terça-feira, 18 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3478: Bibliografia de uma guerra (37): Cacimbados, de Manuel Correia Bastos: CART 3503, Mueda, Moçambique, 1972




Cacimbados – A vida por um fio.
Autor: Manuel Correia de Bastos
Editora: Babel
Pgs.: 192
Preço: 14,00 €
O livro está à venda na FNAC e na Bertrand.


A sessão de apresentação ocorreu na Casa Municipal da Cultura de Coimbra, em 15 Novembro, perante uma assistência de cerca de 100 pessoas.

1. Apresentação pela Dra. Inês Campos (1)


O livro Cacimbados: A vida por um fio, de Manuel Correia Bastos foi lançado pela editora Babel dia 15 de Novembro. Através de uma prosa cativante, onde o humor e a tragédia se cruzam espontaneamente, os Cacimbados transportam-nos 35 anos atrás para a realidade brutal de luta e sobrevivência de milhares portugueses a combater na Guerra Colonial.

Como refere o autor na introdução, “este Portugal com dez milhões de habitantes fez um esforço de guerra em África nove vezes superior ao que os Estados Unidos fizeram no Vietname, com os seus duzentos e cinquenta milhões.”

Narrando alguns episódios de guerra e da vida da sua Companhia posicionada em Mueda, Manuel Bastos reconstrói um tempo e um espaço carregados de acção, que nos prende desde a primeira linha até ao desfecho final. Com as suas palavras permite-nos testemunhar acontecimentos reais que, tendo ocorrido não há muito tempo atrás, pertencem a um momento histórico quase desconhecido das novas gerações.

A obra afirma-se por isso contra uma História que tende a esquecer os 13 anos em que a Guerra se entrosou nas vidas de jovens homens e mulheres, e cujas consequências pairam sobre o Portugal pós-25 de Abril, de um modo circunspecto mas tremendamente poderoso.

Com uma expressividade minuciosa, o autor vai ao encontro do pormenor para transformá-lo num mundo gigantesco de significados, sentimentos e reflexões filosóficas. A história da experiência da Guerra chega-nos através de um soldado capaz de se abstrair dos acontecimentos em curso, da urgência de cada instante, debaixo do fogo ou em campos minados, para ponderar sobre aquilo que o rodeia. Reflecte sobre os outros, camaradas e inimigos, sobre a vida na selva africana, mas sobretudo sobre a condição humana quando se é atirado para o metal e o fogo, que matam sem consciência.

A força repressiva que se impusera aos soldados recrutados, e a ausência do direito de liberdade de escolha, é um facto expresso pelo autor logo nos primeiros textos, quando relata a viagem no navio Niassa, de Lisboa a Moçambique:

“Útil também é avisar a quem isso interessar, que um cidadão que se entrega aos desvelos de uma instituição militar de um país governado por uma minoria de tiranos sem escrúpulos, tem que estar preparado para não poder recorrer às leis que protegem os animais quando são transportados. Digo isto, porque estou certo que se a GNR multou um vizinho meu por transportar mais porcos do que a carga permitida para o seu camião, decerto não deixaria sair o 'Niassa' do Cais de Alcântara.”

Quando os soldados são transportados para a Guerra em África e os motores do navio Niassa param, Manuel recorda-se por momentos que realmente ninguém faz a pergunta mais óbvia: Porquê?

Na época da Guerra Colonial era uma verdade inquestionável para todos esses homens que uma data de terras no continente africano faziam parte de Portugal. Moçambique, Angola, Guiné, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde eram terras portuguesas, não eram nações distantes do lado de lá do Equador.

Nessas terras portuguesas viviam milhares de Portugueses iguais aos que viviam nas suas aldeias, vilas ou cidades europeias. Nessas terras encontravam-se milhares de pessoas que falavam português, que possuíam cidadania portuguesa, e que nunca tinham sequer conhecido a metrópole. Assim via o mundo uma geração inteira de jovens homens e mulheres.

No entanto, mesmo em 1973, do lado de lá do Equador, o Furriel Miliciano Bastos começa a questionar a sua relação de pertença com aquelas terras que lhe cabe defender:

“Deito-me de costas no chão a ver subir o fumo do cigarro e sinto a grande bola do mundo debaixo de mim. Lembro-me de que todas as pessoas que amo estão ao contrário do outro lado, vivendo as suas vidas, e lá estão também as pessoas que odeio. Deste lado, no chão está um grupo silencioso de fantasmas preparando-se para passar a noite. Ficámos do lado errado do Equador, as estrelas que nos cobrem não nos conhecem, e a Lua, complacente, ilumina-nos apenas o suficiente para tomarmos consciência da nossa pequenez em confronto com a monumentalidade da vegetação.”

Existia um Portugal grande, com fronteiras delineadas de África à Ásia chinesa, indiana, timorense...Um Portugal pobre, mas gigante. Um Portugal que lhes exigia o pagamento de uma dívida que eles nem sabiam que tinham contraído: a divida da cidadania, a impossibilidade de escolher entre ir ou não ir combater pelas fronteiras dilatadas de um Império gigantesco.

A sensibilidade do autor permite fazer chegar até nós uma descrição verídica de factos e acontecimentos, assumindo de certo modo o papel de um repórter de guerra. Mas é também uma reflexão profunda, de carácter filosófico e antropológico, sobre o que significa a guerra para um soldado, e ainda mais para um que deixou em Moçambique uma parte física de si e prosseguiu com coragem, a reconstruir a sua vida no novo Portugal que emergia.

Manuel Bastos revela um discernimento capaz de reflectir sobre a sua grande perda: o seu próprio desmembramento numa selva minada. Os textos finais arrastam-nos com imagens poderosas que nos unem à mente do autor, absorvidos pela sua narração dos minutos, dos sentimentos, da dor e do medo atroz e insuperável ao cair numa mina, que lhe desfaz a perna esquerda.

Não existe nada mais que a verdade nas palavras de Bastos, a vida pura e sentida no campo de batalha e a interpretação filosófica de um homem capaz de injectar novos sentidos às realidades mais difíceis de aceitar. Um homem que vive com a coragem de quem dá pleno valor à vida e à integridade da condição humana, e que acima de tudo conhece a obscenidade de todas as guerras. A guerra é para Manuel “obscena” e só deve suscitar em nós um propósito: evitá-la.

Quando lerem o livro, recomendo uma atenção especial às fotografias originais que foram incluídas. Manuel incumbiu-se a si próprio a tarefa de fotografar as operações da sua Companhia e o autor provou ser um excelente fotógrafo. As suas imagens falam tanto como as palavras, transportam-nos para a selva africana e para episódios da guerra de guerrilha com uma veracidade documental.

Acredito que este livro será igualmente um relato valioso para qualquer historiador da Guerra Colonial, redigido em primeira mão por quem viveu a história e foi tremendamente marcado por ela.

Por todas estas razões e pelo simples facto de que ler esta obra é ser tocado por uma prosa muito especial, quase poética, ainda que documental, fico muito feliz pela aposta da Editora Babel nos Cacimbados, e acima de tudo muito feliz por ter tido o prazer de conhecer a obra e a pessoa de Manuel Bastos.
Deixo-vos com votos de uma boa leitura.


2. O improviso do Manuel Bastos

Este livro que agora vos apresentamos, este pequeno livro, precisou de muita coisa para ser feito. Precisou de uma guerra, de uma revolução para terminar a guerra, precisou de mortos, feridos e traumatizados. Precisou de cerca de um milhão de portugueses em armas, o que fez de Portugal um dos países mais belicistas do mundo, provavelmente logo a seguir a Israel. Alguns desses ex-combatentes encontram-se aqui, os meus companheiros da mata e das picadas de Mueda. Eles são os protagonistas deste livro, às vezes com os seus nomes verdadeiros, às vezes com nomes fictícios. Sem eles este livro não teria sido feito.


Manuel Bastos


Este livro não existiria se não tivesse existido, também, uma primeira leitora, a mulher de todos os meus dias, aquela que primeiro me disse: "Estas palavras merecem ser publicadas." Alguém que possui o dom especial e muito raro de conseguir ver beleza nas coisas que os outros fazem, o que é uma forma de generosidade. Na verdade, para encontrarmos beleza no mundo, temos que possuir beleza dentro de nós. Também como ela, a Inês Campos tem esse dom. Encontrou as minhas palavras na Internet e transformou-as numa obra literária. É a ela também que se deve este livro.

É evidente que depois precisamos de pessoas que consigam concretizar o sonho que as palavras transportam, para isso precisamos de um editor – que pertence àquele grupo de pessoas sem as quais, tudo o que nós conhecemos, automóveis, computadores, catedrais, ou livros, nunca existiriam, eles é que concretizam os sonhos alheios; é também uma forma de generosidade – sem ele também, este livro não existiria.

