterapia (189): ... i-guerra... (José Marcelino Martins)

Guiné 63/74 - P8995: Notas de leitura (299): Amílcar Cabral, por Oleg Ignátiev (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Outubro de 2011:

Queridos amigos,
Trata-se da primeira biografia de Amílcar Cabral, é um panegírico sem enganos, é facto que Oleg Ignátiev possuía uma grande cumplicidade com a luta do PAIGC, produziu dezenas de artigos e notícias, livros e filmes. Acresce que teve acesso aos arquivos do Comité soviético de solidariedade com os países da África e Ásia. É intrigante como o jornalista omite personalidades com papel central na luta e só houve depoimentos de um lado, o contraditório é impensável. Mas foi a primeira biografia, vale pelo que vale, ali só há o bem e o mal, os combatentes heróicos e os oportunistas, Cabral é uma sumidade impoluta, vai aparecer no martírio maquinado por aliados da PIDE.

Um abraço do
Mário


Amílcar Cabral, a biografia romanceada de Oleg Ignátiev

Beja Santos

Em 1975, o jornalista soviético Oleg Ignátiev que visitou seis vezes a Guiné durante a luta armada e que fizera amizade com Amílcar Cabral, publicou nas Edições Progresso, de Moscovo uma biografia dedicada ao líder carismático do PAIGC (tradução para português em 1984).

Por se tratar da primeira biografia, pelo facto do autor ter procedido a um conjunto de gravações abrangendo familiares e companheiros de luta e mesmo materiais do Comité soviético de solidariedade para os países da Ásia e da África, a despeito da compreensível carga panfletária, procede-se à respectiva recensão, dado o acervo de informações e a memória de fresca data dos combatentes e protagonistas de outras lutas africanas.

O autor começa por destacar a importância do Juvenal Lopes Cabral em termos em que pretende dar sequência à formação combativa de pai e filho, no emparelhamento das causas da Guiné e Cabo Verde.

Como é sabido, e Julião Soares Sousa esclareceu estarmos perante duas pessoas completamente distintas e de não haver quaisquer provas da relação de idolatria filho-pai, Juvenal era produto acabado da mentalidade colonial do seu tempo, do mesmo modo como Amílcar ter sido formado em valores simultaneamente cabo-verdianos e europeus (se assim não fosse, não teria feito a brilhante carreira universitária, com altíssimas classificações). As posições de luta, reivindicação e colaboração com as forças oposicionistas portuguesas ocorreram mas também não está provado nos termos relevados por Oleg Ignátiev.

A despeito dessa bruma e da aura mítica de tais comportamentos, é facto que Amílcar se relacionou activamente com futuros dirigentes como Vasco Cabral, Marcelino dos Santos e em termos bastante próximos dos relatados. O autor, sabe-se lá se até motivado por alguns entrevistados, procura explorar todas as facetas possíveis do martírio e da perseguição: vigilância permanente da PIDE em Lisboa e Angola, suspensão de programas radiofónicos em Cabo Verde, colaboração estreita com as células do PCP, expulsão da Guiné depois de ter feito o recenseamento agrícola, a partir de 1953 (não há documentação que abone tal tese, ao certo sabe-se que teve que vir urgentemente para Lisboa tratar de paludismo e aqui encontrou um emprego interessante numa empresa em Angola), que se ligou ao MING (há historiadores que continuam a pensar que este movimento nunca teve vida própria) que durante o recenseamento agrícola da Guiné viu inúmeras injustiças e granjeou profundas antipatias de administradores coloniais vincadamente racistas. Insista-se que toda esta biografia é romanceada, estrutura-se em conversas hipotéticas, porventura com base em declarações de familiares, combatentes e companheiros de estudo ou das lutas de libertação em África. Dá fluência ao relato romanceado, se bem que o calendário dos acontecimentos, regra-geral, seja rigoroso.

E chega-se ao dia da fundação do PAIGC (19 de Setembro de 1956) que Julião Soares Sousa contesta que tenha tido a presença de Amílcar e que tenha sido exactamente uma reunião de fundação de partido.

Incompreensivelmente, lutadores de proa como Rafael Barbosa não existem, não merecem uma só menção, isto quando se sabe que toda a subversão no final da década de 50 e até à prisão de Rafael Barbosa em 1962 teve nele a locomotiva. Certo e seguro, Amílcar Cabral vai estar em Bissau depois dos acontecimentos do Pidjiquiti e estrutura os fundamentos da luta: competirá ao partido conduzir a luta de libertação, introduz pela primeira vez a luta em simultâneo na Guiné e em Cabo Verde. De Lisboa parte para África, já lidera o Movimento Anticolonialista (MAC) que se irá transformar na Frente Revolucionária Africana da Independência Nacional (FRAIN). De Tunes parte para Conacri, será da capital da República da Guiné, e ao princípio com o pseudónimo de Abel Djassi que irá estruturar o PAIGC e conduzi-lo à luta armada.

Começa a mobilização, até lutando contra o tempo, movimentos rivais sediados sobretudo em Dakar mas também em Conacri procuram apoios das populações da Guiné portuguesa. Em Janeiro de 1961 um grupo de jovens parte para a China para receber instrução militar. Amílcar sensibiliza os líderes africanos e de outros continentes para a necessidade de receber apoios em armamento, alimentos e medicamentos para estabelecer uma rede interna eficaz de apoios à população combatente. Toda esta trajectória de 1961 aparece com dados rigorosos e revela o modo como se processou a mobilização das massas. Escreve:

“Amílcar fez um verdadeiro estudo sociológico. Verificou quais os dialectos que cada um dos combatentes dos diversos grupos dominava, qual a região da Guiné que cada um conhecia, o tipo de ligações que tinha na dada região, onde moravam os parentes e amigos. Com base nos resultados obtidos, formou os grupos e estabeleceu para cada um deles uma tarefa completa. Por isso, os grupos de Francisco Mendes e Nino iam ser enviados para o sul do país”.

Francisco Mendes (também conhecido por Chico Té) conta o autor uma série de peripécias na travessia da fronteira, com armamento precário e como se subtraíram à vigilância das autoridades portuguesas. Depois formou-se o grupo que instalou na região do Morés, só dispunha de alguns revólveres e espingardas obsoletas. Todo o relato referente ao ano de 1962 tem bastante interesse, preenche uma grave lacuna da historiografia de ambos os países. A URSS concede apoio militar, surgiram problemas de grande delicadeza com as autoridades de Conacri quanto à transferência de armamento a partir da República da Guiné para o interior da Guiné portuguesa.

É um tempo de equívocos e revezes. Há populações que recebem mal os guerrilheiros, começa igualmente a repressão das forças policiais, as populações põem-se em fuga, houve verdadeiros êxodos.

Em 1963, o PAIGC instala-se a sul do rio Geba e até ao rio Corubal, fora aberta a frente norte. Em Julho desse ano, o Ministro da Defesa português, general Gomes de Araújo, reconhece que os combatentes do PAIGC ocupavam e controlavam uma parte considerável do território, cerca de 15 %. Há percursos terrestres fundamentais que se tornaram intransitáveis (por exemplo, Mansoa-Mansabá-Bafatá).

