domingo, 12 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25514: Efemérides (436): Homenagem aos Combatentes da Guerra do Ultramar da Freguesia de São Romão de Aregos - Concelho de Resende (Fátima's)

Bandeira da União das Freguesias de Anreade e S. Romão de Aregos


Homenagem aos Combatentes da Guerra do Ultramar - União das Freguesias de Anreade e de São Romão de Aregos - Concelho de Resende

No dia quatro de maio de 2024, deu-se mais uma cerimónia de Homenagem aos combatentes da Guerra do Ultramar naturais de São Romão de Aregos, no concelho de Resende.

Apesar de o dia se encontrar chuvoso e envergonhado, os combatentes, os amigos, as famílias e curiosos não deixaram de estar presentes na emblemática igreja matriz de São Romão de Aregos que representa o sacrifício de muitos resendenses que “abalaram” da sua terra à procura de uma vida melhor.

A cerimónia teve início pelas 15h00, com a celebração de uma missa, em que se homenageou todos os combatentes do Ultramar vivos e falecidos na vida civil, não tendo havido mortes no Ultramar nesta freguesia. A eucaristia foi abrilhantada pelo Grupo Coral da Paróquia de São Romão de Aregos com um reportório de excelência. Após o momento litúrgico, deu-se o segundo momento da homenagem, onde se ouviu, na primeira pessoa, o testemunho do Furriel Fernando Silva que realizou um breve resumo da sua comissão militar em Moçambique, de 1972-1974, pertencendo à 2.ª Companhia do Batalhão de Artilharia 7220 e a leitura do testemunho do combatente Amadeu Pereira, que cumpriu comissão em Angola, de 1963-1965, na Companhia de Artilharia 422.

Finda a cerimónia na igreja, procedeu-se à inauguração de um Monumento aos Combatentes do Ultramar junto ao cemitério, seguido de um lanche/convívio.

A cerimónia foi organizada pela Junta da União das Freguesias Anreade e São Romão de Aregos com o apoio das Fátima´s. Estiveram representadas várias instituições civis e militares e entidades autárquicas, destacando-se a presença da Vice-presidente da Câmara Municipal de Resende, Dra. Maria José; do Presidente da Assembleia Municipal de Resende, Dr. Jorge Machado; de um dos assessores do Presidente da República, Tenente-coronel Anselmo Dias; de um representante do Comandante do CTOE, Major Gonçalo Pereira e de um representante do Comandante do Posto de Resende da GNR, Cabo Santos.

Estas celebrações têm tido a presença do Núcleo de Lamego da Liga dos Combatentes, representado por elementos dos seus órgãos sociais, associados e respetivo Estandarte Heráldico.

Interior da Igreja. Eucaristia celebrada pelo Senhor Pe. Abel com a participação do Grupo Coral
Sónia Pinto (Presidente da Junta da União das Freguesias Anreade e S. Romão de Aregos), Coronel Monteiro (Núcleo de Lamego da Liga dos Combatentes), Tenente-Coronel Anselmo Dias (assessor do Presidente da República), Major Gonçalo Pereira (representante do Comandante do CTOE), Cabo Santos (representante do Comandante do Posto de Resende da GNR), Furriel Fernando Silva
Sónia Pinto (Presidente da Junta da União das Freguesias Anreade e S. Romão de Aregos), Coronel Monteiro (Núcleo de Lamego da Liga dos Combatentes), Tenente-Coronel Anselmo Dias (assessor do Presidente da República), Major Gonçalo Pereira (representante do Comandante do CTOE), Cabo Santos (representante do Comandante do Posto de Resende da GNR), Furriel Fernando Silva
Interior da igreja e as Fátima´s
Combatente Amadeu Pereira e esposa
Combatente Cândido Lemos (Índia, prisioneiro)
Furriel Fernando Silva
Coronel Monteiro (Núcleo de Lamego da Liga dos Combatentes)
Dr.ª Maria José (Vice-presidente da Câmara Municipal de Resende)
Dr.ª Sónia Pinto (Presidente da Junta da União das Freguesias Anreade e S. Romão de Aregos)
Monumento aos Combatentes do Ultramar
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Nota do editor

Último post da série de 20 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25417: Efemérides (435): Homenagem aos Combatentes no Ultramar naturais da Freguesia de São Saturnino e inauguração do Monumento de Homenagem do Município de Fronteira aos Combatentes do Ultramar

Guiné 61/74 - P25513: Convívios (993): Rescaldo do 52.º Convívio do pessoal da CCAÇ 414 (Guiné e Cabo Verde, 1963/65), levado a efeito no passado dia 28 de Abril de 2024 em Arcozêlo-Vila Nova de Gaia (Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enf.º)

Na linda vila de Arcozelo, Vila Nova de Gaia - Pessoal da CCAÇ 414

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414, Catió (1963/64) e Cabo Verde (1964/65), com data de 12 de Maio de 2024:

Caros Camaradas,

No passado dia 28 de Abril a Companhia de Caçadores 414, combatente na Guiné-Bissau, com passagem” pela Ilha do Sal – Cabo Verde, sob a batuta do então Capitão Manuel Dias Freixo, realizou o 52.º convívio e o 59.º aniversário do nosso regresso.