Mas este livro que usa as minhas palavras… Ou melhor: as palavras que eu utilizo, as palavras não são minhas, as palavras não têm dono. Eu imagino-me como um simples apanhador de palavras, eu apanho-as por aí e depois tento, como neste livro tentei, espero que encontrem isso; tento desenhar a impossível forma dos sentimentos e dos afectos. Gosto de me imaginar como uma criança que apanha conchas à beira mar e com elas faz construções na areia, ou como uma velha senhora que apanha rosas no seu jardim e faz centros de mesa, ou… talvez melhor ainda um camponês que apanha seixos no seu quintal para limpar o terreno e para enfeitar a beira do caminho. É isso só que eu sou, um apanhador de palavras, por isso é preciso que haja pessoas assim, que descubram beleza nessas palavras.

Mas este livro não está completo, é um objecto físico só. Precisa de um leitor, é por isso que vocês, e eu vos lanço este apelo: alguns já o adquiriram; que o divulguem. Sem um leitor não há livro nenhum, nem há autor, só os leitores farão de mim um escritor, ainda não sou um escritor. Quando vocês lerem, quando alguém ler e convencerem o meu editor que talvez valha a pena editar mais algum. É preciso lerem este, foi para isso que os chamámos aqui, e para o divulgarem na medida que vos for possível.

Mas este livro não tem interesse nenhum se não tiver ao menos um ensinamento, por modesto que seja, e eu quero acreditar que tem. Este livro pode servir de alguma forma para que os nossos filhos arranjem uma maneira qualquer para evitar que os nossos netos vão para a guerra. Porque a guerra só tem uma virtude, só uma: a guerra pode ser evitada.




Cerca de uma centena de Camaradas e Amigos assistiram à apresentação.
Fotos: Cacimbo (2008) (Com a devida vénia..)
3. Comentário de VB:
Os nossos duplos parabéns ao nosso camarada Manuel Correia Bastos, membro da nossa Tabanca Grande: (i) pela publicação do seu livro, que é uma acto de coragem, de partilha, de camaradagem; (ii) pelo seu blogue, o Cacimbo, que faz cinco anos de existência, e é seguramente o mais antigo dos blogues dedicados à guerra colonial. O Bastos foi Fur Mil da CART 3503/BART 3876, esteve em Mueda, em 1972, quatro meses (de Fevereiro a Junho). Foi evacuado devido a ferimentos por mina antipessoal.
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Notas de vb:
1. Inês Campos é Jornalista e mestre em Relações Internacionais. Actualmente faz parte da equipa da Editora 7Dias 6Noites e da Babel, tendo sido responsável pela proposta de edição do livro “Cacimbados: A Vida por um Fio” de Manuel Correia Bastos.
2. Artigo relacionado em

Guiné 63/74 - P3477: História da CCAÇ 2679 (7): Quotidianos (José Manuel Dinis)


1. Mensagem de José Manuel Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 14 de Novembro de 2008:

Carlos, meu amigo,
Com a desaceleração do Beja Santos, tens beneficiado de algum descanso na edição do blogue. Pus-me em cogitações, de que a preguiça é a mãe de todos os vícios, e esforcei-me nesta croniqueta que te mando, não vá acontecer que te tornes um madraço, e qualquer dia não temos quem te substitua no papel de competente editor. Assumo que temos de te garantir trabalho. Oxalá eu seja capaz. Outra vez, muito obrigado pela acção que vocês desempenham, de catalizadores da família Tabancal.
Para o pessoal todo, aquele abraço fraterno.
José Dinis

Quotidianos

Sob o sol ardente da tarde, saímos de Piche em direcção a um ponto no Corubal, em passo estugado, pois o Comando referira ter informações de que o IN estaria atravessando o rio numa suposta área, e nós devíamos interceptá-los em caso afirmativo. Caminhava sedento. A dose para matar a sede, era de uma tampinha do cantil em cada vez, mas a frequência, alertava-me para o esgotamento da água.

Tínhamos regressado de uma coluna matinal e o almoço já ocorrera para além do serviço normal, pelo que a refeição requentada, não fora agradável. Ainda sentados à mesa, fomos avisados da saída iminente e o Guerra chamado ao Comando. Estas acções inopinadas que nos roubavam o descanso, também fustigavam a moral.

Sempre prontos, como bombeiros, abalámos mata fora. Respondíamos ao transpirardo corpo, com um caminhar automatizado, ora por trilhos, ora a corta mato, ou atravessando bolanhas com a superfície ressequida, por efeito da forte cacimbada. O calor era imenso. A sede aumentava com a correria durante a digestão. A zuada persistente dos mosquitos, envolvia-nos em tortura desgastante e complicava a progressão.

Chegados à margem do rio, que percorremos em alguma extensão, silenciosos e alerta, não encontrámos sinais de qualquer actividade do IN. Instalá-mo-nos, e fizemos a ligação por rádio. Enquanto aguardámos instruções, um a um, cautelosamente, enchemos os cantis, bebericámos despreocupadamente e demos descanso aos corpos, nas sombras das árvores, com pouca conversa, já que mantínhamos uma formação alongada. No silêncio da mata, ouvia-se uma ou outra ave que dava sinal da nossa presença. O cenário da quase selva africana abatia-se sobre nós e todas as possibilidades da guerra podiam atraiçoar o remanso. Até que o rádio transmitiu indicações para alcançarmos um trilho identificado na carta, prosseguirmos na direcção norte até outro ponto, onde seríamos recolhidos por viaturas,

Chegámos a Piche quando o horizonte incendiava a poente, numa mancha de fogo que anunciava para breve o pôr-do-sol.

Pelas 22h00 dormia profundamente, fui acordado com abanões. Filho da puta - reagi chateado. Desculpe, senhor padre - aquiesci ao identificar o capelão.

- Está ali uma mesa tão bonita, não queres vir juntar-te a nós? - perguntou-me com doçura o enviado de Deus.

Não precisou de gastar muitos argumentos, para que me juntasse aos parceiros da batota. Jogava o pocker de cartas com um rendimento notório, pois saíra a ganhar de todas as sessões em que participara. Só que, agora, havia uma certa diferença no valor das caves. Enquanto com os meus amigos, quando alguém apostava dois e quinhentos, ou fazia bluff, ou tinha jogo, agora, ganhava-se e perdia-se aos contos de reis. O padre, esse, devia usar dinheiro milagroso, pois perdia consecutivamente, sem perder a compostura. Era, aliás, um excelente parceiro, bem disposto, que transmitia alegria e dava lenitivo aos espíritos, quando nos referia que, indo a Bissau, se nos dirigíssemos à igreja de Brá, ali poderíamos dispor, quer do Volkswagen, quer da Fatinha, a bajuda deliciosa.

E o whisky corria pelas gargantas em catadupas enebriantes, que nem sempre combinavam com o discernimento para a jogatana.
Todavia, a mão invísivel de Deus conduzia o meu destino com sucesso e sempre arrecadei umas notitas nas noites de perdição.

Guerra, é Guerra!

Aconteceu a minha primeira vez com o paludismo.

De um modo geral, à boa maneira portuguesa, não fazíamos qualquer prevenção anti-palúdica. Como, também, não fazíamos qualquer prevenção , quando recolhíamos água da bolanha ou das poças que resistiam ao sequeiro sahariano. E, em abono da verdade, o Victor era depositário de comprimidos adequados, que queria impingir-nos e nós regeitávamos. Dessem-nos gin com fartura e julgávamos nós, a saúde corresponderia eficazmente.

Talvez por isso, fui uma vítima do paludismo, prostrado na cama com imensos febrões, sem energia, nem vontade para comer, nem para receber a luz solar, para ali estava, derrotado pelos minusculos mosquitos transmissores do vírus. Bem quisto, bem quisto, era o Vitor, que me espetava resochinas, e transmitia-me a esperança de sobreviver e arribar. Foram dias de descanso penoso e obrigatório.

Uma dessas noites, estava o Foxtrot escalado para uma emboscada nocturna, quando à passagem pela última linha de arame, vá-se lá saber porquê, o Guerra decidiu ficar por ali, num abrigo periférico, o pessoal em confraternização com os que ali viviam e defendiam a posição, nas tintas para os fingidores que, de tanto inventarem a guerra, moíam o juízo e o corpo da malta e ainda dividiam os louros e honrarias entre si. De rompante, entrou o Drácula e o nosso capitão.

Alguém bufara pelo telefone do abrigo, provavelmente quem o comandava, enquanto se fazia cúmplice na finta à emboscada nocturna. Ainda faltava muito para a obra do Alberto Pimenta, Discurso sobre o filho da puta, inspirada nessas manifestações sórdidas e cobardes:

... é o pequeno
filho da puta
que dá ao grande filho da puta
tudo aquilo de que o grande filho da puta
precisa
para ser o grande filho da puta
diz o pequeno filho da puta...


É histórico o exercício ou o jogo do poder, assenta na divisão dos pequeninos que, de tanto se sacanearem, vão perpetuando as divisões e a subserviência.

Daquela ocorrência resultou a transferência do nosso alferes, um tipo porreiro, gracioso na linguagem desbragada que ofuscava o adolescente ingénuo, completamente desalinhado com a obediência cega e os imperativos do RDM, marginal aos quesitos e tradições do exército, querido do pessoal, que o estimava acima de tudo, tinha a maneira peculiar de estimular, desdizendo do sistema e das regras que o sustentam. Língua afiada, boa disposição permanente, tolerante, mas decidido, o Eduardo Guerra antecipava, assim, as despedidas do pelotão.