Oleg Ignátiev resolve fazer propaganda descarada: os portugueses terão perdido cerca de 900 homens na batalha do Como onde as tropas do PAIGC, comandadas por Pansau na Isna, resistiram heroicamente e desbarataram as unidades portuguesas. Enquanto decorre esta batalha transformada em lenda, a Direcção do PAIGC está reunida a escassos quilómetros, realiza-se ali o congresso de Cassacá, no Quitafine, estamos em Fevereiro de 1964.

(Continua)
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Nota do Editor:

Vd. último poste da série de 31 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8969: Notas de leitura (298): Guiné - Apontamentos Inéditos, por General Henrique Augusto Dias de Carvalho (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8994: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (35): Palavras de um senhor defunto, um livro de Mário Serra de Oliveira (2): Deâmbulo e Capítulo I

1. Continuando a apresentação do livro "Palavras de um senhor defunto",  de autoria do nosso camarada Mário Serra de Oliveira* (ex-1.º Cabo Escriturário, Bissau, 1967/68), publicamos hoje o "Deâmbulo" e o Capítulo I .


PALAVRAS DE UM SENHOR DEFUNTO

DEÂMBULO

Ao escrever estas linhas, não é minha intenção atirar p’ró meio da rua com algo indecente e desmoralizador!... É, minha intenção sim... desmascarar ‘o snobismo asfixiante’ de todos aqueles que, com a sua bazoquice e a sua pretensa exclusividade moralística... não parecendo aquilo que são, são... exactamente aquilo que são!... Ou seja!...

Um rufiado bando de hipócritas, disfarçados de detentores da ‘patente’ da moral enquanto que, ao mesmo tempo, fora da penumbra das quatro paredes da alcova conjugal, a sua apregoada moralidade... fica de luto. E, àqueles que, quiçá, me acusem de falta de moral, perguntar-lhes-ei simplesmente!... - Qual moral?... - A tua!?... - Ora... anda e caga lá nisso homem porque, cagar e andar faz bem à Senhora Moral !...

Mais a mais, e porque não tenho um pensamento restringido a ‘ver’ somente até onde alcança o ‘ôlho’ – o de verbo de ver e não o do verbo de cagar – prosseguirei porque...

(música de fado)
Tenho tosse no cabelo...
Dor de dentes no cachaço...
(bis – ambas linhas)
Amargam-me as sobrancelhas...
Não posso ver d'um braço!...
(bis – ambas linhas, elevando a voz na última)

Se pensas que eu penso em ti...
Se assim pensas, pensas mal...
Eu nunca pensei em ti...
Nem nunca pensarei em tal!...
Percebeste ou não percebeste?....
Se não percebeste, percebesses, porque...
Eu, quando não percebo, faço por perceber..
Que é p'rás outras pessoas perceberem
Que eu percebi!...
Percebeste?...


Mais... p´ra m'nha menina!...

‘Oh Minha cara menina...ou
Oh minha menina barata’!...

- Cá estou e cá me encontro!...
Sim!...
Porque, se cá não estivesse não me encontrava cá!...
Mas, como cá estou, é porque cá me encontro!...

Queria confessar-lhe, mas não confesso,
Que lhe tenho amor!...
Que não tenho, mas se tivesse tinha!...

E, se tivesse... até porque ‘sou um homem corajoso’...
Que não sou, mas se fosse era...
Já pensei ‘sete vezes e meia’...
Em deitar-me debaixo do comboio...
depois dele ter passado...
e... ainda o não fiz...
com medo que ele volte para trás!...
Que não voltava... mas se voltasse voltava!...

E, se voltasse, lá ia o Zé Papa-Xôxas acu-entradas,
com malas e bagagem, p'rá outra banda...p'ró pé dos anjinhos!

Fôsca-se!... Depois da ‘m´nha menina’!

******

“Quem escreveu estas linhas...
Num estilo tão moderno...
E, duma forma tão banal...
Foi, um ‘autor do inferno’...
Que é turista em Portugal!...
Será...
Homem? Demónio? ou Divino?...
Que importa?... É o destino!!!
E, outro tempo virá...
Em que ‘ELE’ escreverá...
Noutro estilo parecido!...
Que importa, ser ‘mal julgado’.
Se... O MAL é adorado...
E...‘ELE…Será esquecido?!...

******

Sou eu…
Serafim Salvado de Sá Sousa Santos Salsicheiro de Salsicha Sem sabor do Salpicão Salgado Safado do Silvedo da Silva Silvestre Saído Saindo Sofrendo Sujo de Sangue de Sua Mãe Serafina Sangrada Sofrida Sofrendo!...
E...
Não sabendo se vá ou s'fique...
Nem, s'fique ou s'vá...
Porque, s'lá vou, não fico aqui...
E, se aqui fico, não vou lá...

Agora... em homenagem ao defuntado Rei Constantino da Grécia, anti-constantissionalissimamente falando e refalando, sobre a mitologia Grega, da Grécia, e da ciência da batata frita ‘no óleo’... p’ró homem... que tenha uma boa leitura... com um bom ‘briol tinto’ à mistura!...

Peço, agora silêncio ou... então, vão tomar banho...
Mas, usem sabonetes Palmolive e...
...tirem a roupa, primeiro!...


Capítulo I

‘O defunto, antes de o ser’!

Nota: Permitam-me referir que, derivado à forma como me aproximo na redação destas linhas, penso ser oportuno referenciar que, a referência que faço aos ‘personagens-figuras’ principais de cada capitulo poderá estar dispersa por várias páginas, algumas vezes até já depois de outros capítulos, derivado à interligação que existe entre uns e outros, propositadamente na minha descrição destas linhas.

******

Continuando, com ‘o corpo’ da estória que, em parte, se baseia num pouco de ficção totalmente da minha autoria e, outra parte, englobando certos episódios reais aos quais tento dar, o melhor que sei, uma salpicadela de humor, às vezes um pouco salgado e, outras vezes, completamente insosso, permitam-me mencionar que, como refiro atrás, certas palavras aqui descritas são da autoria de um ‘senhor defunto antes de o ser’ pelo que, continuando com o relato e refraseamento de algumas dessas palavras, – já que muitas outras são da minha autoria - começo por pedir muita desculpa por não poder descrever melhor o estado ‘fisico-químico’ em que o nosso amigo defunto se encontrava na ocasião porque, isto já foi há muito tempo e, além disso, eu nunca tinha estado naquele estado!...

Vejamos!...
Quando vim para os EUA, comecei por morar em Washington DC, que aspira a ser um Estado mas que, o estado das coisas para que assim seja, estão num estado de impasse e que, dependendo do estado de espírito daqueles que, talvez, possam desimpactar o estado da aspiração, para que DC possa realmente vir a ser um Estado... o estado de tais decisões, estão no estado em que estão. Depois, fui morar para o Estado de Virgínia e, agora, moro no Estado de Maryland!...

Mas, uma coisa é certa!...
Nenhum destes Estados é parecido com o estado em que o defunto se encontrava que, como já disse na introdução, era num estado de ‘constantemente mudo e frio’. Além disso, uma coisa me irritou um tanto ou quanto – diria até, mais do que menos, e eu cá tenho as minhas razões, razoáveis de entender - foi quando perguntei ao defunto, e até por mais que uma vez, qual era o estado dele?...
Reparem só!...