O encontro aconteceu pelas 10H30 junto à igreja Matriz, onde foi celebrada missa pelos camaradas falecidos. Infelizmente, a idade e o desconhecimento do paradeiro de alguns camaradas, a comparência foi bastante reduzida, conforme foto anexa.

No Restaurante New Life foi servido o almoço e dar largas ao convívio.

Tomou a palavra o camarada ex-Furriel Miliciano Castro que começou por cumprimentar todos os presentes: ex-militares, seus acompanhantes, e um especial agradecimento ao organizador, camarada António Araújo, suas filha (Carla) e neta (Bárbara).

Após as boas-vindas fez a chamada dos Camaradas falecidos a que todos responderam com um sonoro “PRESENTE”. Seguiu-se um minuto de silêncio em sua honra.

Antes do repasto, que a todos agradou, lembrou o quanto nos devemos sentir felizes por podermos lembrar os bons e maus momentos por lá passados, deu conhecimento deste nosso blogue e como podem visitá-lo e nele se inscreverem.
O ex-Fur Mil Manuel Castro falando aos camaradas presentes

Terminou o convívio com os habituais abraços de despedida e um “ATÉ AO ANO”.

Um abraço para a Tabanca Grande e os meus agradecimentos.
Manuel Castro (Tabanqueiro793)

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Nota do editor

Último post da série de 8 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25493: Convívios (992): XXVIII Almoço/Convívio dos combatentes que passaram por Bambadinca entre 1968/1971, dia 25 de Maio de 2024, em Vila Nogueira de Azeitão (João Gonçalves Ramos, ex-sold radiotelegrafista, CCAÇ 12, 1969/71)

Guiné 61/74 - P25512: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (17): "Uma moedinha, por favor"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"


Uma moedinha, por favor

O homem subia a rua da Restauração, a qual, apesar do nome, nada restaurava, antes o desconjuntava ainda mais com a subida íngreme. Com a ajuda de uma bengala, arrastava a perna direita, desacertada por um AVC. Passava-se isto perto do bairro Ignês, o bairro dos Erasmus, junto à casa abandonada do velho médico dos olhos, onde eu esperava os meus netos para a festa do primeiro aniversário da Carmen.

- Filhos da puta enfiaram-me no banco de trás do carro, lá no fundo da rua, e disseram: “Ó meu, passa para cá o carcanhol!” Limparam-me dezoito euros e deixaram-me aqui. O velho dirigia-se a mim fazendo esforços para lacrimejar.

- O senhor está com cara de riso… não acredita, pois não…? Claro que não. Eu bem digo à tola da minha mulher que esta treta não dá resultado e deixa a gente de queixo caído, mas ela é teimosa e diz que eu é que sou burro e não sei armar bem a estrangeirinha. Mas eu antes quero pedir uma ajudinha, cara a cara. O senhor pode dar-me uma moedinha, por favor? E desculpe lá a aldrabice!

Chovia miudinho. Abrigámo-nos debaixo de um beiral. Foi uma chatice para a Maria e para o Michael que tiveram de meter a mesa debaixo de um vão de escada, mas a paisagem sobre o Douro era deslumbrante, apesar da chuva e da neblina.

- Mas o senhor quer saber, a minha mulher ainda faz pior. Encosta-se à entrada de um prédio e diz a quem passa que bateu a porta do andar e deixou lá dentro a chave, a carteira com o telemóvel, uma irmã entrevadinha e um cãozito a gemer de fome, e pede dinheiro para ir de autocarro a Gondomar, buscar uma chave a casa de outra irmã. Mas ela não tem nenhuma irmã, nem aqui nem em Gondomar. Anda nisto há meses e já fez alguns euros. Inventa estas coisas mesmo com a cabeça cheia de alzaima. Quando alguém pega no telemóvel e diz que vai ligar à polícia para resolver a situação, ela pira-se. Não tem ponta de vergonha.

- Eu antes quero ser sério do que aldrabão. O senhor pode dar uma moedinha?

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Nota do editor

Último post da série de 5 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25482: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (16): "Linda"

Guiné 61/74 - P25511: Timor - Leste. passado e presente (1): terra "abençoada por Deus" e "castigada pelo Diabo em figura de gente" no século passado, os japoneses (1942-1945) e os indonésios e as suas milícias (1975-1999)


1. Os portugueses sabem ainda pouco da história (passada e recente) de Timor-Leste (*). Mas têm, pelo menos,  a ideia de que a luta pela sua independência (do domínio indonésio, 1975-1999) foi marcada pelo genocídio do povo maubere (estimado em 1/3 da população, que seria então da ordem dos 750 mil habitantes).

Na página do AMRT – Arquivo & Museu da Resistência Timorense, há uma base de dados sobre os Combatntes da Libertação Nacional (n=58070), dos quais 13916 foram considerados  "mártires" e os restantes  (44154) "não mártires", identificados todos por nome, foto (os não mártires), município da naturalidade, anos  de dedicação à luta na resistência, e condecoração.