A homenagam viria a acontecer pela consolidação e orgulho do Foxtrot que o recordava frequentemente.

O Martins

Alguns elementos do 2.º Pelotão - Foxtrot, de pé, da esquerda para a direita: Dinis, Abreu, Teresa e França. Em baixo: Lamarão (condutor), Rodrigues, Martins e Virgílio Sousa

Foto e legenda: © José M. Matos Dinis (2008). Direitos reservados


De seu nome completo, José da Ressurreição Martins, foi o primeiro Foxtrot a levar uma porrada, porque, quando deambulava distraído pelo aquartelamento, em Piche, não bateu a pála ao Drácula, que se lhe atravessou ao caminho.

Indignado, o homem interrogou o ingénuo militar, manifestamente atarantado, que mais se enterrou com a resposta desajeitada.

Punido com 10 dias de detenção, pelo Exmo. Comandante do BArt 2857, em 07Mar70. Pena agravada em 21Abr70, pelo Exmo. Comandante do Agrupamento 2957, para 10 dias de prisão disciplinar".

Toma! O inimigo não dorme.

O coitado do Martins, companheiro, esforçado e respeitador, um tipo que fez a comissão sem levantar ondas, quase despercebidamente, não fora lidarmos todos os dias, alcandorado a bandalho provocador, pela sanha persecutória de duas bestas: uma, que governava pelo terror; outra, que agravava para se afirmar. Assim, simplex, sem cuidarem de saber as qualidades do soldado. Dois heróis que, seguramente, bem podiam passear-se medalhados, face aos inúmeros riscos que correram.

O Martins constará mais tarde da lista dos louvados, pelas boas práticas e qualidades pessoais, no âmbito das tarefas que competiram ao Foxtrot.

Deixou uma marca bem positiva no relacionamento com camaradas e superiores que lhe dispensaram grande confiança.

JMMD
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Nota de CV:

Vd. poste de 7 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3420: História da CCAÇ 2679 (6): Piche, novamente (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P3476: Humor de caserna (6): Paiama, Paunca, Natal de 1970: o lapso do Caco Baldé (Rogério Ferreira)

1. Mensagem para o "amigo Vacas" e demais tertulianos... Enviada, em 1 de Outubro de 2008, pelo Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, e esperemos, em breve, novo membro da nossa Tabanca Grande (*):


Quando da minha passagem por Paunca, estive num destacamento chamado Paiama [, na margem esquerda do Geba Estreito, a noroeste de Paunca,] e alguns dias após o Natal de 70 tivemos a visita do heli..

Mandados os soldados de piquete para a orla da mata a fazer seguranço, o heli aterrou. Apareceu-nos então um sr. Capitão em passo de corrida, dizendo que era uma visita do nosso general (Caco Baldé), e que os soldados formassem como estavam nem que fosse em cuecas.

Logo instantes depois aparece o nosso General no seu camuflado de manga curta e seu monóculo. Olha em volta e, dando indícios de não conhecer o sítio, diz:
- Eu nunca aqui estive, isto quer dizer que não vos dei os votos de Boas Festas.

E virando-se para um dos nossos soldados, o José Jeremias - natural da torre da Gadanha e cuja mãe lhe enviava umas ricas Boias, ou seja, pedaços de lombo de porco em banha numas latas tipo Cerélac, o qual hoje é carteiro na zona da Amadora - disse:
- Isto foi um lapso... Sabes o que é um lapso?
- Sei sim, meu general, é uma coisa para escrever.

Grande risota geral, até do general.

Manga de mantenhas para todo o pessoal .

2. Comentário de L.G.:

Enquanto o Carlos Vinhal está a tratar da tua entrada para a nossa Tabanca Grande, eu aproveito para pôr em linha esta tua deliciosa história (**)... Vejo que tens sentido de humor e de observação. É um apontamento original sobre o nosso quotidiano, os nossos camaradas e sobre o nosso (meu e teu) Comandante-Chefe (***)... Só se contam anedotas de quem a gente gosta, aprecia, valoriza, respeita, teme, e às vezes ama e odeia ao mesmo tempo...

Havia, por parte da maior parte da malta do nosso tempo, do Zé Soldado, mas também dos milicianos, um sentimento algo ambivalente em relação ao Caco Baldé... Não sei se ele era adorado: mas respeitavam e admiravam a sua maneira de ser e de estar, de comandar, de aparecer onde menos se esperava, a sua coragem física, o seu paternalismo autoritário, o seu populismo, o seu carisma, o seu perfil prussiano, o monóculo, o pingalim, a sua demagogia... O Caco Baldé, como todos os grandes chefes militares, era secretamente amado por muita gente...

Espero, Rogério, que o teu exemplo seja seguido por outros camaradas. O anedotário da spinolândia é muito maior que os escassos textos que já aqui publicámos sobre o humor de caerna... No meu tempo, toda a gente contava anedotas do Spínola... Passados estes anos, parece que até as anedotas do Homem Grande de Bissau se nos varreram da memória...

O humor de caserna é um antídoto contra a crise, a depressão, o mau-estar, o azedume que a idade também traz consigo...

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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 30 de Setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3255: O Nosso Livro de Visitas (31): Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf MA, CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, Guiné (1970/71)


(**) Vd. postes anteriores desta série:

26 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2986: Humor de caserna (5): Siga a Marinha para Nhamate, mais abarracamento que aquartelamento (António José Pereira da Costa)

9 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2337: Humor de caserna (4): Cancioneiro do Niassa: O Turra das Minas (Luís Graça)

1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2321: Humor de caserna (3): Hino de Gandembel: hino de guerra ou música pimba ? (Manuel Trindade)

26 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2304: Humor de caserna (2): Welcome to Mansambo, a melhor colónia de férias do ano de 1968 (Torcato Mendonça / Luís Graça)

23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2205: Humor de caserna (1): A sopa nossa de cada dia nos dai hoje (Luís Graça / António Lobo Antunes)

(***) Vd. postes de:

30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1132: Spínola e os seus 'Cães Grandes' na ponte do Rio Udunduma (Luís Graça)

4 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2239: Tugas - Quem é quem (2): António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe (1968/73)

Guiné 63/74 - P3475: O Nosso Livro de Visitas (44): Fernando Inácio

1. No seguimento do assunto tratado no nosso poste P3410 (*), recebemos uma mensagem do nosso amigo Fernando Inácio, de quem não tínhamos notícias há muito tempo:

Data: 06/11/2008
Assunto: Monumento
Para Carlos Leitão Carreira

Cc: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Ex.mo Dr. Carlos Leitão Carreira,

Antes de mais peço igualmente desculpas pelo atraso na resposta, mas estou novamente de partida para Africa, Angola desta vez, e o tempo tem sido escasso.

Aliás, amanhã a esta hora já estarei no avião.

As fotos que tenho sobre o monumento de Farim são as que envio em anexo e foram tiradas pela emoção que em mim despertaram: tal como ossadas de um elefante morto gastas pelo tempo, lá se erguia aquela peça fantasma no coração das matas da Guiné desafiando todas as probabilidades, uma peça da Lusitanização da Guiná que provavelmente não dirá nada aos habitantes de hoje.

Aliás, toda a Guiné me pareceu um enorme cemitério de sonhos de vida dos nossos compatriotas que por lá viveram e gastaram as suas vidas. É impressionante passar por ruas onde os azulejos Portugueses ainda anunciam Vivenda Marques, O nosso lar e por diante.

Chorei de emoção perante tal demonstração de amor a uma terra que não era nossa.

Em Angola também se sente o mesmo, embora numa escala menor, pois o país está mais desenvolvido e com mais construção nova.

Estou em Angola por algum tempo, de 2 a 3 meses, se precisar de alguma recolha histórica disponha. Contacte-me para este endereço de mail, pois o outro está em vias de ser cancelado.

Com um abraço de amizade,
Fernando Inácio.





Guiné-Bissau >Farim > Fotografias do Monumento, da época colonial, ao 5.º centenário da morte do Infante D. Henrique. Fotos do nosso amigo Fernando Inácio que tinha 10 anos por altura do 25 de Abrild e 1974, mas que lê e ouve com emoção as nossas histórias de combatentes.
Foto: © Fernando Inácio (2007). Direitos reservados



2. Mensagem enviada ao nosso amigo Fernando Inácio no dia 17 de Novembro de 2008:

Caro Fernando Inácio

Antes de tudo, quero saudá-lo porque há muito não sabíamos o seu endereço. Ainda bem que voltou ao nosso contacto.

Em nome do Luís Graça, quero agradecer a prestimosa colaboração dada ao Dr. Carlos Leitão Carreira, com as suas fotografias do monumento do V Centenário da morte do Infante D. Henrique.

Os editores do Blogue ficam à sua disposição.
Com os melhores cumprimentos
Carlos Vinhal
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Nota de CV

(*) Vd poste de 5 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3410: Memória dos lugares (14): Farim e o monumento ao 5º centenário da morte do Infante D. Henrique (Carlos L. Carreira, arqueólogo)

Guiné 63/74 - P3474: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): De Évora a Mansambo...

Estórias de Mansambo
Torcato Mendonça

ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo

1968/69

O Torcato Mendonça nos dias de hoje.