Nem ‘xús nem mús’, assim como que não me conhecia!... Eu... que até ainda andei ‘a arrastar a asa’ a duas das três irmãs dele!...

No capítulo seguinte irei explicar melhor a situação referente a como e porquê, é que eu andei a arrastar a asa a duas das três irmãs do dito defunto, antes de o ser!... Por agora, somente refiro que uma delas era corcunda, e que até era mais bem parecida de cara do que as outras duas, pelo menos naquela ocasião, porque agora já não é, derivado a várias circunstâncias, entre as quais ‘não consta a de ela ter casado comigo’ o que significa e quer dizer que, eu não tenho nenhuma culpa das parecenças faciais dela – da corcunda – terem mudado, para mais ‘ugly’ ou feia, como se diz em Português!...

Bem, mas convém referir que, a razão ou razões que eu me virei para as outras duas irmãs do defunto e não para aquela que era ‘corcunda’ foi ou foram... as seguintes.

A primeira – foi até por uma espécie de acidente que irei tentar descrever mais adiante... e, a segunda - aconteceu então que, naquela ocasião, eu ainda estava bastante traumatizado por causa de um acontecimento ‘raríssimamente raro de acontecer’ - o que quer dizer que até acontecia mais amiúdo do que raramente – que foi o facto de, lá, na minha aldeia, chamada Alcaide, lá num sítio chamado perna-de-pau – e até podem lá ir confirmar, só que eu não pago a passagem – que é ‘ali, lá’ mesmo ao pé do cruzamento que dá para a calçadinha que, até ainda há bem pouco tempo, não tinha calçada alguma – o que quer dizer que agora já tem, graças a umas verbas vindas de Bruxelas - e para o chafariz seco, onde corre lá água molhada e bem fresquinha, constantemente, se não lhe cortarem o caudal!...

Esta palavra ‘Bruxelas’ penso que tem algo a ver com ‘Bruxas- Elas’!... Só que, creio eu, deve de ter levado um retoque à Francesa porque está ali, lá, mesmo ao lado da França, e fala-se lá o Francês!... Daí, porque eu digo o que digo, e não porque eu o saiba porque, se o soubesse, não hesitava em o afirmar!...

Ora, dizia eu que tinha lá acontecido um acontecimento rarissimamente raro de acontecer, lá no sítio chamado perna-de-pau que foi o facto de lá ter nascido um ser humano de sexo macho com parecenças faciais e físicas tal qual o pai e a mãe dele - a mãe do rapazote - e não a mãe do pai do rapazote!...

Sim, rapazote... porque, efectivamente, o tal ser humano de sexo macho, que lá tinha nascido naquele sítio da minha aldeia chamado perna-de-pau... de um rapazote se tratava!...

Portanto, ainda bastante surpreendido com a atitude do dito senhor defunto, talvez até mais difícil de compreender devido a que eu nunca tinha estado naquele estado, assim na mesma posição deitado de costas, durante tanto tempo e de ‘papo p’ró ar’, comecei a majicar, raciocinando com o raciocinio a toda a velocidade - mas parado (!) - à procura de encontrar uma explicação explicativa que explicasse porque é que ele, o defunto, não me ligava patavina!...

Bem, tem que se dizer, em abono da verdade e a favor do senhor defunto que, ele, emigrou muito cedo - viajou de manhã de manhãzinha, tão cedo, tão cedo que quase viajava antes da meia noite e, até, ainda eu mal ‘roía côdeas’, o que, sendo assim, porque assim foi, é muito natural que se não lembrasse de mim!...

Mas porr... eu era amigo da família dele, além de ter, como já disse, andado ‘a arrastar a asa’ a duas das três irmãs dele!...

Enfim, com uma certa ponderação, e usando uma certa forma de aproximação o mais próximo possível de me aproximar a entender a atitude do nosso amigo, pouco a pouco fui aceitando, um tanto ou quanto resignadamente surpreso - e, confesso que, até então, eu não sabia deste meu ponto fraco - porque, como já disse, eu era e sempre fui amigo da família dele!...

Assim, baseado nestes factos, sempre pensei que algum membro falante da família dele – porque, além das ditas três irmãs, também havia um irmão que não falava (era mudo) mas, que andava e que até nem estava como o defunto estava - lhe tivesse falado a meu respeito!...

Quer dizer!... Sim (!)... o irmão dele estava como o defunto estava mas, só parcialmente!...

Vejamos!...
Antes de o defunto estar no estado em que estava agora, ele falava e andava enquanto que o irmão dele, que era mudo, nunca falava nem mesmo antes, devido a que, a mudez veio agarrada a ele, logo à nascença e, portanto, agora o mudo não falava mas andava, ao contrário do defunto que nem andava nem falava!...

Espero que estejam a seguir o meu raciocínio!...

Ora, perante tal atitude do dito senhor defunto e de não haver nenhum membro falante da família dele que lhe tivesse falado a meu respeito, só me restou encaixar e dizer que... ‘jà é ter azar’!... E, ao dizer isto, lembrei-me logo ‘a propósito de ter azar’ se me lembrar, hei-de contar um episódio veredicto porque de facto aconteceu mesmo de verdade, e que até foi publicado no Jornal do Algarve, quando eu trabalhava como ‘waiter’ num restaurante em Montegordo, com uma sorte muito ‘magra’, aquando da lotaria do Natal do ano de... que agora, até nem me lembro de que ano foi mas, que foi no Natal foi... e que, logo que me lembre, contarei!... Se não me lembrar de contar, é porque me esqueci!...

Mas, voltando atrás, continuando para a frente com a estória do defunto, sempre pensei, como dizia eu antes, que algum membro da família dele tivesse tido a cortesia cortês, de lhe ter falado de mim ou mencionado o meu nome, antes dele estar no estado em que estava na ocasião!...

Enfim, parecia mesmo não ter sido o caso!...

Neste caso, ou o defunto estava mesmo, ou então, tinha tido um destes dias maus na ‘Bolsa de Valores’ que, muitas das vezes, não tem valor algum... ou, se calhar, quem sabe se - agora é que me veio *a cabeça – será que ele também foi naquela rasquela do Madoff... aquele ‘primo’ da D. Branca de Lisboa?!...

Acaso lembram-se dela?...

Para os leitores que não se lembrem ou desconheçam a estória da D. Branca, conhecida como a ‘Banqueira do Povo’... pois foi uma dita senhora que, actuando em Lisboa, fazia o mesmo ou algo semelhante que o ‘nosso’ amigo’ (?) Madoff fez em Nova York!...

Mas, sobre a mesma - D. Branca - continuarei mais tarde porque ‘esta coisa’ do defunto não me ligar ‘puto’, está-me aqui atravessada ‘no goto’ – mais própriamente dito, na ‘traqueia’ - e, como está quase na hora do ‘merlôt’, não quero ir beber nada com a ‘consciencia pesada’ deixando o defunto, assim sem mais nem menos, sem realmente poder ter a certeza, qual o estado dele!...

A minha irritação sobre a atitude dele foi diminuindo pouco a pouco, à medida que eu ia tentando justificar a sua atitude!...
A atitude do defunto, e não a atitude do leitor!...