Também sabemos pouco, nós, os portugueses,  sobre a invasão e  ocupação da ilha quer por tropas aliadas (australianas e holandesas) em 17 de dezembro de 1941 quer depois por tropas japonesas, logo a seguir,  em retaliação, dois meses depois, em 20 de fevereiro de 1942.  

 Havia no território um pequena comunidadade portuguesa (cerca de 600 pessoas),  a maior parte funcionários públicos, civis e militares, e pessoal religioso das missões católicas. Os pais e a irmã mais nova do José Afonso ("Zeca" Afonso), cantor e compositor (1929-1987),  acabaram num 'campo de concentração' em Liquiçá durante os restantes três anos (1942-1945).  O pai era magistrado em Dili nessa altura, vindo de Moçambique em 1939, depois de passar por Angola. Essa história dramática da família do "Zeca" Afonso (a estudar em Coimbra, durante o período da II Guerra Mundial, juntamente com o irmão mais velho) bem como da população  timorense  (c. 400 mil), todos apanhados de surpresa pelos acontecimentos, está contada no documentário "Rosas de Ermera", de Luís Filipe Rocha (Portugal, 2017) que passou na RTP1 em 2018. 

Terão morrido 90 portugueses e mais de 40 mil timorenses (de Timor Leste) durante a invasão e ocupação japonesas.

Para saber mais, leia-se  também o artigo de Jorge Silva Rocha, da Comissão de História Militar, sobre Prisioneiros em Timor na II Guerra Mundial" : Rocha, J. S. (2019). Prisioneiros portugueses em Timor durante a segunda guerra mundial. In Pedro Aires Oliveira (Ed.), Prisioneiros de guerras: Experiências de cativeiro no século XX. (pp. 217-239). Lisboa: Tinta da China .

É escassa a investigação historiográfica sobre este período da história timorense, até por falta de fontes arquivísticas. As principais fontes ainda são memorialísticas. De qualquer modo, Timor Leste foi o único território português ou sob administração  portuguesa que foi invadido e ocupado por forças estrangeiras  durante a II Guerra Mundial, não obstante a neutralidade de Portugal.




Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 05768.032.08295 | Título: Diário de Lisboa | Número: 6853 | Ano: 21 | Data: Sexta, 19 de Dezembro de 1941 | Directores: Director: Joaquim Manso | Edição: 2ª edição | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: IMPRENSA (Com a devida vénia...)

Citação:
(1941), "Diário de Lisboa", nº 6853, Ano 21, Sexta, 19 de Dezembro de 1941, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_25120 (2024-5-12)




Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares |Pasta: 05768.032.08354 |Título: Diário de Lisboa | Número: 6912 |Ano: 21 | Data: Sexta, 20 de Fevereiro de 1942 | Directores: Director: Joaquim Manso |  Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: IMPRENSA| (Com a devida vénia...)

Citação:
(1942), "Diário de Lisboa", nº 6912, Ano 21, Sexta, 20 de Fevereiro de 1942, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_26731 (2024-5-12)

 

Timor Leste > Dili  > Palácio do Governo  > 2023 > Foto do Jornal Tornado, "on line" (Jornal global para a lusofonia), 23 de junho de 2023 (com a devida vénia) 

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Temos agora, na Tabanca Grande, duas vozes que falam de Timor e, de algum modo, em nome dos timorenses, o nosso mais recente grão-tabanqueiro, nº 886, Rui Chamusco (fundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste) e o João Crisóstomo, líder do LAMETA (Movimento Luso-Americano para a Autodeterminação de Timor Leste)... Com eles dois temos aprendido algo mais sobre Timor-Leste e os timorenses, por quem os portugueses têm mostrado, nas últimas décadas, um especial carinho e solidariedade.


2. Timor Leste > História (Excertos)
 
Timor Português 

A porção ocidental da ilha de Timor, com capital em Kupang, pertence hoje à República da Indonésia. A porção oriental, com capital em Díli, pertencia a Portugal desde o século XVI. Quando os primeiros mercadores e missionários portugueses aportaram na ilha de Timor em 1515, encontraram populações organizadas em pequenos estados, reunidos em duas confederações: Servião e Belos, que praticavam religiões animistas. O islamismo, cuja religião predomina na Indonésia actual, não tinha chegado a Timor, e nem o mesmo o budismo que, sobretudo no Séc.VIII, imprimiu a sua marca em Java.

No 3º quartel do século XVI chegaram a Timor os primeiros frades dominicanos portugueses, através dos quais se vai desenvolvendo uma progressiva influência religiosa, ao mesmo tempo que se vai estabelecendo a dominação portuguesa. A evolução cultural processou-se em sentido oposto ao que se verificou nas actuais ilhas indonésias de Java, Sumatra e nas costas de Kalimantan e de Sulawesi, onde o islamismo se estendeu cada vez mais.

Em 1651, os holandeses conquistaram Kupang, no extremo oeste da ilha de Timor, e começam a penetrar até a metade de seu território. Em 1859, um tratado firmado entre Portugal e Holanda fixa a fronteira entre o Timor Português (actual Timor-Leste) e o Timor Holandês (Timor Ocidental). Em 1945 a Indonésia obteve sua independência, passando o Timor Ocidental a fazer parte de seu território.