E nos tempos de Mansambo A – De Évora a Bissau Não tinha combinado com o José, a continuidade da segunda parte das suas Estórias da Guiné, prometidas, sem compromisso como era hábito nele, meses antes. Um dia, ao final da tarde, voltou, calmo e sorridente, menos cabelo e mais rugas, com o “eterno” saco a tiracolo.Depois dos cumprimentos, apontou, o José, para o saco e disse: - Tenho as estórias da Guiné aqui. A fase A, a que chamei de Évora a Bissau e parte da Fase B, que será sobre a comissão ou os dois anos que por lá andei. Procurei não me repetir. Eu sorri e esperei o que dali sairia. Abriu a sacola, sacou de umas quantas mini-cassetes e de um bloco. - Olha - disse-me - Ouves as cassetes, seguindo as indicações escritas no bloco. Passas à tecla e dás-me depois uma cópia. Podes cortar à vontade. Não podes é desvirtuar o texto. Se alguns, achares estarem repetidos ou não terem interesse eliminas. Vou ler e passar a limpo. Falaremos depois, disse-lhe. O resultado é este, negando-se ele a ler o que foi passado a limpo e os cortes. 1 – Évora Na primeira parte, das estórias do José, falei da recruta e especialidade. Procurando não me repetir, volto a Vendas Novas.

Cadetes em Vendas Novas limpando as G3. Pouco tempo antes de terminar a especialidade, foi-nos dada a hipótese de “escolher” o quartel para onde queríamos ir. Escolhi Évora e nada mais. Não acreditava que os cadetes, quase aspirantes – fora os que iam chumbar – pudessem escolher algo. Certo é que deu. Terminada a especialidade, galão ou risca num ombro, guia de marcha e um papel na mão para, depois de curto período de férias, me apresentar em Évora.

Conhecia bem a velha cidade. No quartel, que não conhecia, o meu pai tinha estado cerca de trinta anos antes, a cumprir o serviço militar sob a ameaça da II Guerra.

Parada do antigo RAL 3 aqui, nos anos quarenta (RAL1). A Parada mantinha, cerca de trinta anos depois, o mesmo aspecto. Boas recordações dos meses que lá estive. Sempre que por lá passo, se puder, paro e dou uma volta pela cidade… e volto atrás no tempo… até ao dia, há muitos anos atrás em que lá casei… Recordações de outras vidas! No dia determinado apresentei-me um dia no RAL 3. Nada tinha a ver com Artilharia, pois era atirador. Especialidade igual em qualquer Arma. Havia, e apresentaram-se no mesmo dia em Évora, os aspirantes das especialidades de Artilharia. Creio que éramos dez ou doze. Não sei ao certo e também não me recordo como lá cheguei. Lembro-me, isso sim, da velha mala do tempo de estudante, cheia de autocolantes de cidades e hotéis, a maioria fruto de sonhos adiados e do velho saco de cabedal. Saco mais, muito mais velho do que eu, estou hoje já sexagenário. Comprei-o em Portimão a um velho correeiro e acompanhou-me durante muito tempo. Apresentaram-se os novinhos aspirantes, hirtos na postura, continência pronta, sentido de mão fechada. Riam-se os outros oficiais, principalmente os do QP, conhecedores de quem tinha sido o nosso comandante de especialidade. Olhem os pupilos do Capitão Comando Oliveira e Artilheiro anteriormente, se a memória me não atraiçoa. Fomos praxados, como mandam as regras, seguindo-se um lanche, comido nessa tarde ou na seguinte, com pagamento a ser feito por nós, quando o primeiro soldo estivesse a pagamento. Antes do toque do fim da tarde fomos apresentados ao Comandante. Era um Coronel de estatura baixa e olhar manhoso que, depois do toque da saída virava censor. Tempos depois ainda cheguei a acompanhar um dos jornalistas, de um Jornal de Évora, quando estava de Oficial de dia, ao Comandante. Iam os escritos ao lápis… geralmente era o jornalista obrigado a esperar em excesso para gozo do censor… eu tentava, geralmente sem sucesso, abreviar… Na apresentação dos novos aspirantes, o Comandante com mais galões do que ombros, apartou logo artilheiros e atiradores. Distribuiu tarefas. Lembro-me de duas: o Zé Maria virou responsável pela messe de oficiais, eu fui enviado para a PJ Militar. Logo eu?! Nada disse claro. Ouvi a sentença em sentido e toca a encaixar. No dia seguinte fui apresentar-me, a um velho Capitão do Serviço Geral e o principal mentor da organização da praxe e do lanche. Descansou-me o velho militar dizendo: -Escolha um escrivão, furriel ou cabo miliciano seu conhecido, passa depois pelo Quartel-General, aprende as bases e pouco terá que fazer. Se tiver problemas fala comigo. Pus a boina na cabeça, sentido, continência bem puxada e pedido para me retirar. Levantou-se o Capitão, olhou-me e disse: - Aqui não se faz isso pois a disciplina militar não passa por aí. Vá aprendendo essas diferenças. Cumpri as instruções e pouco tive que fazer. Mantinha-me ocupadíssimo e o escrivão, meu antigo colega de estudo também. Ainda tive que dar aplicação militar a uma Bataria e uma ou outra instrução a militares de passagem. E aprendi, isso sim, muito, sobre a vida militar dos oficiais, sargentos e praças. Os milicianos, os profissionais, os nem uma coisa nem outra, os obrigados, os voluntários e tantos outros a gravitarem à volta daquele quartel. Que gentes e que vidas vividas, passadas, bem passadas à pala do tropa… Outras vidas. À tarde, depois do toque, uma ida até a cidade, geralmente ao Fialho ou lugar semelhante com petisco ajantarado, cinema quando havia, uma volta ou outro mata tempo, isso também pois era uma questão de equilíbrio psicológico e, nas terras com militares, há sempre isso. Abreviando, com tanta recordação a ficar no tinteiro. Um dia… conto. Um dia…depois… Corria o tempo de feição, na paz do Senhor, civil ou militar, com fugas em fim-de-semana alargado, trocas de serviço, coberturas para proteger e Beja, Lisboa, a minha casa ou o Algarve ali tão perto… Não há bem que sempre dure... Um dia veio a noticia: - Está mobilizado e apresente-se, daqui a - já não recordo quando -, em Lamego (CIOE). Depois vai para Penafiel formar Companhia. - Creio que, quando fui para Lamego, já sabia ir depois para Penafiel. Lá fui eu e o Zé Maria, no carocha dele, até Lamego. Por lá andamos, em cambalhotas e eteceteras, comendo presunto bom, um peixe desconhecido para mim, trutas, e bebendo branco, tinto ou Raposeira. No regresso, rumo a Lisboa, trocamos, antes, de Companhia com dois camaradas. Eles foram ou ficaram em Penafiel e nós regressamos a Évora, para formar Companhia. Fintámos o destino aqui, mas, mais tarde, eles foram para Moçambique e nós para a Guiné. Era o papão temido… ainda bem, daí… quem sabe? Começou então em Évora, pouco tempo depois, a formação e instrução da CART 2339 __________ Notas de vb:

1. Continuação e reescrita das Estórias de Mansambo.

2. Artigos do Torcato Mendonça em

13 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3310: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (13): Encontro em Bissau: o nosso homem de Missirá...

Guiné 63/74 - P3473: Em busca de... (52): Ernesto, balanta de Bula, lançador de roquetes... (António Matos)

Ernesto, alguém o conheceu?

O então alf mil António Matos e o Ernesto.

Um blogue com a concepção deste nosso cumprirá a sua missão se, paralelamente ao acervo que possibilita a gerações futuras entenderem esta temática da guerra do ultramar (1961-1974), conseguir também ser um verdadeiro ponto de encontro de camaradas cujo rasto se perdeu pelas vicissitudes da vida.

O Ernesto

Dos meus tempos de Guiné recordo este jovem negro, o Ernesto, que acompanhou muita da minha actividade em chão Balanta. Era um dos meus lançadores de roquetes.

A sua simpatia e o seu espírito colaborador angariaram-lhe a afeição generalizada. Hoje desconheço de todo se é vivo, se morreu, se andará pela Guiné, se, quiçá, por Portugal, se é um pé rapado ou algum senhor bem colocado na vida, enfim, perdi-lhe o rasto mas gostava de saber dele.

Se alguém o conheceu, diga !

Se nas digressões à Guiné encetadas por vários camaradas alguém o vir (era de Bula), informe !

Seria, para mim, um momento memorável que daria direito a celebração especial. (**)

Um abraço

António Matos
____________

Notas de vb:

(*) Vd. último artigo do António Matos (ex-Alf Mil da CCaç 2790, Bula 1970/72) em:

17 de Novembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3466: Histórias engraçadas (António Matos) (3): Dia de Ronco, Miss Bula 1972.

(**) Vd. último poste desta série Em busca de... > 5 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3407: Em busca de... (51): Os Bravos da CCAÇ 726, Guileje, 1964/66 (Aurélia Duarte / Henrique Almeida Duarte)

Guiné 63/74 - P3472: Da Suécia com saudade (7) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (7): Zés Marias, feridos no corpo e na alma


Câmara de Estocolmo, vista do lago

Mensagem do José Belo (ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) com mais um contributo para as Guerras Coloniais a serem ganhas.