Eu creio até que, esta ‘faceta’ de eu ir tentando entender melhor, o porquê da atitude dele de, aparentemente, não me ligar patavina, se deve ao efeito do meu pensamento já estar virado, pelo menos em parte, para o lado do ‘merlôt’ porque, até há quem diga que, quando uma pessoa tem um copito ou dois ‘já ingeridos’... fica com a ‘mente mais aguda’ e muito mais próxima da verdade!...

Por isso, esperem-me aí um pouco, que eu já volto!...zrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzrzr... desculpem lá esta demora mas, na verdade o que aconteceu foi que, até aqui, eu estava ‘a resmungar’ derivado a que não encontrava o ‘raio do saca-rolhas’ e, ao mesmo tempo que comecei a resmungar e a desconfiar da minha mulher que, se calhar, ela, mais uma vez tinha escondido o mesmo saca-rolhas, deu-me assim ‘como que um aperto na bexiga’ forçando-me a ir verter-águas no sítio destinado para o efeito!...

Depois, como estávamos no Inverno - quer dizer - quando iniciei o início destas linhas, era mais ou menos entre a linda Primavera – aquela que é florida e não a prima Vera com a cara cheia de ‘bexigas’ e algumas verrugas no pescoço – ia eu a dizer que, quando comecei a escrever estas linhas foi entre a Primavera e o Verão e, ao escrever as linhas referentes ao ‘merlôt’ e o ir verter-águas, já era Inverno!...

Aconteceu que, eu, aflito com o aperto na bexiga, tentando encontrar o que sabia existir, nunca me passou pela cabeça ir deparar com as dificuldades com que deparei, derivado a que - vejam só - tinha estreado nesse mesmo dia umas colãs novas, ‘novinhas em folha’ e, por ainda não estar bem familiarizado com as mesmas, tinha-as vestido ao contrário, com aquela ranhura, por onde se deve meter os dedos para extrair cá para fora o objecto que nos ajuda a verter-águas, para o lado o de trás!...

Quer dizer!... O verter-águas, era para o lado da frente mas, a ranhura, é que tinha ficado para o lado de trás!...

Nem imaginam pelo que passei, tentando encolher etc., e tal!... Tanto assim que, à cautela, já disse à minha mulher que abrisse uma outra ranhura o mais cedo possível, também no lado oposto, mais ou menos exactamente lá no local frontal ao outro, para evitar futuras situações semelhantes!...

Reparem!...
Até fiz uma coisa que, dizem que nunca se deve fazer, seja em que circunstância for porque - e isto é somente porque, ‘segundo dizem’ - e que é o seguinte... – ‘Seja o que seja, nunca se deve encolher, mesmo que esteja o Papa a... ouvir ou a ver!... Dizem que faz mal às tripas e que, por ricochete, pode fazer mal ao dono das mesmas!...

Enfim, lá me aliviei das águas e, por fim, ‘mia culpa, mia culpa’ porque, lá encontrei o malvado do saca-rolhas que, até tinha sido eu que o tinha deixado numa prateleira - onde não devia – quando procurava um livro para ler e, claro que, como quando estava a resmungar e a pensar que, se calhar tinha sido a minha mulher, que... mais uma vez o tinha escondido, resmunguei baixinho e pensei ainda muito mais baixo ‘para ela não ouvir o que eu estava a pensar’... guardei sigilo, e não disse nada à minha mulher sobre o que eu estava a pensar dela, antes!...

Daí, o reconhecimento de ‘mia-cu-cu-culpa!’...

Bem, depois de me aliviar das ‘águas’ e, após beber mais ou menos meio copito... de repente – quer dizer... não bebi o meio copito assim de repente porque, isso nunca se deve fazer com tal néctar mas, o que aconteceu foi que... de repente, veio-me uma ideia à cabeça - creio até que já era o efeito do ‘merlôt’(!) - confirmando a teoria do copito ou dois - lá para o local exacto para se usarem as faculdades pensativas, para pensar rápido e bem, assim como que acendendo-se uma luzinha cintilante, cintilando a ideia de que puxasse pelo meu livrinho de notas que, normalmente, até o trago no bolso traseiro, lá mesmo junto do mesmo lugar a que se refere o traseiro!...

Acontece que me tinha esquecido em casa - do livrinho de notas, e não do traseiro – e, por isso, voltei a casa, apanhei o livrinho e comecei a desfolhar página por página – folha por folha – e, de repente, após desfolhar umas quantas fôlhas, b-b-b-bingooooo!... Ali estava tudo escarrapachado, e até sublinhado indicativo de que, o defunto, antes de estar naquele estado, tinha estado no Estado de Utah, que é aquele Estado que até dizem, haver lá muitos homens Mórmons, uns até mais ‘mórmons’ que os outros mas, todos Mórmons!...

E, quando digo que dizem lá haver muitos homens Mórmons, é pelo facto de que eu nunca lá fui e nem faço planos de nunca ‘lá não ir’, o que quer dizer que, se calhar, algum dia lá irei porque, se fizesse planos de lá não ir nunca, não poderia ou devia de dizer... ‘não faço planos de nunca lá não ir’!...

Espero que compreendam!...

Dizia eu então que, muitas pessoas dizem haver lá no Utah, muitos homens Mórmons e, dizem até também que, são aqueles que até podem poder ter muitas mulheres... muitas das vezes sem realmente poderem poder ‘poder’!...

Ora... francamente falando, pensando com o pensamento de pensar a todo o gás, a pensar e a escrever para que fique escrito o que penso, um homem se puder ter realmente muitas mulheres, não precisa de ir para tão longe!...

Creio... eu!...

Sim.. sim!... Já sei que ‘lá é longe daqui mas perto de lá’!... Mas, o facto, é o facto de poderem ter muitas mulheres e, muitas das vezes sem poderem realmente poder poder. Quando não se pode poder, não se pode mesmo!...

Garantido...

E eu que o diga porque, só com uma, às vezes, mesmo que queira poder poder é o podes!... Por várias razões e ainda mais alguma!...

Não sei se é...
– Pelo ‘stress’ do dia a dia!...
– Pelas notícias da ‘Bolsa’!...
– Pelos anos de casado que, em 2010, lá vão 40 e tal!...
– Pelas ‘verdades’ verdadeiramente falsas dos políticos de lá, de cá e dos de cá-ca-rá-cá-cá!...
- Pela qualidade da bebida ingerida na véspera, em especial, quando vem cá de visita uma das três irmãs - não as do senhor defunto – da minha mulher, aquela que tem a mania que sabe fazer ‘cocktail’s’!...

- Por trazer no goto uma antiga garota, hoje já mulher de outro, à qual lhe dedico um poema, mais adiante, mais precisamente no capítulo IX!...

– Ou se é por.... ‘all of the above’ - ou tudo o dito até aqui!...

Francamente falando, pensando antes de falar, ao que me parece, o éfe, creio que é o mais indicativo como indicado de, quando, no meu caso, não posso poder ‘poder’!... Mas, o que é certo é certo mesmo porque, o que não é certo é, quase sempre isso mesmo!... Não ser certo!...

Assim, antes que me esqueça, creio que não tenho muito mais que dizer em referência ao nosso amigo defunto, a não ser desejar-lhe muita saúde e, como já disse antes, que a mim não me falte!... E, como ontem já era tarde, permitam-me uma breve ausência porque, está na hora de um ‘briolzinho tinto’!...