Timor na Segunda Guerra Mundial

Durante a Segunda Guerra Mundial, as forças Aliadas (australianos e holandeses), reconhecendo a posição estratégica de Timor, estabeleceram posições no território tendo-se envolvido em duros confrontos com as forças japonesas. Algumas dezenas de milhar de Timorenses deram a vida lutando ao lado dos Aliados. Em 1945, a Administração Portuguesa foi restaurada em Timor-Leste.

Direito à Autodeterminação

Entre 1945 e junho de 1974, o governo indonésio, em obediência ao Direito Internacional, afirma na ONU e fora dela que não tinha quaisquer reivindicações territoriais sobre Timor Oriental (Leste). Ao abrigo da resolução 1514 (XV) de 14 de Dezembro de 1960, Timor-Leste foi considerado pelas Nações Unidas como um Território Não-Autónomo, sob administração portuguesa. 

Desde 1962 até 1973, a Assembleia Geral da ONU aprovou sucessivas resoluções, afirmando o direito à autodeterminação do Timor-Leste, tal como das restantes colónias portuguesas de então. Em Portugal o regime de Salazar (e, depois, de Marcelo Caetano), recusou-se a reconhecer esse direito, afirmando que Timor Oriental era uma província tão portuguesa como qualquer outra de Portugal Continental.

Revolução em Portugal

A Revolução de 25 de Abril de 1974, que restaurou a democracia em Portugal, consagrou o respeito pelo direito à autodeterminação das colónias portuguesas. Visando promover o exercício desse direito, foi criada em Díli a 13 de maio daquele ano a Comissão para a Autodeterminação de Timor. 

O Governo Português autorizou, então, a criação de partidos políticos, surgindo assim três organizações partidárias em Timor Leste: 

  • a UDT (União Democrática Timorense), que preconizava "a integração de Timor numa comunidade de língua portuguesa"; 
  • a ASDT (Associação Social-Democrata Timorense) depois transformada em FRETILIN (Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente) , defendia o direito à independência; 
  • e a APODETI (Associação Popular Democrática Timorense), propunha a "integração com autonomia na comunidade Indonésia".

Descolonização de Timor

Em 1975, com a dissolução do império colonial português, aumentaram os movimentos de libertação locais. Em maio de 1975, um projecto das autoridades de Lisboa foi apresentado aos principais partidos Timorenses e, depois de ouvi-los, publicou-se em 11 de julho a lei que previa a nomeação de um Alto Comissário português, e, em outubro do mesmo ano, a eleição de uma Assembleia Popular para definir o seu estatuto político. O diploma previa um período de transição de cerca de três anos.

Desde janeiro de 1975, já estava em marcha um programa local de progressiva descolonização, através de uma Reforma Administrativa, a qual levou à realização de eleições para a administração regional do Conselho de Lautém. 

Os resultados da primeira consulta popular puseram em evidência o reduzido apoio da APODETI, tornando-se óbvio que, por processos democráticos, os Timorenses nunca aceitariam a integração no país vizinho. Muito antes dessas eleições regionais era claro, para qualquer observador independente que visitasse o território, que a esmagadora maioria dos Timorenses recusava totalmente a integração na Indonésia. As diferenças culturais eram uma das principais razões de fundo desta recusa.

Proclamação da Independência

Em 28 de Novembro de 1975 dá-se a Proclamação unilateral da Independência de Timor-Leste pela FRETILIN e pelo primeiro Presidente da República, Xavier do Amaral, assumindo o cargo de Primeiro-Ministro Nicolau Lobato, que viria a ser o primeiro líder da Resistência Armada. Com a proclamação da Independência tem também início a guerra civil.

A Indonésia, a pretexto de proteger os seus cidadãos em território Timorense, invade a parte Leste da ilha e rebaptiza o território de Timor Timur, tornando-a sua 27ª província. Recebeu o apoio tácito do governo norte-americano que via a Fretilin como uma organização de orientação marxista.

Resistência Timorense

Após a ocupação do território pela Indonésia a Resistência Timorense consolida-se progressivamente, inicialmente sob a liderança da FRETILIN. 

Para apoiar as FALINTIL (Forças Armadas de Libertação de Timor-Leste), criadas em 20 de Agosto de 1975, organiza-se a Frente Clandestina ao nível interno, e a Frente Diplomática, ao nível externo. 

Posteriormente, sob a liderança de Xanana Gusmão é implementada a política de Unidade Nacional, unificando os esforços de todos os sectores políticos Timorenses e avançando com a despartidarização das estruturas da Resistência, transformando o CRRN (Conselho Revolucionário de Resistência Nacional) em CNRM (Conselho Nacional de Resistência Maubere), mais tarde transformado em CNRT (Conselho Nacional de Resistência Timorense), que viria a liderar o processo até à independência de Timor-Leste, já sob os auspícios das Nações Unidas. (Para mais informações sobre a Resistência Timorense, consultar o Website do AMRT – Arquivo & Museu da Resistência Timorense.