Primeiro Contributo

José Maria chamava-se o Soldado. Transmontano, de aldeola perto de Chaves. Pastor. Baixote, encorpado, espesso patilhame, falando um português da serra que, por vezes, o tornava verdadeira caricatura de revista.

Numa das formaturas na madrugada, de preparativos para "porrada certa", vi o Zé Maria, sozinho, a uns metros do pelotão, sentado num cunhete vazio de granadas de mão.

Olhava pensativamente as botas já mais que gastas. Eu saíra do refeitório, e ao vê-lo tão concentrado e distante, procurei gracejar:
- Ó Zé Maria, deixa lá as miúdas, pá! Este não é momento para recordar namoradas!Sorriu com a boca, não com os olhos.
- Mê Alferes, quando saí da terra para a tropa, e deixei a minha mulher - e acentuou mulher! - e filhinha, botei o coração dentro da bota. Tenho desde então caminhado sobre ele! São já longas as passadas. E estas botas, mê Alferes..., estas botas estão a arrebentar!

Não eram só números mecanográficos, números de Batalhões, de Companhias, nem mesmo só alcunhas de guerra nos Pelotões.

Tínhamos Nomes. Zé Maria,"aquele" abraço!


Segundo Contributo

No escuro porão das cargas, vínhamos bem lastrados com urnas. Encaixotadas para mais discretas. Quantas foram embarcadas? Quem eram os que se envergonhavam dos seus mortos? Escamoteados pela escuridão, como se de lixo se tratasse!

Mas não eram só os mortos! Que recepção tinham as centenas de feridos que iam quase diariamente chegando ao aeroporto de Lisboa, sempre altas horas da madrugada, em verdadeiros carregamentos de dor? Quantas vezes, após a longa viagem aérea, aguardavam horas dentro dos aviões, discretamente parqueados longe das luzes, para não "perturbar" os turistas à sua passagem pelo aeroporto.

Literalmente "passados", como se de contrabando se tratasse, para ambulâncias discretas que, pela calada, lá os iam levando para o Hospital.

Que "raio de cambada era aquela" que pretendia não ver os cegos, os mutilados, os paralisados?

Se honestamente se julgavam com razão, se tinham o exclusivo do patriotismo, se estavam tão certos da vitória da justa causa que defendiam, porque não a assumiam frontalmente? Porque se recusavam a aceitar as consequências de uma política "de Império", nos seus mortos e estropiados? Defensores da Civilização Cristã… contra a opinião publicamente expressa pelo chefe máximo da Igreja, dos seus Bispos, e pela maioria dos seus Sacerdotes!

Defensores do "Ocidente" contra as correntes do pensamento do mesmo, e porque não dizê-lo, dos "interesses" do dito Ocidente! Defensores de um tipo de sociedade para os Portugueses que diziam tão bem representar...mas a quem nunca se atreviam a escutar em eleições livres!

Eram estes dignos senhores, politicamente responsáveis pela tal guerra colonial "a ser não perdida", que na força da sua razão, caíram em Abril sem um assomo de dignidade.

Lutar? Eles?

E as urnas lá vinham, escondidas, envergonhadas. Mas por nós nunca esquecidas!

José Belo
Estocolmo, 16 de Novembro de 2008

__________

Nota de vb:

Guiné 63/74 - P3471: Cancioneiro de Mampatá (1): Hino da CART 6250/72, Os Unidos (Mampatá, 1972/74) (José Manuel Lopes)

1. Reprodução da letra do Hino da CART 6250/72, Os Unidos (Mampatá, 1972/74), que nos chegou pela mão do José Manuel Lopes.

É o primeiro texto, esperamos, do Cancioneiro de Mampatá. A música que costumava acompanhar este hino, era a da conhecidíssima canção do Zeca Afonso que deu o título do seu álbum de 1973, Venham mais cinco.

Quem é não se recorda da letra ? Nessa época, Zeca Afonso cantava um pouco por todo lado, das associações de estudantes aos clubes recreativos, sempre sob a vigilância da PIDE/DGS. Em Abril de 1973 estava em preso em Caxias e lá permaneceria, sem culpa formada, até finais de Maio.
Foi já no Natal de 1973 que surgiu o novo disco, Venham mais cinco, que conta com a colaboração de José Mário Branco.

Venham mais cinco

Duma assentada
Que eu pago já
Do branco ou tinto
Se o velho estica
Eu fico por cá.

Se tem má pinta
Dá-lhe um apito
E põe-no a andar
De espada à cinta
Já crê que é rei
Dàquém e Dàlém Mar

Não me obriguem
A vir para a rua
Gritar
Que é já tempo
D'embalar a trouxa
E zarpar

A gente ajuda
Havemos de ser mais
Eu bem sei
Mas há quem queira
Deitar abaixo
O que eu levantei

A bucha é dura
Mais dura é a razão
Que a sustem
Só nesta rusga
Não há lugar
Pr'ós filhos da mãe

Não me obriguem
A vir para a rua
Gritar
Que é já tempo
D'embalar a trouxa
E zarpar

Bem me diziam
Bem me avisavam
Como era a lei
Na minha terra
Quem trepa
No coqueiro
É o rei

Fonte: Alfarrábio - Cooperativa Cultural (com a devida vénia...).

O Hino dos Unidos é muito provavelmente de princípios de 1974. Segundo o José Manuel Lopes, produziram-se, no seu tempo, diversas letras que parodiavam fados, canções e baladas em voga. Primeiro escolhia-se uma música, e depois encaixava-se, muitas vezes a martelo (como é aqui o caso...), uma letra. Ele próprio foi autor de algumas letras. Vai ver se as descobre no baú da casa da avó... Havia também um furriel madeirense que era um bom letrista...

Recorde-se que esta companhia, a CART 6250, especializou-se em operações de segurança aos trabalhos de construção da estrada, que ia de Buba, Quebo, Mampatá, Cumbijã, Nhacobá, Salancaur, até ao corredor da morte... O José Manuel Lopes e os seus camaradas passaram dias e dias, semanas e semanas, meses e meses, a picar, a levantar minas, a montar segurança, a fazer emboscadas, a dormir e a comer na estrada, acompanhando a sua abertura, em direcção ao sul... Havia, portanto, tempo para tudo: desde o Leça que escrevia todos os dias areogramas para a sua amada, até ao Josema, que escrevia todos os dias um poema... (Infelizmente só chegaram até nós umas escassas dezenas).

Havia, por outro lado, três ou quatro camaradas que tinham jeito para a música e tocavam instrumentos (nomeadamente viola). Havia, inclusive, um baterista de um conjunto que na época teve algum sucesso em Portugal. Ele disse-me o nome, ao telefone, mas não fixei. Na época, eram, raros infelizmente os gravadores de som. Não haverá, por isso, muitos registos fonográficos deste "outro lado da guerra"... Há, comn certeza, memórias ainda vivas dessa produção poético-musical, que de resto temos vindo aqui a recolher e a divulgar... O Cancioneiro de Mampatá é o último de vários: Bafatá, Bambadinca, Bissau, Canjadude, Empada, Gandembel, Mansoa, Xime/Ponta do Inglês... Mas haverá muitos mais que ainda não chegaram ao nosso conhecimento... (LG)


Hino da CART 6250

Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Mampatá, patá, patá, patá,
Mampatá, Mampatá, Mampatá.

Andam bocas por aí
Que os Unidos só sabem piar,
Mas a realidade
É bem fácil de se provar.

Refrão

Deixai lá falar
E cumpramos o nosso lema,
Sempre Unidos cem por cento,
Venceremos para sempre.
Isto aqui é nosso,
É Mampatá, patá, patá, patá,
Mampatá, tá, tá, tá,
Mampatá, patá, patá, patá
.

A protecção à estrada
Que os Unidos estão a fazer,
Basta p’ra provar
Qu’ aqui se trabalha a valer.

Refrão

Começámos sem ter lar
E já temos o nosso abrigo,
Esta é aquela máquina,
Só possível aos Unidos.

Refrão

Esta CART dos Reguilas,
Como alguém do outro lado lhe chamou,
Será sempre honrada
Como herói qu’aqui suou e lutou.

Refrão

Mampatá espera de nós
O Progresso e a promoção do seu povo,
Nós lhe prometemos
Que terá esse MUNDO NOVO!
________

Letra: Recolhida por José Manuel Lopes, que foi Fur Mil da CART 6250 (Mampatá, 1972/74) (*)
Revisão e fixação do texto: LG
________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3468: Poemário do José Manuel (24): Sabes o que é morrer... ?

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3470: Os nossos regressos (18): Desenraizados, nas esplanadas das Lisboas deste País...(Alberto Branquinho)

Os "difíceis regressos

uma normalidade a que já não estavam habituados ou como escreve o Alberto Branquinho

De como era difícil estar e falar com "outros" quando regressámos




Que memórias de “nomadizações” nocturnas fizeram saltar o POST 3380 de 30 de OUT do Jorge Félix!
O ambiente que descreve sobre o bar “Tosco” parece retirado de um filme do Fellini. Impressionante e comovente.