À nossa saúde!...
Notre santé!...
Xim, xim!...
Salúd!...
Chers!...
Prost!...

(Fim deste capítulo)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8984: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (34): Palavras de um senhor defunto, um livro de Mário Serra de Oliveira (1): Preâmbulo e Introdução

Guiné 63/74 - P8993: Tabanca Grande (305): Manuel Gonçalves Martins Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798 (Gadamael Porto, 1965/67)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Manuel Gonçalves Martins Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67, com data de 1 de Novembro de 2011:

Camarada Luís Graça:
Com a “entrega da arma”, no fim do serviço militar, concentrei-me no que era importante para recuperar o tempo perdido. As memórias da Guiné ficaram “congeladas” até à reforma em que alguma disponibilidade, a par de um reavivar do assunto por parte dos “media”, voltaram a agitar as lembranças passadas: - de leitura em leitura, acabo por ir parar ao vosso blogue que rapidamente devorei e onde verifiquei que da minha Companhia não havia praticamente nenhum contributo para o conhecimento do que foi a guerra na Guiné, particularmente, na Fronteira Sul. Daí a decidir que iria colaborar no blogue foi um passo e devo confessar, muito pequeno.

Cumprindo os meus deveres, cá vai a minha apresentação:

Manuel Gonçalves Martins Vaz, nascido a 09/01/942 em Miuzela (Almeida), professor reformado do Ensino Secundário, casado e residente na Póvoa de Varzim.

Prestei Serviço Militar na Guiné, como Alferes Miliciano, na CCAÇ 798, sediada em Gadamael Porto de Maio/65 a Fev/67.


MEMÓRIAS DA CCAÇ 798

De 63 a 73, uma década de Guerra na Fronteira Sul da Guiné

Uma Perspectiva a Partir de Gadamael Porto - 65/67 (I Parte)

Depois de horas infindáveis de LDM, em que as precauções redobraram na passagem junto à ilha do Como, desembarcamos em Gadamael Porto. A entrada no Quartel fazia-se em duas filas que caminhavam em sentidos opostos. – a CART 494 embarcava com destino a Bissau nas mesmas LDM`s que nos tinham levado. A operação tinha que ocorrer antes que a baixa-mar obrigasse as lanchas a afastarem-se de terra firme.

O Capitão Vieira dos Santos que nos precedera, ido de avião e que recebera do seu homólogo Coutinho e Lima o Comando do Sector, distribuiu os efectivos, guarnecendo o destacamento de Ganturé com um Grupo de Combate reforçado com um Pelotão de Milícias e Gadamael com os restantes elementos.

A Situação Militar, na altura, era de tensão, admitindo-se mesmo a possibilidade de um ataque com apoio de viaturas blindadas que facilmente entrariam por Gadamael Fronteira a partir da República da Guiné.

Embora se considere como início da luta armada na Guiné o ataque ao aquartelamento de Tite em Jan/63, na verdade desde 1962 que o PAIGC colocava minas e fazia emboscadas na estrada que acompanha a fronteira com a República da Guiné, país que dava total apoio à guerrilha, contrastando com o Senegal, na Fronteira Norte. A situação permitia que o PAIGC circulasse livremente do lado de lá da fronteira e daí lançasse os seus ataques às NT, dependendo da oportunidade e da capacidade operacional do momento.
Assim aconteceu nos ataques a Gadamael e a Sangonhá, após a instalação dos respectivos aquartelamentos.

O interesse do PAIGC por esta zona, não se manifestou apenas em 1973, nas batalhas de Guiledje e Gadamael. Corria entre os habitantes mais bem informados, que o próprio Amilcar Cabral teria estado em Gadamael Porto, bem junto ao rio, antes da chegada das NT. Não fora a ocupação militar de toda a fronteira de Guiledje a Cacine/Cameconde, em fins de 1963 princípios de 1964, talvez a História da Guerra, na Fronteira Sul fosse outra.

Durante a permanência da Companhia em Gadamael ( Maio/65-Jan/67 ) a guarnição militar na Fronteira - Sul era constituída por uma Companhia e respectivo Destacamento, nas localidades seguintes, de Norte para Sul:

Guiledje - Medjo
Gadamael - Ganturé
Sagonha - Cacoca
Cacine - Cameconde

Todas estas Companhias dependiam do BCaç 1861, aquartelado em Buba.

Embora sem interferir na “nossa guerra” a República da Guiné também tinha (ou teve) um destacamento do seu Exército em Boké, comandado por um Alferes que um dia me sugeriu um encontro na fronteira. O portador da sugestão explicava que a tropa que ia para Boké era da oposição a Sékou Touré.

O Comandante Interino da CCAÇ 798 impondo os Galões de Alferes ao Régulo Habib em Ganturé (Destacamento de Gadamael Porto)

Continência à Bandeira na promoção do Régulo Habib, com a participação dos Comandantes da Companhia e Destamento

A População, maioritariamente de raça Biafada, confrontada com a incerteza da evolução da situação, optou por procurar lugar mais seguro, noutras paragens ou refugiar-se do lado de lá da fronteira. Quando as NT chegaram, as tabancas estavam abandonadas,(1) bem como as casas de construção europeia que eram três e não apenas as (duas) que foram integradas no aquartelamento. A terceira, mais pequena, situava-se na margem direita do rio, em Talaia, a uns trezentos metro do “Porto” e era de um libanês, diziam os nativos.

Com o advento das NT, as populações “fieis” começaram a regressar e foram acolhidas nos aquartelamentos.
No caso de Gadamael a apresentação do Régulo Habib foi determinante para que outros lhe seguissem o exemplo, ainda no tempo da Cart 494.

A sua apresentação foi rodeada de precauções especiais: - veio de canoa, subindo um pequeno rio que corre para a República da Guiné e era navegável (de canoa) até ao sector da Companhia , sítio ermo, por onde, penso, entraram outros “apresentados”.

Uma perspectiva diferente do cerimonial da promoção do Régulo Habib, junto às instalações do Comando do Destacamento.

O Régulo Habib colaborou sempre com as NT, tendo sido graduado em Alferes (de segunda linha ) (2). Recordo que, na despedida, me ofereceu um cachimbo indígena e me pediu o boné da farda n.º 1. Será que para ele estas peças tinham um significado especial? Penso que sim!... Pela minha parte aliviou-me a bagagem, mas sobrecarregou-me as memórias...

(1) - Seria interessante saber em que condições concretas e em que momento é que se processou o êxodo das populações, o mesmo se diga dos moradores das casas de construção europeia. Foram coagidos? Foram ameaçados? Foram aliciados a aderir aos movimentos independentistas e tiveram medo? A resposta não é fácil, passados estes anos, mas talvez algum “expert” colaborador do blogue tenha esses elementos! ...

(2) - Nunca encontrei qualquer referência ao Régulo Habib, neste blogue. Espero que alguém tenha notícias dele e que sejam boas...