Aproximadamente 1/3 da população do país, mais de 250 mil pessoas, morreram na guerra

O uso do português foi proibido, e do tétum foi desencorajado pelo Governo pró-indonésio, que realizou violenta censura à imprensa e restringiu o acesso de observadores internacionais ao território até a queda de Suharto em 1998.

Consulta Popular – Sim à Independência

Em 1996 José Ramos-Horta e o bispo de Díli, D. Ximenes Belo receberam o Nobel da Paz pela defesa dos direitos humanos e da independência de Timor-Leste. 

Em 1998, com a queda de Suharto, após o fim do "milagre económico indonésio", B.J.Habibie assumiu a presidência desse país, tendo acabado por concordar com a realização de um referendo onde a população votaria "sim" se quisesse a integração na Indonésia com autonomia, e "não" se preferisse a independência. 

O referendo foi realizado em 30/08/1999 e, com mais de 90% de participação no referendo e 78,5% de votos, o Povo Timorense rejeitou a autonomia proposta pela Indonésia, escolhendo, assim, a independência formal.

Apesar disso, milícias pró-Indonésia continuaram a actuar no território, atacando inclusive a sede da UNAMET (os observadores das Nações Unidas) e provocando a saída do Bispo D. Ximenes Belo para a Austrália, e o asilo de Kay Rala Xanana Gusmão na embaixada inglesa em Jacarta. Os assassinatos, promovidos por milícias anti-independência, armadas por membros do exército indonésio descontentes com o resultado do referendo, continuaram.

Solidariedade Internacional

As imagens despertaram protestos em vários países do mundo junto às embaixadas da Indonésia, norte-americanas e britânicas, e também junto às Nações Unidas, exigindo a rápida intervenção para cessar os assassinatos. 

Em Portugal nunca se viram tantas manifestações populares de norte a sul do país desde o 25 de Abril de 1974. 

Pela primeira vez também a Internet foi utilizada em massa na divulgação de campanhas pró Timor e a favor da rápida intervenção da ONU.

Intervenção das Nações Unidas

Finalmente a 18 de Setembro de 1999 partiu um contingente de "capacetes azuis" das Nações Unidas, uma força militar internacional composta inicialmente de 2500 homens, depois aumentados para 8 mil, incluindo australianos, britânicos, franceses, italianos, malaios, norte-americanos, canadianos e outros, além de brasileiros e argentinos. 

A missão da força de paz, chefiada pelo brasileiro Sérgio Vieira de Mello, era a de desarmar os milicianos e auxiliar no processo de transição e na reconstrução do país.
Restauração da Independência

Em Portugal e em vários outros países organizaram-se campanhas para arrecadar donativos, víveres e livros. Aos poucos a situação foi sendo controlada, com o progressivo desarmamento das milícias e o início da reconstrução de moradias, escolas e do resto da infra-estrutura. 

Xanana Gusmão retornou ao país, assim como outros Timorenses no exílio, inclusive muitos com formação universitária. Foram realizadas eleições para a Assembleia Constituinte que elaborou a actual Constituição de Timor-Leste, que passou a vigorar no dia 20 de maio de 2002, quando foi devolvida a soberania ao país passando este dia a ser assinalado como Dia da Restauração da Independência.

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

sábado, 11 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25510: Facebook...ando (55): A nossa tabanqueira Inês Allen inaugurou, em 23 de março último, em Empada, o Estádio de Futebol Xico Allen, dos Metralhas de Empada FC

 










Guiné-Bissau > Região de Quínara >  Empada > Março de 2024 >  A Inês Allen foi inauguar o estádio do Empalhas Metralhas FC, que tem o nome de seu pai, Xico Allen (que foi 1º cabo at inf, CCAÇ 3566, "Os Metralhas", Empada, 1 972/74)  Um sonho tornado realidade. Um sonho lindo. 

Fotos: © Inês Allen / Metralhas de Empada FC  (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A notícia já tinha sido dada aquii pelo nosso "histórico" (e grande amigo da Guiné-Bissau) Zé Teixeira (*):


(...) Um grupo de 19 pessoas, entre os quais, doze ex-combatentes, na sua maioria companheiros do Xico Allen dos tempos da guerra colonial, acompanham a Inês Allen, nesta sua viagem à Guiné-Bissau, mais propriamente a Empada, para participarem na inauguração do campo de futebol Francisco Allen.

Tudo começou em 2005, quando o Xico Allen descobriu que a placa em cimento com o totem da sua Companhia militar servia de tapete de entrada, numa casa de um importante cidadão local. Revoltado com o que viu, pegou na pesada pedra e trouxe-a para Portugal.

Na sua última visita àquela tabanca, onde esteve cerca de dois anos, ente 1972 e 1974, apercebeu-se de que o clube de futebol local, adotara o nome da sua Companhia operacional – Os Metralhas de Empada, e decidiu devolver a placa com o símbolo da Companhia, ao Clube de Futebol.

Infelizmente a morte montou-lhe uma emboscada antes de ele conseguir voltar a Empada, mas a sua filha Inês tomou a peito a sua decisão, cumpriu a promessa do pai, e foi, no ano passado, a Empada levar o símbolo.