Estive no "Tosco" uma ou duas vezes quando estava a fazer o meu “estágio nocturno” em Lisboa depois do regresso em Abril de 1969 e depois de um curto período em Coimbra.

Mas não me lembro de ter visto o ambiente que ele descreve. Devia ter dias ou épocas assim. Acho que se chamava “O Tosco" e as letras que o anunciavam eram, também, toscamente desenhadas.

Mas do que venho falar é das recordações que esse Post me trouxe. Das dezenas de regressados da Guiné que abundavam (a partir da tarde…) pelas esplanadas e cafés da Avenida da Liberdade e do Rossio (“Gelo” incluído). Assim “estagiavam”, tentando voltar a uma vida “normal”, vivendo em quartos alugados ou em pensões rascas, com o pretexto de que estavam a tentar encontrar trabalho ou a estudar. Só em grupo e a falar a mesma linguagem se sentiam bem. Lembro-me de um, que rapidamente conseguiu emprego trabalhando no balcão de um banco, na própria Avenida. Sempre que podia saia e ia ter com a “malta”. Um dia o gerente interpelou-o:
- Onde é que você vai?
- Beber um café
- Se for, não volta mais.
Pois ele saiu e não voltou.

Respondíamos aos anúncios do Diário de Notícias. As mais das vezes era para vender enciclopédias de porta em porta ou para actividades sem sentido, mas os anúncios não as referiam. No endereço indicado eram feitas apresentações enfatuadas por “directores comerciais” engravatados e bem falantes. Abandonávamos a sala arrastando cadeiras e batendo com a porta.
Uns saíam do grupo no final da tarde. Outros ficavam até que a noite acabasse. Nem sempre eram os mesmos. Havia quem estivesse “em estágio” há mais que um ano, mas, ao cabo de mais ou menos meio ano, iam desaparecendo. Entravam novas camadas, que alimentavam os grupos. Não sei como sabiam dos locais ou se, pura e simplesmente, tropeçavam em caras conhecidas ao passar na Avenida.
As tardes passavam-se à volta das “imperiais” com tremoços, nas esplanadas e cafés, no “Pirata” dos Restauradores ou na “Ginjinha” do Rossio, deambulando sempre pelos mesmos espaços, até à chegada da noite. O jantar era numa das muitas tascas das transversais da Avenida ou entre o Rossio e o Terreiro do Paço.

Que noites

As noites seguiam-se arrastadas mais ou menos pelas mesmas zonas, Bairro Alto incluído. (O Bairro Alto actual nada tem a ver com o Bairro Alto desses tempos).
Aqui recordo-me do “Gingão”, mas havia mais e outros próximos da Avenida – p. ex. o “Príncipe Negro”, o “Ritz”e “O Cantinho dos Artistas”, à entrada do Parque Mayer. Já conhecia alguns dos tempos anteriores à Guiné.
Por vezes incluía a zona do Conde de Redondo, que era, então, o principal “trottoir” de Lisboa. Íamos por vezes aos fados, na “Márcia Condessa”.

Um regressado de Catió, protector de mulheres

Discutiam-se as coisas da guerra (não sabíamos falar de outra coisa, excepto, alguns, de futebol), aguentavam-se bebedeiras, havia a compreensão nocturna das mulheres, deambulava-se pelas vielas, por vezes à procura de zaragata. Faziam-se amizades com os guardas-nocturnos.
Pontificava um ex-alferes miliciano, homem de poucas falas, mais antigo na Guiné que todos nós. Tinha comandado um Pelotão de Nativos num quartel a norte de Catió, onde o conheci. Era chamado pelo nome próprio, ao qual juntávamos, como se fosse o apelido, o nome desse quartel. De tão gasto e envelhecido, parecia muito mais velho. Era muito conhecido e, por razões óbvias, não o identifico.

Nos primeiros meses de 1970 voltei a esses espaços. As caras eram já outras e ele lá andava ainda. Percebi, então, que tinha umas raparigas “por conta”, a quem dava protecção e conselho, gerindo o “negócio” à sua maneira.

Era grande a vontade de encontrar almas com a mesma necessidade de falar das coisas da guerra que “os outros” não entendiam ou não tinham paciência para ouvir ou, passado algum tempo, ficavam saturados de ouvir. Mas um homem também se cansa. Nunca mais voltei.

__________


Notas:

1. Alberto Branquinho foi Alf mil da CArt 1689, 1967/69

2. Títulos e sublinhados da inspiração do editor.

3. Artigos da série em


4. E do Autor em

Guiné 63/74 - P3469: In Memoriam (15): Foi hoje a sepultar Mário Ferreira (José Teixeira)

1. Mensagem de hoje, dia 17 de Novembro de 2008, do nosso camarada José Teixeira:

Carlos e camaradas gestores,
junto ligação para o tema Adeus Guiné. Creio que é a melhor forma de homenagearmos o seu autor Mário Ferreira, no dia do seu funeral.

http://www.youtube.com/watch?v=uZz8acVMoKU

Abraço
José Teixeira
_____________

Nota de CV:

Vd. poste de 16 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3460: In Memoriam (13): Mário Ferreira, autor da letra do Adeus, Guiné, morreu ontem, em Guifões, Matosinhos (Albano Costa)

Guiné 63/74 - P3468: Poemário do José Manuel (24): Sabes o que é morrer... ?


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Material de guerra capturado ao IN: uma mina anti carro e uma antipessoal ainda por armar, um morteiro com prato e as respectivas granadas, e duas armas ligeiras nas mãos do Pinheiro"... De óculos escuros, o Fur Mil José Manuel Lopes.

O Pinheiro era 1º cabo de transmissões, um homem por quem o José Manuel nutria muito respeito e admiração pela sua coragem física. Este material foi apanhado ao PAIGC quando um grupo tentava pôr minas na estrada em construção, já para lá de Nhacobá... "Nessa altura já tínhamos um destacamento em Nhacobá"... As minas nem sequer chegaram a ser enterradas. Mas o pessoal de minas e armadilhas contou outra história, a do bandido, no relatório enviado ao comando, já que mina anticarro levantada pelas NT valia mil pesos (uma antipessoal, 500$00)... Nesta estrada em construção (Mampatá, Cumbijã, Nhacobá, Salancaur...) ou nas suas imediações foram montadas centenas de minas, de parte a parte... O pessoal de minas e armadilhas da CART 6250 ganhou rios de dinheiro com minas levantadas... que depois era esbanjado em Bissau, no Pilão... (Inconfidèncias de um "unido de Mampatá").

Fotos, legendas e poema © José Manuel (2008). Direitos reservados.

1. Mais um dos poemas (sobreviventes...) do poemário do josema (*)


Sabes o que é morrer
com a vida por viver?
sabes o que é sentir
toda uma vida a fugir?
ter de cerrar os olhos
para voltar a sorrir?
eu fecho-os
para ver as vinhas e os montes
eu fecho-os
para ver o Douro correr
eu fecho-os
para ver uma mulher
eu fecho-os
para não pensar
nem me lembrar
que também posso morrer.

Mampatá 1973
josema
___________

Notas de L.G.:

(*) Sobre o Poemário do José Manuel, vd. os postes já publicados:

9 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3289: Poemário do José Manuel (23): Naquela mata o silêncio magoa...

23 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3145: Poemário do José Manuel (22): (...) Como os dias passam devagar / Contados a riscar um calendário...

22 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3084: Poemário do José Manuel (21): O recordar dos sentidos: como é bom ver, sentir, ouvir, cheirar, saborear, falar...

9 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3039: Poemário do José Manuel (20): Mãe, se eu não regressar, lembra-te do meu sorriso...

1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3010: Poemário do José Manuel (19): Aqueles assobios por cima das nossas cabeças...

22 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2973: Poemário do José Manuel (18): Não se morre só uma vez...

15 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2946: Poemário do José Manuel (17): A Companhia dos Unidos

2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2911: Poemário do José Manuel (16): Saudades do Douro e do Marão...

25 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2884: Poemário do José Manuel (15): Dois anos e alguns meses

17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2844: Poemário do José Manuel (13): A matança do porco, o Douro, os amigos de infância, os jogos da bola no largo da igreja...

9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2824: Poemário do José Manuel (12): Ao Zé Teixeira: De sangue e morte é a picada...

2 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2806: Poemário do José Manuel (11): Até um dia, Trindade, até um dia, Fragata

24 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2794: Poemário do José Manuel (10): Ao Albuquerque, morto numa mina antipessoal em Abril de 1973

19 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2776: Poemário do José Manuel (9): Nós e os outros, as duas faces da guerra

14 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2757: Poemário do José Manuel (8): Nhacobá, 1973: Naquela picada havia a morte

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2739: Poemário do José Manuel (7): Recuso dizer uma oração ao Deus que te abandonou...

5 de Abril de 2008 Guiné 63/74 - P2723: Poemário do José Manuel (6): Napalm, que pões branca a negra pele, quem te inventou ?

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...(...)

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2630: Poemário do José Manuel (3): Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

9 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...