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8970: Tabanca Grande (304): Mário Serra de Oliveira, ex-1.º Cabo Amanuense (Bissau, 1967/68)

Guiné 63/74 - P8992: Estórias cabralianas (68): Zina, a bordadeira do Pilão (Jorge Cabral)

Estórias cabralianas > A Bordadeira do Pilão


por Jorge Cabral [, foto à direita, Xime, 1971, junto a uma LDG]


Chegado na véspera e instalado no Biafra, entrei pela primeira e última vez na Messe de Oficiais em Santa Luzia. Era noite do Bingo. Procurei algum conhecido e encontrei o Gato Félix, estudante de Letras, ora Alferes, o qual também me pareceu entediado.


Perguntei-lhe que faziam à noite. 
- Ou copos ou Pilão, respondeu. 
- Pilão? Leva-me lá . - Melhor do que este Bingo, deve ser. 


E assim, na minha segunda noite de Guiné, percorri os escuros labirintos da Tabanca, escutei vernáculos convites, cheirei estranhos odores. África sim, estava em África. Decidi voltar. Quando viesse a Bissau, ali seria o meu Bingo.


Passados oito meses, eis-me regressado de férias, à espera de transporte. Claro,  Pilão e disposto a bingar


Ela chamava-se Zina, disse-me ser caboverdiana e ter quinze anos. Duas mentiras óbvias que eu retribuí, despromovendo-me a cabo, por via da propina. O gabinete de trabalho era asseado, mas estava atulhado de naperons, colchas, lençóis, todos bordados a primor.


Aliás recebeu-me de bastidor na mão e ainda esperei o remate de dois pontinhos na rosa púrpura que bordava…. Depois foi outra a arte… Zina era exímia…


Um ano depois voltei a Bissau e ao Pilão.  Procurei-a e nada. Eclipse total. De Zina, dos bordados… Teria eu inventado esta bordadora compulsiva?


Há cerca de dez anos, apareceu-me no escritório uma esbelta mulata, emigrante na Holanda. Nome: Zina
- Zina? É a segunda que eu conheço, disse eu, para começar conversa. - Havia, em Bissau, uma Zina.
- Ah! É minha tia, exclamou eufórica. - Como é que a conheceu? Ela trabalhava lá, numa Casa de Bordados!
- Pois era, comprei-lhe quatro.
- Agora vive cá. Vou-lhe contar. Se calhar ainda se lembra de si.
- Impossível. Muitos militares gostavam de bordados…


Jorge Cabral
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Nota do editor:


 Último poste da série > 11 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8892: Estórias cabralianas (68): Lagarto ka ta tchora! (Jorge Cabral)


(...) Em Missirá não existiam rafeiros, até porque era muito mais uma Tabanca do que um Quartel. Lá viviam duzentas almas, pelotão Nativo e pelotão de Milícias, mais população e, no meio de toda esta gente, apenas dez europeus, o que levou muitas vezes o Alfero a interrogar-se: Afinal quem 'colonizava' quem? (...)

Guiné 63/74 - P8991: Parabéns a você (333): Irene Fleming, mãe da Maria Irene e sogra do Virgínio Briote, e nossa habituée dos encontros anuais da Tabanca Grande faz hoje 100 anos!


Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  20 de Junho de 2009.


É com ternura e  humor  que dizemos que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande... Esta foto é já histórica: marca a diferença de quatro  gerações que o nosso blogue consegue juntar... 


De um lado, os 16 aninhos, que então tinha a Cyndia, a neta querida do nosso camarada Valentim Oliveira, na altura a frequentar o 10º Ano do Ensino Secundário, em Viseu... Um amor de miúda que em boa hora acompanhou, até à Ortigosa,  o seu avô, um dos bravos da Ilha do Como (Jan/Mar de 1964).


Do outro lado, a serenidade, a sabedoria, a gentileza e a graciosidade dos quase 98 anos, da Sra. Dona Irene Fleming, um presença constante nos nossos encontros anuais, até então...


Pois, hoje, dia 4 de Novembro de 2011, ou a partir de hoje, a Dona Irene Fleming  passa a ser  uma das mulheres portuguesas centenárias!... Nasceu precisamente há 100 anos, em  1911...


O Virgínio Briote trata-a, por Mãe, com aquela delicadeza e nobreza com que, de resto, ele trata toda a gente, os seus amigos e camaradas ... Não é a sogra, mas a Mãe, a mãe da Maria Irene, que é outra joia e doçura de pessoa... Ontem falei com ambos ao telefone e soube que hoje há festa rija no Porto...


A Dona Irene Fleming é de origem escocesa: os seus antepassados vieram para o Porto trabalhar, na 1ª metade do séc. XIX no setor dos seguros, um ramo de actividade que então nascia e florescia, sob o liberalismo, com o desenvolvimento do capitalismo industrial.


A esta querida senhora  bem como ao nosso amigo, camarada e co-editor Virgínio Briote e à nossa amiga Maria Irene, a Tabanca Grande canta-lhes, em coro, os parabéns: que bela idade, Dona Irene Fleming!, que bela família, meus caros Virgínio e Maria!... Deixem-nos partilhar com vocês este momento inesquecível de alegria! 


Um xicoração de todos os amigos e camarada da Guiné que se juntam sob este sagrado, fraterno, centenário, frondoso, protetor, mágico poilão da Tabanca Grande! (LG)

Foto: © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8985: Parabéns a você (332): Ten Gen Pilav António Martins de Matos, ex-Ten Pilav (BA 12, Bissalanca, 1972/74)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P8990: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (27): Missão à Índia (II parte) (Maria Arminda)

Segunda parte do relato da nossa camarada Maria Arminda Santos (ex-Ten Enf.ª Pára-quedista, 1961-1970) da missão das nossas Enfermeiras Pára-quedistas*, nos idos anos de 1961, à Índia Portuguesa, no exacto momento em que aquele território sob administração de Portugal estava a ser invadido pela União Indiana.


MISSÃO À ÍNDIA (2)

Por Maria Arminda

Ninguém no grupo sabia da nossa missão, que ia chegar um avião da Índia Portuguesa e o que transportava. Carachi era uma cidade de espionagem intensa e estava em guerra há anos com a União Indiana, por integração do território de Caxemira, cuja posse ambos reivindicavam. Se o governo indiano soubesse desta missão, da ajuda e das facilidades de manobra que o governo paquistanês nos tinha concedido, por certo nos teriam abatido, daí todo o grande secretismo à volta deste voo.

A Maria do Céu quando viu chegar o avião e este se imobilizou, disse ao Dr. Tender: “parece a Maria Arminda que vem ali à janela, mas não pode ser, porque ela está, em Angola”. Foi um espanto para todos a nossa chegada - os homens pareciam pertencer a grupos desportivos, até transportavam alguns sacos de rede com bolas, o que eu e a Nazaré não tínhamos visto, na paragem em Beirute e ficámos espantadas e convictas de que se tratava de uma missão secreta.

Aquela noite foi um pesadelo, não nos deitámos, apesar do alojamento disponibilizado ser nas instalações do aeroporto, num piso térreo, que as várias companhias estrangeiras que nele operavam tinham para descanso das tripulações. O nosso era da Companhia da KLM. Apesar de muito cansadas permanecemos por ali a fim de sabermos mais algumas informações através dos paquistaneses, porque de Lisboa ainda menos se sabia e de Goa, nem pensar. Mais nada se soube e foi com forte angústia que por ali fomos ficando, em alerta a novos acontecimentos.