Foi recebida em festa, tal como o pai era recebido. Ele era um filho da terra, muito querido.

Guião da CCAÇ 3566.
Cortesia de Carlos Coutinho (2009)
Não havia campo de futebol, apenas um espaço de terreno, onde se jogava a bola. A Inês, generosa e ativa, avançou com um projeto de angariação de fundos e o campo de futebol, o sonho dos jovens de Empada, ganhou forma. Hoje, é uma realidade, graças ao empenho solidário da Inês, do Ricardo Abreu, do Silvério Lobo, dos Metralhas e de outros camaradas que se uniram e deram forma ao sonho, tornando-o realidade.


O campo de futebol Francisco Allen vai ser 
inaugurado no próximo dia 23 de março 
com a presença da Inês Allen e dos amigos que já se encontram na Guiné-Bissau.

O Ricardo Abreu, grande amigo do Xico Allen e companheiro  
de várias viagens à Guiné-Bissau, nunca vai só. Procura levar na bagagem coisas de primeira necessidade para o povo guineense, nomeadamente medicamentos. Desta vez, levam cerca de 250 quilos em doações de farmácias, nomeadamente comida para bebé, biberões, seringas que vai deixar pelas tabancas por onde vão passar.

Partiram no sábado passado e logo à chegada fizeram uma romagem ao cemitério de Bissau, onde estão sepultados muitos soldados que tombaram ao serviço de Portugal. Vão de seguida dar uma volta pela Guiné-Bissau profunda, passando por, entre outras tabancas, Tite, Nova Sintra e Fulacunda.

No dia vinte e três, vão participar na festa de inauguração do campo de Futebol de Empada -Francisco Allen, com a presença da Inês Allen, a grande impulsionadora e financiadora do projeto da sua construção.

Nessa data será também inaugurada a descascadora de arroz, um projeto inovador que permite libertar as mulheres e sobretudo 
as crianças da tarefa do descasque manual no famoso pilão, 
o que permite libertar tempo às jovens para se dedicarem à sua valorização escolar. 

Zé Teixeira

2.  As fotos que publicamos, retiradas com a devia vénia da página do Facebook da Inês Allen e da dos Metralhas de Empada FC,  falam por si. (***)

Foram editadas por nós. A Inês herdou o amor pela Guiné, por via do pai e da mãe, dois dos primeiros "tugas" a irem à Guiné-Bissau em turismo de saudade (primeiro em 1992, depois, 1994, 1996 e 1998, e por aí fora). Ambos são dois históricos do nosso blogue. Infelizmente já faleceram. Mas a sua memória,  e em especial a do "metralha" Xico Allen, foi devidamemnte homenageada pelos homens, mulheres e crianças de Empada e as suas equipas de futebol (incluindo a equipa feminina), no passado dia 23 de matço.

 É espantoso como o futebol pode também gerar cadeias de solidariedade, emoção e amizade. Bem hajas, Inês. Os teus pais bem se podem orgulhar de ti, lá na estrelinha do céu donde irradiam amor,  sabedoria e inspiração.

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(**) Vd. poste de 30 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24269: E as nossas palmas vão para ... (23): Inês Allen, hoje nossa tabanqueira nº 875: Devolveu a Empada, em fevereiro de 2023, a efígie de "Os Metralhas", divisa da CCAÇ 3566 (1972/74), e nome do clube de futebol local, dando cumprimento à última vontade do pai, Xico Allen (1950-2022)

(***) Último poste da série > 10 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25501: Facebook..ando (54): as lindas e gentis mulheres Tandas, de Imberém, Cantanhez: foto da semana de 20 de junho de 2011, da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento

Guiné 61/74 - P25509: Os 50 anos do 25 de Abril (20): A Força das Músicas e Palavras Que Inspiraram O Meu Ser D´Abril (António Inácio Correia Nogueira, ex-Alf Mil da CCAÇ 16 - CTIG, 1971 e ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 3487 / BCAV 3871 - RMA, 1972/74)

1. Mensagem do nosso camarada António Inácio Correia Nogueira, Doutor em Ciências Sociais, especialidade em Sociologia, ex-Alf Mil da CCAÇ 16 (CTIG, 1971) e ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 3487 / BCAV 3871 (RMA, 1972/74), com data de 7 de Maio de 2024:

Caro amigo e camarada
Vou fazer o que me diz. É uma honra.
[1]
Envio outro texto. Pode divulgar, caso entenda que tem merecimento para tal.

Um abraço reconhecido.
António Inácio Correia Nogueira



TESTEMUNHOS

A Força das Músicas e Palavras Que Inspiraram O Meu Ser D´Abril

Um Disco meu, com 56 anos, que contém a balada Vampiros

A interpretação sobre o 25 de Abril continua a gerar muitas opiniões diferentes. Ainda bem. Por isso, possuo a minha. A propensão que se observa é para descortinar e ter novos olhares sobre esse momento histórico. Os actores do processo serão sempre os militares e os movimentos sociais, culturais e políticos. Na minha juventude pude observar a importância destes três últimos e a forma como tiveram influência na minha formação política antes e depois do 25 de Abril. Os escritores, os poetas e os músicos, desempenharam um papel fundamental de esclarecimento junto da população e, particularmente, na mobilização dos jovens estudantes e seus movimentos associativos para a luta reivindicativa contra as medidas do Estado Novo. E, sem dúvida, no esclarecimento dos Capitães de Abril.