Sobre o nosso camarada José Manuel Lopes, vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

O José Manuel Lopes foi Fur Mil Inf Armas Pesadas, na CART 6250 (Mampatá, 1972/74). Natural da Régua, é um conceituado vitivinicultor, explorando a Quinta da Senhora da Graça, com sede em Senhora da Graça, 5030-429 S. João de Lobrigos, concelho de Santa Marta de Penaguião, distrito de Vila Real, Telef. 254 811 609 (Email: quinta.graca@mail.pt ).

Tem vinhos premiados e partilha os seus néctares com os amigos e os clientes. Destaque para dois vinhos de classe, que orgulham a produção nacional:

(i) Pedro Milanos 2005, Douro DOC: Tinto, 13,7º: Castas: Touriga Franca, Tinta Roriz e Tinta Barroca: medalha de prata no Wine Masters Challenge 2008; seleccionado em 2006 e 2007 pela Néctar entre os melhores vinhos do ano; está no Top 100 da Blue Wine, em 2008; (preço por garrafa: 6 pesos...). Enólogo: Vasco Valente Lopes.

(ii) Penedo do Barco 2005, Douro Doc: Tinto, 14,2º; castas: Touriga Nacional (40%), Touriga Franca (20%), Tinta Roriz (20%), Tinta Barroca (0%) e Tinta Amarela (10%). (preço por garrafa: 10 pesos...). Enólogo: Vasco Valente Lopes.

O nosso camarada tem uma equipa de cinco estrelas: a esposa, Maria Luísa Valente Lopes, e uma filha, ainda estudante, e um filho, o Vasco Valente Lopes, promissor énologo, com prémios já ganhos e estágio na Austrália. O nosso camarada faz também turismo rural. É membro da nossa Tabanca Grande desde finais de Fevereiro de 2008 e frequenta, religiosamente, às 4ªs feiras, a Tabanca de Matosinhos.

Vai estar este fim de semana em Lisboa, na 3ª edição do Porto e Douro Wineshow, num ambiente místico e sofisticado, o Convento do Beato, em 22 e 23 de Novembro de 2008, das 15h às 22h.

Recebi hoje, pelo correio, seis convites, cada um válido para duas pessoas... Já fiz contactos com a malta da Tabanca Grande. Ainda tenho dois convites disponíveis (4 pessoas) para quem me telefonar (21 471 0736 / 931 415 277).

Neste próximo fim de semana, mais exactamente, no domingo à tarde, espero poder encontrá-lo, dar dois dedos de conversa, partilhar com ele a sua paixão pelo Douro, e provar os seus vinhos... Se aparecer mais alguém da Tabanca Grande (Virgínio Briote, Humberto Reis, e outros), muito melhor.


Vd. ainda o poste de 3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3165: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (6): Com o José Manuel, in su situ, um pé no Douro e uma mão no Marão (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P3467: Álbum fotográfico de Albano Gomes (1): Mansambo, CART 2339 (1968/69)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Foto nº 7 > "A árvore do lado da entrada do Aquartelamento; na sua base tinha o abrigo subterrâneo, onde passámos alguns meses meio enterrados vivos, eu, o Torcato, o Xavier, o Baptista e outro pessoal de transmissões. Neste local era também o Comando, o Centro Cripto, o Posto de Rádio etc.".
Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2399 > Foto nº 8> "Na foto nº 7 podemos ainda ver a saída de parte do pessoal para a Op Cabeça Rapada, assim como na foto nº 8 algumas das viaturas para os transportar".

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Foto nº 10 > "O Obus 10.5, virado à fonte, que, conjuntamente com outro instalado do lado contrário do Aquartelamento, e quando manuseados pelo Pelotão de Artilharia ali instalado, faziam Manga de Ronco".


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Foto nº 4 > "A dita [árvore] dos 17 Passarinhos junto da cozinha, que, estando nessa altura totalmente despida de folhagem, nela se podem ver a enorme quantidade de pontos negros, que são nada mais nada menos que os ninhos".

Fotos (e legendas): © Albano Gomes (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Albano Gomes, que já está na nossa caixa de correio há mais de dez meses, isto é, desde 6 de Janeiro de 2008, a espreitar o glorioso dia da publicação... (Albano, como vês, a tua mensagem e as tuas fotos não estão nem perdidas nem esquecidas; ficaram este tempo todo no ...limbo, como tu que viveste metade da tua comissão, enterrado, vivo, no 'campo fortificado' de Mansambo, como lhe chamava o IN).

O Albano Gomes, que vive em Chaves, foi 1º Cabo Op Cripto, CART 2339 (Mansambo, 1968/69). Dele e de outros continuo à espera de mais estórias (secretas) dos nossos criptos... Eles sabiam coisas do arco da velha... Curiosamente, continuam mudos e caladas, como se ainda hoje estivessem sujeitos à lei do silêncio...

Já agora, aproveito a embalagem para dizer, a outro Viriato, o Carlos Marques dos Santos que o seu texto e o seu filme sobre a construção de Mansambo, estão quase prontos... Falta o quase. Carlos: gostei de te ver, no dia 11 de Novembro, no Museu da Farmácia; e, para mais, agora livre do fumo do cigarrinho... Muita saúde e longa vida, que Deus às vezes até dá tudo... (LG)


Amigo e Camarada L.G.

Rebuscando no baú das recordações, consegui encontrar entre outras algumas fotos de Mansambo onde se podem ver as três árvores que por lá existiam, tal como referiu o Torcato e muito bem. Assim a foto nº 4 é a dita dos 17 Passarinhos, junto da cozinha, e que estando nessa altura totalmente despida de folhagem se podem ver a enorme quantidade de pontos negros, que sâo nada mais nada menos que os ninhos.

A foto nº 7 é a árvore do lado da entrada do Aquartelamento, na sua base tem o abrigo subterrâneo, onde passámos alguns meses meio enterrados vivos eu o Torcato, o Xavier (Radiotelegrafista), o Batista (Fur Trms), alguns telefonistas e muitos outros que confesso não me recordar. Neste local era o Comando, Centro Cripto, Posto de Rádio etc.. e também o nosso abrigo.

Nesta foto podemos ver a saida de parte do pessoal para a Op Cabeça Rapada, assim como na foto nº 8 algumas das viaturas para os transportar.

Na foto nº 10 a árvore que se encontrava no Aquartelamento do lado da Fonte a seguir ao abrigo do Obus 10,5, e que também não me recordo se foi abatida ou se caiu, mas tenho uma vaga ideia que como apresentava algum perigo de queda, foi abatida de modo controlado para não vir um dia a cair desordenadamente em cima do abrigo ali próximo. Também podemos ver a peça de Artilharia, o Obus 10.5 virado à fonte que, conjuntamente com outro instalado do lado contrário do Aquartelamento, e quando manoseados pelo Pelotão de Artilharia ali instalado, faziam Manga de Ronco".

Peço aos meus Camaradas da Cart 2339 que, caso julguem necessária qualquer rectificação, o façam pois que, após 39 anos, muita coisa nos falha e se nos baralha na memória.

Um Grande Abraço para todos
Albano Gomes
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Nota de L.G.:

(*) Do (ou sobre o) Albano Gomes, vd postes de:

8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2418: Estórias (secretas) dos nossos criptos (2): Mariema também era minha (Albano Gomes, CART 2339, Mansambo, 1968/69)

1 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2396: Estórias (secretas) dos nossos criptos (1): Braimadicô, o prisioneiro (Albano Gomes)

30 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2390: Albano e Ferragudo, gente de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339, 1968/69)

28 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2387: Tabanca Grande (46): Albano Gomes, residente em Chaves, ex-1º Cabo Cripto da CART 2339 (Fá e Mansambo, 1968/69)

26 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2384: Mansambo: a árvore dos 17 passarinhos, baptizada por mim (Albano Gomes, ex-1º Cabo Cripto, CART 2339, 1968/69)

(**) Sobre a Op Cabeça Rapada, vd. postes de:

24 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1459: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Operação Cabeças Rapadas (Estrada Bambadinca-Xitole, Março / Maio de 1969)

22 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXIX: Estrada Mansambo-Bambadinca (Op Cabeças Rapadas, 1969) (Carlos Marques dos Santos)

Guiné 63/74 - P3466: Histórias engraçadas (António Matos) (3): Dia de Ronco, Miss Bula 1972.

Miss Bula 1972

Dia de Ronco

Na Guiné (desconheço se a terminologia é idêntica em toda a antiga África portuguesa) uma ocasião festiva especial era denominada "Ronco".
Daí a expressão "hoje vai haver ronco".
A minha permanência por aquelas bandas não me deu, no entanto, o ensejo de assistir a muitos roncos mas um deles ficou nos anais da história de Bula pois teve como leitmotiv a eleição da Miss Bula.

Estávamos em Abril de 1972.

lugares esgotados. Assistência entusiasta e impaciente, ansiosa pelo desfile.


Confesso que o amontoado de toda aquela gente me causava algum desconforto claustrofóbico e a aproximação do final duma comissão particularmente agitada com a questão das minas e dos acidentes já acontecidos, punha-me o instinto de defesa à flor da pele e daí, pouca liberdade psicológica para o deleite da ocasião.
Houve imprensa escrita e rádio e o desfile acompanhado por estridente música.