Entretanto encontrava-se ali estacionado outro avião da TAP que iria transportar algumas crianças e as últimas mulheres e que aguardava partida para Lisboa; entre elas estava uma grávida, em fim de gestação. Foi decidido que seguiriam nesse voo a Céu e a Ivone e que ficaríamos nós, Nazaré e eu com os restantes elementos da missão, até chegarem ordens de Lisboa. A ansiedade que nos tomou, também tomou a parturiente, que começou a dar sinais evidentes de que o parto podia ocorrer a qualquer momento - o que teria acontecido, se o avião tivesse ido para o ar. Foi de imediato acompanhada pela Maria do Céu e internada numa clínica obstétrica local, tendo nascido uma menina. O pai, um Sargento Enfermeiro do Exército, foi, como todos os outros militares, feito prisioneiro e só veio a conhecê-la, meses depois, quando da sua libertação.

No dia seguinte continuávamos sem notícias, nem de Goa nem de Lisboa. Nessa tarde o Dr. Tender foi confrontado com telefonemas anónimos, em que o interlocutor perguntava se ele era militar, bem como o restante grupo. Essa ocorrência deixou-nos a todos um pouco apreensivos, pois tínhamos sabido que algum tempo antes uma hospedeira da TWA tinha sido assassinada. Quando o avião estava prestes a sair, o Comandante foi avisado de que deveria aguardar, porque estavam a caminho dois aviões, que conseguiram descolar de Goa, em condições muito desfavoráveis e escapar ao controle dos radares indianos.

Maria Arminda Santos e Maria Ivone  Reis (do  lado direito) > "1ª Missão a Angola. Partida da Portela a 22/8/1961"... Ambas conheceram bem a Guiné... A Maria Arminda faz parte desta grande família virtual que se senta debaixo do poilão da Tabanca Grande... A Ivone Reis, infelizmente, está doente...

 Fonte: Arquivo Enfermeiras Pára-quedistas / Álbum de Quem Vai à Guerra (Facebook)... (Com a devida vénia...)

Foi com grande alegria que vimos chegar a tripulação, com o avião que nos transportara, bem como o dos TAIP, que não tinha podido anteriormente descolar de Goa, trazendo o pessoal civil que trabalhava no aeroporto e o director da Emissora de Goa. Com os novos acontecimentos ficámos todos em Carachi, até a senhora ter alta; no dia vinte à tardinha, o avião dos TAIP (ainda com marcas dos estilhaços de bombas) iniciou a viagem de regresso, transportando-nos a nós e a todas as pessoas que tinham conseguido fugir, as restantes mulheres e crianças e a nossa nova passageira recém-nascida.

O avião da TAP ficou no aeroporto, para reparação, tinha sofrido mais estilhaços que o nosso. O que nos trouxe, pilotado pelo Comandante Solano de Almeida, era um DC4, muito mais lento, um quadrimotor a hélice, enquanto a primeira aeronave era turbo-hélice e mais rápido. Soubemos de imediato, que seria uma viagem muito mais demorada e com escalas pelo meio. Preocupava-nos além dos condicionalismos existentes, o bem-estar de todos os que estavam a bordo, até porque alguns dos passageiros estavam psicologicamente abalados. Tinham embarcado à pressa, apenas com a roupa que traziam na altura vestida. Acima de tudo preocupava-nos a recém-nascida e a sua mãe. Passámos desde então a assumir o papel de enfermeiras hospedeiras, o que teve a virtude de nos trazer distraídas e ocupadas.

Cockpit de um DC-4

Saímos na noite do dia vinte e a primeira paragem foi na Síria, em Damasco, apenas para reabastecimento; daí seguimos para o Líbano rumo à cidade de Beirute, onde pernoitámos, sobretudo para descanso da tripulação, que era única para toda a viagem. Este percurso, segundo o que os pilotos nos disseram, foi mais demorado porque o avião tinha que subir lentamente acima dos montes da cordilheira do Líbano, que separa este país da Síria, não sendo as condições as mais favoráveis, pelo que teve que subir em espiral até atingir a altitude de segurança.

No dia seguinte, vinte e um à noite, descolámos para mais um percurso; mas a paragem na cidade de Beirute tinha-me permitido visitá-la, pois era linda e com duas zonas distintas: uma parte mais antiga, no centro, e outra, nova, de enormes edifícios, que lhe valeu pela sua imponência a designação da “Riviera do Oriente”.

Aterrámos em Beirute já era escuro, com mau tempo e chuva intensa; e foi debaixo desta, que a Nazaré e eu deixámos o hotel onde estávamos alojados e procurámos uma farmácia próxima para comprar, material de penso a fim de tratarmos o cordão umbilical da bebé, que ainda não tinha caído. Escusado será dizer que sem qualquer protecção e a água a entrar no pescoço e a sair nos calcanhares, nos deixou molhadas até aos ossos, mas foi por uma boa causa.

Aproximava-se o Natal e a cidade com enfeites alusivos ao mesmo, com cedros e pinheiros de montanha, fascinou-me. Actualmente e com o grau de destruição que caiu sobre a mesma, a paisagem deve ser muito diferente e alguns daqueles imponentes edifícios da zona moderna, penso que foram em parte destruídos nos conflitos mais recentes, a avaliar pelas imagens televisivas que nos têm sido mostradas nos últimos anos.

Na permanência em Carachi, também fui, mas sozinha, ao centro da cidade, tendo utilizado um riquechó, tipo lambreta com capota de lona, onde o dono levava uma esteira. Era cerca do meio-dia e para meu desespero, chegou a um local onde se encontravam vários veículos iguais, mandou-me descer e apontou-me a zona para onde eu me deveria deslocar a pé. Dito isto, puxa pela esteira e virou-se ao que julguei ser para Meca e com os outros, ficou a fazer as suas orações.

Eu ficara num local onde se situavam os Bancos e assim vestida à ocidental a cruzar-me com os naturais, as mulheres de saris e lenços na cabeça, os homens de calças largas e de turbantes, fizeram-me ter algum receio, até porque me veio ao pensamento a história da hospedeira raptada e assassinada, anteriormente à nossa chegada.

Achei a cidade suja; uns vendedores ambulantes nuns carros do tipo dos da venda de castanhas em Portugal, comercializavam um caldo espécie de sopa, ao mesmo tempo que mascavam uma pasta encarnada, que muitas vezes cuspiam para o chão, o que me enojou fortemente e me fez retardar a saciação da fome, que começava a sentir. O trânsito era caótico, com carros sempre a apitar no meio de veículos motorizados, onde também passavam como meio de transporte, vacas e camelos. Uma verdadeira babilónia, que gostei de apreciar, pela sua excentricidade.

A Nazaré aproveitou o dia para visitar uma religiosa sua amiga, que se encontrava num convento no deserto, a uns quilómetros de distância, tendo feito também só, o percurso num táxi que alugou no aeroporto. Finda a visita, a religiosa com outras Irmãs, veio trazê-la na sua viatura por receio e porque era preciso chamar da cidade, um novo transporte.