Hoje aqui deixo os livros e canções que mais concorreram para acender, dentro de mim, então jovem-adulto, a convicção indiscutível da luta contra o Estado Novo.

Começarei pelos que foram os meus livros de eleição:
1. O Canto e as Armas de Manuel Alegre (1967), livro que esgotou em poucos dias, como já havia acontecido com A Praça da Canção, do mesmo autor, em 1965. Ambos foram proibidos e os exemplares encontrados apreendidos pela PIDE. Circulavam milhares de cópias manuscritas e dactilografadas, de tal modo que O Canto e as Armas, nunca deixou de existir. Foram livros incentivadores e mobilizadores dos grandes movimentos estudantis como o de 1969 em Coimbra e armas secretas de conscientização política de muitos portugueses.

2. As Novas Cartas Portuguesas de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa publicadas em 1972, desafiaram o poder instituído e tornaram-se num símbolo maior da literatura feminista em Portugal. Foi imediatamente proibido pela censura. Teve um papel central na queda da ditadura e levantou o véu sobre a emancipação e direitos da mulher e igualdade de género. Neste campo, recordo o poema Calçada de Carriche (1967) de António Gedeão, um poema que põe a nu a exploração de que eram vítimas as mulheres no Estado Novo. Na minha biblioteca, ainda hoje se pode ver, numa das paredes, um poster com essa poesia de indignação.

3. Portugal e o Futuro de António de Spínola, livro que João Céu e Silva, considera um golpe de estado em 248 páginas, publicado dois meses antes do 25 de Abril, foi uma arma, um rastilho, que pôs em movimento muitos capitães indecisos. Milhares de leitores, diz-se que foram 230 mil portugueses, ocorreram às livrarias para conseguir um exemplar. No seu miolo, seis palavras ficam para a história do 25 de Abril: a vitória exclusivamente militar é inviável. O país percebia que a derrocada estava perto. Talvez tenha sido um dos livros de maior sucesso dos últimos 50 anos, vindo a igualar, segundo dizem, A Selva, de Ferreira de Castro.

Atente-se, agora, nas músicas e baladas que me ajudaram a ser activista político contra o Estado Novo

1. Vampiros, canção de José Afonso, é originariamente gravada em 1963. Foi um dos temas fundadores do canto político em Portugal, em tempo de censura e um símbolo da resistência contra o fascismo. A capa do disco acima reproduzido, é de minha pertença e foi ouvido com intensa exaltação num comício organizado pela Comissão Democrática de Vila Real (em 23 de Outubro de 1969) a quando das eleições para deputados.
Encontrava-me nesta terra a desempenhar funções docentes, enquanto aguardava o chamamento para o serviço militar obrigatório na Escola Prática de Infantaria de Mafra.

2. Trova do Vento que Passa é uma balada da autoria de Manuel Alegre e António Portugal, cantada em 1963 por Adriano Correia de Oliveira. Tornou-se, rapidamente, numa das principais armas de denúncia da situação do país, já mergulhado na Guerra Colonial. Nas paredes do meu quartel em Sanga Planície, Cabinda, estava em placar, a letra desta canção que muitos soldados cantarolavam.

3. Grândola Vila Morena é a canção emblema do 25 de Abril, senha principal para saída das tropas para o golpe de estado.
Foi escrita e gravada em 1971 em França, com arranjos e direcção musical de José Mário Branco. José Afonso estreou a canção em Santiago de Compostela em 10 de Março de 1972.
Em 1973 foi publicada pela editora Orfeu. Continua a ser um marco nacional entoada nas marchas anuais do 25 de Abril e noutras manifestações onde se promove a liberdade e a democracia.

4. Pedra Filosofal é um poema admirável de António Gedeão a que Manuel Freire deu voz, pela primeira vez, em 1970. É uma balada nobre, à espera de dias melhores. Um desabrochar, uma esperança, um mito.

Eles não sabem nem sonham / Que o sonho comanda a vida / E que sempre que o homem sonha / O mundo pula e avança / Como bola colorida / Entre as mãos de uma criança

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Notas do editor:

[1] - O nosso camarada António Inácio Nogueira foi convidado pelos editores a integrar a tertúlia

Último post da série de 8 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25495: Os 50 anos do 25 de Abril (19): Convite para a apresentação do livro "A Caminho do 25 de Abril - Uma Organização Clandestina de Oficiais da Armada", dia 14 de Maio de 2024, pelas 18h00, no ISCTE - Edifício 2, Auditório B1.03 - Lisboa