E agora as candidatas ao título:

se clicar nas imagens vê os números das candidatas em tamanho maior...








As raparigas, compenetradas e em pose, adornaram-se com os seus panos mais vistosos e a passagem, em traje de mini-saia, foi convincente.


O António Matos, à semelhança de outros assistentes, não parece muito entusiasmado com o desfile...

Houve palmas e gritinhos e no fim a debandada.
Não faço a mínima ideia quem foi a vencedora mas a nº 7 "pisava" muito bem...

António Matos

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Notas:


1. Sublinhados e legendas das fotos do editor.

2. Artigos do Autor em

8 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3424: 16.000 minas montadas entre Bula e S. Vicente. António Matos.

Guiné 63/74 - P3465: O meu enquadramento sócio-político-financeiro, religioso e académico na Guerra do Ultramar (II). António Matos.

No BII 18, a formar a CCaç 2790

BII 18, Ponta Delgada, S. Miguel, Açores. Os então asp of mil Marques Pinto e António Matos (1).
Ano de 1970. Verão. É-me dado um bilhete de avião na TAP para os Açores. Foi o meu baptismo de voo. Destino: Ponta Delgada – Arrifes – BII 18. Missão: formação da Companhia Independente 2790 Paralelamente, outros camaradas iam aparecendo e aquela permanência de 3 meses tornou-se extremamente agradável. Juntámo-nos alguns alferes (recordo o Urze Pires, o Marques Pinto e eu) e alugámos uma casa no centro da cidade.
Os dias eram passados em instrução mas sobejava-nos tempo para uma vida civil prazenteira. A vida social era intensa e o assédio das moças gaiteiras na expectativa de "pescarem" um continental era medonho! Valeu-me ser já um homem comprometido e cumpridor das promessas deixadas em Lisboa.... Com o primeiro vencimento comprei um ainda hoje belíssimo relógio Ómega Seamaster! Custou 3.500$00!!!! (menos de 20 €). O meu gosto pela actividade física recebia eco da parte dos soldados que se prontificavam a longos crosses desde os Arrifes até à cidade e volta. Com a Mauser às costas!
Mas nem tudo foram favas contadas! A minha grande dificuldade foi a que constatei de imediato ao tentar perceber aquela gente. As viagens de GMC no fim do dia de instrução para a cidade eram um verdadeiro suplício de tradução! Aos poucos fomos limando essa "questão de pormenor" e no final já era um verdadeiro açoriano...
Desenfianço antes do embarque
Chega o mês anterior à partida. Sem dizer água vai, meti-me na SATA até Stª Maria (na altura a TAP ainda não voava para Ponta Delgada) e daí apanhei o TAP vindo de Boston para Lisboa. Ia "desenfiado"! Sei que criei muita perplexidade ao tenente-coronel Mexia Leitão (comandante do BII 18) com esta "deserção" e a dúvida sobre uma não-comparência ao embarque esteve-lhe na ideia. Dois dias antes do levantar ferro do Carvalho Araújo, apareci em Ponta Delgada e nessa noite fui ao cinema ao Teatro Micaelense. Pontuava no 1º balcão a fina-flor açoriana e o Tenente-Coronel também lá estava. Foi notório o alívio que transpareceu na sua cara e lembro-me do abraço afectuoso que me dispensou. No fundo percebi o seu sentimento de camaradagem em não ter participado de mim na expectativa de que eu voltaria. Por acaso voltei. Por acaso, pois houve tentativas de aliciamento para fazer as malas e dar o salto. Foi numa altura em que estavam vários tenentes nas companhias vindos como antigos oficiais da GNR. Na C.Caç 2790 tínhamos o tenente Lucas e na 2789, o tenente Freitas. O primeiro cedo abalou para a Suécia. O segundo não conseguiu arregimentar pessoal para o acompanhar na acção. Recordo uma noite que passámos no cais de embarque de Ponta Delgada a congeminar a fuga para as Flores e daí "pedir boleia" à Força Aérea Francesa que, julgo, teria por lá uma sucursal... Não foi patriotismo nenhum! Foi mera incompatibilidade com a minha estrutura de vida que não me deu forças para tal. Tive, isso sim, o desejo de ter a experiência vivida de ter estado numa guerra e sobreviver. Hoje, e uma vez que consegui superar essa dificuldade, continuo a agradecer a oportunidade que tive e faço dela muitos paralelismos para a minha vida do dia-a-dia, regra geral com bons resultados.
Chegou, enfim, o embarque Como alferes miliciano e no ultramar, se a memória me não atraiçoa, auferia de um salário de 5.500$00 (27,5 € - hoje não compro uma camisa!).
Na medida em que não pagávamos as balas nem os estragos que provocávamos no capim e pouco havia onde gastar dinheiro, era-nos permitida uma poupança na Metrópole que se alimentava, mensalmente, de uma transferência de parte daquele valor. Tabaco, whisky, pequenos rádios que se adquiriam nas idas a Bissau, uma ou outra máquina fotográfica, um jantarzinho melhorado e outros pequenos nadas (...) seriam as desculpas para "derreter" os escudos remanescentes. Era, pois, uma vida sem problemas de créditos mal parados e não me apercebi nunca de situações delicadas motivadas por falta de dinheiro.
Sistematicamente eu dispensava (em carácter rotativo) uns quantos soldados de alinharem em operações numa tentativa de criar um ambiente menos tenso e de, as deslocações a Bissau que a maioria aproveitava para fazer, servirem para "aliviar a tensão" acumulada. As diferenciações académicas não eram demasiado críticas uma vez que o pelotão era constituído por homens de grau de conhecimentos semelhantes e os debates culturais não tinham, pura e simplesmente, lugar. Na caserna, a revista Corin Tellado era disputada a murro entre os soldados e havia mesmo um capitão que se perfilava na tentativa de conseguir o empréstimo do último número...
uma missão impossível
A iliteracia absoluta era propriedade de um soldado do meu pelotão que, numa determinada época, e após ter percebido que atribuir a missão de escrita e posterior leitura dos aerogramas para a namorada a outro magala era motivo de grande chacota na caserna, me promoveu a seu confidente. Esse soldado, a seu pedido e com a anuência do furriel Benigno Abreu, passou a ter aulas que lhe permitiriam desenhar as letras e ler. Veio mais tarde a perceber-se que sofria duma espécie de dislexia curiosa: conseguia conhecer as letras, conseguia juntá-las e constituir as sílabas, mas não conseguia juntar as sílabas para a formação final da palavra.
Ficou conhecida a seguinte peripécia: (Estava-se no estudo da letra "P". O livro de instrução primária mostrava a figura dum pato) O Abreu perguntava: oh Zebedeu (nome fictício), que letra é esta?
Zebedeu – É um "p", meu furriel! Abreu – Boa! E esta? Zebedeu – É um "a", meu furriel! Abreu – Então um "p" e um "a", como se lê? Zebedeu – Um "p" e um "a" lê-se pa, meu furriel! Abreu – Fantástico! E esta outra letra, como se chama? Zebedeu – É um "t", meu furriel! Abreu – E esta? Zebedeu – É um "o", meu furriel! Abreu – Muito bem, e como se lê um "t" e um "o"? Zebedeu – Um "t" e um "o" lê-se to, meu furriel! Abreu – Mas o "o" no fim da palavra lê-se.... Zebedeu – Lê-se "u". Abreu – Muito bem, Zebedeu, então já sabemos que um "p" e um "a" se lê pa; já sabemos que um "t" e um "o" se lê tu; então como se lê tudo? Zebedeu – "bufa", meu furriel! Escusado será dizer que a espontaneidade da gargalhada geral soou a uma só voz e ficámos na convicção de que o "Zebedeu" estava a gozar connosco. Não era, de facto, a situação, e só mais tarde vim a saber da existência dessa anomalia chamada de incapacidade de juntura silábica ou intervocabular. Já na vida civil, num jantar de confraternização, consegui localizar o "Zebedeu" e recordámos esta e outras situações e compreendi a grandeza humana que nos permite ser realmente AMIGOS. A minha companhia em geral e o meu pelotão em particular, era constituído maioritariamente por homens açorianos. Só os oficiais, os sargentos e os cabos especialistas é que eram metropolitanos (mais tarde os reforços de rendição individual também eram da Metrópole). O cariz religioso era, portanto, elevado. O capelão do batalhão, Padre Antero, irmão marista, homem calmo, sabedor, culto, simpático e amigo, cuidou das suas almas e confidenciou-os tendo angariado a generosidade daqueles corações. Esteve presente nos momentos difíceis e era um refúgio espiritual que particularmente tenho pena de não ter explorado. Muitos anos mais tarde, também o localizei e pedi-lhe que viesse celebrar a missa de bodas de ouro do casamento dos meus Pais, o que concordou e dirigiu palavras agradabilíssimas ao cruzar recordações do tempo da Guiné... Os meus Pais gostaram imenso e os restantes participantes na cerimónia/festa congratularam-se em conhecê-lo também. Fim deste capítulo
António
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Notas:

1. António Matos, ex-Alf Mil da CCaç 2790, Bula 1970/72

2. Artigo anterior em