Na véspera à tarde ela e eu já tínhamos andado num táxi da marca Gogomobil, que era pequeníssimo, conduzido por um homem, muito alto e com um mau aspecto, que dizia saber onde ficava o convento, mas na realidade não sabia. Quando o vimos sair da estrada e meter para um bairro da periferia quase sem luz, onde os homens nas soleiras das portas e fumando os seus cachimbos, descansavam acompanhados de alguns camelos, começamos a ter receio de prosseguir a viagem. Estava prestes a anoitecer e o condutor por informação que outro lhe dera, dizia-nos que esse convento ficava no meio do deserto. Pedimos-lhe então a conta e apanhamos outro carro, que ali estava e regressámos ao aeroporto, felizmente sem mais incidentes. Esta missão foi um misto de aventuras e emoções, mas ainda não tinha terminado.

Microcarro Goggomobil
Imagem Vikipédia, com a devida vénia

Descolámos então de Beirute, no dia vinte e um de manhã, desejosos de chegar a Lisboa; nesse percurso apanhámos tanta turbulência que julgávamos que o avião ia cair. Alguns passageiros começaram a ficar assustados e o nosso médico, o Dr. Tender, quase que desmaiou. O susto por que passámos foi tão grande, que resolvemos fazer o baptismo da menina, “sob condição”, fórmula existente na Igreja Católica para situações de urgência, como morte iminente, não invalidando um baptismo, a posteriori, por um sacerdote. A menina a partir daquele momento foi por nós, considerada nossa afilhada.

Após muitas horas de voo, aterrámos debaixo de chuva intensa em Palma de Maiorca, conscientes do perigo que tínhamos corrido, sabendo dos buracos feitos pelos estilhaços na fuselagem do avião na sequência do bombardeamento do aeroporto de Goa. Na viagem um dos tripulantes de nome Vinhas, com quem mais tarde viemos a contactar de perto e com quem voámos muitas vezes, porque era um navegador da Força Aérea, mostrou-nos um estilhaço de uma das bombas lançadas, que tinha apanhado antes de fugir.

Nessa noite pernoitámos na ilha, de onde saímos no dia seguinte, vinte e dois, com um sol radioso, que nos permitiu desfrutar a linda vista aérea e nos animou o espírito. Lisboa estava mais próxima e até já sentíamos o cheiro do Natal.

No final desse dia, avistámos a nossa capital e todos nos animámos; porém, ao sairmos do avião fiquei impressionada com o mar de gente que aguardava a nossa chegada, na ânsia de saberem mais notícias dos acontecimentos e de familiares que tinham sido feitos prisioneiros. A televisão mostrou no noticiário essa chegada e a minha família viu-me aparecer na saída e desfez as dúvidas com que tinha ficado na semana anterior.

Quando em Portugal se soube da invasão dos nossos territórios na Índia, a minha cunhada, tinha dito para o meu irmão: “A tua irmã não voltou para Angola, foi de certeza para a Índia”. E tinha razão, foi por um acaso que não fui lá parar, porque talvez não tivesse tido a sorte de regressar.

Também em Angola, quando se soube do sucedido e o que acontecera ao nosso avião, a Zulmira e Lurdinhas, foram nessa tarde à igreja do Carmo mandar rezar uma missa pelas nossas almas, convencidas que tínhamos morrido nessa ocasião. Contaram-nos depois que a Zulmira dizia para a Lurdinhas, ”Como é que vai ser agora, que grande responsabilidade só ficámos as duas e ainda por cima perdemos as nossas grandes amigas”, respondendo a outra que haveriam de se arranjar; e choravam ambas copiosamente, até que o Dr. Varela - que as acompanhara - lhes disse que ia procurar saber mais notícias, para as tranquilizar; não era fácil, pois as notícias não chegavam a Luanda tão rapidamente, só pela comunicação oficial, por meio dos chamados “Rádios”.

Graças a Deus que cheguei a esta data para recordar todas as emoções vividas nessa missão, tendo todas nós sido condecoradas, pelo então Ministro do Ultramar, Professor Adriano Moreira, com o Grau de Cavaleiro de Benemerência. No dia seguinte depois de cumpridas as formalidades militares, fui à Baixa comprar um casaco por causa do frio, mas tinha dificuldade em caminhar a direito, parecia embriagada por efeito de tantas horas de voo.

No dia vinte e quatro passei no barco para o outro lado do Tejo e com a chuva a cair, vi partir a última camioneta que me levaria para Setúbal. Não podia ali ficar parada mais tempo naquele lamaçal, isto porque o cais de embarque de Cacilhas, era de terra batida. Felizmente apareceu um conterrâneo que estava nas mesmas condições, alugámos um táxi e dividimos a meias a despesa e cheguei a casa. Foi o melhor presente que tive: bater à porta dizer que era eu e não, o Pai Natal, abraçar os meus irmãos e festejar essa quadra com a minha família. Depois do Ano Novo, apanhei com a Nazaré outro avião, de regresso a Luanda.

Esta missão estava cumprida e foram muitas as que realizei ao longo de quase dez anos de vida militar, a maioria nos ex-territórios ultramarinos, de Angola, Guiné e Moçambique, entre outros.

Passados meses sobre a nossa missão, em Maio dá-se início ao repatriamento dos prisioneiros, tendo sido para eles uma eternidade o período em que ficaram privados da liberdade. Foram então nomeadas para essa nova missão, a Maria Zulmira, e a Maria Ivone que rumaram para Carachi. Porém, foi à Ivone que coube o papel de ir ao campo de prisioneiros, como hospedeira da companhia francesa da UAT e acompanhar, entre outros, o General Vassalo e Silva no seu regresso.

Começava outro capítulo da Nossa História Colonial. Tínhamos perdido os territórios do Estado da Índia, a nossa “Jóia do Império”, que tantas tormentas tinham dado aos nossos valorosos navegadores. Confesso que tive pena, nós ficámos mais pobres, sentimentalmente e culturalmente, foi uma perda que a muitos de nós deixou marcas, mas todos sabemos, não ter sido possível, pelas armas, virar os acontecimentos, a nosso favor.

“FOI O COMEÇO DO FIM, DA NOSSA EXPANSÃO ULTRAMARINA, NO ORIENTE E EM ÁFRICA E DO FIM DO NOSSO IMPÉRIO COLONIAL”.

Todos os anos, quando chega o dezoito de Dezembro, recordo e revivo esta missão sem nunca ter esquecido aquela criança, que hoje tem quarenta e nove anos. Algumas vezes perguntei à Ivone por ela e manifestei vontade, de a procurar. Por parte da Ivone tinha havido um contacto entre ambas, mas posteriormente, perdera-se. Nesta data, através de felizes acasos, a minha amiga e colega enfermeira pára-quedista Rosa Serra conseguiu o seu contacto e deu-mo. Finalmente sabia do seu paradeiro. Pude por isso falar-lhe, dar-lhe os parabéns, por mais este aniversário, saber que se chama Ivone Cruz, que é casada, tem uma filha e um filho e vive no Caramulo. A sua mãe já faleceu, mas o seu pai embora idoso, ainda vive.

Assim como eu sempre digo,” A VIDA É OS DIAS QUE NOS LEMBRAMOS”.

Espero que Deus me permita por mais alguns, lembrar-me desta data, que para muitos, foi dolorosa e lhe possa continuar a dar os parabéns.

Maria Arminda Santos
Ex: Tenente Enf. Pára-Quedista
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8976: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (26): Missão à Índia (I parte) (Maria Arminda)