1. Mensagem de Rosa Serra, ex-Enfermeira Pára-quedista, BCP 12, Guiné, 1969, nossa nova camarada e tertuliana, com data de 5 de Março de 2010:Olá Sr. Luis Graça.
Sou Rosa Serra, ex-Enfermeira Pára-quedista.
Conforme me foi solicitado aqui vai um pequeno resumo do meu percurso como Enfermeira Pára-quedista.
- Iniciei o meu curso de pára-quedismo em Setembro 1967 tendo este sido interrompido por acidente em instrução. Após estar completamente recuperada, concluí o curso sozinha e fui brevetada em 13 Março de 1968.
- No mesmo mês fui colocada no Hospital da Força Aérea, BA 4 - Ilha Terceira, nos Açores.
- Em Março de 1969 rumei para a Guiné para o BCP 12.
- Em Abril de 1970 fui colocada no BCP 21 em Luanda.
- Em Setembro de 1971 fui nomeada para o RCP, em Tancos, para ministrar um curso de primeiros socorros avançados a soldados pára-quedistas. Após terminada essa formação aos militares pára-quedistas, em Janeiro de 1972 iniciei o curso de instrutores e monitores em pára-quedismo na mesma unidade, o qual terminei em Março do mesmo ano.
- Em Junho de 1972 volto aos Açores, onde fico até Dezembro de 1972.
- Em Janeiro de 1973 fui colocada na 3.ª Região Aérea, tendo estado destacada cerca de um ano no AM-51 em Mueda.
- Em 1 de Março de 1974 rescindi o contrato, deixando de prestar serviço na Força Aérea.
Em relação à Enfermeira Ivone, apenas descrevo em traços gerais o que sempre apreciei nela, contudo não quis alongar-me muito; mas é sem dúvida uma grande Senhora e uma grande referência para as enfermeiras pára-quedistas.
Curiosidades:
Cerca de 20 anos depois de ter saído da Força Aérea, tomei conhecimento de que tive 2 louvores; um dado pelo Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné e outro pelo Comandante da 3.ª Região Aérea; e nos cursos de pára-quedismo que fiz, exceptuando as 2 semanas do primeiro curso antes do acidente, fiz o curso normal sozinha e no segundo era a única mulher do curso.
Logo que possível tentarei fazer-vos chegar as duas fotos da praxe - uma dos velhos tempos e outra actual. De qualquer modo, suponho que as fotos que o Miguel Pessoa vos enviou poderão ilustrar o texto sobre a Enfª Ivone.
Com os meus cumprimentos
Rosa Serra
ENFERMEIRA IVONE REIS
Tancos, 2005 > Enfermeira Pára-quedista Ivone ReisTêm-me perguntado várias vezes pela Enfermeira Ivone. Sei também que já há um certo número de pessoas que sabem que ela não tem estado bem de saúde, por isso aqui estou eu para falar um pouco da primeira enfermeira pára-quedista que eu conheci.
Nós, aqueles que a conheceram e que com ela conviveram períodos da sua vida por diversas razões, não a esquecem e no meu caso pessoal tenho bem presente quem foi a Ivone, como sempre a vi e o que eu aprendi com ela.
A Enfermeira Ivone pertence ao grupo das 6 Marias, nome pelo qual ficou conhecido o 1.º curso de Enfermeiras Pára-quedistas portuguesas feito em 1961.
Foi ela que contactou as futuras candidatas, residentes na Cidade do Porto, que em 1967 tinham pedido por escrito à Força Aérea informações sobre cursos para Enfermeiras Pára-quedistas. Foi a Enfermeira Ivone a primeira a deslocar-se ao Porto para conhecer as 4 interessadas na candidatura ao curso, onde eu estava incluída.
Mais tarde, eu, já Enfermeira com boina verde na cabeça, estive em várias comissões com ela. Fazíamos uma grande diferença de idade; eu muito novinha, a Ivone uma senhora cheia de sabedoria e experiência. Logo percebi tratar-se de uma pessoa de princípios e moral muito vincados, nem sempre de fácil contacto, porque o seu grau de exigência era muito elevado, não só para quem estava à sua volta, mas para com ela mesmo.
Não se lamentava do seu cansaço nem de quem a magoasse com qualquer atitude menos simpática; mas também não se inibia de chamar a atenção sobre tudo o que eu ou outra enfermeira qualquer pudéssemos fazer e que ela considerasse pouco correcto, ou até mesmo deselegante.
Fazia gosto e não se poupava a esforços para que todas nós fossemos um exemplo de profissionalismo impecável, cumpridoras de normas militares sem deslizes, posturas e atitudes que se destacassem, de forma a sermos admiradas como grupo.
No meu caso pessoal percepcionei logo na primeira comissão que fiz com ela a sua forma de estar e o seu rigor no desempenho da sua actividade como enfermeira em ambiente masculino e de guerra.
Várias vezes ela me chamou atenção por pequenas rebeldias insignificantes e atitudes que eu tomava, como entrar no helicóptero para ir fazer uma evacuação com o casaco de camuflado pendurado num ombro, de bolsa de enfermagem no outro e de
t-shirt branca; era sabido que quando regressasse logo me dizia do perigo em usar a
t-shirt em pleno mato pois tornava-me um alvo bem visível, além do aspecto pouco alinhado no uso do uniforme militar a bordo de uma aeronave.