Guiné 61/74 - P25508: Os nossos seres, saberes e lazeres (628): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (153): Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Há razões muito sérias que me levam a prolongar esta viagem encantatória por um lugar que frequentei com grande insistência décadas a fio, primeiro a Livraria e um livreiro afável e pedagogo, ali expunha-se um admirável mundo de livros de ideias, da moderna literatura, naquele tempo a língua francesa tinha grande peso, mas os alunos de Germânicas eram grandes frequentadores à procura de cinema, teatro, romance, ensaio, política; depois abriu-se uma sala ao lado, era a inolvidável surpresa de vermos nas paredes gente de que nunca tínhamos ouvido falar, e apareciam velhos mestres ou artistas consagrados, conversava-se em grupos e havia aquele espanto de tanto se poder escutar Adriano Correia de Oliveira como Bach. Pelo adiante, o espaço cresceu, e agora qualquer um de nós pode ir conhecer a história da 111 por 60 anos de vida, como cresceu, como aquela coleção de Manuel de Brito é uma referência reconhecer o que mais de singular se produziu na segunda metade do século XX, até à atualidade, e a participação de artistas estrangeiros é muito mais do que interessante. Até à próxima.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (153):
Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 - 3


Mário Beja Santos

Terá sido à volta de 1966, já decorriam as exposições de novíssimos artistas na sala ligada à Livraria 111, seria um princípio de tarde, ouvia-se um dos concertos de brandeburgueses de Bach, bem sentado, deu-me para pensar por onde andara a minha iniciação estética. Frequentava semanalmente a casa dos meus padrinhos, ali pendurava-se pelas paredes Dordio Gomes, Simão da Veiga, Veloso Salgado, Túlio Vitorino, Maria Adelaide Lima Cruz e até exposto numa vitrina um desenho que Almada Negreiros fizera durante uma lição de desenho ao meu padrinho. Tudo arte figurativa, neoacademismo, naturalismo, modernismo em várias gerações. Fizera-me, anos antes, sócio de uma cooperativa, Gravura, dava-se uma ninharia trimestralmente, ao fim de um ano tinha-se direito a uma gravura, no primeiro ano coube-me Mulher reclinada, de Júlio Pomar, foi prenda de casamento para um amigo. Hoje, quando leio que foram os anos 1960 os de rutura, tenho sérias dúvidas, quando vejo Querubim Lapa, Vespeira, Pomar, Vieira da Silva, Nadir Afonso, Cruzeiro Seixas, Sena da Silva, Carlos Calvete, Nikias, António Areal, entre outros.

Mas será na 111 que irei ter acesso a uma nova dimensão da modernidade, logo Paula Rego, Eduardo Batarda, Costa Pinheiro, Joaquim Bravo, Lourdes Castro, Palolo, Noronha da Costa. Aquilo que os críticos irão chamar as novas linguagens, quanto a ruturas radicais, torço o nariz, há processos de continuidade, vincam-se novas tendências para além do neorrealismo já em vias de abandono, mas ainda o pujante surrealismo, há um conjunto de artistas no estrangeiro, surge a simpatia pelo pop, o minimalismo, a arte gótica, uma transfiguração do expressionismo, sinais do gestualismo, a plenitude da arte abstrata, o desafio das relações entre a pintura e a escrita, criando-se uma pintura caligráfica, aparece o acrílico, os objetos de arte, as pinturas-objeto de Helena Almeida. Tive essa escola, comecei a visitar exposições noutras galerias, mantive-me sócio da Gravura. Fui à guerra e volto à 111 no outono de 1970, senti um choque, as artes plásticas galgavam para novos horizontes, eu vinha do horror e da brutalidade, de patrulhas de flagelações, de golpes de mão, dos meus mortos e dos meus feridos, aqui o mundo seguia noutras direções, manifestamente indiferente às guerras de África. Mas a 111 foi um espaço de readaptação e reequilíbrio, a par da vida familiar, da retoma dos estudos, muita da arte que vou ver ao longo dos anos 1970, antes e depois do 25 de Abril, ajudou-me a ser quem sou hoje. Por isso, a minha dívida para com a 111 é impagável, a solicitude do Manuel de Brito que a todos atendia tão afavelmente, sem nunca ter em conta o poder de compra do cliente próspero ou dos estudantes e o seu viver magro, honra lhe seja sempre feita como galerista que só ansiava por ver multiplicada a arte que aqui se expunha.

E, por isso, vou andando às voltas, em dança e contradança, recordando o que vi ao tempo ou que acabo de conhecer de novas gerações. E a visita continua.

Centro de Arte Manuel de Brito, imagem não atual, Campo Grande, 113A
Golden Girl, por Adriana Molder
Carlos Botelho, Place du Tertre
Foi livraria, já não é, mas continua a ser um recanto de que se gosta de bisbilhotar
Carlos Correia, sem título
Joana Fervença, Unfairtrade
Bartolomeu dos Santos, A Palmeira do Chile – eu em Algés em 1934
Bengt Lindström, Regard D’Ailleurs
Júlio Pomar, Os Mascarados de Pirenópolis
Eduardo Batarda, El instante meaning
Arpad Szenes, Le Couple

(continua)
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Nota do editor

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Último post da série de 7 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25489: Os nossos seres, saberes e lazeres (627): "Monumento aos Combatentes do Ultramar - Belém", um apontamento filmográfico de Manuel Lema Santos, 1.º Tenente da Reserva Naval