Eu dizia-lhe para ela não se preocupar, porque eu era um alvo que não interessava a ninguém; e quanto ao desalinho do casaco pendurado no ombro, um dia respondi-lhe que só o fazia porque tinha calor, não pelo clima da Guiné, que até era “fresquinho”, mas se calhar por estar a entrar em “menopausa” e ela esboçou um sorriso e respondeu-me:
- A menina gosta muito de brincar.
Eu nunca levava a mal o que ela me dizia, apesar de eu ser mesmo uma periquita ao lado dela; sempre soube apreciar as suas qualidades profissionais sobretudo em termos de organização e de uma verticalidade e sentido de dever pouco comuns, mesmo nessa altura.
Mais tarde, em Angola, as enfermeiras colocadas em Luanda viviam num apartamento de um edifício da Força Aérea destinado a alojar militares e suas famílias. O ambiente era bem mais calmo que o da Guiné, o que nos permitia termos fins-de-semana, irmos à praia, convivermos mais tranquilamente com a comunidade civil ou com famílias de militares.
A Enfermeira Ivone sempre alinhou comigo nas horas de lazer, tal como respeitava se eu não a convidasse para ir comigo quando eu saía com um grupo de amigos ou familiares meus que lá se encontravam na época.
Em Angola eu estava colocada no BCP 21 e ela na Direcção do Serviço de Saúde da Força Aérea. Normalmente eu ia para o Batalhão com farda n.º 2 (saia, camisa e eventualmente blusão) e, claro, boina verde na cabeça. Um dia resolvi colocar num dedo um anel com uma pedra grande verde, que dava um bocado nas vistas; quando ela me viu sair com semelhante adereço, fardada, olhou para o dedo e com ar de espanto diz-me:
- A Rosa esqueceu-se que está fardada? - Eu respondi, não - e acrescentei:
- Não me diga que não é giro… condiz mesmo bem com o verde da boina - e ia mostrando o dedo e dizendo: - É lindo, até devia estar orgulhosa de uma Enfermeira Pára-quedista estar assim tão gira.
Ela respondeu-me:
- Nem por isso - e virou-me as costas. Acredito que se foi rir às escondidas.
Mais tarde comentámos uma série de peripécias deste género que se passaram connosco e fartámo-nos de rir, e com aquele jeito típico dela, depois destas lembranças e passados tantos anos, acabava por dizer:
- A menina era muito brincalhona, nunca consegui zangar-me consigo.
Estou a contar estes episódios porque sempre percebi que por trás daquele ar rigoroso dela estava uma mulher mais tolerante do que parecia, com uma capacidade de organização espantosa, uma noção de ética muito apurada, muito trabalhadora; e nunca a vi fazer uma crítica desagradável ou fofoqueira de ninguém e nem gostava que as pessoas que a rodeavam o fizessem.
Ao longo de todos estes anos mantive sempre contacto com ela, o que me permitiu tomar conhecimento de um espólio fantástico que ela foi recolhendo dos sítios por onde passou e organizando ao longo dos anos, tendo em vista a divulgação da história das Enfermeiras Pára-quedistas de quem ela tanto se orgulhava e que sempre se preocupou em não deixar cair no esquecimento. Foi sempre um bom exemplo para mim.
(Rosa Serra)
Tancos 2005 > I Encontro de Mulheres Boinas Verdes > A Enfermeira Ivone corta o bolo comemorativo
Base Aérea de S. Jacinto, 2007 > III Encontro de Mulheres Boinas Verdes > Da esquerda para a direita: Giselda, Rosa Serra (de branco), Maria Bernardo Vasconcelos (de vermelho e preto), atrás (?), depois Júlia Lemos (camisola florida), Amália Reimão (de branco), Céu Matos Chaves (de amarelo) e Zulmira André. Em baixo, Aida Rodrigues.
Base Aérea de S. Jacinto, 2007 > III Encontro de Mulheres Boinas Verdes > A partir da esquerda: (?), a Rosa Serra (de branco), a Zulmira André (meio tapada), a Maria Bernardo Vasconcelos (de vermelho e preto), Teresa Lamas, a Maria do Céu Matos Chaves (de amarelo), a Júlia Lemos (camisola florida) e a Amália Reimão (de branco). Em baixo estão a Giselda e uma camarada mais nova.
Base Aérea de S. Jacinto, 2007 >III Encontro de Mulheres Boinas Verdes> Giselda, Rosa Serra e Zulmira André
Fotos e legendas enviadas por Miguel PessoaComentário de CV:Cara Enfermeira Rosa, temos muito prazer em recebê-la na nossa Caserna Virtual, onde imperam os homens, mas onde as senhoras são bem-vindas. Que o diga a Giselda que tem sido acarinhada por todos nós, na medida em que era, até à sua chegada, a única representante da classe das Enfermeiras Pára-quedistas a quem tanto devemos pela nobre missão que desempenhavam nos teatros de guerra.
Apresentamos as nossas saudações de boas-vindas e esperamos que colabore no nosso Blogue, contando as suas histórias, complementando afinal o trabalho já desenvolvido pela nossa camarada Giselda Pessoa.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de > 20 de Setembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P4979: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (11): Fartote de hortaliças (Giselda Pessoa)